Gestão de crédito: como estamos cuidando da nossa saúde financeira? 1 *Matheus Alberto Consoli *Luciano Thomé Castro *Lucas Sciencia do Prado *Marcelo Henrique Consoli A gestão de crédito nas empresas ligadas ao agronegócio, sempre foi algo desafiador. Dada a escassez de recursos públicos e privados para o setor, as indústrias, cooperativas e revendas acabam atuando como grandes financiadores das atividades dos produtores. Nesse contexto deve-se destacar que existe uma grande diferença na forma em que esses agentes realizam suas análises. Parte-se de uma situação em que as indústrias possuem sofisticadas ferramentas de avaliação de crédito, além de mecanismos de garantias como, hipotecas, penhor, CPRs, operações de trocas, em quase todas as vendas, para outro extremo em que as revendas nem sempre conseguem exigir o mesmo nível de garantias e critérios que as indústrias. Outro fator importante é trade-off entre vendas e crédito. Os gestores das revendas cobram regularmente da equipe de campo melhores resultados comerciais e atualização de informações sobre os clientes. Os vendedores, por sua vez, justificam a dificuldade no cumprimento das metas pela redução das oportunidades de vendas geradas pela limitação de crédito aos produtores. Essa situação é facilmente identificada em muitas revendas pelo Brasil. Assim, alguns processos podem ser adotados pelas revendas para que a gestão de crédito seja mais bem trabalhada, buscando-se minimizar os riscos da atividade. Assim, nesse artigo são sugeridos alguns passos que podem ser implementados pelas revendas na estruturação de sua área de crédito. De maneira geral, em muitas revendas do Brasil o processo de crédito anda junto do processo de vendas. Isso significa que diversas empresas começam a levantar ou atualizar informações de crédito dos clientes quando a equipe comercial já está em atividade de vendas ou quando os pedidos começam a chegar à empresa. Para solucionar grande parte desses problemas, é recomendado que as revendas atuem proativamente e antecipadamente para a avaliação de crédito de seus clientes. Isso envolve um esforço que pode ser resumido nas três etapas abaixo destacadas: 1 Informativo publicado pela Andav número 44 de 06/07/2010.
1. Definição de uma política de crédito: Deve-se definir critérios claros para o estabelecimento de limites de crédito, padronizando a política por ano-safra, considerando diversas variáveis e informações de produção, histórico, endividamento etc. que deverão ser a base para a gestão de crédito. A importância de se criar uma política de crédito é que as revendas passam a tratar todos os seus clientes com os mesmo critérios, evitando muitas vezes que problemas comuns ocorram como misturar o bom relacionamento com capacidade de pagamento de um cliente. 2. Planejamento pré-safra: Aliado ao planejamento de vendas que engloba o levantamento de potencial de clientes, áreas por cultura, definição de metas etc. deve-se atualizar uma ficha detalhada de informações de crédito. Isso facilita o alinhamento de vendas versus crédito e direciona a equipe comercial para ajustar o potencial de compra dos clientes à política de crédito. Essas atividades devem ser realizadas entre o período final de uma safra e início do próximo período comercial. Nesse sentido, destaca-se que a melhor fonte de informações dos clientes é a ficha cadastral. Grande atenção deve ser dada à qualidade, detalhamento e atualização do cadastro de clientes, reconhecidamente um fator crítico, porém, negligenciado por muitas empresas, dado a falta de definição de processos internos, dificuldade de obtenção de dados, desalinhamento entre áreas, departamentos e/ou gestores da revenda e sistemas de incentivo que desconsideram essas atividades. 3. Definição prévia de limites de crédito: Após a avaliação comercial e atualização de informações, deve-se realizar previamente uma análise e definição de limites de crédito (no mínimo, para os principais clientes que representem até entre 70% e 85% do faturamento da empresa). Isso não significa engessar o processo comercial, mas reduzir a exposição ao risco e criar procedimentos de crédito mais confiáveis. Limites adicionais e exceções poderão ser concedidos com uma análise específica caso a caso. Desse modo, estruturar um processo ágil e confiável de gestão de crédito é um fator fundamental para o sucesso das revendas. Apesar de algumas dificuldades e desafios em sua implementação, os frutos e resultados superam os esforços iniciais de seu desenvolvimento. Procedimentos O principal benefício de uma política de crédito é a manutenção de um padrão, e estabelecimento de parâmetros de análise e concessão de crédito que reduzam o risco de inadimplência. Com isso, a revenda poderá crescer de forma sustentável. Isso deve ser pautado em processos internos, critérios objetivos e informações atualizadas, evitando-se julgamentos e erros que possam ocasionar perdas.
Os procedimentos básicos para definir os limites a serem concedidos devem incluir, entre outros aspectos: consulta a sistemas de informações restritivas (ex.: Serasa, SCPC); consulta a referências comerciais e bancárias; informações financeiras e patrimoniais (ex.: Declaração de IR, Extrato de movimentação financeira); dados de produção e de mercado. Destaca-se, entretanto, que a política de crédito deve ter o envolvimento dos gestores (especialmente da área comercial e financeira) e deve incluir uma série de processos internos como planejamento, emissão de pedidos e faturamento, entregas, cobrança etc. Sugere-se, nesse caso, que se implemente procedimentos simples, como assinatura de canhotos de notas fiscais, assinaturas de duplicatas e solicitação de garantias sempre que necessário, levando-se em consideração a qualidade e acessibilidade dessas garantias. Entretanto, para essas atividades, deve-se possuir procedimentos para a definição de limites de crédito de forma parametrizável, levando em consideração variáveis e critérios de avaliação definidos e implantados conforme a política da revenda. Alguns dos bons sistemas de gestão e softwares utilizados por revendas já apresentam ferramentas e parâmetros para sugestão de limites de valores, podendo ainda ser complementados por algumas variáveis pelos gestores de crédito. Estabelecer parâmetros e implantar um processo para definir o limite de crédito deve contar com uma boa estimativa de potencial de compra, custos e receitas dos clientes, respondendo questões como: qual é o potencial de compras total desse cliente (por cultura)?; qual é o potencial de compras com produtos da revenda?; quanto desse potencial é acessível por nós (geralmente uma fração da área do cliente)?; e qual é o resultado esperado das atividades desse cliente (cultura / safra)? Essas análises iniciais servirão de base para um importante parâmetro a necessidade de crédito do cliente. De posse desses dados, é possível detalhar a necessidade total de crédito (todos os insumos para a área total cultivada) do produtor e a demanda de crédito do produtor junto à revenda. A partir dessa informação, inicia-se um processo mais específico de tomada de decisão: quanto dessa necessidade de crédito será atendida pela revenda? Qual é o volume de crédito que podemos conceder para esse cliente? Assim, sugere-se que o limite de crédito seja ajustado a partir da necessidade do cliente por meio da definição de critérios de análise e avaliação (credit score) alinhados com a política de crédito da empresa. Desse modo, ao implantar procedimentos para a definição de limite de crédito, sugere-se parametrizar as variáveis mais relevantes para análise e utilizá-las como referência, lembrando sempre que isso é um balizador de decisões e não uma automação! A experiência do analista, qualidade das informações e objetivos de exposição ao risco da empresa devem ser sempre levados em consideração. Se possível, definir alçadas de decisão entre os responsáveis, também facilita o trabalho, agiliza o processo e reduz redundâncias. Ainda, pode ser criado um comitê de crédito. Esse pode ser composto pelos responsáveis pelo crédito, gestores financeiros, gestores da revenda e vendedores. Assim, sempre que um limite de crédito considerado alto for avaliado, o comitê deve ser consultado para uma revisão e validação, para uma tomada de decisão e aprovação d limite com mais segurança.
A seguir colocam-se alguns questionamentos que devem ser considerados para o melhor entendimento das atividades de gestão de crédito e avaliação de melhorias que podem ser consideradas pelas revendas. Pontos a Considerar Processo atual Sistema Variáveis de Analise de Crédito Cadastro Planejamento Pré- Safra Reflexão para a Revenda Como definimos nosso limite de crédito? Quem são os responsáveis? Que histórico de inadimplência temos? Nosso sistema ajuda nesse processo? Utilizamos ferramentas de apoio? Quais variáveis são utilizadas para definir limite de crédito? São suficientes e confiáveis? Que outras variáveis podemos utilizar? Estamos padronizando as variáveis de análise para todos os clientes? Nosso cadastro está atualizado? Podemos confiar? Qual a periodicidade de atualização? Quem são os responsáveis? Quando começamos definir nossos limites de crédito para principais clientes? Antecipamos nossa análise de crédito para apoiar o planejamento de vendas? Assim, voltamos a incentivá-los a responder as questões colocadas para uma avaliação crítica do seu processo de crédito, sempre na expectativa que melhorias sejam implementadas para melhorar seu resultado. Bom trabalho e sucesso a todos! * Os autores são consultores da Markestrat e atuam em projetos em agronegócios e distribuição de insumos agropecuários. Para maiores informações, acesse www.markestrat.org *Matheus Alberto Consoli - Especialista em Estratégias de Negócios, Gestão de Cadeias de Suprimentos, Distribuição e Marketing. Doutor pela EESC/USP. Mestre em Administração pela FEA/USP. Administrador de Emprsas pela FEA-RP/USP. * Luciano Thomé e Castro - Especialista em Marketing, Canais de Distribuição e Administração de Vendas. Doutor em Administração pela FEA/USP. Mestre em Administração também pela FEA/USP. Administrador de Empresas pela FEA-RP/USP. Professor da área de Marketing da EAESP - FGV. * Lucas Sciencia do Prado - Especialista em Sustentabilidade Social no Varejo e Negociação Empresarial. Mestre em Administração de Empresas pela FEA-RP/USP. Administrador de Empresas também pela FEA- RP/USP.
* Marcelo H. Consoli - Especialista em Controladoria e Finanças. Mestre em Ciências Contábeis e Financeiras pela PUC-SP. Graduação em Ciências Econômicas e Ciências Contábeis pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Professor de MBA e de graduação.