ÀS MARGENS DO ESQUECIMENTO: RETRATAÇÃO DOS AFRICANOS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA 1



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Transcrição:

ÀS MARGENS DO ESQUECIMENTO: RETRATAÇÃO DOS AFRICANOS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA 1 Geferson Santana 2 Resumo: O presente intuito é refletir sobre os silêncios nos livros didáticos de História do terceiro ano do Ensino Médio referente à participação dos africanos na Segunda Guerra Mundial, em especial os africanos do chifre da África e da África setentrional. A escolha se baseou pelo fato desses territórios terem sido privilegiados nas discussões dos capítulos dos materiais didáticos e por terem sido pontos estratégicos usados pelos Aliados (Inglaterra, França, EUA) para atacar e defender-se das investidas bélicas do Eixo (Japão, Alemanha, Itália), assim como invadir outras regiões circunvizinhas sob dominação nazifascista. Ao longo da discussão traçada falaremos da importância dos povos africanos na libertação de nações europeias a partir da historiografia utilizada. Palavras-chave: II Guerra Mundial; África; Ensino de História. Abstract: The present intention is to reflect upon the silences in the history schoolbooks from the third year of high school on the involvement of Africans in the Second World War, particularly the Africans from Horn of Africa and North Africa. The choice relied on the fact that these territories have been privileged in the discussions of the chapters of didactic materials and they were strategic spots used by the Allies (Britain, France, USA) to attack and defend themselves from armed investees of the axis (Japan, Germany, Italy), as well as invading other surrounding regions under nazifascista domination. Throughout the discussion traced we will talk of the importance of African people in the liberation of European nations from historiography used. Keywords: Second World War; Africa; Teaching of History. Parto de uma inquietação sobre a ausência nos livros didáticos do terceiro ano do Ensino Médio referente à participação dos africanos do chifre da África e da 1 Recebido em 15/09/2013. Aprovado em 17/11/2013. 2 Graduando em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Editor-Gerente da Revista Eletrônica Discente História.com. Celular: (75) 9102-3013. Correio eletrônico: gefsdj@hotmail.com. Agradeço as contribuições do Prof. Juvenal de Carvalho.

Às margens do esquecimento África Setentrional na guerra datada pelo historiador africano Ali A. Mazrui de 1935, quando Benito Mussolini começa a invasão da Etiópia, mas na Europa dar-se em 1939 com a invasão da Polônia pelos alemães em aliança com os soviéticos. Registrei na pesquisa que, no Brasil, poucos são os estudos sobre a atuação da África nas guerras mundiais. As iniciativas de estudos sobre o continente africano na guerra ainda são tímidas na História, e menos ainda no ramo cinematográfico. A investida mais importante no ramo deste tipo de produção para a compreensão dos povos africanos na guerra é o filme Dias de glória (2006), que tem como foco a arregimentação dos africanos na luta em territórios africanos e europeus. Inclusive esses homens foram basilares na libertação de Estados africanos (colônias ou protetorados) e europeus da dominação nazifascista. Usei como fonte para esta investigação o terceiro volume de História: das cavernas ao terceiro milênio de Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos que denominei de livro A, e o terceiro volume de História: o mundo por um fio de Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina dos Santos que denominei de livro B. Ambos foram coletados em uma escola estadual de um dos municípios do Recôncavo baiano. O intuito maior é refletir sobre os capítulos que tratam da Segunda Guerra Mundial, analisando as informações que constam sobre a participação dos africanos do chifre da África e da África setentrional. As fontes analisadas são posteriores as publicações historiográficas que relacionam guerra e África, em especial o volume VIII da coleção História Geral da África publicado em português no ano de 2010 pela Organização das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A mesma instituição já havia publicado dez volumes (10) em francês, e o volume dez publicado em 1985 Histoire Générale del Afrique: études e documents e que tem como subtítulo L Afrique et la seconde guerre mundiale, resultou de estudos apresentados em um colóquio organizado entre os dias 10 e 13 de novembro em 1980 pela mesma instituição. Posteriormente, a primeira edição da coleção em inglês foi publicada em 1993, permitindo-nos afirmar que os autores dos livros didáticos desconsideraram todo material descrito e largamente divulgado na internet.

Geferson Santana O silêncio é marcante nas fontes considerando que os livros A e B citam História da Segunda Guerra Mundial de Marc Ferro, que faz rápida abordagem sobre o Magrebe no continente africano. Mesmo o citando como referência os autores preferem não aprofundar a questão. Ao menos caberia nos referidos materiais didáticos uma nota ou questionamento sobre como se deu efetivamente o envolvimento dos africanos, mas preferiu-se deixar a África no esquecimento ou na posição de passividade, apenas como mais um cenário de conflito entre Eixo e Aliados (Inglaterra, França, EUA). O sistema educacional brasileiro e as reflexões sobre a lei 10.639/2003 Uma curiosidade que atiça minha imaginação é como a temática africana e afro-brasileira vem sendo elaboradas, pensadas e divulgadas nos livros didáticos dos últimos dez anos. Creio que mudanças significativas tenham ocorrido no ensino de História nas instituições de educação. Diz Anderson Ribeiro Oliva (2003, p.425) que a partir dos anos 80 e 90 mudanças significativas foram sendo incluídas no ensino, principalmente com as contribuições da escola dos Annales e sua sugestão da história temática como perspectiva. No Brasil, a experiência com a temática africana no livro didático é traumática. São encontrados vários problemas de coerência e imprecisão no conteúdo dos livros. Mas cabe aqui uma pequena reflexão sobre o livro didático, instrumento pedagógico tão polêmico nas discussões atuais de pesquisadores que o tem como objeto de pesquisa, em especial aqueles que investigam no campo do ensino de História. A partir dos anos 1960, com a implantação da ditadura militar no país, os materiais didáticos teriam espaço nas preocupações mercadológicas dos empresários e do Estado que foi seu principal consumidor nos últimos 40 anos (FONSECA, 2003, p.54). Esse momento histórico que abrangeu quase toda segunda metade do século XX teve papel importante na consolidação do uso do livro didático nas escolas, e com isso foram criados vários mecanismos de estímulos às editoras brasileiras (FONSECA, 2003, p.49-57). 243

Às margens do esquecimento O consumo de livros didáticos esteve sob a influência do processo de massificação do ensino, ocorrido primeiramente pelas reivindicações dos movimentos sociais dos anos 50 e consolidados a partir da década de 60. Isso permitiu a investida das empresas editoriais na larga e intensa produção de materiais didáticos, sendo estes os instrumentos pelos quais os educadores centralizam suas mediações do processo de ensino-aprendizagem. Ruim com ele, pior sem ele, assim se refere Fonseca (2003, p.49) ao apego dos educadores ao material pedagógico, mas também aponta para a deficiência do ensino, porque em termos de estratégias educacionais alguns docentes ainda não perceberam a importância de pesquisarmos em outras fontes para estruturar as aulas. A ideia de que os textos da graduação só servem para obtermos o diploma ainda perdura no pensamento de alguns educadores, do contrário pensariam em usá-los em sala de aula, depois de fazer o que Ana Maria Monteiro (2007) denomina de transposição didática 3. Não quero travar uma discussão sobre o conceito de transição didática, mas gostaria de alertar aos educadores sobre a necessidade de pensarmos no processo, adotando a postura de tornar possível a compreensão do conteúdo curricular por meio também dos textos acadêmicos numa linguagem adequada ao nível dos estudantes. É preciso considerar que os estudantes possuem níveis diferentes de aprendizagem e que existem alguns perigos ao tomar o livro como verdade absoluta 4. O primeiro dos perigos é a própria concepção de África, africano e negro que alguns livros reproduzem 5. O ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira são conteúdos obrigatórios pela lei 10.639/2003 nas instituições de ensino. A lei foi aprovada em 2003, pelo então presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva (SOUZA, 2012, p.17; SERRANO, 2007, p.15-6; OLIVA, 2012, p.43, 2003, p.428), mas a lei por si 3 O professor tem papel importante na formação do estudante, pois a ele é dada a função de fazer a transposição didática do conteúdo, no sentido de aproximar o estudante do pensamento científico de forma adequada ao seu nível de aprendizagem. 4 Na concepção de Circe Maria Fernandes Bittencourt (2004, p.232) a sala de aula deve ser pensada numa perspectiva de desconstrução da ideia de verdade, partindo para análise das possibilidades e das interpretações. 5 Marina de Mello e Souza (2012, p.19-20), chama a atenção dos seus leitores para os erros grotescos presentes nos materiais didáticos, e alerta-nos para a necessidade do estudo e da pesquisa no campo da História da África.

Geferson Santana mesma não garante que o ensino da história dos africanos e dos afro-brasileiros seja aplicado em todas as escolas. No IV Seminário de Ensino de História: Ensino de História e Diversidade (2012) que é uma realização anual do curso de Licenciatura em História do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) identifiquei que as pesquisas apresentadas pelos estudantes apontavam dificuldades na aplicação da lei nas escolas do Recôncavo. É visível a deficiência das instituições de nível superior na formação de professores habilitados a exercerem nas escolas a prática docente em História da África e Afro-brasileira, como também não existe um acompanhamento dos órgãos do governo referente à aplicação da lei 6. Sem contar que, conforme chama atenção Anderson Ribeiro Oliva (2003, p.428) muitos destes educadores em atuação não tiveram em seus currículos de graduação ou educação básica conteúdos sobre a história da África e cultura afro-brasileira. Marina de Mello e Souza (2012) socializa suas boas experiências, ao falar de suas visitas às diversas escolas do Brasil para apresentar o paradidático África e Brasil Africano em 2006, além da realização de palestras e reformulação do currículo da disciplina de História da África no curso de História na Universidade de São Paulo (USP). Souza (20012, p.18) expressou seus sentimentos de esperança ao falar das várias experiências de educadores da educação básica nos cursos de formação que são oferecidos pelo governo via as universidades, publicação de livros paradidáticos e publicação de literatura infanto-juvenil. As iniciativas apontadas por Souza e reforçadas por Carlos Serrano (2007) indicam aumentos nos índices de interesse e aceitação da temática nas instituições de ensino. Creio que deveríamos também nos atentar para os conteúdos e a qualidade das iniciativas. O aumento do salário de docente é um estímulo para ingressar nos cursos de formação e especialização sobre história africana e afrobrasileira, nos levando a ponderar a respeito da ideia de militância e interesse em 6 De fato, garantir a efetivação da lei nas instituições de educação é um grande desafio, principalmente porque não existe um sistema de vigilância nas escolas. Por outro lado, a vigilância poderia ser um veículo inibidor do desempenho acadêmico dos professores das escolas e universidades públicas e privadas do país. Então, temos que pensar em uma estratégia que possibilite o acompanhamento da aplicação da lei nas instituições de educação sem constrangimento para nenhuma das partes. 245

Às margens do esquecimento querer contribuir com a diminuição das imagens estereotipadas e preconceituosas dos africanos e dos negros. A lei 10.639/2003 por ser obrigatória gerou polêmica nas escolas e universidades. O argumento central é que ela ajuda na diminuição da exclusão e marginalização dos afro-brasileiros com um custo alto, a exclusão da outra etnia (SERRANO, 2007, p.17). As resistências ao estudo da história e das culturas africanas e afro-brasileiras são problemas que precisamos resolver democraticamente, expondo para os opositores que a lei tem uma função que vai para além de uma reparação histórica. Nos materiais didáticos e mesmo em algumas produções acadêmicas houve uma reprodução eurocêntrica da concepção de vida cultural e social das populações africanas. O continente africano é apresentado como hábitat de seres primitivos, menos evoluídos e monstruosos (SOUZA, 2012, p.23). Segundo Oliva (2003, p.430-41), essas são as representações que foram construídas no imaginário do mundo. A partir de uma análise cuidadosa de diversos pontos de vistas de especialistas e pensadores do período da Antiguidade, do medievo e do contemporâneo, o autor demonstra o quanto as visões preconceituosas e estigmatizantes estão presentes nos escritos de vários pensadores, objetivando a estigmatização dos personagens em questão. Para Oliva (2003, p.429), silêncio, desconhecimento e representações eurocêntricas (...) são termos que resumem muito bem a utilização que os livros de história do Brasil fazem da história dos povos africanos, sendo esta, a meu ver, uma afirmação generalista para o momento recente considerando os progressos em termo de substância que podemos identificar em alguns materiais didáticos. Não podemos recusar, por outro lado, que a ideia de negro e de africano são construções europeias com valores discriminatórios e preconceituosos (OLIVA, 2003, p.433). Quando se fala de negro e africano, automaticamente alguns livros didáticos e paradidáticos remetem suas reflexões à fórmula errônea africano = negro = escravidão, como se o continente africano de resumisse apenas a escravidão (MATOS apud OLIVA, 2003, p.427). Mas, os PCNs são pontos inovadores no campo da educação básica demonstrando-se como instrumentos de debate a discriminação racial e como um dos principais veículos de

Geferson Santana aprimoramento do ensino de história da África e afro-brasileira (MATOS apud OLIVA, 2003, p.426). Chifre da África e África Setentrional: análise dos livros didáticos de História Mesmo com os avanços proporcionados pela lei 10.639, assim como, a ampliação dos grupos de estudo e pesquisa contemplados por ela objetivando a eliminação de equívocos, imprecisões e erros,as fontes analisadas não demonstram uma preocupação na introdução da relação da África com a Segunda Guerra Mundial conforme as novas leituras historiográficas. Não notamos com densidade nas referidas fontes a presença da África. Ela é colocada na condição de continente passivo no conflito entre os países integrantes do Eixo e Aliados. Geralmente trata-se de uma leitura pouco reflexiva sobre os africanos enquanto sujeitos históricos, e isso naturalmente tem influência sobre os estudantes da educação básica que foram e são acostumados a enxergar as populações africanas enquanto passivas a ação dos colonizadores. Existe perigo nas abordagens dos livros didáticos? Sim! As imagens que eles transmitem acabam gerando construções imagéticas conscientes e inconscientes nos estudantes, dificultando cada vez mais o processo de desmistificação de um continente africano monstruoso, cheio de primitivos despolitizados e a-históricos. As continuidades de tais incoerências só ajudam na permanência de um legado eurocêntrico, preconceituoso e estigmatizante por natureza. Ambos os livros (A e B) partem de uma antiga e oficial concepção historiográfica liderada por algumas especialistas clássicos do século XX, notadamente Ferro e Eric Hobsbawm. Para estes a guerra começa em 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pela Alemanha nazista de Adolf Hitler (HOBSBAWM, 1995; FERRO, 1995). A atitude alemã de invasão silenciosa do território polonês gera a declaração de guerra da Inglaterra e França à Alemanha, após uma tentativa de querer resolver diplomaticamente a invasão relâmpago (GONÇALVES, 2005, p.167; VISENTINI, 1989, p.10-34). E para a África, quando a guerra efetivamente começa? Mazrui (2010, p.2) estipulou que a guerra no continente africano começa quando Mussolini inicia o 247

Às margens do esquecimento procedimento de invasão da Etiópia em 1935. A proposta de inovação do autor nos permite pensar em novas possibilidades de datação do início do conflito mundial considerado por Ferro (2008) e Hobsbawm (1995) como o maior fenômeno do século XX 7. A ousadia historiográfica de Mazrui abre portas para pensarmos em outros critérios de datação do início da guerra, como território e outros. São vários os motivos elencados pelos especialistas para a gênese da guerra. Para Williams da Silva Gonçalves (2005, p.169), a crise de 1929 com seu enorme rastro de destruição, despertou ressentimentos e ativou a luta pelo poder ocupando o centro da causa 8. Gonçalves (2005, p.169) acredita que ela estremeceu as bases do sistema de produção dos países capitalistas, gerando o subconsumo, mexeu com a Bolsa de Valores de Nova York, e exacerbou os nacionalismos com a fracassada tentativa em junho de 1933, para pensar numa saída na Conferência Econômica Internacional de Londres, discutindo as possibilidades de entendimento e cooperação para driblar a crise geral. A versão de Hobsbawm (1995, p.44) para a origem do conflito mundial refere-se ao descontentamento dos beligerantes eixistas, que vinham desenvolvendo intenso movimento de dominação da Europa. Entretanto, para Ferro (2008, p.20), esta explicação é um grande equívoco, porque o conflito seria irrefutavelmente a vontade das forças alemãs de atacarem as cidades da Inglaterra, seguidas de represálias anglo-americanas. A África foi um dos motivos? Os livros A e B primaram por citarem o continente apenas para falarem dos conflitos bélicos em prol das conquistas de territórios, e consequentemente das riquezas, em especial na África do norte. Como na Primeira Guerra Mundial, na Segunda Guerra Mundial não seria diferente. Leila Leite Hernandes (2005, p.176) explica que o primeiro grande conflito aconteceu em parte na África devido à demanda ambiciosa de redistribuição dos territórios, mas ressalta o historiador africano Tayeb Chenntouf (2010, p.50)que a 7 Para Hobsbawm (1995, p.31-2) a Segunda Guerra Mundial foi global, praticamente todos os Estados independentes do mundo se envolveram, quisessem ou não, embora as repúblicas da América Latina só participassem de forma mais nominal (...) quase todo globo foi beligerante ou ocupado, ou as duas coisa juntas. 8 Hernandes (2005, p.178) chama atenção para os impactos da crise econômica de 1929 no continente africano, causando um processo de aumento das misérias e epidemias no continente. Afirma-nos a autora: O que se sucedeu essencialmente foi que a crise de 1929 aumentou a falta de alimentos, acarretando fomes e epidemias, em particular nas zonas assoladas pela seca.

Geferson Santana Primeira Guerra se desenrola entre europeus e na Europa. Não seria necessário recorrer a estudos mais especializados para defender a hipótese de que para ambos os conflitos mundiais a expansão territorial, o uso da mão-de-obra dos africanos e a exploração dos recursos naturais da África foram interesses vigentes nas metas expansionistas europeias. A Etiópia compõe o chifre da África, sendo o único Estado africano livre até 1935. Ela foi elencada como ponto de partida das ambições nazifascistas no continente africano, e não posso negar que os autores estão certos em suas afirmações (MOTA e RAMOS, 2005, p.97-8; FARIA; FERREIRA; SANTOS; VAINFAS, 2010, p.152.), mas, reitero a importância de entendermos que os africanos não devem ser colocados na condição de propriedades dos colonos e objeto de ambição dos beligerantes. Eles também ajudaram na construção de suas próprias histórias, foram e são sujeitos históricos. A guerra no deserto estava apenas começando. Diante do novo fracasso militar italiano, Hitler organizou o Afrika Korps (1941), empurrando os exércitos ingleses de volta à fronteira egípcia, em uma guerra que permaneceu em impasse até 1942. (FARIA; FERREIRA; SANTOS; VAINFAS, 2010, p.153) Há dois pontos que precisam ser pensados a partir deste fragmento. Primeiro que os livros didáticos nos remetem aos silêncios, principalmente da atuação dos africanos neste momento tão delicado da guerra no mundo. Não posso silenciar perante a relevância da informação, que pode ser constatada a partir das pesquisas já existentes. Houve o esquecimento nos livros de que os etíopes também tinham interesses ao se envolverem nas lutas sangrentas travadas ao lado dos Aliados. Explica Hernandes que a independência etíope e consolida em 1942, quando estes apoiados pelos anglo-americanos derrotaram os nazifascistas naquele território, que até então era ocupada pela Itália fascista (HERNANDES, 2005, p.184) 9. A vitória etíope sobre os soldados italianos representou muito no imaginário dos africanos (HERNANDES, 2005, p.185). As esperanças de dias 9 As forças britânicas junto com patriotas etíopes iniciam a Campanha da África Oriental com o objetivo de garantir a soberania do Estado africano em 1941, que cominou na soberania completa com a assinatura do Acordo Anglo-Etíope em 1944. Neste intervalo de 1941-44 o então imperador etíope Haile Selassie, exilado na Inglaterra, retoma seu império. 249

Às margens do esquecimento melhores e de independência após o sombrio período da guerra estavam sendo construídas. Eles acreditaram em dias melhores, uma vida de liberdade e sem os colonos opressores. Era evidente que a participação dos africanos nos esforços de guerra representou as esperanças na mudança, em sociedades marcadas pelo racismo dos colonizadores (HERNANDES, 2005, p.180). O segundo ponto é sobre o longo embate militar que Eixo e Aliados suportaram. São interessantes as considerações dos livros didáticos sobre a existência do projeto Afrika Korps criado pelo ditador nazista Hitler, e liderado pelo general Erwin Rommel 10 nas duas tentativas fracassadas de invadir e dominar o Egito. Em todas as tentativas os ingleses os impediram de realizarem a conquista e dominação do território egípcio forçando-os a fugir para a Líbia sob dominação italiana (RAMOS e MOTA, 2005, p.100). Reitero a relevância da informação, considerando que nas bibliografias pesquisadas este fato não foi registrado. Segundo os autores do livro B os italianos já tinham empurrado os ingleses até as fronteiras do Egito, contando, porém, dessa vez com contra-ataque dos britânicos. Mas, acrescentam os autores: Enquanto resistiam na Inglaterra, os exércitos britânicos eram fustigados no norte da África pelos italianos, que pretendiam marchar da Líbia até o Egito para conquistar o canal de Suez, de onde partiriam para o Iraque com objetivo de controlar as reservas petrolíferas. Depois de empurrados até o Egito, os britânicos reagiram, impondo derrotas fatais ao exército de Mussolini. (FARIA; FERREIRA; SANTOS; VAINFAS, 2010, p.153) No fragmento acima, é interessante refletir sobre a importância das vitórias dos britânicos sobre os alemães em 1942. Mas só os britânicos lutaram em prol da vitória? Os africanos foram arregimentados em prol do projeto de defesa da África e consequentemente dos interesses dos colonizadores. Realmente muitos africanos garantiram presença na guerra, pois como já mencionado, eles criaram em seus imaginários a esperança. 10 Embora muito doente e deprimido, Hitler mandou executar os conspiradores, provocando a morte de quase 5 mil pessoas. O marechal Erwin Rommell, ex-comandante do Afrika Korps, participou da conspiração, mas por ser muito popular na Alemanha recebeu a opção de suicídio. Aceitou para o bem de sua família, e foi enterrado com honras militares (FARIA; FERREIRA; SANTOS; VAINFAS, 2010, p.160). As cenas de morte dos envolvidos com a Operação Valquíria também podem ser vistas no filme Operação Valquíria, mas obviamente que mostra a execução apenas dos principais personagens do filme.

Geferson Santana Para além deste aspecto, fica uma crítica relevante ser atribuída essencialmente ao livro B. Primeiramente, que a imagem de uma Inglaterra heróica e salvadora dos seus domínios, inclusive da África, está muito evidente. Não nego que a atuação do governo britânico foi importante, mas que as devidas considerações a outros países dos vários continentes devem ser dadas, inclusive alguns países da América que muito colaboraram com os Aliados, a exemplo do Brasil que enviou soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para terras italianas, além das movimentações de guerra nos seus Estados. A imagem do estadista britânico Winston Leonard Spencer Churchill foi, a meu ver, a figura selecionada pelos autores do livro B como exemplo de atuação e heroísmo na guerra, sendo inclusive comentado por várias vezes. Outros personagens masculinos e europeus mais um asiático são também colocados como destaque ao longo do capítulo, a exemplo de Francisco Franco (Espanha), Léon Blum (França), Isoroku Yamamoto (Japão), e Joseph Mengele (Alemanha). A ausência de brasileiros, africanos etc., que atuaram no contexto da guerra é total, e os sujeitos selecionados pelo livro são exaltados pelos seus feitos independentemente de terem sido bons ou ruins. Os livros A e B não falam das iniciativas dos ingleses e tropas angloamericanas de invasão e tomada da Tunísia pela fronteira da Argélia. Esta é usada como ponto de partida das operações, iniciadas primeiramente pelos britânicos, assim como africanos, permitindo que finalmente a conquista e tomada do território tunisiano do controle nazifascista se concretize em maio de 1943 11. Para as fontes analisadas, estes conflitos militares compreendidos entre 1941 a 1943 são elencados apenas como fatores importantes dentro de um processo maior, que foi a derrocada do Eixo, denominada por Mota e Ramos (2005) como o refluxo da maré. Com o intuito de contribuir com a defesa de uma historiografia o mais fiel possível aos acontecimentos conflito mundial na África, trago uma citação com dados estatísticos do Chenntouf: 11 E ainda acrescenta Chenntouf (2010, p.52): Após uma série de operações, os Aliados passam à ofensiva generalizada em 22 de abril de 1943. Em maio, a entrada dos ingleses em Túnis e dos americanos em Bizerte marcam o fim da campanha da Tunísia. 251

Às margens do esquecimento Até junho de 1940, a África do Norte fornece sozinha 216.000 homens, entre eles 123.000 argelinos. De 1943 a 1945, 385.000 homens originários da África do Norte (incluindo 290.000 argelinos, tunisianos e marroquinos) participam da liberação da França. O exército africano intervém na liberação da Córsega (setembro outubro de 1943), na campanha da Itália (atingindo Roma em 15 de junho de 1944) e na campanha da Provence (em agosto de 1944), antes de se redirecionar rumo ao norte para se unir ao conjunto do exército francês. (CHENNTOUF, 2010, p.52) Chenntouf (2010) defende que o engajamento dos africanos nos esforços de guerra tem como plano de fundo a esperança de abertura democrática, o que acabou acontecendo em 1939 quando os Aliados declararam guerra ao Eixo nazifascista. Hernandes (2005, p.185), exemplifica que muitos outros africanos ligados às colônias de domínio fascista acabaram sendo recrutados forçadamente, estes em um número aproximado de 190 mil homens lutaram (...) em frentes de batalhas na Alemanha, Itália, Líbia, Normandia, no Oriente Médio, na Indochina e na Birmânia. Por outro, os dados da autora acabam corroborando para o entendimento de que muitos africanos foram necessários para a guerra em solos africanos e europeus. A Itália e a Alemanha representaram para os Aliados uma verdadeira dor de cabeça, considerando que a partir da Líbia ameaçavam a Tunísia. A reação britânica em alguns momentos fora retardada, porque o desembarque angloamericano acelera o desenvolvimento dos projetos alemães na Tunísia. Em 9 de novembro de 1942, uma centena de aviões alemães aterrissam na área de al - Awina, perto de Túnis, com um corpo de 1.000 homens (CHENNTOUF, 2010, p.52). A iniciativa alemã de invasão de Túnis, capital da Tunísia, sem aviso prévio na noite do dia 13 para 14 de novembro do mesmo ano garante a ocupação dos grandes centros urbanos como Sfax, Sousse e Gabès, diz Tayeb Chenntouf (2010, p.52). Forças militares dos Aliados iniciaram uma contra ofensiva à invasão alemã. Afirma Chenntouf (2010) que os britânicos e estadunidenses alcançariam vitórias significativas cotando com a tomada da Tunísia pela fronteira da Argélia. Esta é usada como ponto de partida das operações, iniciadas primeiramente pelos britânicos, assim como africanos, permitindo que finalmente a conquista e tomada do território tunisiano do controle nazifascista se concretize em maio de 1943.

Geferson Santana Os alistamentos para o front de combate aos eixistas não aconteceram apenas militarmente, muitos partidos políticos nacionalistas se engajaram na luta contra a ideologia fascista propagada pela Alemanha e Itália e que teve algum eco no Egito. Mas, muitos outros foram, igualmente, censurados, postos na clandestinidade e, por consequência, fadados ao desaparecimento no cenário político. Foi isso que acometeu, explana Chenntouf (2010, p.56-7), ao Partido do Povo Argelino com seu líder MessaliHadj e membros que foram presos ou condenados a trabalhos forçados em 29 de abril de 1941. A apreciação dos materiais didáticos teve como meta demonstrar ao leitor o quanto os livros didáticos silenciaram e ainda silenciam sobre os povos africanos e suas atuações na guerra, mas os livros acabam centrando nos aspectos militares. A guerra na África não se resume ao confronto bélico. Faltou nas fontes uma discussão sobre as atuações dos africanos no processo de organização política nos partidos nacionalistas, nos esforços em prol da economia de guerra. Considerações finais A presente proposta de reflexão se dispôs a demonstrar por meio da análise dos livros didáticos destinados aos estudantes do terceiro ano do Ensino Médio, que ainda tem muito a ser feito no campo da História da África na sala de aula, em especial no caso da Segunda Guerra Mundial. Pouco se percebe questionamentos sobre os silêncios da historiografia clássica e dos livros didáticos e paradidáticos no tocante a ausência de um conteúdo aprofundado da participação dos africanos. Todos os autores dos referidos materiais analisados citaram uma África passiva à ação dos beligerantes e ficaram presos ao caso da Etiópia, promovendo uma imagem equivocada e errônea do continente africano e esquecendo que África é uma diversidade de povos. A meu ver, faltou a preocupação em fazer um mapeamento mais detalhado das bibliografias existentes sobre a relação entre África e guerra. A análise meticulosa da bibliografia utilizada não aconteceu para tratar o problema em questão, mesmo usando o livro de Ferro. Ele foi citado pelos autores dos livros A e B, mas o Magrebe abordado por Ferro acaba sendo silenciado em suas narrativas. 253

Às margens do esquecimento Com isso, não é precipitado afirmar que falar de África nos capítulos analisados não foi uma das prioridades. Referências BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. CHENNTOUF, Tayeb. O chife da África e a África sententrional. In: História Geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010, p.33-66 FERRO, Marc. História da Segunda Guerra Mundial. São Paulo, Ática, 1995.. O século XX explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008. FONSENCA, Selva Guimarães. Livros didáticos e paradidáticos de História. In: Didática e prática de ensino de História. Campinas, São Paulo: Papirus, 2003, p.49-57. GONÇALVES, Williams da Silva. A Segunda Guerra Mundial. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste. O Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, pp.165-93. HOBBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-199). São Paulo: Companhias das Letras, 1995. MAZRUI, Ali. A. Introdução. In: História Geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010, p.01-29. MONTEIRO, Ana Maria. Os saberes que ensinam: o saber escolar. In: Professores de História: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p.83-93. OLIVA, Anderson Ribeiro. A história da África nos bancos escolares. Representações e impressões na literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, nº3, p.421-61, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/eaa/v25n3/a03v25n3.pdf. Acesso em: 02 de jan. de 2013.. Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a identidade e o ensino de História da África nas escolas brasileiras. Revista História Hoje, São Paulo, nº 1, v 1, p.29-44, 2012. SERRANO, Carlos. Apresentando a temática deste livro. In: Memória D África: a temática africana em sala de aula. São Paulo: Cortez, 2007, p.11-20. SOUZA, Marina de Mello e. Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África. Revista História Hoje, São Paulo, n.1, v.1, p.17-28, 2012.

Geferson Santana VISENTINI, Paulo G. Fagundes. Segunda Guerra Mundial: história e relações internacionais / 1931-45. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1989. 255