PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES CASADOS E PARA FILHOS QUE COABITAM COM OS PROVEDORES DOS ALIMENTOS. Caroline Said Dias.



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Transcrição:

1 PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES CASADOS E PARA FILHOS QUE COABITAM COM OS PROVEDORES DOS ALIMENTOS Caroline Said Dias Advogada Comissão de assuntos externos do IBDFAM- PR 1. O QUE SÁO MARIDO E MULHER, OU COMPANHEIROS ENTRE SI O vínculo estabelecido pelas uniões afetivas, sejam elas uniões estáveis, sociedades de fato ou casamentos, faz com que um componente desta relação tenha com o outro um liame em geral só superado pelo liame estabelecido entre pais e filhos. Não obstante tal fato, é muito comum ouvir que marido não é parente ou mulher não é parente. Antes de iniciar o trato específico do assunto, faz-se a explicitação de que o termo esposos será utilizado como titulação de membros componentes de casais casados ou unidos de qualquer outra forma que seja, termo aliás, escolhido pela simples sonoridade e empatia pessoal com o mesmo, sem qualquer análise técnica espistemológica ou lingüística. Se fossemos levar em consideração a conotação religiosa da relação conjugal, diríamos que os esposos são muito mais que parentes, são em verdade uma só pessoa, eis que casados, fazem uma só carne... Todavia, sabido que a idílica conotação religiosa do casamento não faz jus a realidade da união, há de se fazer pesquisa a fim de estabelecer se são ou não os esposos parentes entre si, e caso contrário, que tipo de qualificação jurídica os relaciona. A definição de parentesco é diversa, a depender do posto científico de onde se olha. Se o jurista fosse se utilizar da filogenia, seriam parentes todos os que tivessem alguma coincidência genética, quem sabe mesmo, até entre diferentes raças.

2 Do ponto de vista lingüístico corresponde desde a qualidade de parente por laços de sangue, até a significação de traços comuns, conexão, analogia ou semelhança. De acordo com a Genealogia, que é a ciência que estuda as relações de parentesco entre os homens, estas seriam definidas pelo vínculo primordial de geração de descentes, e deles então os demais vínculos de parentesco, sempre dependente do vínculo sanguíneo. vínculos de parentesco. E foi, partindo da genealogia, que nosso sistema jurídico construiu a definição dos A relação de parentesco pura sempre foi definida pela existência ou não de vínculo sanguíneo entre as partes. Isto significando, que eram parentes as pessoas que possuíam em comum, na linha reta, pessoas a que se ligavam pelo vínculo biológico, ou de sangue. Ou seja, pessoas que tivessem ascendentes ou descentes comuns eram parentes puros. A relação de parentesco colateral, também advinha, como advém, da existência de ascendente comum, seja este pai, avô, bisavô, etc.. A juridicidade criou também o parentesco, chamado de parentesco civil ou por afinidade, que liga os parentes dos esposos entre si. Assim o parente de um dos cônjuges ou companheiro, também o é do outro, pela criação jurídica do vínculo por afinidade. Há também o vínculo de parentesco criado pela adoção, e hodiernamente o criado pelo reconhecimento das relações sócio-afetivas como originadoras do status de parente (pai, filho, etc..). Todavia, o interessante é que se continua, mesmo não se sabendo realmente o motivo, a afirmar que esposos não são parentes, evitando-se outorgar a célula primordial da construção dos demais vínculos de parentesco, tal qualidade.

3 Como se pode ver na obra recentíssima de SÍLVIO DE SALVO VENOSA:... A mulher e o esposo, não sendo parentes ou afins, devem-se alimentos com fundamento no vínculo conjugal. 1 Do ponto de vista genealógico-biológico, cônjuges realmente não são parentes, mas tampouco o são os filhos adotivos, os filhos assim considerados pela relação sócio-afetiva e os parentes civis ou por afinidade, enfim, parece que a única justificativa de ainda serem trazidos ao direito as questões limitativas de parentesco seria em relação as vedações ao casamento, seria pelas razões biológicas do prejuízo que pode ser trazido a descendentes pela união de consangüinidade, mas jamais, da forma discriminativa que vem sendo propagada e reafirmada pela doutrina e jurisprudência. Proponho, que a relação jurídica seja tratada de uma só maneira, como relação familiar, e não como vínculo de parentesco limitativo, e assim sendo simplificaria a ciência do direito, retirando a indigesta concepção de parentesco de fonte genealógica-biológica. Assim a relação que une os esposos, os ascendentes, descendentes e colaterais é relação de família e sim de parentesco amplo como preferirem, e não de parentesco restrito. A origem do vínculo familiar pode ser biológico ou sócio-afetivo, e as relações jurídicas derivam do vinculo familiar e não de relação estreita e limitada de parentesco, como conhecemos. Logo, mulher ou marido podem não ser parentes na concepção restrita, mas com certeza são parentes sim em concepção ampla, pois são família!! Note-se se a redação do artigo 1.694 não ficaria bem melhor assim: Podem os familiares pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. Resumindo, embora concorde que há necessidade sim da adequação terminológica em nossa legislação em relação a tratar do vínculo de parentesco amplo, como vínculo familiar, não posso concordar que os esposos não sejam família entre si, ou parentes em sentido amplo. A 1 Direito Civil, VI: Atlas Jurídico, São Paulo 2004, p. 387

4 utilização discriminatória que é utilizada, muitas vezes de forma jocosa, de que mulher ou marido não são parentes, não é admissível a um direito de família que se apresenta tão contemporâneo e flexível. Marido e mulher, são mais que parentes em sentido estrito, são FAMILIA, e a base da constituição desta na maioria das vezes! Entendo então que mais do que o vínculo conjugal propriamente dito, os esposos possuem o vínculo de família, o que corresponde a dizer que são sim parentes em sentido amplo. 2. O DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS ENTRE ESPOSOS Sem fazer qualquer digressão específica sobre a origem da obrigação, pois não é o escopo do presente texto, o atual Código Civil estabelece que: Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive pra atender às necessidades de sua educação. Logo, o Código estabelece que podem os parentes, os cônjuges ou companheiros requerer uns aos outros auxílio para sua manutenção. prestar o Código Civil estabelece: Quanto a quem se deva pedir primeiro os alimentos na concorrência de parentes a Art. 1696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.. Art. 1697. Na falta de ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais. Logo, o Código Civil estabelece que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e no artigo seguinte estabelece primeiro a obrigação aos ascendentes e depois aos demais, não fazendo menção ao cônjuge ou companheiro. do cônjuge? Significaria isso que o dever alimentar é primeiro do ascendente, mesmo a frente

5 Não, mas para isso é necessário, recorrer a interpretação conjunta de vários dispositivos do Código Civil. O artigo 1565, estabelece que pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. No artigo 1568, há o dever dos cônjuges em concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial, bem como no artigo 1566 consta o famoso dever dos cônjuges que é o da mútua assistência. Logo, ainda que o legislador haja se atrapalhado não fazendo constar que a obrigação alimentar, é antes de qualquer outra a estabelecida entres os esposos, fato é que pelo dever de sustento e mútua assistência, antes de possam qualquer um dos esposos requerer alimentos de outros parentes, devem requerer entre si, caso estejam em condições de prestá-los. Pela leitura apressada do capítulo referente aos alimentos no Código Civil, poderse-ia concluir que os alimentos somente seriam devidos no caso de ruptura da união conjugal, ou seja, que o pleito de pensionamento alimentício somente seria viável, no caso de separação do casal. Contudo, os alimentos são devidos mesmo entre esposos ainda na constância da união, ainda que coabitem sob o mesmo teto, exatamente pelo dever de mútua assistência. Os esposos devem concorrer para o sustento da família na proporção de seus rendimentos, ou da forma como lhe for possível. Caso um dos componentes do casal não esteja cumprindo satisfatoriamente com o dever, pode-lhe ser pleiteado judicialmente o cumprimento do dever, sem que tal pedido signifique a ruptura do vinculo conjugal ou da união. Não é necessária a separação, para a fixação de alimentos entre os cônjuges, aliás, por algumas vezes é até indicado que estes restem fixados judicialmente, a fim de manter a união do casal, que de alguma forma não conseguiu habilmente administrar as suas questões financeiras. Veja-se por exemplo, caso em que um dos cônjuges efetue gastos demasiados que o outro não considere adequado e por este motivo o provedor financeiro acabe por estancar na fonte os recursos não mais os repassando, útil é então que reste fixado judicialmente (normalmente por acordo) o

6 quantum que será pago á título de alimentos, a fim de que fique o gastador limitado, mas com quantia a se manter, e o provedor financeiro satisfeito e seguro em saber exatamente a quantia que será paga e gasta. O dever de mútua assistência e do pensionamento entre cônjuges pode mesmo ser incluído em pacto pré-nupcial, onde podem restar estabelecidas as regras financeiras do casamento, inclusive fixando-se valor de pensão alimentícia para os cônjuges no caso de necessidade, ou nos casos de disparidade gritante de situação financeira, onde um se obriga desde o início do casamento a prestar ao outro valor mensal de auxílio financeiro. Parece claro que na grande maioria das vezes a fixação alimentícia se dará de forma consensual, pois o litígio quase certamente traria a ruptura da união, contudo, como diante da diversidade de condutas humanas, não é de se espantar que esposos na constância da união e que não pretendam se separar, venham até mesmo a travar batalhas judiciais pela fixação dos alimentos, afastando a idéia da separação. Porém, parece claro que aos magistrados em geral somente resta a tarefa de homologar os pedidos consensuais de fixação de alimentos, no caso de pleitos alimentícios entre esposos na constância da união, eis que na grande maioria das vezes o intuito de procura desta segurança jurídica se dará para a manutenção da união e não pela ruptura. O entendimento é corroborado pela doutrina 2 e jurisprudência Cite-se J.M.LOPES DE OLIVEIRA O fato de o casal viver sob o mesmo teto não é causa impeditiva ao exercício do direito alimentar entre ambos. 3 2 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, p. 183-184. 3 Alimentos e Sucessão, 7ª Ed, Lumem Júris Rio de Janeiro:2002, p. 18

7 E a interessante decisão da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, como foi noticiado no site http://www.espacovital.com.br/asmaisnovas03052005e.htm: A 2ª Turma Cível do TJ-DFT homologou, ontem, acordo de prestação de alimentos para um casal que vive sob o mesmo teto. O pedido foi formulado por ambos, marido e mulher, mas, em primeira instância, o juiz extinguiu a pretensão, entendendo que não era possível o pagamento da pensão entre os não separados. A sentença foi reformada integralmente. Para a maioria dos desembargadores, "o Código Civil impõe a obrigação de alimentar, inclusive, entre os casados". O recurso de apelação de M.K. e J.C.M.K. foi contra decisão do Juízo da 2ª Vara de Família de Brasília, entendendo não haver interesse processual entre os cônjuges, para um pedido como esses. Irresignados com a sentença, apelaram afirmando que a idéia de fixar uma pensão à esposa era uma forma de disciplinar as finanças do casal. Segundo os apelantes, a saída encontrada visa à superação de desavenças freqüentes, que vinham repercutindo de forma negativa no relacionamento conjugal. De acordo com os desembargadores, o pedido tem pertinência. No entendimento da Turma, a convivência sob o mesmo teto não constitui impedimento para o recebimento dos alimentos. O Código Civil regula o assunto e também abre a possibilidade de pensão alimentícia para homem e mulher que se mantenham casados. O artigo 1694 afirma que podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social. Nada afirma, portanto, acerca da convivência sob o mesmo teto ou em casas diferentes, tampouco impõe obstáculo ao fato de estarem ou não divorciados. Segundo informações do processo, os dois autores da ação estão casados há mais de 30 anos. Todos os filhos já são maiores de idade. O marido afirmou nos autos estar disposto a pagar a pensão à esposa, desde que o acordo possa ser revisto a qualquer tempo. (Proc. nº 20040110817898 - com informações do TJ-DFT). A jurisprudência no assunto não parece ser tão farta basicamente por dois motivos, primeiramente pelo grande desconhecimento da possibilidade da fixação de alimentos entre esposos na constância da união, mas também porque os poucos casos de pedidos judiciais geralmente não alcançam os Tribunais ficando em primeira instância, por serem consensuais. Interessante é frisar que a possibilidade de pleito ou fixação alimentícia entre os casais durante a união, não implica em autorizar um dos cônjuges a aproveitar-se simplesmente dos

8 rendimentos do outro, pois o dever é de MÚTUA ASSISTÊNCIA, e o dever de manutenção da família é de ambos, e não pode ser imputado obrigatoriamente 4 a um só membro do casal. 3. ALIMENTOS AOS FILHOS QUE COABITAM COM PROVEDORES DE ALIMENTOS Da mesma forma que os esposos podem pedir os alimentos quando coabitem sobre a mesmo teto, podem também os filhos pleitear de seus genitores ou parentes a fixação de pensão alimentícia, mesmo quando morem em mesmo local que seus provedores financeiros. Pois o fato de estarem coabitando não significa que o dever alimentar esteja sendo satisfeito de forma satisfatória, pois a prima facie somente a necessidade de habitação estaria sendo satisfeita. Também, pelo mesmo motivo de manutenção da harmonia da família, é por vezes sábio que o valor de pensionamento reste fixado e homologado, pois como já dito anteriormente, nem sempre, infelizmente, as famílias encontram forma hábil de resolver suas diferenças, a não ser quando regulamentadas por terceiro não envolvido com a relação. SILVIO DE SALVO VENOSA, explicita que: O ser humano, desde o nascimento até sua morte, necessita de amparo de seus semelhantes e de bens essenciais ou necessários, para a sobrevivência. Nesse aspecto, realça-se a necessidade de alimentos. Deste modo, o termo alimentos pode ser entendido, em sua conotação vulgar, como tudo aquilo necessário para sua subsistência. Acrescentemos a essa noção o conceito de obrigação que tem uma pessoa de fornecer esses alimentos a outra e chegaremos facilmente à noção jurídica. No entanto, no Direito, a compreensão do termo é mais ampla, pois a palavra, além de abranger os alimentos propriamente ditos, deve referir-se também à satisfação de outras necessidades essenciais da vida em sociedade. O Código Civil, no capítulo específico (arts. 1.694 a 1.710;antigo, arts. 396 a 405), não se preocupou em definir o que se entende por alimentos. Porém, no art. 1.920 (antigo, art. 1.687) encontramos o conteúdo legal de alimentos quando a lei refere-se ao legao: O legado de alimentos 4 Disse obrigatoriamente, pois obviamente que a forma de gestão do sustento da família é de total liberdade do casal, sendo ao próprio casal caberá estabelecer a divisão de tarefas e encargos, inclusive financeiros, o que não se pode é aceitar que um dos membros do casal, pretenda, utilizando-se das normas legais mútuo amparo, sobrecarregar o outro, negando-se ao trabalho ou a divisão de tarefas e pretendendo albergue judicial para tanto.

9 abrange o sustento, a cura, o vesturário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor. 5 Neste sentido, os alimentos abrangem todo o necessário para o sustento, habitação, vestuário, saúde física e mental, instrução e lazer. Logo mesmo habitando com os pais, os filhos podem não estar sendo satisfeitos em todos os aspectos que o dever de sustento prevê. Claro, que há de se fazer a diferenciação entre filhos menores, ou que estejam cursando a Universidade, dos filhos já formados que continuem morando com os pais. No primeiro caso, o dever alimentar provém diretamente do poder-dever parental de sustento e abrange todos os itens elencados anteriormente, já no segundo caso, os alimentos são os devidos aos parentes em geral,e aplicando-se o artigo 1694, 2º, caso estes estejam sendo necessários por total inércia dos filhos em trabalharem e obterem seus meios de manutenção, estes serão restritos apenas aos indispensáveis à subsistência, isto significando que o simples fato de coabitação, já traria o que seria entendível como indispensável. Elucidando um pouco mais, e no sentido do que já se afirmou, o artigo 1.701, dispõe que a pessoa obrigada a suprir os alimentos poderá pensionar o alimentando ou dar-lhe hospedagem, sendo que inclui o dever de prestar educação no caso de menoridade. Concluindo, tem-se que os alimentos são devidos entre os esposos, mesmo durante a união, bem como pelos filhos, mesmo que habitem sob o teto familiar, eis que o simples fato da coabitação não presume que todas as necessidades dos alimentandos estejam sendo supridas. Curitiba, 30 de junho de 2006. Bibliografia: Bacovis, Júlio César UNIÃO ESTÁVEL CONVERSÃO EM CASAMENTO E ALIMENTOS ENTRE CONVIVENTES DE ACORDO COM O NOVO CÓDIGO, Curitiba, Editora Juruá:2003. Cahali, Francisco José e Pereira, Rodrigo da Cunha ALIMENTOS NO CÓDIGO CIVIL ASPECTOS CIVIL, CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL E PENAL, São Paulo, Editora Sariava:2004. 5 Direito Civil, VI: Atlas Jurídico, São Paulo 2004, p. 385

10 Cahali, Yussef Said, DOS ALIMENTOS, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1999. Oliveira, J.M. Lopes de, ALIMENTOS E SUCESSÃO, 7ª Ed, Lumem Júris Rio de Janeiro:2002 Santos, Regina Beatriz T. da Silva DEVER DE ASSISTÊNCIA IMATERIAL ENTRE CÔNJUGES Rio de Janeiro, Forense Universitária:2005. Venosa, Silvio de Salvo, DIREITO CIVIL, DIREITO DE FAMÍLIA, 4ª Ed, São Paulo, Ed. Atlas, 2004.