CONCEITO DE NÚMERO OU SENTIDO DE NÚMERO? TENDÊNCIAS DO ENSINO DO NÚMERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL BRAZ, Vivian Aparecida Corrêa 1 - Unesp Univ Estadual Paulista DUPPRÊ, Marisa Rocha Cupido 2 - Unesp Univ Estadual Paulista Resumo Grupo de trabalho: Educação da infância Agência Financiadora: não contou com financiamento Este texto abrange reflexões sobre parte dos dados da pesquisa em andamento intitulada A Construção do conceito de número na educação infantil: pressupostos teóricos e implicações educativas, no curso de Mestrado em Educação, na Unesp - Univ Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente. Como se trata de um recorte, o texto em questão abordará os enfoques que envolvem o ensino do número na Educação Infantil nas últimas décadas, bem como seus respectivos quadros teóricos. Trataremos também do sentido e dos usos do número pelas crianças, o papel da instituição de Educação Infantil e do professor na promoção e compreensão dos aspectos numéricos. Para tanto, realizamos uma pesquisa teórica, cuja metodologia aplicada para obtenção de dados foi o levantamento bibliográfico sobre os autores e teorias que investigam essa temática, entre eles podemos destacar os estudos de Piaget, Kamii, Panizza, Castro, Lorenzato, entre outros. Os estudos acerca do número iniciaram com Piaget, que concebia o número como uma síntese de dois tipos de relações que a criança elabora por abstração reflexiva: a classe e a série. Para construir o conceito de número, a criança precisa compreender três noções fundamentais: a classificação enquanto inclusão de classes, a noção de unidade e a noção de seriação. Ao longo das décadas essa teoria foi sendo revisados por novas pesquisa, apresentando novos enfoques, como é o caso da Didática da Matemática, que acredita ser necessário dar sentido ao ensino do número para que a criança consiga chegar a construção desse conceito. A escola e o professor tem papel 1 Pedagoga; Especialista em Educação Infantil; Professora de Educação Infantil da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente SP; Mestranda em Educação do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências e Tecnologia Unesp Univ Estadual Paulista, câmpus de Presidente Prudente; membro do Grupo de Pesquisa: Profissão Docente: formação, identidade e representações sociais. E-mail: Vivian_braz@hotmail.com. 2 Engenheira Civil e de Segurança do Trabalho; Orientadora de disciplina do Curso Semi Presencial de Pedagogia da Universidade Virtual do Estado de São Paulo UNIVESP/UNESP; Mestranda em Educação do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências e Tecnologia FCT/UNESP, campus de Presidente Prudente; Professora e Coordenadora dos cursos Técnicos de Edificações e Segurança do Trabalho, professora especialista do curso de Engenharia da Faculdade de Presidente Prudente FAFEPE/UNIESP; membro do Grupo de Pesquisa: Formação dos Professores da Educação Infantil. E-mail: engmarisarcupidoduppre@hotmail.com.
25177 fundamental nesse processo de encorajar a criança e desafiá-la a estabelecer relações de diferentes naturezas. Palavras-chave: Educação Infantil. Sentido de número. Teoria Piagetiana. Didática da matemática. Introdução As reflexões apresentadas nesse texto abrangem dados de pesquisa em andamento, no curso de Mestrado em educação, na Unesp - Univ Estadual Paulista, câmpus de Presidente Prudente. A pesquisa principal é intitulada A Construção do conceito de número na educação infantil: pressupostos teóricos e implicações educativas, cujo objetivo geral é mapear a produção científica brasileira que investiga a construção da ideia de número na educação infantil no período pós Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Resolução 9.394/96, até os dias atuais. Como se trata de um recorte, o texto em questão abordará os enfoques que envolvem o ensino do número na Educação Infantil nas últimas décadas, bem como seus respectivos quadros teóricos. Trataremos também do sentido e dos usos do número pelas crianças, o papel da instituição de Educação Infantil e do professor na promoção e compreensão dos aspectos numéricos. A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN, Resolução 9.394/96, em 1996, representa um marco histórico para a educação no Brasil, pois reconhece pela primeira vez a educação infantil como parte da educação básica. Em decorrência, passa-se a discutir e pesquisar mais sobre infância e educação e formação do profissional da educação infantil. Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (BRASIL, 1996) Inúmeras mudanças foram motivadas por força desta lei, entre elas o novo olhar sobre o cuidar e educar nas instituições, o fim da visão assistencialista que ainda permeava alguns órgãos e instituições; determina a participação dos profissionais na educação na elaboração do projeto político pedagógico da escola e estabelece os níveis de formação do profissional da área de educação infantil. Em 1998, foi publicado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, um documento oficial destinado a orientar, a servir de referência nas questões curriculares: o
25178 que ensinar nessa etapa do ensino, quais objetivos e conteúdos se deve abordar, como avaliar na educação infantil. Em 1999, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais, que têm caráter mandatório para todos os sistemas educacionais. Segundo Oliveira (2010, p.119), Tais Diretrizes trataram o cuidar e o educar como aspecto indissociável e defenderam uma concepção de criança como sujeito ativo que interage com o mundo por meio da brincadeira e principalmente como alguém com direito de viver sua infância; daí as preocupações, manifestadas no parecer, em combater a antecipação de rotinas e práticas características do Ensino Fundamental para orientar o trabalho com crianças pequenas. Em 2000, foram aprovadas as Diretrizes Operacionais da Educação Infantil e, paralelamente a isso, desenvolveu-se o debate sobre o Plano Nacional de Educação. Desde a década de 90, inúmeros Fóruns de Educação infantil vêm sendo realizados, nos quais a questão da qualidade na educação está sempre em pauta. Em todos os documentos oficiais, debates e discussões acerca da Educação Infantil desde então, afirma-se a necessidade de promover o desenvolvimento integral das crianças, ou seja, o desenvolvimento em seus aspectos físico, social, afetivo, cognitivo, motor, psíquico, além de reforçar os direitos da criança ao respeito, à proteção, à saúde, à brincadeira, à aprendizagem de qualidade através da exploração de diferentes linguagens, conceitos e relações. Diante deste novo cenário no qual se encontra a Educação Infantil, nos interessa saber como tem sido abordado o ensino do número ao longo dessas décadas e na atualidade. Para tanto, realizamos uma pesquisa teórica, cuja metodologia aplicada para obtenção de dados foi o levantamento bibliográfico sobre os autores e teorias que investigam essa temática, entre eles podemos destacar os estudos de Piaget, Kamii, Panizza, Castro, Lorenzato, entre outros. O número na Educação Infantil Começaremos por esclarecer uma terminologia: conceito de número ou sentido de número? De acordo com Castro (2008), a expressão sentido de número já tem sido utilizada na literatura há 20/25 anos e é um termo mais abrangente do que conceito de número, utilizado por Piaget ao desenvolver sua teoria das aprendizagens numéricas. Optamos neste trabalho por utilizar o termo sentido de número, visto que,
25179 De um modo geral podemos dizer que o sentido de número diz respeito à compreensão global e flexível dos números e das operações, com o intuito de compreender os números e as suas relações e desenvolver estratégias úteis e eficazes para cada um os utilizar no seu dia a dia, na sua vida profissional ou enquanto cidadão activo. Inclui a capacidade de compreender que os números podem ter diferentes significados e podem ser usados em contextos muito distintos. (CASTRO, 2008, p. 118-119) Quando falamos em sentido de número, estamos nos referindo aos conhecimentos numéricos que as crianças já trazem mesmo antes de entra na escola, como a contagem oral, e à medida que vão adquirindo outras experiências na escola, vão compreendendo outros significados que o número possui. Apresentaremos a seguir, diferentes enfoques de ensino do número que têm sido utilizados nas últimas décadas. Até a década de 1970, Moreno (2006) relata que prevalecia o ensino clássico dos números na educação infantil. Esse ensino caracterizava-se por ensinar os números aos poucos, um de cada vez, obedecendo à sequência numérica. A concepção de aprendizagem presente neste modelo era ir do simples para o complexo, privilegiando o treino e a repetição como forma de aprendizagem. Qualquer conhecimento prévio que a criança possuísse a respeito de número era ignorado, pois havia a necessidade de seguir procedimentos e sequências formais de ensino. Por volta de 1970, houve a chamada reforma da matemática, iniciada pelos franceses, que queria romper com as concepções de ensino vigentes e propor novas formas de abordar o número na escola infantil. Surge daí duas correntes de referência: os estudos sobre a gênese do número, por Piaget e a teoria dos conjuntos adaptada de uma teoria Matemática. No que diz respeito ao número, Piaget acreditava que o desenvolvimento desse conceito estava relacionado a capacidades lógicas, ou seja, seria necessário que a criança passasse por uma etapa pré-numérica antes de construir a noção do número. Essa etapa prénumérica consistia no domínio da classificação operatória, a seriação, e a capacidade de estabelecer correspondência termo a termo. A hipótese da qual partimos é, obviamente, que esta construção é correlativa do desenvolvimento da própria lógica e que ao nível pré-lógico corresponde um período pré-numérico. E o resultado obtido foi que, efetivamente, o número se organiza, etapa após etapa, em solidariedade estreita com a elaboração gradual dos sistemas de inclusões (hierarquia das classes lógicas) e de relações assimétricas (seriações qualitativas), com a sucessão dos números constituindo-se, assim, em síntese operatória da classificação e da seriação. (PIAGET, 1975, p. 12)
25180 Ensinar diretamente ideia de número não é algo possível nessa teoria, já que não podemos ensinar como construir uma estrutura de pensamento. O número é a relação criada mentalmente por cada indivíduo... A criança progride na construção do conhecimento lógicomatemático pela coordenação das relações simples que anteriormente ela criou entre os objetos. (KAMII, 1990, p. 15). Inúmeras críticas recaíram sobre essa teoria. Na verdade, Piaget não elaborou uma teoria de aprendizagem. Seus estudos buscaram compreender como se estruturam as grandes categorias do conhecimento, como espaço, tempo, causalidade, longitude, as conservações etc. O que ocorreu foi a transposição da teoria piagetiana para as salas de aula, tomando as experiências clínicas aplicadas pro Piaget em seus estudos, como atividades de ensino. Os críticos acreditam que a capacidade de conservação e a seriação não garantem que o aluno vá estabelecer as relações necessárias para compreender o número, até porque, muitas crianças já vão desenvolvendo compreensões pré-numéricas antes mesmo de desenvolver o raciocínio lógico. Diante da insatisfação quanto ao rumo que tomava o ensino da matemática de um modo geral, surge novamente na França, um novo enfoque de estudos, a Didática da Matemática. A Didática da Matemática é formada por um sistema de teorias desenvolvidas ao longo do século XX e que tomaram impulso na última década em diversos países. Esta nova proposta tem como um de seus representantes Brousseau, que desenvolveu a teoria de situações didáticas. A didática tem como foco a aprendizagem através de situações problema, tendo como objetivo principal identificar as condições nas quais os alunos mobilizam saberes na forma de ferramentas que conduzem à construção de novos conhecimentos matemáticos. (MORENO, 2006, p. 48). Nessa teoria, os fundamentos da teoria piagetiana são utilizados, pois se acredita que o conhecimento só pode ser construído com a ação do aluno, diante de situações desafiadoras que lhe causem desequilíbrio. O ponto central para a Didática da Matemática é que os conhecimentos ensinados, no caso o número, tenham sentido para o aluno. Porque ensinar sentido de número para crianças pequenas? As crianças estão em constante contato com situações nas quais têm contato com números. Antes de entrar na Educação Infantil, muitas são capazes de resolver problemas que
25181 envolvem relações numéricas, se baseando em observações e vivências com números. Mesmo as crianças que ainda não conservam, são capazes de raciocinar sobre relações numéricas, por exemplo, ao pensar quantas figurinhas possui, ao dizer quantos anos tem, ao contar quantos dias faltam para seu aniversário, etc. Ao entrar na escola, se espera que a criança tenha ampliado seu sentido de número, percebendo que o número está presente em várias funções do cotidiano, como ressalta Lorenzato (2011): o número pode servir como localizador de endereços; como identificador de datas, telefones, páginas; como ordenador ao indicar a posição; como quantificador; como medida, como cálculo, etc. Porém, essa aprendizagem não se dá de hora para a outra. O sentido do número acontece em um processo, que pode ser estimulado a partir da contagem oral, depois a contagem de objetos, aos poucos a criança vai construindo e percebendo as relações numéricas, passa a representar de modo convencional ou não, suas ideias de número. A escola e o professor precisam estar atentos e capacitados para estimular e encorajar as crianças, através da experimentação e da comunicação, utilizando estratégias diversificadas para levar as crianças a desenvolver o sentido de número. Considerações finais A resolução de situações-problema é uma estratégia que deve estar presente na rotina da educação infantil. Não estamos nos restringindo apenas a problemas matemáticos, e sim, às situações nas quais a criança encontra um obstáculo, um conflito, e que precisa mobilizar conhecimentos anteriores para resolvê-las. A criança deve ser provocada a pensar, a colocar em relação conceitos, ideias, fatos que já havia assimilado, com novos conhecimentos que aquela situação lhe permitiu vivenciar. E, provavelmente, não realizará este processo sozinha. Contará com a ajuda de seus pares, para conversar, discutir, e também de seu professor para orientar e questionar as respostas encontradas. Muitos educadores acreditam que é possível ensinar todos os tipos de conhecimento só através do conhecimento social (transmissão social). Após refletirmos sobre a importância de colocar a criança em situações que possa estabelecer relações entre os conhecimentos, não podemos concordar e aceitar que o professor seja o detentor do conhecimento que será repassado à criança de forma passiva e autoritária. Se buscamos através da educação a autonomia da criança, a capacidade de pensar e verbalizar suas ideias, a possibilidade de
25182 expor e confrontar seus pontos de vista, cabe ao professor a responsabilidade de planejar situações que favoreçam o conflito cognitivo, a resolução de problemas, estimulem a descoberta de novos conhecimentos. O professor precisa encontrar um ponto de equilíbrio para saber quando e como intervir, agindo como um colaborador no trabalho e não aquele que corrige e dá uma resposta imediata. REFERÊNCIAS BARBOSA, M. C. S. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei Federal nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. KAMII, Constance. A criança e o número: Implicações educacionais da teoria de Piaget para a atuação de escolares de 4 a 6 anos. Campinas, SP: Papirus, 1990. LORENZATO, S. Educação Infantil e percepção matemática. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. MORENO, B. R. de. O ensino do número e do sistema de numeração na educação infantil e na 1ª série. In: PANIZZA, M. Ensinar matemática na educação infantil e nas séries iniciais: análise e propostas. Porto Alegre: Artmed, 2006. PIAGET, J.; SZEMINSKA, A. A gênese do número na criança. Rio de Janeiro: Zahar, Brasília, INL, 1975.