2 Um olhar para a obra de Mauricio de Sousa: Mito / Ideologia / Narrativa / Unidades de construção



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Transcrição:

2 Um olhar para a obra de Mauricio de Sousa: Mito / Ideologia / Narrativa / Unidades de construção O universo Mauricio de Sousa é repleto de temas sociais, culturais, sócioeconômicos, etc. Pela infinidade de assuntos disponíveis, é possível que qualquer área ligada às ciências humanas encontre material bastante rico para estudar. A estrutura do seu estúdio, localizado na Região da Lapa, na cidade de São Paulo, comporta a produção de seis revistas-tema mensais Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Chico Bento e Parque da Mônica, além de organizar material para os almanaques de reedição das melhores histórias e publicar livros de temas já recortados, como fábulas e natureza, entre outros. Sua produção é responsável também por acompanhar os lançamentos dos produtos que levam a marca Turma da Mônica e elaborar a transposição do que é confeccionado para os quadrinhos para outras mídias. Hoje seus personagens são vistos nas telas de cinema, participam de jogos educativos e fazem parte de CD-ROMs. A figura abaixo representa o anúncio publicado no número 456 da revista Chico Bento e trata do lançamento do livro com o making off e histórias que deram origem ao longametragem CineGibi, lançado em 2005. Figura 6 Anúncio publicado na revista Chico Bento em março de 2006.

31 Por se tratar de uma pesquisa a respeito de quadrinhos, apesar do grande desejo inicial de englobar todo o universo Mauricio de Sousa como objeto de análise, foi determinado um recorte, escolhendo a revista-tema Chico Bento para estudar. As histórias de Papa-Capim também são observadas. Justificando a escolha, a personagem que protagoniza a revista é um menino que mora em um sítio no interior do Brasil e, em seu dia-a-dia, convive com animais domésticos, se preocupa com a natureza, vive longe da caótica 1 vida na cidade grande. O folclore brasileiro é freqüentemente abordado no conteúdo das histórias. O cenário é bem característico, diferenciando-se das demais revistas. Acredita-se que, para a metodologia adotada para a presente pesquisa, o tema Chico Bento e os assuntos que aparecem em sua revista são os que mais se adequam ao desenvolvimento deste estudo. Chamaremos aqui de Turma aquilo que nos referimos até aqui como tema esse lugar narrativo onde se passam as histórias pela razão dessa amostragem ser denominada dessa forma pelo autor. Figura 7 - Imagem captada do site <www.monica.com.br> em abril de 2006. 1 A vida na cidade grande, no que se remete aos assuntos que abordam esse tema, é vista como caótica na revista Chico Bento. Há várias histórias que virão comprovar essa afirmativa nos quadrinhos de Mauricio de Sousa. Porém, para essa pesquisa é vista fazendo parte de um Mito, na concepção de Roland Barthes (2003).

32 Como o próprio Mauricio de Sousa afirma, a personagem Chico Bento foi criada homenageando seu tio-avô e retrata bem a infância que teve na cidade de Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo. A primeira revista publicada foi em agosto de 1982 e aborda principalmente temas ligados, por exemplo, à natureza e às boas maneiras. As revistas designadas a servir de amostragem para a análise são os 24 números dos anos 2004 e 2005. Isso porque são as que, atualmente, trazem inovações tecnológicas, assuntos atuais, que fazem parte do cotidiano do público que as lê. Para complementar fundamentalmente as questões apontadas, seria necessária uma pesquisa antropológica aprofundada a respeito do assunto, encarada aqui como desnecessária para a abordagem proposta para a pesquisa. O projeto aqui proposto tem por meta analisar as histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa utilizando uma metodologia semiológica. Segundo Barthes (1992, p. 103), o objetivo da pesquisa semiológica é reconstituir os sistemas de significação diversos da língua. Assim, a presente pesquisa se propõe a realizar um estudo de histórias em quadrinhos que analise aspectos relacionados à construção das mensagens e ao modo como estas são produzidas, não levando em consideração os aspectos gráfico-industriais pelos quais as imagens passam, mas sim considerando-as como um objeto de linguagem visual. Essa análise semiológica é entendida aqui como um sistema de linguagem, no qual estão presentes a fala e os elementos que a fazem representar. Tratamos como fala qualquer elemento presente na imagem que seja atribuído pelo sujeito e passível de interpretação. Não o elemento solto, mas sim a presença dele em um sistema de significação ao qual ele estará fazendo parte no momento. O projeto analisa esse sistema como um sistema mitológico. A presente pesquisa pretende analisar a obra de Mauricio de Sousa, especificamente a respeito dos temas que, no levantamento de dados a seguir, abordam o homem do campo e o homem selvagem brasileiro. No universo Mauricio de Sousa, foram escolhidos, como já explanado anteriormente, dois centros de narrativa, adotados aqui como turmas, assim chamados pelo próprio autor.

33 Para a análise das turmas do Chico Bento e Papa-Capim lugares narrativos selecionados, abordando a vida no campo e a vida selvagem, respectivamente, será necessária a definição de que caminhos ela deverá tomar, como ferramental, para sustentar a hipótese de que Mauricio de Sousa utiliza o mito, segundo Roland Barthes, para a transmissão de conteúdo ideológico para o público que se destina. A obra de Mauricio de Sousa é muito extensa. Portanto, sem um recorte prévio sobre os temas a serem estudados, seria inviável de imediato abordá-la de forma ampla e considerável, a propósito do objetivo traçado para tal. É necessário, no entanto, localizar os quadrinhos de Mauricio de Sousa no âmbito do design gráfico, considerando a sua obra de grande importância para ações na área. Primeiro, porque os quadrinhos, no decorrer dos tempos, passaram de objetos de contracultura a meio de fácil compreensão da mensagem, utilizado até pelo ensino fundamental como apoio à atividade de ler. Depois, por ser uma peça de fácil aceitação pelo público do design, devido aos grafismos, às cores, à diagramação e às próprias abordagens de temas variados. Os quadrinhos usam a construção da imagem semelhante à usada na linguagem cinematográfica, que, através de elementos específicos, pretende não só comunicar roteiros, mas também mexer com o sentido da mensagem, com a significação. Os estudantes de design se interessam não só pelos aspectos de construção das revistas, mas fazem dos quadrinhos itens de coleções. É comum andar pelas universidades hoje em dia e perceber, através da transparência das pastas de materiais de estudo, revistas em quadrinhos carregadas pelos alunos de comunicação. O que a pesquisa busca é avaliar a forma através da qual Mauricio de Sousa transmite a mensagem para seu público com as abordagens adotadas pelas suas referências, ou seja, o que reconhece como adequado enquanto assunto. Alguns exemplos disso são: o uso da imagem em seus personagens, construção de cenário, movimentação, etc (SOUSA, 2005a). Avaliando os aspectos construtivos da imagem, depararemos com elementos fornecidos pela semiologia, a qual, a respeito do mito, para Barthes (2003, p. 205) seria: [...] um sistema semiológico segundo, [...] que se constrói a partir de uma cadeia semiológica que já existe antes dele, o que é signo (isto é, a totalidade associativa

34 de um conceito e de uma imagem) no primeiro sistema transforma-se num simples significante do segundo. Essa análise semiológica é entendida aqui como um sistema de linguagem, no qual estão presentes a fala e os elementos que a fazem representar. Tratamos como fala qualquer elemento presente na imagem que seja atribuído pelo sujeito e passível de interpretação. Não o elemento solto, mas sim a presença dele em um sistema de significação do qual ele estará fazendo parte no momento. O projeto analisa esse sistema como um sistema mitológico. Alguns pontos levantados por Barthes a respeito do mito devem ser considerados: 1. O mito depende de uma ciência geral extensiva à lingüística, que é a semiologia. E em se tratando de [...] abordar aspectos da mensagem enquanto significação, é necessário recorrer à semiologia (BARTHES, 2003, p.204). 2. Mitologia faz parte simultaneamente da Semiologia, como ciência formal, e da ideologia, como ciência histórica: estuda ciência e forma. 3. Imagem e escrita devem ser tratadas por igual, visto que são linguagemobjeto, entrando no esquema mitológico como significante. 4. O saber contido no conceito mítico é um saber confuso, constituído por associações frágeis, ilimitadas. É preciso insistir sobre esse caráter aberto do conceito; não é absolutamente uma essência abstrata, purificada, mas sim uma condensação informal, instável, nebulosa, cuja unidade e coerência provêm, sobretudo, da sua função. (BARTHES, 2003, p. 210) 5. O mito transforma a história em natureza. Para o leitor do Mito, tudo se passa como se a imagem provocasse naturalmente o conceito, e o significante criasse o significado. Quando tomamos como objeto de análise uma obra que serve, em seu estado primeiro, para contar histórias, podemos tomar esse objeto não só dotado de significação pela leitura da imagem, constituída por texto e imagem, mas também como um objeto que traz consigo o que nos apropriamos como narratividade. A narratologia é a ciência apropriada para manter a relação da ação da leitura, uma forma literária com a ação da narrativa, de forma interdisciplinar, na

35 qual expõe a diegese 2, mantendo sua relação com a semiologia, já que a pesquisa trata do processo de significação da imagem. Sobre a abordagem narratológica, usada aqui como ferramenta, a presente pesquisa utiliza a dita interna, proposta por Yves Reuter (2002), que se interessa pelas narrativas com objetivos lingüísticos, fechados em si, independentemente de sua produção e recepção, bem como objetivos que apresentam formas de base e princípios de composição aparentemente comuns. É em cima dessas formas e princípios que o autor toma como objeto de pesquisa a teoria narrativa, que usa as formas e princípios como itens de análise. O ato de contar histórias faz parte da história do ser humano há muito tempo. Nas palavras de Carlos Faraco (1992, p.10), no seu livro voltado para as crianças do ensino fundamental, como proposta para ensiná-las a escreverem narrativas: As pessoas gostam de inventar histórias, interferindo sobre o que poderá acontecer. Imaginar enredos, comandar o destino das personagens, contar fatos cotidianos ou extraordinários de diferentes maneiras [...] registrar fatos reais, agradáveis ou desagradáveis. É importante ressaltar que as histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa fazem uso da imagem, voltando-a para as crianças da educação infantil e ensino fundamental. Mas seu público não se limita a essa faixa etária. Ele considera que sua obra é lida por um público de faixa etária variada: [...] os personagens vivem mais ou menos no mesmo universo visual, gráfico, no mesmo estilo mauriciano, ou teríamos muita diferenciação entre as histórias. Naturalmente tentamos, aqui e ali, dar um clima diferente de história para história. Mas mais por força dos temas do que da necessidade de forjarmos um grafismo diferenciado. (SOUSA, 2005a) Em uma entrevista gentilmente concedida por Mauricio de Sousa para a pesquisa aqui desenvolvida, o autor respondeu a trinta e quatro perguntas, que não só discutem sua opinião a respeito de questões levantadas como objetivo, mas o modo como abrange os temas em suas histórias. As questões foram elaboradas, 2 Diegese na origem grega está associada à forma de narrativa, no sentido moderno representa todo o universo voltado para desenvolver e dar sentido ao relato. Informação retirada do site Wikipedia < http://pt.wikipedia.org>. Acesso em maio de 2006.

36 enviadas por e-mail e, após uma semana, devolvidas com muito cuidado em esclarecer todas as dúvidas levantadas. Vale a pena relatar, mesmo informalmente, que a escolha da amostragem se deve a Mauricio de Sousa afirmar que traz para as suas histórias momentos que viveu quando morava no interior de São Paulo, passando a sua infância. E, já que na afirmativa de que tem o ideal imaginário para a formação de caráter do indivíduo baseado em suas próprias experiências, elaborado sob forma de exemplos, referências, tomaremos aqui esses exemplos como ideais históricos, de forma já delineada anteriormente, sobre a descrição de mito usada para a presente pesquisa, na visão de Roland Barthes. Exemplos esses denominados como ideologia. Ideologia é a ciência histórica do objeto. Tomando como referência Mikhail Bakhtin (1999, p. 33): No domínio dos signos, isto é, na esfera ideológica, existem diferenças profundas, pois este domínio é, ao mesmo tempo, o da representação, do símbolo religioso, da fórmula científica e da forma jurídica, etc. Cada campo de criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para a realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua função no conjunto da vida social. É seu caráter semiótico que coloca todos os fenômenos ideológicos sob a mesma definição geral. Unidades de construção de sentido A presente pesquisa, que se propõe a estudar história em quadrinhos, usa como objeto de análise o universo criado por Mauricio de Sousa, fazendo um recorte em sua população, que são as personagens das histórias de suas revistas, tomando como amostragem as turmas do Chico Bento e Papa-Capim. É necessário arriscar previamente que a obra de Mauricio de Sousa, por se tratar de uma linguagem quadrinizada, possui elementos de construção específicos dos quadrinhos. Entretanto, define uma forma de linguagem que se inspira em outras obras, mas é elaborada de forma a se direcionar para seu próprio público, com a sua forma de fazer. Vale a pena dizer que, no momento de dissertar sobre a presente pesquisa, está sendo lançado um livro sobra as inspirações em quadrinhos de Mauricio de Sousa para construir a sua obra, contando a história da paixão de ler gibis.

37 Sidney Gusman, entre outros autores, redige um capítulo sobre Will Eisner intitulado como uma obra simplesmente inigualável. A forma como Eisner fazia O Espírito seu personagem mais conhecido aportuguesado por Mauricio de Spirit me fascinou desde pequeno. A criatividade e o desrespeito que tinha com os padrões gráficos dos quadrinhos da época eram ousadia pura. Nada era certo, igual ou óbvio. Tudo apresentava um grafismo lindo, um ritmo maravilhoso. Era inusitado. (SOUSA, 2006, p. 88) Além dessa referência de Gusman, Mauricio de Sousa sempre relata a importância que Eisner tem no mundo dos quadrinhos em entrevistas e crônicas publicadas. Não é pela paixão de Mauricio de Sousa por Will Eisner que a presente pesquisa levanta os elementos de construção da imagem a partir da obra de Mauricio, pelas unidades de construção de sentido descritas por Eisner. Talvez de forma indutiva isso aconteça, pois descobertas são feitas durante levantamentos e é muito difícil desconstruir inspirações. Porém, hoje em dia, não se estuda construção de imagens em quadrinhos sem pelo menos fazer uma breve citação da importância de Will Eisner para este universo. É sabido que, por meio de grafismos, colorações e elementos gráficos, se constrói a narrativa dos quadrinhos. E além de considerar a singular estética, da chamada arte seqüencial por Eisner (1995, p.5), como um veículo de expressão criativa, uma forma artística e literária que lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras para narrar uma história ou dramatizar uma idéia, são usadas como parâmetros de análise as suas unidades de construção, levantadas em um curso que ministrou por muitos anos na School of Visual Art de Nova Iorque e transformadas em um livro, tomando como exemplo a sua própria obra. É importante dizer que essas unidades descritas por Eisner são as bases para o levantamento da imagem construída por Mauricio de Sousa para a definição da análise. Por isso não será necessário para o momento usar tudo o que é explanado no livro em que a pesquisa se baseia. Entretanto, alguns elementos serão aqui desenvolvidos: 1) O texto é lido como imagem: O letreiramento, tratado graficamente e a serviço da história, funciona como uma extensão da imagem (Ibid, p.10). 2) Imagens sem palavras: É possível contar uma história apenas através de imagens, sem palavras. (Ibid, p.24)

38 3) Timing: O fenômeno da duração e da sua vivência comumente designado como time (tempo) é uma dimensão essencial da arte seqüencial. (EISNER, 1995, p.25) 4) Enquadrando a fala: O balão é um recurso extremo. Ele tenta captar e tornar visível um elemento etéreo: o som. A disposição dos balões que cercam a fala a sua posição em relação um ao outro, ou em relação à ação, ou a sua posição em relação ao emissor contribui para a mediação do tempo. (Ibid, p.26) 5) O quadrinho: Para lidar com a captura ou encapsulamento dos eventos no fluxo da narrativa, eles devem ser decompostos em segmentos seqüenciados. Esses elementos são chamados de quadrinhos. (Ibid, p.38) a) Enquadramento da figura isolada: Diálogo visual (Ibid, p.39) proposto pelo requadro. b) O quadrinho como contêiner: O quadro serve para conter a visão do leitor, nada mais (Ibid, p.43) c) A linguagem do requadro; o requadro como discurso narrativo ou como suporte estrutural: [...] o quadro usado como linguagem não verbal dos quadrinhos (Ibid, p.46) 6) Composição do quadrinho; perspectiva: Funcionando como um palco, o quadrinho controla o ponto de vista do leitor, o contorno do quadrinho tornase o campo de visão do leitor e estabelece a perspectiva a partir da qual o local da ação é visto (Ibid, p.88-89). 7) Anatomia expressiva: O corpo humano, a estilização da sua forma, a codificação dos seus gestos de origem emocional e das suas posturas expressivas são acumulados e armazenados na memória, formando um vocabulário não-verbal de gestos (Ibid, p.100). a) O corpo b) O rosto c) O corpo e o rosto A metodologia definida aqui como a mais adequada a ser adotada para a presente pesquisa, portanto, é a análise iconológica dos quadrinhos de Mauricio de Sousa, segundo as unidades de construção de sentido descritas por Will Eisner, com base no estudo do mito como significado a partir de Roland Barthes.