ARTIGO: DA INDISSOLUBILIDADE À POSSIBILIDADE DA DISSOLUÇÃO IMEDIATA DO CASAMENTO



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Transcrição:

ARTIGO: DA INDISSOLUBILIDADE À POSSIBILIDADE DA DISSOLUÇÃO IMEDIATA DO CASAMENTO Nelson Yoshiaki Kato 1 Isaque Amâncio de Mello 2 RESUMO: O casamento, uma das instituições mais antigas da sociedade, é o consórcio de um homem e uma mulher com o intuito de constituição de uma família. Por ser o matrimônio formador de entidade familiar, por vários anos, não se admitiu no direito brasileiro a sua dissolução voluntária, seja pela vontade de apenas um dos cônjuges, seja pelo querer de ambos. O enlace legal válido só se dissolvia pela morte de um dos consortes. Todavia, com a modificação paulatina dos costumes sociais e familiares, num primeiro momento, a legislação pátria passou a permitir o desquite, que só colocava fim à sociedade conjugal, mantendo intacto o vínculo matrimonial. Posteriormente, no nosso ordenamento ingressou a possibilidade jurídica do pedido de dissolução do vínculo do casamento pelo divórcio, coexistindo com a ação de separação judicial. E, finalmente, com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, a não recepção da separação judicial, com a consequente subsistência do instituto do divórcio como o único meio voluntário de extinção de todos os efeitos decorrentes do matrimônio. PALAVRAS-CHAVE: Direito de Família. Casamento. Formas de extinção da sociedade conjugal e do vínculo matrimonial. Desquite. Separação Judicial. Divórcio. Novo divórcio. 1 Procurador do Município de Diadema/SP. E-mail do autor: katolegal@aasp.org.br 2 Procurador do Município de Diadema/SP. E-mail do autor: amanciomello@yahoo.com.br

2 1 Introdução Com a celebração do matrimônio forma-se entre os cônjuges a sociedade conjugal, que é o conjunto de direitos e deveres decorrentes da comunhão plena de vida. Estabelece-se, ainda, o vínculo matrimonial, elo jurídico-legal que une os nubentes. A separação judicial, que entendemos não recepcionada pela nova ordem constitucional, possibilitava somente a dissolução da sociedade conjugal, sem extinção do vínculo do casamento. O antigo divórcio direto, por seu turno, já tinha o condão de extinguir a sociedade conjugal, bem como o vínculo matrimonial, mas condicionado à prévia ruptura da vida em comum por alguns anos. Ou, em sede de conversão em divórcio, de dissolver o vínculo decorrente do casamento, após anterior separação judicial. O doutrinariamente denominado novo divórcio implantado pela emenda Constitucional 66/2010, que, ao dar nova redação ao art. 226, 6º da Constituição Federal vigente, excluiu do ordenamento jurídico brasileiro a figura da separação judicial, conforme entendimento a que aderimos. Esta emenda, portanto, simplificou o procedimento da dissolução total do casamento, porquanto, o único requisito para pleitear-se o divórcio passou a ser o matrimônio em si, não mais se exige prévia separação de fato ou de direito por um determinado lapso temporal. Assim, abordaremos, inicialmente, o instituto do casamento, para discorrermos sobre a evolução das formas de sua dissolução no direito pátrio até os dias atuais, em que, sob a égide da EC 66/2010, o divórcio reina com exclusividade consoante corrente doutrinária a que filiamos, beneficiando a sociedade em geral, mas principalmente as partes envolvidas em um enlace malfadado.

3 2 Casamento O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher com o objetivo de constituição de família, que, assim, estabelece uma comunhão de vidas entre os cônjuges, tanto no âmbito espiritual, quanto no material. Quanto a sua natureza jurídica, apesar da imensa gama de teorias, há predomínio de 4 (quatro), quais sejam: A primeira é a denominada teoria individualista ou contratualista, pela qual o casamento é um contrato celebrado entre os cônjuges. Trata-se de um típico negócio jurídico bilateral. Todavia, essa teoria recebe críticas, porquanto a maioria das regras pertinentes ao matrimônio tem natureza cogente, que não pode, portanto, ser modificada pela vontade dos nubentes. Já a segunda tese é a institucionalista, pelo qual o casamento é uma instituição social. Opõe-se, então, à teoria contratualista, pois o matrimônio é um instituto social preconcebido a que os cônjuges simplesmente manifestam a sua adesão. Esse entendimento também não é aceito pacificamente, porquanto, os nubentes não aderem integralmente a um modelo preestabelecido, ante a autonomia de suas vontades, apesar de limitada. Por seu turno, para a terceira teoria chamada eclética ou mista, o casamento é um ato jurídico complexo consistente num contrato atípico de direito de família no momento da celebração, mas com a presença do elemento institucional na constância do casamento. Por derradeiro, a quarta tese é a do ato condição, pelo qual o casamento é uma manifestação de vontade imprescindível à aplicação do estatuto matrimonial. Com a celebração do matrimônio, ato voluntário, portanto, os nubentes aceitam submeter-se a um conjunto preconcebido de regras legais, pelo que passam a ostentar o estado de pessoas casadas.

4 Todavia, independentemente, da adoção de uma teoria ou de outra, a dissolução inter vivos do casamento válido, após a entrada em vigor da Emenda Constitucional 66 de 13 de Julho de 2010, que deu redação nova ao art. 226, 6º da atual Constituição federal, só poderá ser pleiteada por meio do pedido de divórcio, ante a extirpação do instituto da separação judicial do ordenamento jurídico do nosso país, conforme linha doutrinária a que compartilhamos. 3 Da indissolubilidade do casamento ao novo divórcio No Brasil, as primeiras constituições, sob a forte influência da religião católica e do direito canônico, não previam a dissolubilidade do casamento, que era considerado um pacto regido, em sua essência, pelas regras do Direito Natural. No código civil de 1916 havia apenas a previsão da extinção voluntária da sociedade conjugal pelo desquite judicial ou amigável. O vínculo matrimonial era intocável, porém. Com o advento da carta magna de 1934, o princípio da indissolubilidade do matrimônio, pela primeira vez, foi elevado ao grau constitucional, remetendo-se à lei civil a determinação dos casos de desquite, que não rompia o vínculo decorrente do casamento, ao dispor, no seu art. 144 e parágrafo único, que: Art. 144. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo único A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo. A Constituição de 1937, em seu art. 124 também consagrou a não dissolução do vínculo do casamento, ao estatuir que: Art. 124. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção do seu encargo.

5 Na mesma toada, a Carta Maior de 1946, em seu art. 163, manteve a indissolubilidade do vínculo matrimonial, ao estabelecer que: Art. 163. A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado. Por seu turno, trilhando a mesma linha, a Constituição Federal de 1967, no seu art. 175 e 1º, sacramentou a indissolubilidade do matrimônio ao dispor que: Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. 1º - o casamento é indissolúvel. Assim, por longos anos, a regra da indissolubilidade do vínculo decorrente do matrimônio permaneceu intangível, apesar do crescimento do movimento divorcista, o que frustrou as expectativas de uma parcela significativa da sociedade, por não se legitimar oficialmente uma situação já existente de fato, que consistia na formação de novo relacionamento amoroso pelo ex-cônjuge desquitado, cuja união recebia reprovações das camadas sociais mais conservadoras, porquanto não podia ser convertida em casamento, ante a manutenção do vínculo matrimonial com o excônjuge, com o qual, sob os olhos da lei, ainda continuava casado, mesmo após a dissolução da sociedade conjugal pela separação. Todavia, a Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, inaugurou a nova fase da dissolubilidade do vínculo do matrimônio, ao modificar o texto do 1º do Art. 175 da Carta Política de 1967, in verbis: 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos. Norma constitucional, portanto, de eficácia contida, dependente de regulamentação posterior. Ante aos reclamos da sociedade, então, no dia 26 de dezembro do mesmo ano de 1977, entrou em vigência a Lei nº 6.515, conhecida como Lei do Divórcio, que, além de alterar a terminologia de desquite para separação judicial para a

6 extinção da sociedade conjugal, passou a regulamentar a dissolução do casamento válido pelo divórcio direto ou pela conversão da anterior separação de direito, mas restrito a uma só oportunidade, ao estatuir que: Art. 2º A Sociedade Conjugal termina : I pela morte de um dos cônjuges; II pela nulidade ou anulação do casamento; III pela separação judicial; IV pelo divórcio. Parágrafo único O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. Art. 3º A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido. religioso. Art. 24 O divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio Art. 35 A conversão da separação judicial em divórcio será feita mediante pedido de qualquer dos cônjuges. Art. 36 Do pedido referido no artigo anterior, será citado o outro cônjuge, em cuja resposta não caberá reconvenção. Parágrafo único A contestação só pode fundar-se em: I falta de decurso do prazo de 3 (três) anos de separação judicial; Art. 38. O pedido de divórcio, em qualquer dos seus casos, somente poderá ser formulado uma vez. Art. 39 O capítulo III do Título II do Livro IV do Código de Processo Civil, as expressões desquite por mútuo consentimento, desquite e desquite litigioso são substituídas por separação consensual e separação judicial.

7 Art. 40 No caso de separação de fato, com início anterior a 28 de junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual se deverão provar o decurso do tempo da separação e a sua causa. A Constituição Federal de 1988, não só manteve a dissolubilidade da sociedade conjugal pelo divórcio, mas facilitou o procedimento, porquanto reduziu os prazos de separação prévia para um ano de separação judicial na hipótese de conversão, ou, no caso de divórcio direto, para dois anos de separação de fato. Em continuidade às modificações legais, no dia 17 de outubro de 1989, foi promulgada a Lei n. 7.841, que sintonizou os prazos previstos na Lei de Divórcio aos estabelecidos pela nova ordem constitucional, bem como revogou o dispositivo que limitava o pedido de divórcio a uma só vez, ao dispor que: Art. 2º O inciso I do parágrafo do art. 36 e o caput do art. 40 da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, passam a vigora com a seguinte redação: Art. 36.... Parágrafo único.... I falta do decurso de 1 (um) ano da separação judicial; Art. 40 No caso de separação de fato, e desde que completados 2 (dois) anos consecutivos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverá ser comprovado decurso do tempo da separação. Art. 3º Ficam revogados o art. 38 e o 1º do art. 40 da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. A lei 7.841/89, desse modo, reduziu o prazo de carência tanto para a conversão da separação de direito em divórcio para um ano, quanto do divórcio direto para dois anos de ruptura da vida em comum, iniciada a qualquer tempo. Ademais, excluiu o requisito da comprovação da causa da separação de fato e, com a revogação do Art. 38 da Lei do Divórcio, tornou possível a uma mesma pessoa, se o caso, pedir divórcios sucessivos.

8 Em 13 de julho de 2010, por derradeiro, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 66, que entrou em vigor no dia seguinte, que alterou o teor do parágrafo 6º, art. 226 da Constituição Federal vigente que estabelecia que: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. somente que: Com a nova redação o supramencionado parágrafo 6º passou a dispor 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. Da concisão do novo texto aflorou um caloroso debate sobre a exclusão, ou não, do instituto da separação judicial do universo jurídico brasileiro. Uma corrente de pensamento defende que a Emenda Constitucional n. 66/10, ao dar nova redação ao art. 226, 6º, tão somente suprimiu, no âmbito constitucional, a prévia separação, judicial ou de fato, como requisito para o divórcio. O Instituto da separação judicial permanece inalterado nos exatos moldes estatuídos na legislação ordinária, que não foi automaticamente revogada. Não ocorreu, portanto, a supressão da figura da separação judicial, mas apenas houve a criação de uma nova alternativa dos casais de promoverem o divórcio direto e imediato, sem a necessidade de prévia separação de direito e transcurso do prazo de 1 (um) ano na hipótese de conversão, ou, no caso de divórcio direto, do decurso do lapso temporal de 2 (dois) de separação de fato. A opção de dissolver-se, num primeiro plano, apenas a sociedade conjugal pela ação de separação judicial, seja por motivo religioso, seja por questões de foro íntimo de um ou de ambos os cônjuges, permanece íntegra no ordenamento jurídico pátrio, em respeito ao direito fundamental da liberdade consagrado no art. 5º, VIII da atual Constituição Federal que estatui que ninguém será privado de direito por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.

9 Não é possível a sustentação de tal argumento, considerando que a separação de direito, tal qual o divórcio, apenas põe fim aos efeitos civis do casamento, sem afetar as questões religiosas envolvidas no enlace, pelo que aquele que, por convicção religiosa, não aceita divorciar-se do consorte, não deveria igualmente aceitar a separação judicial. Os seguidores, ainda, entendem que essa linha de raciocínio resulta da própria literalidade da nova redação dada pela emenda em comento, que reza que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. Assim, no contexto da frase, o uso do termo pode indica que o divórcio é uma alternativa de obter-se a dissolução do matrimônio, mas não a única, pelo que a sobrevivência do instituto da separação judicial estaria assegurada. O divórcio realmente não é o único meio de dissolução do casamento, porquanto a morte de um dos cônjuges também tem o mesmo condão. Mas inter vivos se tornou o instrumento exclusivo para a extinção do casamento válido. Além disso, pela interpretação histórica à luz de todo o processo legislativo, mormente, da justificativa constante da PEC 33/2007 que resultou na emenda constitucional ora comentada, resta clara a conclusão de que não mais prevalece a sistemática dúplice de dissolução do casamento. O nobre parlamentar Sérgio Barradas Carneiro, por ocasião da apresentação da proposta de emenda constitucional supramencionada, assim a justificou: A presente Proposta de Emenda Constitucional é uma antiga reivindicação não só da sociedade brasileira, assim como o Instituto Brasileiro de Direito de Família, entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça, psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito das relações de família e na resolução de seus conflitos, e também defendida pelo Nobre Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia ( Rio de Janeiro). Não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite. Criou-se, desde 1977, com o advento da legislação do divórcio, uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o que não mais se sustenta. Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses de separação dos cônjuges, sejam litigiosos ou consensuais. A

10 Submissão a dois processos judiciais (separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis. Por outro lado, essa providência salutar, de acordo com valores da sociedade brasileira atual, evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias sejam revelados e trazidos ao espaço público dos tribunais, como todo o caudal de constrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação. Levantamentos feitos das separações judiciais demonstram que a grande maioria dos processos são iniciados ou concluídos amigavelmente, sendo insignificantes os que resultaram em julgamentos de causas culposas imputáveis ao cônjuge vencido. Por outro lado, a preferência dos casais é nitidamente para o divórcio que apenas prevê a causa objetiva da separação de fato, sem imiscuir-se nos dramas íntimos; Afinal, qual o interesse público relevante em se investigar a causa do desaparecimento do afeto ou do desamor? O que importa é que a lei regule os efeitos jurídicos da separação, quando o casal não se entender amigavelmente, máxime em relação à guarda dos filhos, aos alimentos e ao patrimônio familiar. Para tal, não é necessário que haja dois processos judiciais, bastando o divórcio amigável ou judicial. Outrossim, na ementa constou que: Altera o 6º do art. 226 da Constituição Federal, para supressão do instituto da separação judicial. Tecnicamente a separação judicial e, consequentemente, toda legislação a ela pertinente, não foi recepcionada pela nova ordem constitucional estabelecida pela emenda constitucional 66/2010. Não se trata de hipótese de inconstitucionalidade da lei infraconstitucional, pois a regulamentação relativa à separação de direito já integrava o nosso ordenamento jurídico, sendo que o controle de constitucionalidade tem por escopo a verificação da compatibilidade vertical entre a Constituição e as espécies normativas posteriores a ela. O 6º do Art. 226 da Carta Política deve ser considerada uma norma de eficácia imediata e direta, portanto não contida, tendo em vista que a redação final da PEC 33/2009, intencionalmente, retirou do penúltimo texto, as palavras consensual ou litigioso, bem como a expressão na forma da lei. A redação que era o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei passou simplesmente para o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio.

11 Nesse sentido a lúcida interpretação da conceituada jurista Maria Berenice Dias, para quem a expressão na forma da lei que constava no texto originário da Proposta de Emenda Constitucional foi eliminada, evidenciando não ser necessária qualquer regulamentação por meio de lei ordinária. 3 Não há mais espaço de regulamentação normativa infraconstitucional do instituto do divórcio, o seu exercício tornou-se um direito potestativo. Assim, hodiernamente, o pedido depende exclusivamente da vontade de um ou ambos os cônjuges, não se subordinando a nenhuma condição ou imposição de qualquer natureza. 4 Conclusão A Emenda Constitucional 66, que entrou em vigor no dia 14 de julho de 2010, ao dar nova redação ao 6º do art. 226 da Constituição Federal, além de ter retirada a necessidade do decurso do prazo de um ano para conversão da separação de direto em divórcio, ou de dois anos de separação de fato para a hipótese de divórcio direto, extirpou o obsoleto instituto da separação judicial. A norma constitucional em comento, por não ser de eficácia contida, é dotada de aplicabilidade imediata, pelo que o divórcio se transformou no único meio inter vivos de extinção do casamento válido. Foi excluída, do nosso universo jurídico, a separação judicial, que apenas dissolvia a sociedade conjugal e, consequentemente, obrigava os cônjuges a promoverem uma segunda demanda judicial de divórcio para a obtenção da extinção do vínculo matrimonial, que gerava mais gastos e prolongava o sofrimento das partes, que não mais estavam unidos pelo amor, todavia permaneciam vinculadas uma a outra por uma opção legislativa. Assim, passou a reinar com exclusividade, o denominado novo divórcio, que pode ser pedido a qualquer tempo, com base exclusiva no querer de um ou de 3 Berenice Dias, Maria. Divórcio Já! Editora Revista dos Tribunais. 2ª Edição, 2012, p.26.

12 ambos os consortes, independentemente de comprovação de qualquer fator temporal ou causal. Entendemos que, acertadamente, o legislador pátrio, ao abolir o sistema dualista de dissolução do matrimônio, veio de encontro aos clamores da maioria da sociedade e dos próprios cônjuges, que já consideravam a separação judicial como um instituto anacrônico, por ser o divórcio infinitamente mais vantajoso sob vários aspectos. Essas vantagens do divórcio em relação à separação de direito foram muito bem captadas por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ao consagrarem que: Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas também o próprio vínculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se a duplicidade de processos e o strepitus fori porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, já que, com isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimento. 4 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 29/102013. DIAS, Maria Berenice. Divórcio Já! Editora Revista dos Tribunais. 2ª Edição, 2012. FERRAZ, Carolina Valença, LEITE, George Salomão e LEITE, Glauber Salomão. O Novo Divórcio no Brasil De acordo com a EC nº 66/2010 Editora juspodivm. 1ª Edição, 2011. 4 Gagliano, Pablo Stolze e Pamplona Filho, Rodolfo. O Novo Divórcio. Editora Saraiva. 2ª edição, 2012, p. 57.

13 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO,Rodolfo. O Novo Divórcio. Editora Saraiva. 2ª Edição, 2012. SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Divórcio e Separação após a EC n. 66/2010 - A Editora Saraiva. 2ª edição, 2012.