MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Transcrição

1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Nº 825/ PGGB RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 31959/DF RECTE : VILMA MARTINS DE AZEVEDO RECDO : UNIÃO ADVOGADO: BRUNO DE ALBUQUERQUE BAPTISTA : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO : ALEXANDRE AUGUSTO SANTOS DE VASCONCELOS RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO - PLENÁRIO Recurso ordinário em mandado de segurança. Anistiado político. Reparação econômica. Parcela retroativa inadimplida. Condição de anistiado reconhecida antes do óbito do titular. Direito patrimonial incorporado ao acervo hereditário. Legitimidade ativa da viúva. Ausência de comprovação da exclusão dos herdeiros. José Murillo de Azevedo foi declarado anistiado político por meio da Portaria nº 1252/2002 do Ministro de Estado da Justiça, sendo-lhe concedida reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, a partir de 16 de julho de 2002, data do julgamento, com efeitos financeiros retroativos a 21 de dezembro de Após o falecimento do militar, a reparação econômica mensal passou a ser percebida por Vilma Martins de Azevedo, cônjuge supérstite. Irresignada com o transcurso de quase 10 anos sem o adimplemento das parcelas anteriores ao julgamento pela Comissão de Anistia, a viúva impetrou mandado de segurança, apontando como autoridade coatora o Ministro de Defesa.

2 As informações prestadas pela autoridade coatora noticiaram a abertura, em 17 de janeiro de 2012, de processo administrativo visando a anulação da portaria que declarou o de cujus anistiado político, não havendo dados sobre a conclusão do procedimento. Suscitaram, ainda, a ilegitimidade ativa da impetrante para figurar, sozinha, no polo ativo do writ, bem como o descabimento do pedido de juros e correção monetária, ante os contornos normativos do mandado de segurança. O Superior Tribunal de Justiça extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, em acórdão assim resumido: PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA. MILITAR. PARCELAS PRETÉRITAS. ÓBITO. ILEGITIMIDADE ATIVA DE VIÚVA. 1. Hipótese em que a viúva, isoladamente, impetrou writ visando ao recebimento do passivo, reconhecido em portaria que declarou anistiado político o seu marido. 2. A certidão de óbito dá conta de que, além da impetrante, há outros herdeiros necessários. Faltou, porém, documento que comprovasse que, em partilha, a integralidade do bem ora pleiteado tenha sido transmitida à esposa, o que enseja sua ilegitimidade para figurar no polo ativo da presente ação (art. 267, VI, do CPC). 3. Diante do falecimento do cônjuge, os valores referentes ao retroativo ingressam na esfera patrimonial do espólio e, posteriormente, dos sucessores, uma vez encerrado o trâmite do respectivo inventário. 4. Mandado de Segurança extinto, sem resolução do mérito. A inteligência foi reiterada no acórdão em embargos de declaração, nestes termos:

3 (...) Os Embargos de Declaração não merecem prosperar, pois manifestam nítido caráter infringente, não apontando qualquer omissão ou contradição ensejadoras de sua apreciação. ( ) Quando a reparação econômica integra o patrimônio jurídico do anistiado, como no presente caso, a legitimidade ativa é dos seus herdeiros e sucessores legais. (...) No recurso ordinário, o recorrente reitera os argumentos postos nos embargos, sustentando que o art. 13 da Lei nº /2002 assegura aos dependentes do de cujus e não aos herdeiros e sucessores o direito à reparação econômica. No mérito, reafirma que a omissão do Ministro da Defesa constitui ofensa a seu direito de receber os valores atrasados. Postula, por fim, o reconhecimento da legitimidade ativa da recorrente e a concessão da ordem para compelir a autoridade impetrada a pagar as parcelas retroativas referentes à reconhecida condição de anistiado do falecido cônjuge. - II - O benefício obtido pelo falecido militar ostenta natureza indenizatória e decorre do reconhecimento de sua condição de anistiado político, nos termos do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O legislador ordinário, visando a concretizar o comando normativo constitucional, editou a Lei nº /02, assegurando tanto aos titulares, quanto aos seus sucessores ou dependentes, a legitimidade para requerer a declaração de anistiado político. Em dois momentos trata do tema, no art 2º, 2º, e no art. 13, este constante das Disposições Gerais e Finais. As normas estão assim redigidas: 2º Fica assegurado o direito de requerer a correspondente declaração aos sucessores ou dependentes daquele que seria beneficiário da condição de anistiado político.

4 Art. 13. No caso de falecimento do anistiado político, o direito à reparação econômica transfere-se aos seus dependentes, observados os critérios fixados nos regimes jurídicos dos servidores civis e militares da União. No caso em exame, verifica-se que a reparação econômica foi requerida em vida pelo titular, sendo-lhe concedida em 16 de julho de Com o óbito do militar, ocorrido em 8 de março de 2010, o cônjuge supérstite ora recorrente passou a receber a remuneração mensal na condição de dependente, nos termos do próprio art. 13 da Lei nº /02. O writ foi impetrado para que se lhe reconhecesse, também, o direito a receber a quantia referente aos efeitos retroativos da portaria que deferiu a anistia. Neste ponto, é importante distinguir entre o direito ao crédito reconhecido administrativamente e o direito ao recebimento da reparação econômica após o falecimento do titular. O primeiro, por sua natureza patrimonial, incorpora-se ao acervo hereditário do de cujus, sendo passível de transmissão ao espólio e, posteriormente, aos herdeiros. O segundo, por sua vez, é de natureza pessoal, transmissível somente aos dependentes, na forma do art. 13 da Lei nº /02. Assim, não há como interpretar o art. 13 da Lei nº /02 de modo a afastar o direito dos herdeiros necessários aos valores já incorporados ao patrimônio jurídico do de cujus. A esse propósito, verifica-se na certidão de óbito de José Murillo de Azevedo que o falecido era casado com Vilma Martins de Azevedo e deixa filhos. Não consta dos autos documento apto para demonstrar que os herdeiros necessários estariam excluídos do direito ao crédito ora pleiteado, como ressaltado no voto do il. Ministro relator:

5 (...) A impetrante cônjuge supérstite não fez prova da transmissão do direito ora pleiteado em juízo. Não há documento que demonstre sua legitimação para pleitear, em nome próprio e com a exclusão dos demais sucessores, o direito do de cujus. (...). O entendimento do STJ é exato e se ampara na correta inteligência de que o art. 13 da lei de 2002, dada a natureza indenizatória da verba em causa, não excluiu das normas gerais sobre sucessão as quantias pretéritas a que faria jus o anistiado, falecido depois de concedida a anistia. Ainda que assim não fosse, a pretensão da impetrante apresenta feitio de cobrança de quantia devida toda ela antes da impetração, inviabilizando o mandado de segurança, nos termos da Súmula/STF 269. O parecer é pelo desprovimento do recurso. Brasília, 08 de abril de Paulo Gustavo Gonet Branco Subprocurador-Geral da República