Jogo como texto da cultura



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Transcrição:

Jogo como texto da cultura Desde o início das sociedades o jogo, no sentido mais amplo pode ser visto como uma relação, uma troca dentro de regras. Diferentes formas de jogo acompanham o homem e a humanidade durante seu desenvolvimento. O jogo, segundo Lotman, nunca se opõe ao conhecimento, sendo assim um dos meios mais importantes de aquisição das diferentes situações de aprendizagem dos tipos de comportamento. Todas as civilizações sempre se preocuparam com os jogos como os jogos esportivos ou os jogos rituais de magia e religiosidade. O jogo na época grega foi o modo de expressão, dentro das leis da estética da época, uma demonstração da força e perfeição que buscavam. O jogo como modo de aprendizagem dos diferentes tipos de conduta é um sistema da cultura modelizador de situações inesperadas e novas. Devemos pensar no jogo como um sistema modelizante Pois uma situação real é substituída por uma situação lúdica, fazendo com que o jogador perceba a possibilidade de suspender uma ação, como o é sua vez do jogo. Assimila a idéia modelizante do jogo que representa a realidade e as regras que podem ser reformuladas. Processo fundamental na socialização do indivíduo e na formação da personalidade, para alguns autores o jogo seria mais antigo que o trabalho. A denominação jogo é dada a diversas formas de atividades físicas ou mentais que têm por fim a recreação, embora às vezes envolvam também interesse financeiro. Os jogos se praticam segundo regras estabelecidas, em sua maioria de aceitação universal, apesar de serem também freqüentes as modalidades determinadas por peculiaridades de costumes locais. Pouco se sabe sobre a historia dos jogos, mas acredita-se que todos os povos os praticam. Acredita-se que suas origens remontam a cerimônias e rituais religiosas.costumes antigos e ritos ligados ao longo passado do homem. Entre as causas de sua existência incluem-se o espírito lúdico e a necessidade humana de comunicação, da qual as brincadeiras infantis são a primeira manifestação. Todos os tipos de jogos desempenham importante papel no desenvolvimento físico e espiritual do individuo. O jogo dá ao homem a possibilidade da vitória e do poder. Como ferramenta auxiliar do processo do desenvolvimento infantil capacita a criança a enfrentar situações de medo e estrutura as atividades emocionais para a vida adulta. Os jogos podem ser classificados em dois grandes grupos. Os sedentários, em que predomina a atividade mental e os de movimento que envolve esforço físico. Os esportes se incluem nessa ultima categoria e, em geral, despertam grandes entusiasmos públicos, o que se reflete na realização de campeonatos nacionais e internacionais. Os mais importantes dessas competições são os jogos olímpicos, originários da Grécia Antiga, que se mantém até os tempos modernos. Todos os processos culturais mostram a presença ativa do fator lúdico, como criador de muitas formas fundamentais da vida social.o espírito de competição lúdica, enquanto impulso social é mais antigo que a cultura e a própria vida social está penetrada por ele. Daí se conclui que a fase primitiva da cultura é o jogo, como os jogos de guerra e os jogos e

convenções da vida aristocrática. Não que a cultura nasça do jogo, mas ela surge no jogo e enquanto jogo nunca mais sai da cultura. O homem, chamado de Homo Sapiens merece ser chamado também de homo Ludens pois considera o jogo toda e qualquer atividade humana, é um fator fundamental presente em tudo o que acontece no mundo. É no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve. Portanto, jogo é um fenômeno cultural e não biológico, é estudado com uma perspectiva histórica, não científica no seu sentido restrito. Jogo implica regra-fundamento da linguagem. A atividade lúdica é a modelização da regra: de lógica para lúdica. Esse é o aspecto fundamental para a compreensão do jogo como texto: a interação entre regra e jogo ou entre lógica e lúdico. Em que medida a cultura atual continua se manifestando através das formas lúdicas? É evidente que a sociedade moderna perdeu muito da sua forma lúdica, mas as competições em habilidade e força sempre ocuparam um lugar importante em relação ao seu ritual ou simplesmente por divertimento. A sociedade feudal se interessava por torneios sendo uma diversão popular. O torneio com sua encenação dramática e sua pompa aristocrática dificilmente poderia ser considerado como esporte. Desempenhava as funções de teatro, sendo que apenas a classe social mais alta tomava parte. Na Renascença, a pratica de exercícios físicos em busca da perfeição, era uma iniciativa isolada, nunca em grupo. A aceitação dos exercícios físicos como fatores culturais surgiu com o final do século XVIII. Embora os seres humanos tenham praticado essas atividades (esportes) desde o inicio dos tempos, estas só em pequena medidas costumam assumir a forma de jogos organizados, segundo um sistema de regras. Vamos tentar ver se há um conteúdo lúdico na confusão moderna O jogo é uma forma da realidade muito particular. Ele reproduz aspectos da realidade por meio das regras. Utiliza um comportamento lúdico e um comportamento prático e convencional simultaneamente. Jogar é conciliar comportamento lógico com comportamentos lúdicos. Essa troca de comportamentos é que possibilita ao homem encontrar sua natureza mais profunda. Neste caso podemos comparar o jogo à arte, ambos dão ao homem a possibilidade de falar com seu próprio eu. Surgem atividades cuja razão de ser depende inteiramente do interesse material e que em sua fase inicial não tinha nada a ver com o jogo, nas quais o elemento lúdico só pode ser coisa séria que se transforma em jogo e nem por isso deixa de ser considerada séria. É claro que a competição comercial não faz parte das memórias sagradas do jogo. Ela surge apenas a partir do momento em que o comércio passa a criar campos de atividade em que cada um precisa esforçar-se para ultrapassar o outro. A rivalidade comercial cria imediatamente regras. As estatísticas de venda criam um certo elemento esportivo, e a conseqüência disso é um aspecto esportivo em todo campo comercial ou tecnológico. Os negócios se transformam em jogos, e para isso muitas empresas deliberadamente incutem em seus funcionários o espírito lúdico, invertendo a tendência: O negocio se transforma em jogo. O espírito lúdico é um elemento na arte e no comercio, no processo de criação e na produ-

ção de uma obra de arte. Verifica-se essa função lúdica quando o espírito e a mão se movimentam ludicamente. O historiador holandês Johan Huizinga chegou a definir o homem como o ser que brinca. Em seu livro Homo Sapiens ele afirma que: O jogo é um traço essencial talvez o mais importante das sociedades humanas.diferentemente dos outros animais que brincam, o homem é o único que faz conscientemente e durante toda a vida para obter prazer. (Huizinga, 1993). Isso é a capacidade de criar linguagem Para Huizinga todas as atividades humanas incluindo filosofia, guerra, arte, leis e linguagem, podem ser vistas como o resultado de um jogo ou, para usar uma terminologia mais técnica, sub specie ludi! A titulo de brincadeira. Se falamos é porque alguém resolveu muito tempo atrás brincar com os sons e significados. Quando filosofamos, estamos na verdade jogando com conceitos. Nada, portanto encanta mais o homem do que o jogo. Huizinga nos dá uma espécie de salvo-conduto para agora cientificamente, considerarmos o mundo como uma piada. Baseando-se em Huizinga, que mostrou nos o papel fundamental do elemento lúdico. O processo de criação é visto como jogo, o que vale dizer que ele é afetado pelas incertezas das condutas, mas igualmente submetida a uma certa ordem de convenções, regularidade e indeterminação que garantem a riqueza e solidez da criação. No ponto de vista dinâmico o jogo é um palco para tensões que podem traduzir as diferenças, o conflito e a sedução. Do ponto de vista formal, pode ser visto como a BRINCADEIRA solitária, na disputa amistosa da provocação. Na condição de atividade estruturante, todo jogo é um comportamento estruturado a partir do que foi feito no passado.(memória) Ao encarar o jogo, estamos admitindo regras e estratégias.mas o jogador carrega essas regras com ele como um repertório presente o tempo todo. Regras que foram apreendidas e assimiladas em seus procedimentos, de modo que, ao produzir uma obra com o objetivo de expressar algo, não pensa nas regras, mas sem deixar de respeita-las, porque já foram adotadas por ele, como modo de atuar. E serão mais espontâneas e atuantes na medida em que se torne mais experiente no seu desempenho produtivo. Ao mesmo tempo somos capazes de alterar as regras, com jogadas inovadoras gerando novas regras. Num primeiro momento de aprendizagem e de socialização, o desrespeito às regras é punido como erro inadequação, mas à medida que seus desvios sejam compartilhados por outros, esse lance passa a ser considerado uma nova regra. Como quando um poeta introduz um neologismo ou um modo de falar que é repetido e retomado por outros, ele está introduzindo na língua, por meio de uma intervenção, algo que assume um papel estrutural que não depende da decisão do autor. Outros exemplos estão presentes na nossa cultura, como as regras introduzidas pelas mídias televisivas e logo adotadas pela nossa sociedade, como estrutura cultural. Na arte o artista não sabe o que vai fazer, ele só descobre o que está fazendo depois de ter feito, liberando nuances de sua personalidade que permaneceriam ocultas se não se manifestassem através da obra. Nesse sentido é importante ressaltar que a arte concebida como um jogo, percebe-se a criatividade artística como uma força que resulta da tensão entre diferença e repetição. Todo processo simbólico, configuração de símbolos e signos, só é

possível no confronto entre o espontâneo e o sistemático, assim ao falarmos das formas de expressão como criações não podemos esquecer o processo de acumulação e assimilação de informação (repertório individual). Aquele que pratica a arte a realiza com dois comportamentos: um em que as emoções geram situações práticas e o outro, simultâneo e consciente gera um comportamento convencional. O mecanismo do efeito de jogo não está só na coexistência e simultaneidade das diversas significações, mas também nas diferentes significações além das imediatas. Qualquer interpretação conserva as significações precedentes e a consciência das futuras significações (Lotman, 1978,p 130). Mas a arte não é o jogo. O jogo representa a aquisição de uma habilidade, a preparação numa situação convencional, a arte é a aquisição de um mundo, (uma modelização do mundo) numa situação convencional. O jogo é como uma atividade a arte é como a vida (Lotman. 1978 p.132). Ao fazermos uma retrospectiva de nossa vida, da nossa experiência, podemos retroceder a camadas cada vez mais primitivas na nossa formação psicológica ou na formação cultural da nossa sociedade, mas jamais conseguiríamos chegar a um instante originário. É uma característica da experiência simbólica o fato de não existir um grau zero do sentido, é inconcebível um estado de experiência nula, pois pertencemos a uma convivência coletiva, antes mesmo de desempenhar qualquer padrão simbólico próprio, por já estarmos partilhando padrões da experiência da nossa cultura. Assim a simples troca de informação, segundo alguns teóricos, caracteriza-se pela participação numa comunidade de sentido, imersa num fluxo de idéias e imagens sem autoria determinada. No campo biológico o jogo também está presente. A natureza responde com jogadas as intervenções do homem. A cada nova jogada a natureza tenta re-equilibrar o mundo natural. JOGO NO MEIO DIGITAL A utopia vanguardista lança o artista num estado de paranóico, porque lhe impõe a obrigação de desviar de si mesmo o tempo todo, para não permitir a identidade definitiva. Ele tem que se tornar um mutante obsessivo, um transformista, subvertendo as regras do seu próprio estilo. Mas a tradição é a capacidade de colocar em movimento o jogo simbólico, a partir das regras de um sistema capaz de assimilar todos os desvios sem perder a estrutura. A tradição nos motiva a permanecer dentro dos costumes estabelecidos nos desafia a produzir sem romper com os padrões vigentes. É mais complexo e interessante responder com originalidade aos desafios das antigas regras apenas para contornar as dificuldades do trabalho da expressão. Esse é de certo modo, o procedimento da arte digital, quando o artista instaura uma sintaxe própria. É o começar de novo, a tentativa, o ritmo. O texto do jogo no meio digital está posto na dinâmica. O jogo poético no meio digital não é só peculiar pela sua iconicidade, mas também pela relação dos signos com a realidade, a característica deles se relacionarem simultaneamente em partes ou no todo com o sistema.

O jogo interativo entre conteúdo consciente e inconsciente caracteriza-se por um movimento fluido que circula em ambas as direções continuamente. Estes domínios de processamento, portanto, configuram-se na forma de um continuum da mesma e única mente. Cada um funciona como sombra e suporte do movimento e expressão do outro... É na troca e alternância entre as ações de escutar e expressar dentro de continnum que conhecemos a nós próprios e nos sentimos fortalecidos e livres em espírito/emoção (Huizinga, 1993: p.13). O jogo é tratado como ferramenta porque gera mudanças no sistema verbal (regras). Jogo é um suporte que já teve várias codificações, o jogo como ferramenta é texto da cultura. Segundo Posner, o texto é formado pela seqüência ou tráfico de signos segundo uma ordem ou regra. Roland Posner nos anais do 25 O. Simpósio da Escola Semiótica de Tartu em Moscou (Posner,1998), O código cultural do jogo antropologicamente é o funcionamento social na semiótica da cultura. Ele é oral porque se relaciona com elementos do corpo humano, mas não é humano. Não dá para falar em extensão, mas não podemos esquecer da semiose pela oralidade. Como sistema modelizante, sabemos que a codificação semiótica não é única, ela tem traços que se esbarram em outros códigos, e assim se conhece o texto da cultura. São tantas as variáveis que se percebe entrar no tecido do texto. É um sistema modelizante porque traz uma quantidade imensa de signos, sendo a modelização dos códigos que estão no jogo. O jogo como texto da cultura vai ter um código que se mistura com o código do receptor e ao ser entendido com outro código gera assim um outro texto. O receptor é o colaborador e não é passivo, existindo um processo de interação entre os sistemas do emissor e do receptor. Lotman fala da tradução de um tipo de sistema para outro sistema, portanto vários sub textos que formam um texto maior. No caso do jogo quando ele está como jogo de negócios ele esta sendo traduzido e, portanto formando sub textos. O código é sempre uma virtualidade, é uma potencia que está se modificando. O texto sendo sempre plural e heterogêneo faz com que produza sentidos, uma das preocupações de Lotman, é a geração dos sentidos. Nessa problemática, a relação dos sistemas semióticos da cultura, o texto como um dispositivo intelectual, é a problemática da informação (transmissão, armazenamento e transmissão para gerar o novo). A idéia intelectual tem que ter uma bagagem e remeter à memória. Um dos aspectos de texto como dispositivo para processar o sistema é pegar o que está fora e transforma-lo para o que está dentro, criando a informação nova do sentido produzido. Mas para essa transformação precisamos da memória comum que permite que o que vem de fora passe a ser uma nova informação. Como exemplo podemos falar de um ritual que pode virar um espetáculo com os mesmos gestos, mas é outro texto. Nessa elaboração ocorre um deslocamento de ritmo e velocidade dando um novo sentido ao texto. O sistema novo ao ser gerado tem um novo sentido no campo da vivencia, ele se modeliza. Mas não podemos esquecer que a geração de sentido pela heterogeneidade cultural entende as coisas de modos diferentes. Para Lotman existe um sistema modelizante primário que é a língua. Sistema como dispositivo de gerações de sentido, ele introduz um segundo sistema primário que é o espaço. Importante porque é o dispositivo gerador de sentido, criando a base das relações. O Espaço é o lugar das interações e nele se dá a semiótica da recepção e como existe a interação, é no espaço onde se forma a semiosfera.

BIBLIOGRAFIA: Lotman. Iuri, A estrutura do texto artístico -1978- Editor Estampa, Lisboa. Huizinga, Johan - Homo Ludens -1993- - Ed. Perspectiva S. A. Posner, Roland 1998- anais do 25 O. Simpósio da Escola Semiótica de Tartu em Moscou.