Reflexões sobre a atuação do psicólogo judiciário nos casos de denúncia de abuso sexual contra crianças e adolescentes

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Transcrição:

Reflexões sobre a atuação do psicólogo judiciário nos casos de denúncia de abuso sexual contra crianças e adolescentes Glausa de oliveira Munduruca 1 Joyce Borges Romeiro 2 Resumo: Este artigo discute a atuação das profissionais autoras no atendimento dos casos que envolvem denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes no âmbito do judiciário. Pretende refletir sobre questões pertinentes que permeiam o trabalho do psicólogo judiciário, enfatizando duas questões centrais: o objetivo da avaliação psicológica nos casos de denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes e identificar quais elementos contribuem na produção e elaboração do relatório/laudo psicológico. Palavras-chave: abuso sexual; psicólogo judiciário; avaliação psicológica. Introdução Este trabalho deriva da atuação das autoras na Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O atendimento aos casos envolvendo denúncias de abuso sexual é complexo e exige muita cautela do profissional. Além de ensejar várias indagações a respeito do pedido de avaliação psicológica nestes casos. Portanto, pretende-se refletir sobre alguns aspectos do trabalho do psicólogo judiciário, enfocando a atuação junto aos casos de denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes. Faz-se necessário identificar qual o objetivo da avaliação psicológica neste contexto. E consequentemente, identificar quais elementos contribuem na produção e elaboração do laudo psicológico que irá subsidiar as decisões judiciais. Com o advento do Estatuto e da Criança e do Adolescente (ECA, BRASIL, 1990), a criança e o adolescente passam a ser considerados sujeitos de direitos, ou seja, indivíduos que precisam de proteção especial do Estado da sua condição de sujeito em desenvolvimento. A referida Lei institui: Art. 5º nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (BRASIL, 1990). 1 Psicóloga Judiciária, Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo-USP. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. glausa@me.com 2 Psicóloga Judiciária, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela Unesp/Bauru. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. borgespsico@gmail.com Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 18

Assim, a criança e o adolescente vítimas de qualquer tipo de violência devem ser protegidos de forma a garantir seus direitos fundamentais: à saúde, à educação, ao lazer e a cultura e a convivência familiar e comunitária. O ECA estabelece como motivos para medidas de proteção: Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta (BRASIL, 1990). Quando uma criança ou adolescente tem seus direitos violados, como quando sofrem uma violência sexual várias medidas protetivas podem ser aplicadas. O ECA traz um rol exemplificativo para que o juiz possa se pautar considerando a gravidade e a complexidade de cada caso. Entre as várias medidas protetivas, duas merecem destaque: a que determina a inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente e a que possibilita que a criança ou o adolescente tenha acesso a tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial quando houver necessidade. Essas medidas protetivas são determinadas pelo poder judiciário, que conta com uma equipe interprofissional para realizar os trabalhos junto à criança e ao adolescente. A equipe interprofissional é estabelecida pelo ECA: Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe inter profissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude. Art. 151. Compete à equipe inter profissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico (BRASIL, 1990). É nesse contexto que a equipe inter profissional tem sua atuação reconhecida, pois seu trabalho junto ao judiciário visa assegurar à proteção integral à criança e ao adolescente. A equipe inter profissional do Poder Judiciário do Estado de São Paulo é composta por psicólogos e assistentes sociais. Em geral, após receber um processo onde há uma questão envolvendo criança ou adolescente, determinando a avaliação psicológica e social, os profissionais realizam os respectivos estudos e por fim, elaboram um relatório/laudo que será encaminhado ao processo, visando a oferecer subsídios para a decisão judicial: Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 19

A importância da atuação do Psicólogo no Poder Judiciário está na possibilidade de abordar as questões da subjetividade humana, as particularidades dos sujeitos e das relações nos problemas psicossociais, expressos nos autos, com o contexto social e políticos nos quais estão inseridos (BERNARDI, 1999, p. 108). Portanto, o estudo psicológico engloba uma visão ampla do sujeito, trazendo à tona um conhecimento subjetivo para complementar a visão jurídica que é predominantemente objetiva. O estudo psicológico realizado na prática judiciária difere do estudo clínico, pois a avaliação forense é determinada pelo judiciário. O objetivo final da avaliação será, sempre, através da compreensão psicológica do caso, responder a uma questão legal expressa pelo juiz ou por outro agente jurídico (ROVINSKI, 2007, p.41). Característica e consequências do abuso sexual para crianças e adolescentes A World Health Organization (WHO, 2005) conceitua a violência sexual contra crianças e adolescentes como todo envolvimento de uma criança ou adolescente em atividade sexual inapropriada, com um adulto (ou entre um adolescente mais velho e uma criança). A atividade sexual é necessariamente destinada à gratificação sexual dessa outra pessoa. Segundo Florentino (2015) o abuso sexual é caracterizado como qualquer ação de interesse sexual de um ou mais adultos em relação a uma criança ou adolescente, esta relação pode se dar no âmbito familiar ou extra familiar. Percebe-se que se trata de uma relação assimétrica, baseada no poder do adulto sobre a criança ou o adolescente, polo mais frágil da relação. Esta assimetria configura uma desproteção da criança ou do adolescente em relação ao adulto abusador. Por se tratar de uma violência contra a criança e o adolescente o abuso sexual pode ocasionar consequências graves para o desenvolvimento emocional da vítima: O que se observa na literatura existente é a concordância entre os especialistas em reconhecer que a criança vítima de abuso sexual corre o risco de uma psicopatologia grave, que perturba sua evolução psicológica, afetiva e sexual (ROMARO, CAPITÃO, 2007, p.144). Furniss (1993) explica que o dano psicológico em virtude de abuso sexual da criança está relacionado a sete fatores, sendo eles: idade do início do abuso; a duração do abuso; o grau de violência ou ameaça de violência; a diferença de idade entre o perpetrador e a criança vitimizada; o tipo de relacionamento; a ausência de figuras parentais protetoras e o grau do segredo. Portanto, as consequências psíquicas variam de acordo com cada situação, porém em todos os casos o apoio psicológico é uma ferramenta fundamental de suporte para a elaboração da situação de abuso. Segundo Gava; Pelisoli e Dell Aglio, 2013 e Borges e Zingler, 2013, crianças e adolescentes vítimas de violência sexual podem apresentar sentimentos de culpa, dificuldade em confiar no outro, comportamento hiperssexualizado, medos, pesadelos, isolamento, sentimentos de desamparo, baixa autoestima, agressividade, entre outros sintomas. Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 20

Ademais, pesquisas apontam que além de alterações comportamentais, emocionais e cognitivas, vítimas de abuso sexual podem desenvolver quadros patológicos (GAVA; SILVA e DELL AGLIO, 2013), entre os mais comuns estão os Transtornos de Humor, de Ansiedade, Depressão, Transtornos Alimentares, Hiperatividade e Déficits de Atenção (SERAFIM; SAFFI, ACHÁ e BARROS, 2011). Os impactos psicológicos do abuso sexual que se iniciam na infância podem-se estender até a vida adulta, provocando assim graves prejuízos em diversas esferas da vida da pessoa que foi vítima do abuso. Portanto, a questão do abuso sexual engloba aspectos sociais, jurídicos e psicológicos. O abuso sexual abrange questões sociais à medida que enseja políticas de saúde pública para as vítimas. Abarca questões jurídicas, visto que o abuso sexual é um crime e terá sanções penais para o abusador. Por fim, inevitavelmente a situação de abuso sexual interfere negativamente no desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes que passaram por esta situação (CARA e NEME, 2016). A psicologia tem contribuído para a compreensão da dinâmica e das consequências do abuso sexual em crianças e adolescentes, no campo judiciário esta compreensão faz-se extremamente importante devido à demanda por avaliações psicológicas envolvendo esta questão. A atuação do psicólogo judiciário nos casos de denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes Os casos envolvendo denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes são distribuídos no poder judiciário, para a Vara da Infância e Juventude, porém de forma indireta a questão também pode ser tratada nas Varas de Família. Existem dois tipos de denúncias de abuso sexual que são recorrentes no judiciário e demandam atenção e cuidado por parte do psicólogo. A primeira envolve os casos que colocam a criança e o adolescente em risco e, portanto, ensejam medidas de proteção. Esses casos são julgados pelo juízo da Vara da Infância. São os casos típicos de abusos sexuais intra familiar, praticados por pessoas com quem a criança ou o adolescente tenham laços sanguíneos ou vínculos de afetividade, como pai, padrasto, tio, primo e etc. (LIMA e ALBERTO, 2012) ou cometidos por pessoas próximas da vítima, porém fora do ciclo familiar. O segundo tipo de denúncia é aquela que envolve a disputa dos pais pela guarda ou pela visita do filho, geralmente as denúncias nesse âmbito estão intrinsecamente ligados à alienação parental 3. Na alienação parental, o guardião influencia e, até mesmo, implanta falsas memórias, levando a criança a rejeitar o outro genitor e relatar algo que não ocorreu, podendo inclusive, induzi-la a uma falsa denúncia de abuso sexual (GUAZZELLI, 2007). Esses casos são julgados pela Vara da Família. A denúncia de abuso sexual fomenta significativa tensão e conflitos familiares, trazendo à tona problemas até então escamoteados que desembocam na instauração de um processo judicial e demandará a análise do caso. Assim, a psicologia contribui trazendo à tona os aspectos subjetivos que irão complementar o saber jurídico (GRANJEIRO e COSTA, 2008). 3 No Brasil, a Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, dispõe sobre o conceito e procedimentos jurídicos relacionados à Alienação Parental. Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 21

De modo geral, torna-se imprescindível ao psicólogo judiciário conhecer e identificar os fatores emocionais e comportamentais comumente presentes nas situações de abuso sexual para produzir um laudo claro e objetivo (PELISOLI e DELL AGLIO, 2014). Mas afinal o que o juiz espera da avaliação psicológica? Quais informações ou subsídios que a psicologia como ciência pode fornecer nos casos de denúncia de abuso sexual? O psicólogo deve ou não responder a demanda judicial? Cabe ao psicólogo produzir provas para o judiciário? Pensando nessas questões refletiremos sobre a atuação do psicólogo nos casos de denúncia de abuso sexual no âmbito do judiciário. Sem dúvida, cabe ao psicólogo fornecer subsídios ao magistrado, conforme estabelecido pelo ECA. Comumente, quando o juiz determina a avaliação psicológica do caso não é especificado quais aspectos psicológicos deverão ser abordados na avaliação, cabendo ao psicólogo interpretar a demanda judicial. De modo geral, o juiz espera uma resposta objetiva do psicólogo judiciário, ou seja, que forneça dados sobre a situação psicossocial vivenciada pela criança ou adolescente, sobre o nível de violência vivenciado e, se possível, a apresentação de aspectos psíquicos indicativos sobre a ocorrência ou não do abuso sexual. Em alguns casos, o Ministério Público elenca quesitos a serem respondidos pelo profissional e, havendo deferimento do magistrado, o psicólogo perito deverá responder aos questionamentos. Entre os quesitos mais comuns, encontram-se aqueles relacionados à veracidade ou não da situação denunciada, sobre a consistência do discurso infantil, sobre a possibilidade de a denúncia ser fruto da imaginação e sobre a existência de indícios psicológicos de abuso sexual. Emerge então, a primeira questão controversa do trabalho do psicólogo nesse campo: como é possível inferir sobre a probabilidade de ocorrência de um fato objetivo a partir de dados subjetivos? E ainda: como é possível assegurar que determinado indicativo subjetivo está diretamente relacionado a um fato objetivo? A psicologia fornece instrumentos fidedignos para mensurar e avaliar essa situação? Alguns autores pontuam que o laudo psicológico deverá fornecer informações sobre a condição psicológica da criança ou adolescente articulada à possibilidade de ter vivenciado ou não uma situação de violência, além de sugerir alguma medida protetiva ou acompanhamento psicológico quando for o caso (SCHAEFER, ROSSETO e KRISTENSEN, 2012). Entretanto, para que se possa elaborar esse tipo de laudo é necessário que o profissional tenha ao menos indícios da ocorrência do abuso. Assim, detectar esses indícios, bem como os instrumentos e as técnicas que o psicólogo judiciário usará em sua avaliação são de extrema importância, pois lhe darão base para a escrita do documento, que consequentemente fornecerá subsídios para a decisão judicial. Esses indícios, comumente encontrados na literatura sobre o tema, geralmente, referemse às possíveis consequências psicológicas presentes nos casos de abuso sexual. Porém, esses mesmos indícios também são encontrados em outras dinâmicas psíquicas que não estão relacionadas ao abuso sexual, aumentando assim a complexidade da avaliação psicológica (BATISTA, MORE e KRENKEL, 2016). Os dilemas e receios de erro na avaliação dos casos de denúncia de abuso sexual fazem parte do cotidiano dos psicólogos que atuam no campo judiciário. Assim, diante da denúncia, os profissionais recorrem à bibliografia que evidencia as características ou indicativos no comportamento das crianças e adolescentes de diferentes faixas etárias Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 22

que sofreram abuso sexual, sobre as características de personalidade do abusador e da família incestuosa (COHEN, 1993; GABEL, 1997; FERRARI e VECINA, 2002; MARTINS e JORGE, 2010) e quando se deparam com os casos concretos, observam e analisam o discurso da criança/adolescente e dos adultos, podendo fazer uso de testes projetivos (SCORTEGAGNA e VILLEMOR-AMARAL, 2012), de observação lúdica e de outras técnicas da psicologia, como por exemplo, a entrevista familiar diagnóstica. A escuta de crianças no âmbito forense tem despertado reflexões e cuidados no sentido de não revitimizar aqueles que sofreram abuso sexual (HABIGZANG, et al., 2008). Tradicionalmente, a psicanálise nos ensina a importância de escutar o não dito das verbalizações e, neste sentido, o profissional experiente não irá basear a sua avaliação simplesmente no conteúdo discursivo e tampouco obterá as informações através de perguntas fechadas (BENIA, 2015). Nesse sentido, é fundamental que o psicólogo tenha preparo para realizar uma escuta técnica e realizar os procedimentos necessários, para que possa fazer uma avaliação psicológica que atenda aos objetivos demandados (PENSO, et al., 2008). Ainda em relação à escuta de crianças e adolescentes é importante destacara prática denominada Depoimento Especial, inovadora e polêmica. Essa praticarem como objetivo inquirir em juízo crianças e adolescente que, supostamente, foram vítimas de violência. Ela incorpora noções sobre a importância do estabelecimento de rap port, do estágio de desenvolvimento do sujeito e da formulação adequada da pergunta, pois estes elementos interferem na resposta do sujeito. Aos profissionais, psicólogos e assistentes sociais judiciários, previamente capacitados, caberia favorecer a verbalização da criança ou do adolescente sobre a situação de violência denunciada e adequar as perguntas dos operadores de direito à capacidade de compreensão da criança ou adolescente. A Lei nº 13.431 de abril de 2017 normatiza o atendimento à criança e adolescente vítima ou testemunha de violência e regulamenta a atuação dos profissionais que irão atender esta demanda. Esta prática teve início em meados dos anos 2000, em Porto Alegre. No Estado de São Paulo os profissionais atualmente estão sendo capacitados para iniciar este tipo de trabalho. A polêmica deste modelo de escuta de crianças e adolescentes se dá devido ao objetivo do depoimento que coloca o ônus da prova sobre um sujeito vulnerável e em desenvolvimento, bem como sobre a posição do psicólogo como inquiridor. Em outras palavras, seria proteger a criança ou favorecer a produção de prova para o sistema judiciário? Essa polêmica remete à ética profissional e, para o Conselho Federal de Psicologia, os psicólogos não devem atuar como inquiridores, buscando a verdade real com o objetivo de produzir provas para o judiciário. A psicologia como ciência possui diversos arcabouços teóricos e técnicas de coleta de material para investigar a realidade subjetiva do sujeito e realizar analises comportamentais e/ou cognitivas, cabendo ao psicólogo judiciário produzir e fornecer informações nesse âmbito. Segundo Brito (2008), o papel do psicólogo é buscar a verdade do sujeito, trabalhando seu discurso, suas fantasias, seus lapsos e todo o material que surgir durante a avaliação psicológica. A autora ressalta o caráter prejudicial que o Depoimento Especial pode representar à criança e ao adolescente na medida em que se busca coletar informações no tempo designado pelo andamento processual e não no tempo de elaboração do sujeito. Por outro lado, os operadores do direito, juízes, promotores e defensores públicos, afirmam que o Depoimento Especial é uma alternativa de proteger as vítimas de abuso Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 23

sexual da revitimização, pois elas seriam ouvidas apenas uma vez pelo judiciário, ademais este modelo asseguraria o direito da criança de ser ouvida em todo processo judicial que a afete. Em relação a este argumento jurídico o Conselho Federal de Psicologia (CFP) aponta: Se o Depoimento sem Dano é uma resposta da justiça ao fato de a criança se recusar a falar sobre o acontecimento traumático a um estranho, ou a falar várias vezes a diversos estranhos, é preciso saber que, justamente, estranho à criança é o fato traumático, uma experiência sem possibilidade de registro simbólico. E é sobre esse acontecimento estranho que as palavras se calam, pois não existem palavras que possam expressar. Falar neste momento que sucede ao fato traumatizante é, em muitos dos casos, também um dano, uma retraumatização. (CFP, 2009, p.151). Portanto, segundo o CFP, é recomendável que os psicólogos continuem usando suas técnicas habituais com o objetivo precípuo de ouvir e acolher a criança e o adolescente em suas demandas, isto é, trabalhando os aspectos psicológicos que são trazidos por eles e não meramente repetindo as perguntas e a fala dos operadores do direito. Retornando à atuação do psicólogo judiciário, observa-se que, com a nova Lei, surge mais uma possível função além da avaliação psicológica comumente determinada nos casos de denúncia de abuso sexual, cabendo a cada profissional posicionar-se eticamente sobre a sua participação ou não no Depoimento Especial. Em relação aos itens da avaliação psicológica, ressalta-se que, embora a presença de indícios psicológicos ou comportamentais constitui-se em um elemento de suma importância, é necessário cautela e sua análise deve ser realizada em conjunto com demais dados, pois outros elementos como resiliência, a força egóica, a idade e a maturidade da vítima na época do abuso, o suporte psicológico recebido após a revelação, a condução dada à situação são fatores que amenizam os prejuízos psíquicos que a situação potencialmente traumática traz em seu bojo, sendo necessária uma avaliação cuidadosa e contextual de cada caso. Assim, as técnicas psicológicas fornecerão os indícios para que o psicólogo possa analisar o caso e sugerir medidas e encaminhamentos à criança, ao adolescente e se necessário, à família. Ressalta-se que dificilmente o profissional poderá afirmar sobre a veracidade ou não da denúncia do abuso sexual, o que o psicólogo sempre terá a seu alcance são os indícios da ocorrência do abuso e dados sobre o funcionamento psíquico do sujeito que deverão ser analisados contextualmente, exigindo do profissional capacidade de desdobramento e articulação das informações a fim de produzir um laudo consistente. Paralelamente, mais importante do que provar a veracidade ou não do abuso, é compreender as consequências que a situação vivenciada teve para a criança/adolescente e sua família. A denúncia do abuso sexual em si altera a dinâmica familiar, suscitando inúmeras reações e sentimentos. Estudo realizado por Santos e Dell Aglio (2009), identificou dois tipos comuns de reações das mães quando da descoberta de um possível abuso sexual de suas filhas. Credibilidade e ação: Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 24

A dimensão da credibilidade refere-se ao fato de as mães acreditarem ou não na veracidade ou não do relato do abuso sexual de suas filhas, enquanto que a dimensão da ação está relacionada a ter ou não a iniciativa de realizar a denúncia (SANTOS e DELL AGLIO, 2009, p. 89). Logo, constituem-se elementos importantes para a avaliação psicológica, identificar para quem a criança/adolescente pode contar sobre o suposto abuso, quem exerceu a figura de proteção naquele momento e como se deu seu acompanhamento psicossocial. Quando o abuso sexual ocorre no âmbito intra familiar a situação torna-se mais agravante, visto que geralmente o abusador é uma pessoa em quem a criança confia e mantém laços de afetividade, nestes casos, além da situação do abuso, a criança e o adolescente tem que lidar com os conflitos familiares, que na maioria dos casos desemboca na ruptura familiar. Para a criança e o adolescente vítima de abuso, tão traumático quanto a violência é a culpa que emerge devido ao desmembramento familiar, quando ele ocorre. A nova configuração familiar pode se dar nos âmbitos sociais, jurídicos e psicológicos e inevitavelmente altera a relação entre todos os familiares. Portanto, é fundamental conhecer em profundidade a realidade das crianças, adolescentes e famílias em situação de violência sexual, para que se possa pensar e planejar ações de efetiva proteção (SANTOS e COSTA, 2011, p.531). No âmbito do judiciário, o psicológico pode fazer orientações e encaminhamentos para que o juiz determine o atendimento do caso pelos órgãos responsáveis. Deste modo a redação do laudo deve ser cuidadosa, o profissional não deve ser taxativo, ao contrário, é indicado que se use termos como possivelmente, aparentemente para indicar uma possível ocorrência do abuso sexual. O laudo psicológico deve seguir os parâmetros da Resolução 007/2003 do Conselho Federal de Psicologia que entre outras determinações destaca que o relatório/laudo deve ser claro, coeso, conciso e harmônico. E ainda: Os psicólogos, ao produzirem documentos escritos, devem se basear exclusivamente nos instrumentais técnicos (entrevistas, testes, observações, dinâmicas de grupo, escuta, intervenções verbais) que se configuram como métodos e técnicas psicológicas para a coleta de dados, estudos e interpretações de informações a respeito da pessoa ou grupo atendidos, bem como sobre outros materiais e grupo atendidos e sobre outros materiais e documentos produzidos anteriormente e pertinentes à matéria em questão. Esses instrumentais técnicos devem obedecer às condições mínimas requeridas de qualidade e de uso, devendo ser adequados ao que se propõem a investigar (CFP, 2003). Os cuidados na produção do laudo se fazem necessários, pois é este documento que irá fornecer subsídios para a decisão do juiz. É através dele que o psicólogo mostrará o caminho percorrido ao longo da avaliação psicológica. Considerações finais Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 25

Após vinte e sete anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, busca-se aperfeiçoar e executar os ideais ali elencados, entre eles, o sistema de proteção integral articulado à atuação da equipe interprofissional que, alicerçando-se no direito à livre manifestação técnica, deverá fornecer subsídios ao magistrado. Neste sentido, a atuação do psicólogo judiciário deve pautar-se em forte alicerce teórico e posicionamento ético. Nos casos de denúncia de abuso sexual, a práxis está relacionada à avaliação psicológica do caso, a sugestão de encaminhamentos, a escrita do laudo e a possibilidade de participação no Depoimento Especial, sendo que cada uma destas funções requer cuidados específicos. Deve-se considerar, por exemplo, a importância de uma avaliação prévia ao Depoimento Especial, que atualmente parece inevitável, buscando-se averiguar a adequação daquele momento para a exposição da criança ou adolescente ao sistema judiciário. O posicionamento do psicólogo sobre esta e outras questões tem o intuito de auxiliar o magistrado na melhor decisão possível. Outro aspecto fundamental é evidenciar a complexidade e os vários aspectos inerentes à avaliação psicológica dos casos de suposto abuso sexual no campo jurídico. Desdobrar conhecimentos, articular as informações e transformar dados subjetivos em elementos objetivos não é tarefa simples. Deve-se ter em mente que o laudo psicológico, para além de subsidiar a decisão do magistrado, é um instrumento que pode contribuir para a mudança na vida de uma criança ou de um adolescente. Assim, as técnicas usadas durante a avaliação psicológica devem ser minuciosamente estudadas e escolhidas considerando os por menores do caso a ser avaliado. O momento da avaliação psicológica no campo judiciário, muito além de produzir um relatório/laudo consistente e esclarecedor da dinâmica psíquica que auxilie a melhor decisão do juiz, é uma oportunidade de sensibilizar a família para os aspectos psíquicos desconsiderados que favoreceram as situações abusivas no âmbito familiar. Muitas vezes, os casos de abuso sexual denunciam problemas familiares complexos que possuem muitas ramificações, sendo fundamental a instauração da ordem e da Lei na estrutura familiar. Por fim, entende-se que o trabalho do psicólogo judiciário nas questões que envolvem denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes é desafiador e exige aprimoramento e estudo constantes, ademais as reflexões sobre o tema contribuem para um fazer crítico, pautado no respeito, no comprometimento e na ética. Reflections on the performance of the legal psychologist in cases of reporting sexual abuse against children and adolescents Abstract: This article discusses the work of the authors in the handling of cases involving allegations of sexual abuse against children and adolescents within the scope of the judiciary. It aims to reflect on pertinent issues that permeate the work of the legal psychologist, emphasizing two central issues: the objective of psychological evaluation in cases of abuse reports against children and adolescents and to identify which elements contribute in the production and elaboration of the report / psychological report. Keywords: sexual abuse; judicial psychologist; psychological evaluation. Reflexiones sobre la actuación del psicólogo judicial en los casos Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 26

de denuncia de abuso sexual contra niños y adolescentes Resumen: Este artículo discute laactuación de lasprofesionales autoras enlaatención de los casos que involucra denuncias de abuso sexual contra niños y adolescentes enelámbitodel poder judicial. El objetivo de laevaluación psicológica enlos casos de denuncias de abusosexual contra niños y adolescentes e identificar qué elementos contribuyen a laproducción y elaboracióndel informe / laudo psicológico. Palabras-clave: abuso sexual; psicólogo judicial;evaluación psicológica. Referências BATISTA, V; MORE, C.L.O.O; KRENKEL, S. A tomada de decisão de profissionais frente a situações de abuso sexual infanto-juvenil: uma revisão integrativa. Mudanças, v. 24, n.2, p. 49-63, 2016. Disponível em: <http://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-835056>acesso em 25/08/17. doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v24n2p49-63. BENIA, L. R. A entrevista de crianças com suspeita de abuso sexual. Estudos de Psicologia, v.32, n.1, p.27-35, 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v32n1/0103-166x-estpsi-32-01-00027.pdf>. acesso em 20/08/2017. doi: 10.1590/0103-166X2015000100003. BERNARDI, D.C.F. Histórico da inserção do profissional psicólogo no Tribunal de Justiça de São Paulo-um capítulo da psicologia jurídica no Brasil. In: Temas de Psicologia Jurídica. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999, p.103-131. BORGES, J.L; ZINGLER, V.T. Fatores de risco e de proteção em adolescentes vítimas de abuso sexual. Psicologia em Estudo, v. 18, n.3, p. 453-463, 2013.doi:10.1590/S1413-73722013000300007. BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069compilado.htm>. acesso em 08/08/17. BRASIL. Lei nº 12.318 de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art.8.069 de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2007-2010/2010/lei/12318htm>. acesso em 08/08/17. BRASIL. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017.Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13431.htm>. acesso em: 05/10/17. BRITO, L.M.T.de. Diga-me agora... O depoimento sem Dano em análise. Revista Psicologia Clínica, v.20, n. 2, p. 113-125, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pc/v20n2/a09v20n2.pdf>. acesso em 21/09/17. doi:10.1590/s0103-56652008000200009. CARA, T.A.; NEME, C.M.B. Estudo documental de crianças vítimas de violência sexual: avaliação dos indicadores de comprometimento emocional de Koppitz. Revista Boletim Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 11, nº 21, novembro de 2018 27

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