A ESCRITA DE SINAIS NA EDUCAÇÃO BILÍNGUE NA ESCOLA EMEF PRESIDENTE CASTELO BRANCO, NO MUNICÍPIO DE LINHARES



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Transcrição:

1 A ESCRITA DE SINAIS NA EDUCAÇÃO BILÍNGUE NA ESCOLA EMEF PRESIDENTE CASTELO BRANCO, NO MUNICÍPIO DE LINHARES DIAS-FERREIRA, ADEMILSON 1 SOUZA, FABRÍCIA BATISTA DE 2 RESUMO O presente trabalho visa apresentar as ações do projeto Educação Bilíngue: por uma Pedagogia Revolucionária em desenvolvimento na Escola Polo Bilíngue Presidente Castelo Branco. Descrevendo o pensamento sobre a Pedagogia Revolucionária e o sistema de escrita de sinais. PALAVRA-CHAVE: Pedagogia Revolucionária, Educação Bilíngue, Escrita da Língua Sinais, Sign Writing. 1 Professor e Intérprete de LIBRAS Língua Brasileira de Sinais PROLIBRAS-MEC; Graduando em LETRAS-LIBRAS UFES/ UFSC; Graduando em LETRAS: Língua Portuguesa e respectivas Literaturas UNOPAR; Graduando em PEDAGOGIA - FACELI; Tradutor/ Intérprete de LIBRAS da FACELI; Vice-presidente da Associação de Profissionais Tradutores/Intérpretes de LIBRAS do Espírito Santo APILES e co-idealizador do projeto Escola Pólo Bilíngue: Direito à Igualdade; e-mail: ad1000sondias@gmail.com. 2 Surda, Professora de LIBRAS; Graduando em Pedagogia FACELI; e-mail: flibras.batistadesouza005@gmail.com.

2 INTRODUÇÃO Através da implantação do projeto Escola Pólo Bilíngue: Direito à Igualdade 3, percebemos a necessidade de ensinar aos alunos surdos a escrita de sua língua, como forma de contribuir para a construção de ferramentas intelectuais que contribuirão para seu sucesso sócio-acadêmico e, aos alunos ouvintes, a aquisição da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) para efetivar a inclusão dos alunos surdos, propiciando, assim, comunicação de aluno surdo-aluno ouvinte nas dependências da Escola Polo Bilíngue Presidente Castelo Branco, conforme prevê projeto supramencionado. Descreveremos, então, o pensamento que nos norteou à fundamentação do projeto Educação Bilíngue: por uma Pedagogia Revolucionária, ancorada nas afirmações de Dermeval Saviani (1997), Paulo Cesar Machado (2008) e Marianne Stumpf (2007-2008). Relatando o desenvolvimento das ações provenientes deste projeto, ressaltando o avanço sócio-cognitivo dos alunos surdos e ouvintes, em conhecer e usar a escrita de sinais como representação de sua fala, no caso dos surdos, e ainda na comunicação destes com os alunos ouvintes que compõe o mesmo espaço educacional. Desde já queremos registramos que este efêmero trabalho não cuidará de questões sobre alfabetização de surdos, processo de aquisição e construção da linguagem (articulada e escrita), deixando estas e outras questões para trabalhos futuros, devido à impossibilidade temporal e humana para abarcá-las de forma cabal. 3 Ver DIAS-FERREIRA & OLMO, 2009, Coletânea de Vivências.

3 1. PEDAGOGIA REVOLUCIONÁRIA Ao se falar em pedagogia revolucionária 4, nos reportamos às criticas feitas a pedagogia que ignora, conforme Saviani (1997, p.73), a consciência dos condicionantes históricosociais da educação. Pois, como afirma Machado (2008, p.76), não são considerados, nas práticas escolares, os sujeitos reais com suas histórias, seus valores, crenças, ritmos, comportamentos, origem social e econômica, experiência e vivência. Isto é, negamlhes a idiossincrasia num discurso hegemônico e homogeneizador. Ao pensar num ensino bilíngue pensamos numa pedagogia revolucionária, uma vez que ambas centram-se, pois, na igualdade essencial entre os homens. Entende, porém, a igualdade em termos reais e não apenas formais. E que a transposição da igualdade formal, aquela garantida pela constituição de 1988, para a igualdade real implica passar pela igualdade de acesso ao saber (DIAS-FERREIRA et. al., 2009). Saviani (1997, p. 77) aponta o educador Paulo Freire como um dos representantes do movimento, ao qual Saviani chama de Escola Nova Popular, que se empenhou em colocar essa concepção pedagógica a serviço dos interesses populares. Sobre este pensamento escrevemos: Dermeval Saviani (1997, p. 79) afirma que uma pedagogia articulada com os interesses populares estará empenhada no bom funcionamento da escola e favorecerá o diálogo entre os pares e com o professor, sem desprezar o diálogo com a cultura acumulada historicamente. E ainda respeitarão os interesses dos alunos, ritmos de aprendizagem e desenvolvimento psicológico sem, no entanto, perder o foco a sistematização lógica do conhecimento (DIAS-FERREIRA, et. al., 2009). Ancorados, então, nesta perspectiva, iniciamos o projeto Educação Bilíngue: por uma Pedagogia Revolucionária, que objetiva, a priori, propiciar a aquisição da escrita de sinais, pelos alunos surdos, e disseminar a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) na comunidade escolar, de forma que os demais alunos ao adquiri-la, contribuam para a 4 Ver: DIAS-FERREIRA, Ademilson et. al. Pedagogia Surda X Pedagogia Revolucionária. Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1662565>.

4 efetiva inclusão sócio-educacional do aluno surdo. 2. DA JUSTIFICATIVA Em 2002, através da Lei nº 10.436, a LIBRAS foi oficializada como segunda língua do Brasil, todavia só em 2005 foi decretado seu uso e ensino para o acesso dos surdos à educação (decreto 5.626/05). E, mesmo tendo outros documentos e resoluções mundiais que defendem o uso da língua materna na educação, datados desde 1954 (UNESCO, 1954, por exemplo), e um pouco antes com os Direitos Humanos (1948), a educação dos surdos ainda estava/ está pautada numa pedagogia normalizadora, ouvintista 5. Em outras palavras, o surdo se vê obrigado a registrar os conteúdos e a ser avaliado em uma língua que não é sua língua natural, o que acaba desenvolvendo sentimentos opostos ao de inclusão. A partir da conquista da Escola Pólo Bilíngüe, escola referência para a educação dos surdos, que objetiva essencialmente a reestruturação da educação dos surdos, pensandoo como um sujeito cultural usuário de uma língua que se difere da Língua Portuguesa, tendo como base diversos estudos, pesquisas e documentos oficiais que afirmam e legitimam a LIBRAS como língua natural, dessa forma o foco é direcionado para o sujeito e sua língua, e da necessidade de propiciar a construção de ferramentas intelectuais, tal como a escrita, representação da língua natural. Partindo deste pressuposto, que a LIBRAS é uma língua natural, surge, então, a seguinte reflexão: Se é verdade que as línguas de sinais são as línguas naturais dos surdos, então a alfabetização dos mesmos deve ser feita preferencialmente nessas línguas e não nas línguas orais das sociedades em que eles vivem. No caso do Brasil, isso significa que a alfabetização dos surdos deve ser feita na LIBRAS (STUMPF, 2007, in INES, 2007, p. 52). Stumpf (2007, in INES, 2007, p. 48) afirma que a cultura surda está minimamente registrada, porque as situações que os surdos vivem não conseguem escrever em sua própria língua [...] com a 5 Segundo Skliar (2005, p.15) ouvintismo trata-se de um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte.

5 Stumpf (2008, p. 20) ainda afirma que: aprendizagem de uma escrita de sinais, os surdos vão ter a oportunidade de desenvolver uma nova cultura, que é a cultura surda escrita, um pouco diferente da cultura surda sinalizada. As crianças surdas que se comunicam por sinais precisam poder representar pela escrita a fala delas que é visoespacial. Quando as crianças conseguem aprender uma escrita que é representação de sua língua natural têm oportunidade de melhorar todo o seu desenvolvimento cognitivo. E em sua pesquisa ela percebeu o avanço das crianças e as variações que elas próprias proporcionaram à escrita de sinais, uma vez que elas estavam à vontade para expressar seus pensamentos sem a insegurança de tentar encontrar a palavra da língua oral, que procura e não encontra, quando encontra não sabe bem se era aquela a palavra certa (STUMPF, 2008, p. 20). Segundo Stumpf (2008, p. 22), Nas atividades escolares a leitura e a escrita de língua de sinais vai permitir um trabalho muito mais consistente com a língua de sinais que precisa ser completa e bem construída, para possibilitar ao surdo o acesso a todo conhecimento. [...] Quando nos comunicamos passamos não apenas uma mensagem, mas a nossa maneira de ver, sentir e ler o mundo. A pessoa bicultural se define como aquela que participa da vida de duas culturas, que se adapta a uma e a outra. [...] A criança surda deve ser preparada a vir a ser uma pessoa bicultural, quer dizer membro das culturas surda e ouvinte, mesmo que ela tenha a dominância de uma cultura em relação à outra. Nós defendemos o direito da criança surda a ser bicultural e bilíngüe. Parindo desse pressuposto e pela necessidade de incluir o aluno surdo de forma qualitativa, transpondo do direito formal para o direito real, desenvolvemos atividades que contribuirá para sua vida sócio-acadêmica com o fim na prática social transformada/transformadora, iniciamos o projeto visando corroborar com estas construções. 3. O SISTEMA DE ESCRITA A partir dos estudos linguísticos da língua de sinais, promovido pelo linguista Stokoe e sua equipe de linguista da Universidade Galaudet, deu-se o estabelecimento do caráter linguístico da língua de sinais, e os mesmos

6 criaram uma notação para escrever os sinais. Outros lingüistas, como Neve e Jouison, igualmente criaram seus próprios sistemas de escrita de sinais, mas eles não tinham o objetivo de que servissem para o uso comum dos surdos e sim o objetivo de atender a necessidade de estudo das línguas de sinais (STUMPF, 2007, in INES, 2007, p. 50). A professora Stumpf, a quem devemos o conhecimento da escrita de sinais, no Brasil, afirma que o sistema de escrita de sinais denominado Sign Writing foi inventado há cerca de 30 anos por Valerie Sutton. Sua origem está em um sistema que a autora criou para notar os movimentos da dança (STUMPF, 2007, in INES, 2007, p. 50). Segundo a Stumpf (2007, in INES, 2007, p. 50), esse sistema representa a língua de sinais como um sistema de escrita alfabético, em que as unidades gráficas fundamentais representam unidades gestuais fundamentais, suas propriedades e relações. Ela afirma ainda que o Sign Writing pode registrar qualquer língua de sinais do mundo sem passar pela tradução da língua oral. Cada língua de sinais vai adaptá-lo a sua própria ortografia. Ela ressalta que para escrever em Sign Writing é preciso saber uma língua de sinais (grifo nosso). Como marco teórico Stumpf (2007, in INES, 2007, p. 50) elenca que: (a) Os elementos do signo escrito são equivalentes aos fonemas ou sons da língua oral e (b) é uma escrita alfabética em que os sinais podem ser decompostos em elementos, como as palavras em sílabas, que correspondem aos diferentes sons da língua e os elementos do símbolo escrito, aos diferentes movimentos dos sinais. A escrita de sinais é, então, mais um artefato cultural da comunidade surda que precisa ser disseminada, respeitada e aceita. A qual se configura como uma atividade significativa para a criança. 4. DESENVOLVIMENTO DO PROJETO Iniciamos, então, o projeto Educação Bilíngue: por uma Pedagogia Revolucionária, desenvolvendo-o na sala que futuramente será a sala multifuncional, atualmente equipada com materiais didáticos preparados pelos próprios professores bilíngues

7 visando uma pedagogia surda 6 com ênfase no bilinguismo, objetivando a prática social transformada/transformadora, Considerando a afirmação de Stumpf (2007, in INES, 2007, p. 53) de que assim Como a criança ouvinte constrói na escola suas aprendizagens da língua oral com o concurso da língua escrita e, por essa construção, acede a níveis cada vez mais elevados de conhecimento. Assim também, para a criança surda, aceder à escrita de sua língua sinais significa dotá-la de uma ferramenta indispensável para qualificar seu grau de participação na cultura e na sociedade. A população surda hoje é marginalizada, pois em sua quase totalidade funcionalmente analfabeta, em uma sociedade cada vez mais dependente da palavra escrita. As aulas são realizadas nas segundas e quartas-feiras com duração de 2h/aula (duas hora/aula). Enquanto os alunos surdos estudam a escrita de sinais, com base no letramento, às vezes tratando de temas transversais conforme PCN s, os professores surdos e os intérpretes, que atuam nas salas de aulas mistas, migravam para as demais salas disseminando a LIBRAS, com conteúdos relacionados à comunicação básica e ambiente escolar. A primeira ação do projeto foi assistir ao vídeo O Leão e o Ratinho produzido pelo INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos) e distribuído pelo Ministério da Educação e Cultura -MEC. Após o vídeo iniciamos uma bate-papo sobre o mesmo, extraindo dos alunos o entendimento sobre o comportamento dos personagens principais, sobre companheirismo e das consequências de nossas ações. Após a discussão entregamos o alfabeto escrito em língua de sinais, e pedimos que, a princípio, escrevessem seus respectivos nomes. 6 Ver DIAS-FERREIRA, Ademilson et. al. Pedagogia Surda X Pedagogia Revolucionária. Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1662565>.

8 Imagem 1: Alfabeto no sistema sign Wrigtin. Na aula seguinte assistimos ao vídeo O Pastor e as Ovelhas (da mesma coleção do vídeo supramencionado), desta vez conversamos sobre as diferenças entre a língua portuguesa e a língua de sinais. Enfatizamos que, até o momento eles haviam estudado apenas a língua portuguesa tendo assimilado a parte escrita da mesma, e ao indagar sobre o usuário da referia língua a resposta foi unânime: os ouvintes ou os que ouvem. Apresentamos, então, a escrita da língua dos surdos (ou dos que não ouvem), a Escrita da Língua de Sinais. Após as explicações das diferenças, e a confirmação de terem compreendido a diferença, solicitamos aos alunos que reescrevessem a história contada no vídeo, mas com apenas uma orientação/exigência, que não se preocupassem em se lembrar das palavras da língua portuguesa e que não poderia ter nenhuma delas, apenas sinais. Alguns alunos desenharam, minimamente, o que seria o pastor, algumas ovelhas e o lobo, no seu estado final: com a barriga cheia. Uma aluna com muita habilidade de desenhar recontou a história em formato de História em Quadrinho, e em cada quadrinho o personagem usa sua fala, não em balões, como tradicionalmente, mas em sinais, minuciosamente desenhados por ela.

9 Imagem 2: reescrita da história O Pastor e as Ovelhas. Imagem 3: reescrita da história O Pastor e as Ovelhas, em Quadrinhos. Na aula posterior, trabalhamos uma lista, escrita de sinais, relacionados à alimentação. Ao apresentar uma frase composta por alguns desses sinais, acrescido de outros, a mesma foi lida numa velocidade vertiginosa, significativamente, o que não se confirma com o uso da escrita da língua portuguesa, uma língua, para o surdo, não-natural.

10 Imagem 4: lista relacionada à alimentação Imagem 5: frase em língua de sinais escrita Alguns alunos voluntariamente fizeram uma lista, em seus respectivos cadernos, dos nomes de seus familiares, dos colegas surdos e ouvintes, dos intérpretes, dos professores surdos. Inspirado nesta disposição de registrar, mesmo não tendo domínio pleno deste mecanismo, foi, então, trabalhado com toda a turma a mesma lista, todavia restringindose aos alunos e professores do projeto, deixando a cargo deles o registro de outros nomes aos quais se familiarizam.

11 Imagem 6: lista de nomes. Na semana da criança o professor Ademilson (co-autor do presente trabalho e do projeto em questão) escreveu cartas 7 para os alunos surdos, utilizando o sistema SW-Edit 8, e distribuiu-as na semana da criança, incentivando-os na continuidade dos estudos. Os alunos encontraram pouca dificuldade para lerem e entenderem a mesma, prometendo uma resposta utilizando da mesma ferramenta, a escrita da língua de sinais. Na última aula, antes da preparação do presente trabalho, iniciou-se a construção um tipo de acróstico, trabalhando cada símbolo por vez, atribuindo-lhe significação. 7 Disponível no apêndice. 8 SW-Edit é um programa baseado no sistema Sigin Writing, que representa as línguas de sinais de modo gráfico. O mesmo é disponibilizado gratuitamente para download no site WWW.signriting.or.

12 Imagem 7: acróstico. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho iniciou-se com o objetivo de apresentar as ações do projeto Educação Bilíngue: por uma Pedagogia revolucionária que está em desenvolvimento na Escola Polo Bilíngue Presidente Castelo Branco, descrever o pensamento sobre a Pedagogia Revolucionária e ainda aludir o sistema de escrita de sinais objetivo central do referido projeto. Assim sendo, buscamos embasamento teórico em Saviani (1997), Machado (2008) e Stumpf (2007-2008), sendo a ultima responsável pela difusão da escrita de sinais, tese defendida para seu doutorado. Ao se falar em escrita de sinais, a posicionamos como sendo um sistema de escrita alfabético que abarca qualquer língua de sinais, sem depender da tradução para línguas orais, observando, para tanto, que para se escrevê-la é preciso saber uma língua de sinais. Descrevemos também as ações do projeto em questão, em que os alunos surdos tem adquirido uma nova cultura, a cultura surda escrita. E, que em contrapartida tem propiciado a aquisição da LIBRAS pelos alunos ouvintes da referida escola. Ressaltamos que o projeto tem muito a oferecer, aos alunos em termos de cultura, avanço intelecto-acadêmico, e produção científica. Lamentamos, porém, a ausência de um laboratório de informática, provido de computadores suficientes, e equipados, para atender ao projeto, uma vez que o uso do computador, além de incorporar novas tecnologias no processo ensino-aprendizagem, traz maior interesse pela construção da escrita, através do SW-Edit e outros editores de textos.

13 5. REFERENCIAS BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Disponível em: <http://www.leidireto.com.br/lei-10436.html> ultimo acesso em: 15/11/08.. Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> ultimo acesso em: 15/11/08. DIAS-FERREIRA, Ademilson et. al. Pedagogia Surda X Pedagogia Revolucionária. Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1662565> - ultimo acesso em 20/10/2008. MACHADO, Paulo Cesar. A Política Educacional de Integração/Inclusão: Um Olhar Sobre o Egresso Surdo. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: Teoria da Educação, Curvatura da Vara, onze teses sobre Educação e Política. 31. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1997. STUMPF, Marianne. Possibilidades de Escrita pelos surdos. In INES (org.). Congresso INES: 150 anos no Cenário da Educação Brasileira. Rio de Janeiro - RJ. INES, Divisão De Estudos E Pesquisas, 2007.. Escrita de Sinais I. Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008.

APÊNDICE 14

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18 TRADUÇÃO DA CARTA Linhares, 07 de outubro de 2009. Prezado amigo, Estive pensando sobre nossas aulas de escrita de LIBRAS e tive a idéia de escrever-lhe esta carta com o intuito de parabenizá-lo pelo seu desempenho e incentivá-lo nos estudos, uma vez que você é um aluno muito inteligente. Talvez você não saiba, mas quando pensei em dar aula de escrita de sinais pensei em te ensinar algo que lhe servirá para sua vida, tanto acadêmica quanto profissional e pessoal. Espero que você aproveite as aulas para se desenvolver e se libertar do silêncio das palavras e viva uma vida independente. Espero-te na próxima aula, e espero que você aproveite cada minuto da aula para desenvolver este seu potencial. De seu professor e amigo, Ademilson

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