Comunicação socioambiental: bases teóricas e aplicação nas práticas de responsabilidade social e sustentabilidade das organizações.



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VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém - PA Brasil Comunicação socioambiental: bases teóricas e aplicação nas práticas de responsabilidade social e sustentabilidade das organizações. Vivian Paes Barretto Smith (Universidade de São Paulo) MSc. em Ciência Ambiental, PROCAM/USP, Doutoranda em Comunicação Social, ECA/USP. vivismith@usp.br Resumo O diálogo e relacionamento com stakeholders é uma prática de comunicação organizacional reconhecida pelo mercado como fundamental para implementar a responsabilidade social e promover a sustentabilidade. No entanto, há paradoxos teóricos relevantes entre os campos da comunicação organizacional, das relações públicas, da responsabilidade social e da sustentabilidade que precisam ser enfrentados. Recentemente, dois subcampos científicos emergiram com objetivo de aprofundar essas interfaces teóricas e responder às demandas acadêmica e de mercado. A partir da análise comparativa do Environmental Communication e do CSR Communication é possível sugerir o surgimento de um novo campo de estudos, o da comunicação socioambiental, que postula o papel da comunicação como transformadora dos aspectos socioambientais das organizações, da sociedade e do planeta. Palavras-chave Comunicação socioambiental; comunicação organizacional, responsabilidade social; sustentabilidade; teoria de stakeholder.

Introdução As organizações incorporaram em sua gestão as práticas de responsabilidade social e sustentabilidade. Junto a isso, verifica-se a inserção da comunicação como uma das áreas funcionais envolvidas na gestão dos aspectos socioambientais do cotidiano organizacional. Desde o planejamento de campanhas institucionais de saúde e segurança até a elaboração e publicação de relatórios de sustentabilidade, a comunicação integrada atende às demandas de informar e posicionar as questões socioambientais das organizações. E em alguns casos vai além, por meio das práticas de relacionamento com seus públicos de interesse - os chamados stakeholders 1 - torna-se um dos pilares da gestão socialmente responsável. E os instrumentos de mercado reconhecem o caráter estratégico da comunicação. Como exemplo, tem-se a recente norma ABNT NBR ISO26000 Diretrizes sobre Responsabilidade Social, lançada em 2010, em que práticas de comunicação organizacional são posicionadas com destaque em dois momentos da gestão. Primeiramente, uma das duas práticas fundamentais de responsabilidade social é a Identificação e engajamento das partes interessadas. E mais adiante a norma define a Comunicação sobre responsabilidade social como uma das seis práticas para integração da responsabilidade social em toda a organização. No âmbito acadêmico são poucos os estudos que cruzam a temática socioambiental com o campo da comunicação organizacional e relações públicas. Há ainda incertezas relativas às características dessa comunicação, suas especificidades. Ao ampliar o escopo de análise, nota-se que dois campos multidisciplinares têm surgido nas últimas décadas tentando lidar com esses desafios de pesquisa: Comunicação Ambiental (Environmental Communication) e Comunicação da Responsabilidade Social Corporativa- RSC (CSR Communication). Suas origens, perspectivas teóricas e autores são distintos, mas ambos baseiam-se em teorias da comunicação. O presente artigo busca esclarecer, por meio de investigação teórica, percepções dos estudiosos do campo da comunicação, da responsabilidade social e da sustentabilidade sobre o cruzamento das temáticas apresentadas acima e propor o que seria o emergente subcampo da comunicação socioambiental. Isso se faz necessário para então compreender quais são os potencias de transformação socioambiental que essas práticas de comunicação organizacional e de relações públicas trazem à tona. E também os paradoxos entre os próprios campos de pesquisa e o modelo de produção e consumo capitalista, muitas vezes entraves despercebidos. A reflexão teórica é realizada a partir do olhar da teoria de stakeholder, considerada aqui como uma das principais aplicações da comunicação na promoção da sustentabilidade e da responsabilidade social. A relevância desse estudo se dá pela necessidade de aprofundar o entendimento sobre as funções sociais da comunicação dentro de desafios urgentes e globais como as crises 1 A primeira definição acadêmica do termo stakeholder foi do Stanford Research Institute (SRI International, Inc.) em 1963. Com o objetivo de ampliar a noção sobre os públicos os quais o gerenciamento de uma empresa deveria dar respostas, além dos acionistas, definiu-se: aqueles grupos que sem seu suporte a organização deixaria de existir. (FREEMAN, 2010, p.31)

socioambientais e econômicas vivenciadas atualmente. Há pouca sistematização de conhecimento que cruze as temáticas de engajamento de stakeholders e comunicação com responsabilidade social e sustentabilidade. Existe uma lacuna a ser preenchida nos estudos teóricos da comunicação organizacional, que trate de forma interdisciplinar do papel da comunicação para os processos de transformação socioambiental, necessários para a promoção da responsabilidade social e alcance da sustentabilidade. Enquanto que no mercado as organizações assistem a proliferação de diretrizes e ferramentas que demandam práticas de comunicação como itens obrigatórios no endereçamento das questões do âmbito da gestão socioambiental. Há desde o marco regulatório brasileiro para os processos de licenciamento ambiental de novos empreendimentos, que define um processo mandatório de comunicação social. Como também os instrumentos voluntários do mercado financeiro, a exemplo os Princípios do Equador, que condicionam aos critérios socioambientais para concessão de crédito a realização de processos de comunicação e diálogo, exigidos pelos bancos que financiam projetos de novos negócios de grande porte (Project finance). Além disso, o domínio da investigação da comunicação organizacional e relações públicas está sob constante revisão, sendo que no atual momento passa por uma revolução com novos estudos e perspectivas emergentes. Coexiste uma visão crítica de alguns estudiosos e o retorno do pragmatismo de outros. A busca de sentido e de compreensão sobre o papel das relações públicas na sociedade também está presente na atual discussão sobre o desenvolvimento da teoria de relações públicas. (GREENWOOD, 2010, p.457) O presente artigo apresenta a discussão teórica da responsabilidade social, da sustentabilidade, da comunicação organizacional e das relações públicas em dois momentos. Primeiramente serão identificadas e discutidas, por meio do histórico dos campos de estudo, as interrelações entre os temas estudados e as teorias de stakeholder, environmental communication e CSR communication. O segundo momento tem o intuito de explorar os paradoxos fundamentais dessa análise. Interrelações teóricas da comunicação, da sustentabilidade e da RSE Ao traçar uma linha do tempo que contemple o campo de estudo da comunicação social e também os movimentos socioambientais é possível identificar que a partir das décadas de 1960 e 1970 iniciaram-se questionamentos em diversos espaços da sociedade. Trataram por exemplo das questões ambientais, dos limites do crescimento, dos modos de produção e inclusive sobre a indústria cultural de massa. Foram anos chave para a formação da base do pensamento crítico da academia, dos formadores de opinião e consequentemente da sociedade; e impactam tais movimentos até hoje. Como principais eventos tem-se o lançamento do livro Silent Spring de Rachel Carson em 1960, em 1972 a Conferência das Nações Unidas em Estocolmo para o Ambiente Humano e o lançamento dos livros Limites do Crescimento do Clube de Roma e A Blueprint for Survival (The Ecologist). Além disso, graves acidentes ocorreram nessa época, como

o desastre de Seveso na Itália, em 1974, causando devastação ambiental como um novo alerta para a população. 2 No campo da comunicação social surgem escolas europeias que contestaram a forma de entender a cultura e a comunicação da época, como a escola francesa da teoria culturológica. Por exemplo, Morin em 1962 chama atenção de que a cultura de massa não é a única cultura do século XX. Há também a escola de Estudos Culturais, que no mesmo período na Inglaterra questiona a necessidade de destacar o sujeito da comunicação, seu grupo cultural e o meio em que está inserido, considerando-o ser de relações. Nesse período histórico ocorre a primeira onda do ambientalismo, segundo Elkington (2001), porém essa enfraqueceu rapidamente devido à primeira crise do petróleo em 1973, que parecia confirmar as previsões do Clube de Roma. Com a recessão econômica instalada, a temática ambiental saiu definitivamente da agenda política da época. (ELKINGTON, 2001, p.53) A década de 1980 é considerada como a segunda grande onda do ambientalismo. Nessa época surgem as publicações voltadas aos consumidores verdes 3. Houve também o acidente significativo de Bhopal na Índia em 1984 e em 1985 foi descoberto o buraco na camada de ozônio da Antártida, um dos principais eventos para a mobilização social (ELKINGTON, 2001, p.52). Segundo Elkington (2001, p. 59) o ápice dessa onda é em 1987. Pois nesse ano foi publicado o Relatório Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland, pela Comissão Mundial para Meio Ambiente e Desenvolvimento. O documento oficializou e disseminou a expressão: (desenvolvimento sustentável é o) desenvolvimento que atende às necessidades do mundo atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de terem suas necessidades atendidas. (RELATÓRIO BRUTLAND apud ELKINGTON, 2001, p. 58). O reflexo desses eventos nos estudos acadêmicos se dá a partir das décadas 1970 e mais fortemente na década de 1980. Na comunicação organizacional surgem as pesquisas de linha interpretativo-crítica, com maior atenção para a interação entre os indivíduos, suas práticas e respectiva construção social. Já nas relações públicas, as novas definições apresentaram a inclusão de distintas funções da organização, tais como de cooperação, interesses comuns, relacionamento, adaptação da organização e responsabilidade pública. (REIS, 2009b, p.146). No campo da administração aparecem os primeiros estudos nas correntes teóricas de ética nos negócios e das relações entre empresas, sociedade e planeta. Desde então modelos de gestão organizacionais foram desenhados para endereçar as demandas sociais e ambientais da sociedade. O termo desenvolvimento sustentável gerou diferentes interpretações quando aplicado ao dia a dia das organizações. O autor Makower destaca o caráter inspirador e distante da sustentabilidade ao afirmar que (...) a capacidade de uma empresa continuar suas operações indefinidamente, sem criar limites para as gerações futuras está fora do alcance da maioria das companhias. (MAKOWER, 2009, p.20). 2 Outros acidentes em 1975, primeiro vazamento de petróleo no Mar do Norte e em 1978, explosão de San Carlos de La Rapita mata 200 pessoas na Espanha (ELKINGTON, 2001, p.52) 3 Os livros mais importantes foram: Green Consumer Guide lançado em 1988 e 50 ways do save the planet lançado em 1989.

Para fins desse estudo serão consideradas duas definições de sustentabilidade, uma mais acadêmica e completa, que auxilia na reflexão aprofundada dessa temática e outra mais pragmática, utilizada no coditidano das organizações. A primeira foi desenvolvida por Sachs, pesquisador que participa ativamente do processo de construção desses conceitos desde a Conferência de Estocolmo quando colaborou diretamente com a ONU. Sua definição foi nomeada no princípio como ecodesenvolvimento e fundamentalmente era a harmonia entre objetivos sociais, ambientais e econômicos. Depois, passou a se chamar desenvolvimento sustentável, devido a pedidos de ajuste de nomenclatura da própria ONU. Sua definição recomenda objetivos específicos para oito dimensões da sustentabilidade: social, cultural, ecológica, ambiental, territorial, econômica, política nacional e política internacional. Para as dimensões ecológica e ambiental os objetivos formam um tripé: 1) preservação do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis; 2) limitação do uso de recursos não renováveis; 3) respeito e realce para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais. (VEIGA, 2005, p.171) A sustentabilidade ambiental é baseada no duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras. Ela compele a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas do economista convencional. (Idem, p.171) A definição de sustentabilidade empresarial mais atual e aceita pelo mercado é o conceito do triple bottom line (três pilares) de Elkington: (...) o desenvolvimento sustentável envolve a busca simultânea da prosperidade econômica, da qualidade ambiental e da igualdade social. As empresas que buscam a sustentabilidade precisam empenhar-se não somente na direção de uma única linha de resultados, a financeira, mas sim na linha dos três pilares. (ELKINGTON, 2001, p.429) A responsabilidade social para Oliveira não é um campo de estudo e sim uma área de interesse inter e multidisciplinar (OLIVEIRA, 2008, p.10). Mas no campo da administração, nas correntes citadas anteriormente como a ética nos negócios e a análise das relações das empresas com a sociedade, foi onde as pesquisas de responsabilidade social tomaram forma e consolidaram as principais vertentes teóricas. Como exemplo a responsabilidade social corporativa e a cidadania empresarial. Para facilitar o entendimento dos conceitos é valido apresentar um breve resgate histórico da área. O tema surgiu no início do século passado nos EUA, 1919, a partir do questionamento sobre o direcionamento do capital de uma empresa e as discussões em torno das práticas de filantropia das empresas americanas e a criação da própria lei da filantropia. Após dezenas de ações judiciais e muito debate jurídico, a Suprema Corte de Nova Jersey definiu que uma empresa teria o direito de doar parte de seu lucro e promover o desenvolvimento social. A partir daí vários estudos foram iniciados para aferir as novas práticas das empresas. Houve uma ampla discussão

entre economistas e administradores. Havia os defensores da responsabilidade social corporativa que postulavam que outras ações empresariais de objetivo social também deveriam ser consideradas, pois a filantropia era legítima. Enquanto outros estudiosos desde o princípio foram contra essa visão. Um dos mais conhecidos é o economista Milton Friedman que postulou: a única responsabilidade social das empresas era gerar lucro para seus acionistas dentro das regras da sociedade (leis). (FRIEDMAN apud ASHLEY et al., 2000, p.3). É possível dividir as correntes acadêmicas defensoras da responsabilidade social em quatro perspectivas de análise. Primeiramente a linha ética empresarial (business ethics), tem uma atitude normativa e baseia-se nos valores morais das decisões das empresas e suas respectivas consequências. As demais linhas são de caráter instrumental. A segunda é relativa à gestão social, incluindo os investimentos sociais privados. A terceira trata da relação das empresas com o meio ambiente, a partir dos impactos causados pelas suas operações e uso dos recursos naturais. E por último tem-se a linha que estuda a relação das empresas com a sociedade (business and society), uma das bases de fundação da teoria de stakeholders. (OLIVEIRA, 2008). Essas correntes acadêmicas surgiram na década de 1970. Os autores Carrol, Donaldson & Dunfee, Friederick, Wood e Swanson foram fundamentais para a evolução dos conceitos. Quadro 1: Conceito de RSE e Responsabilidade Social Corporativa (RSC). Academia A RS engloba as expectativas econômicas, legais, éticas e filantrópicas que uma sociedade tem das organizações em um determinado momento. (CARROL, 1979) A RS tem três dimensões: 1. princípios de responsabilidade social (legitimidade, responsabilidade pública e arbítrio dos executivos); 2. processos de capacidade de resposta social (percepção do ambiente, gerenciamento de stakeholders e administração de questões) e; 3. resultados das ações de responsabilidade social (efeito nos stakeholders, tanto internos quanto externos e efeitos institucionais externos). (WOOD, 1991) O modelo de responsabilidade social corporativa apresenta uma visão ampliada das relações de troca da corporação com a sociedade, incluindo valores para o desenvolvimento econômico e social que legitimam a existência das empresas e permeiam seus processos decisórios. (SWANSON, 1995). Fonte: Adaptação de SMITH, 2010, p.11. Síntese elaborada pela autora a partir dos conceitos apresentados por Ashley et al. (2000), Pereira & Campos Filho (2007) e Oliveira (2008). No mesmo período, 1977, um conjunto de pesquisadores liderados pelo professor Freeman, da Universidade de Wharton nos EUA, discutia as ineficiências das teorias disponíveis para o entendimento da geração de valor e transação comercial das empresas frente ao novo ambiente turbulento na qual operavam. Após essa pesquisa, foi publicada em 1984 a obra Strategic Management A stakeholder approach - que apresentou de forma sistematizada os estudos

sobre a teoria de stakeholder e propunha uma maneira diferente de realizar o planejamento estratégico das empresas. Seu objetivo era auxiliar os gestores do setor privado a enfrentar as recentes mudanças nas demandas de mercado. (FREEMAN, 2010, p.4) Foi desenvolvido um esquema para que os gestores pudessem alterar e amplificar seu entendimento sobre o ambiente e então se posicionarem proativos na gestão. O ambiente turbulento descrito por Freeman apresentava desafios para as empresas a partir de mudanças internas e externas ainda não compreendidas pelos gestores. A primeira mudança identificada pelo autor foram os novos processos produtivos, a exemplo a linha de produção, que ampliou a quantidade de trabalho e também o tornou mais especializado. Junto a isso se somaram o desenvolvimento de novas tecnologias e de fontes de energia que possibilitaram a concentração do setor industrial nas cidades. Em segundo lugar ele apontou para o fenômeno da separação entre propriedade e controle, encontrado na governança das organizações, que na época eram em grande parte pequenas empresas familiares. Como já apresentado nesse artigo, conforme as organizações cresceram novos agentes externos à família passaram a trabalhar na empresa, em quantidade maior do que os próprios membros. E houve a dispersão do capital com a participação de investimentos de acionistas e instituições financeiras. A terceira mudança significativa referiu-se à atuação da sociedade e os respectivos stakeholders, com um comportamento e posicionamento mais presente e exigindo respostas às empresas. In order to be successful, the top managers of the firm had to simultaneously satisfy the owners, the employees and their unions, suppliers and customers. (Idem, p.6). No ambiente organizacional criou-se a necessidade de perceber, ouvir e dar voz (mesmo que de forma controlada) a um grupo de indivíduos que historicamente não eram notados pelos gestores. O reconhecimento dos stakeholders a partir de sua identificação e mapeamento era um processo já identificado em estudos dos campos da Teoria Organizacional, da Teoria de Sistemas, do Planejamento Corporativo e da Responsabilidade Social Corporativa (dentro das linhas teóricas Business and Society e Social Issues in Management ). Freeman fez uma ressalva para a aplicação específica do engajamento de stakeholders na abordagem de responsabilidade social: The distinguishing feature of the literature on corporate social responsibility is that it can be viewed as applying the stakeholder concept to non-traditional stakeholder groups who are usually thought of as having adversarial relationships with the firm. In particular, less emphasis is put on satisfying owners and comparatively more emphasis is put on the public or the community or the employees. (Idem, p.38). O autor inovou ao propor uma definição de stakeholder que explicitava a relação entre os grupos de interesse e os impactos para o sucesso dos negócios. Isso implicou em uma nova maneira de gerenciar as organizações, as quais não poderiam mais alinhar seus objetivos apenas aos interesses de proprietários e acionistas. Ele definiu:

Stakeholder is any group or individual who can affect, or is affected by, the achievement of a corporation s purpose. Stakeholders include employees, customers, suppliers, stockholders, banks, environmentalists, government and other groups who can help or hurt the corporation. (Idem, p.vi). Considerar as visões de stakeholders era inclusive prever a possibilidade de alterar o planejamento organizacional a partir de influência e pressões de grupos externos à empresa. O autor postulou, portanto, que a função social da empresa era dinâmica e estava articulada aos assuntos sociais de determinado momento. Organizations which do not have an appropriate enterprise strategy over time are not socially viable, and experience a great deal of both internal and external turbulence. What the organization stands for is not consistent with the values of its members causing internal stress, and is not consistent with the needs of its stakeholders or the social issues of the time causing external stress. (Idem, p.101) Interessante notar que ainda hoje esse é o entendimento predominante, inclusive isso dificulta a operacionalização tanto da responsabilidade social quanto ambiental. Pois nunca a agenda socioambiental será universal e, portanto as atribuições das organizações modificam-se continuamente. Makower reforça essa visão ao questionar o que é uma empresa ser considerada verde ; e responde (...) A definição continua dependendo do olho de quem observa. (MAKOWER, 2009, p.26) Os emergentes subcampos da comunicação de aspectos socioambientais Pesquisadores da comunicação têm notado a importância crescente de uma modalidade específica de comunicação na qual o objeto de estudo são aspectos ambientais e sociais dos indivíduos, das organizações, da sociedade e do planeta. Duas linhas distintas de pesquisa se organizaram recentemente. A mais antiga formou o chamado subcampo da comunicação ambiental - environmental communication. Foi desenvolvido a partir da década de 1980 e hoje se considera seu início nos EUA com os estudos de retórica e análise de discurso da pesquisadora Christine Oravec. É visto também como um metacampo multidisciplinar. Seu foco de trabalho é o encontro dos estudos da comunicação com os estudos das relações homem-natureza. Pois se acredita que a comunicação impacta diretamente as crises ambientais de fundo antrópico. Isto é, a maneira pela qual as pessoas comunicam sobre o ambiente natural modelam a relação homemnatureza e por consequências os respectivos impactos humanos. Os postulados centrais desse campo teórico apontam para os diferentes papéis da comunicação, que incluem a capacidade de construir, produzir e naturalizar as relações com a natureza. Por exemplo: The ways we communicate powerfully affect our perceptions of the living world; in turn, these perceptions help shape how we define our relations with and within nature and how we act toward nature.

(LITTLEJOHN & FOSS, 2009, p.345). Outra premissa fundamental é relativa à aceitação de que toda comunicação ambiental é interessada, pois são representações humanas da natureza formadas por contextos e interesses sociais, econômicos e políticos. E ainda, parte dos pesquisadores clássicos considera o ambiente natural como um ator que não tem voz e, portanto precisa ser representado, e sempre será a partir do ponto de vista daquele que por ele fala. Segundo Cox, há duas funções distintas para a comunicação ambiental. A primeira é pragmática, referente ao seu papel instrumental em dar suporte à resolução dos problemas ambientais. Por meio de ações comunicacionais tais como persuadir, educar e mobilizar. A segunda é a sua função constitutiva. Pois auxilia a compor o entendimento sobre o mundo natural, suas demandas, problemas e alternativas de soluções. (COX, 2010) Por outro lado o subcampo da comunicação da responsabilidade social corporativa (RSC) - CSR communication - é mais recente e pesquisa sobre a comunicação na relação entre empresas e sociedade, muito influenciado pelos estudos sobre ética nos negócios. Seus tópicos de estudo aparecem nas revistas acadêmicas de gestão e comunicação a partir de 1999. Grande parte das teorias utilizadas é originária dos campos da comunicação organizacional e administração. Assim, o foco no contexto organizacional favorece sua aproximação com a teoria de stakeholder, pois são estudadas as ações comunicacionais para os diversos públicos da organização. Muitos desafios de pesquisa são encontrados já que os tempos atuais são de desconfiança frente à comunicação das organizações, principalmente privadas, enquanto que a responsabilidade social implica em princípios de transparência e prestação de contas. (IHLEN et al., 2011) Enquanto a comunicação ambiental é ampla e articula diversas áreas das ciências da comunicação, a comunicação da RSC foca no objeto de estudo organização. Há também distinções entre a maneira pela qual cada dimensão da sustentabilidade é tratada, entretanto essa é muito mais aparente devido à nomenclatura do que à incidência nas pesquisas. A comunicação ambiental tem na maioria dos estudos as questões ambientais em primeiro plano, no entanto os aspectos socioeconômicos aparecem quando há relação direta com saúde e segurança, além claro quando o foco é nas práticas organizacionais e de diálogo multissetorial. Por outro lado, a comunicação de RSC tem por definição o escopo das práticas de RS que atualmente abrangem o tripé da sustentabilidade. O quadro abaixo resume as principais semelhanças e diferenças entre os dois subcampos de estudo.

Quadro 2: Comparação entre comunicação ambiental e comunicação da RSC. Comunicação ambiental (COX, 2010) Definição the pragmatic and constitutive vehicle for our understanding of the environment as well as our relationships to the natural world; it is the symbolic medium that we use in constructing environmental problems and negotiating society s different responses to them. (p. 20) Dimensões Constitutiva: compreensão da sociedade sobre natureza; e sobre problemas e soluções ambientais. Pragmática: produção de mensagens/materiais/campanhas/ planos de comunicação. Áreas de estudo Retórica ambiental e Discurso; Comunicação da RSC (IHLEN et al., 2011) CSR as an activity is the corporate attempt to negotiate its relationship to stakeholders and the public at large. ( ) CSR communication as the ways that corporations communicate in and about this process; it is the corporate use of symbols and language regarding these matters. (p.8) Constitutiva: participação dos stakeholders e práticas de negócios éticas. Manipulativa: discursos organizacionais e formação de identidade/reputação. Mídia e jornalismo ambiental; RSC, retórica e discurso; Participação pública no processo de decisão ambiental; Marketing Social e campanha de mobilização; Colaboração ambiental e resolução de conflitos; Comunicação de Risco; Representações de natureza na cultura popular e MKT verde. Teoria da Comunicação e RSC; RSC e Relações com Mídia; Diálogo social e relações com stakeholders; Marketing e responsabilidade social das empresas; Gestão da Reputação; Comunicação de Risco; Gestão da Comunicação e ferramentas e práticas de RSC. Fonte: Síntese elaborada pela autora a partir dos conceitos apresentados por Cox (2010) e Ihlen et al. (2011). Para a análise da comunicação sobre os aspectos socioambientais nota-se que ambos subcampos, comunicação ambiental e comunicação de RSC, são relevantes e complementares. As práticas a serem estudas vão além das de RSC e incluem macro perspectivas, como representações da natureza. Pois a importância da comunicação se dá tanto na constituição da relação homem-natureza quanto da relação organização-sociedade. Portanto, a comunicação é a mediação dessas diversas relações entre sociedade, natureza e organização. Relações compostas por efeitos, impactos e percepções - tanto negativos quanto positivos - que transformam os aspectos sociais, econômicos e ambientais do planeta e da sociedade. O

presente trabalho propõe chamar de comunicação socioambiental os estudos realizados dentro dessa perspectiva de análise, conforme ilustrado pelo diagrama abaixo. Natureza COM SA Mediação Organizações Sociedade Diagrama 1: Comunicação socioambiental (COM SA). Fonte: diagrama elaborado pela autora. Conforme descrito por Bourdieu (1983), o debate interno de um "campo científico" é a força que pode moldá-lo. Portanto, é possível sugerir que há uma conformação de um novo campo interdisciplinar para lidar com os estudos sobre os efeitos de comunicação e os impactos socioambientais das organizações e da sociedade. Paradoxos: desafios e entraves O primeiro paradoxo é base na teoria de stakeholder e está relacionado à esfera da comunicação. O gerenciamento estratégico por meio do relacionamento com stakeholders não é considerado como uma ação de comunicação por Freeman. Inclusive, é uma ação de planejamento da alta administração que deve ser executada por todos os gerentes. No entanto, o autor destaca a importância dos gerentes estarem capacitados em habilidades de comunicação. A proposta teórica trata relacionamento com os stakeholders como uma transação (transaction) e propõe um vasto conjunto de ferramentas, esquemas e planilhas para que essa seja bem executada. Os processos mais comuns de transação com os stakeholders citados pelo autor foram: ignorar os stakeholders; a abordagem de relações públicas (construção de imagem); negociação implícita; e negociação explícita. Somente o último estágio de interação é que aparece a chamada comunicação de duas vias. Conflitos são sempre evitados, pois o objetivo do gestor é procurar situações onde haverá soluções ganha-ganha (win-win solutions). Managers responsible for interactions with stakeholders must constantly think in terms of how can the other party win. What are the currencies in which the stakeholder is paid? Perhaps it is exposure or media attention, or maybe it is in forcing company to change. (FREEMAN, 2010, p.170) O segundo paradoxo da teoria de stakeholder é ela por si só não ter o poder de transformar o modelo de desenvolvimento e produção capitalista, muito menos promover sustentabilidade para todos, pois se baseia nas demandas e discursos hegemônicos. Ainda mais nas temáticas da

sustentabilidade e RSE, cheias de definições teóricas, conceitos conflitantes e indefinições sobre a prática e o comportamento ideal que se espera de uma organização. Entende-se que a realidade é construída a partir da relação com o outro. Essa colocação de Makower corrobora com toda a teoria de stakeholder, principalmente sobre a necessidade de compreender as percepções dos demais públicos sobre a organização, que acabam por definir sua identidade. ( ) we must understand how stakeholder groups and the issues of each are started, the importance of key issues and the willingness of groups to expend resources either helping or hurting the corporation on these issues. (Idem, p.26) Como a teoria pode afirmar que contempla as necessidades dos stakeholders se não os considera como sujeitos na comunicação? A visão tradicional da comunicação como transação é incompatível com a proposta de compreender e contemplar as expectativas, necessidades e valores de todos os stakeholders em um plano único de desenvolvimento de uma organização, qualquer que seja ela, privada ou pública. Para que seja efetiva uma relação com stakeholders é necessário ampliar o entendimento sobre comunicação e relacionamento e contemplar o contexto em que estão inseridos, seus atos de fala e sua cultura. Comunicação é o processo que se realiza na/pela interação de sujeitos determinados, históricos e que se inter-relacionam a partir de um contexto, compartilhando sistemas de códigos culturais e, ao fazê-lo, atuam (agem), produzindo/renovando sociedade. (FIGARO, 2010) Essa premissa fica clara e é apresentada na teoria da comunicação de RSC como um dos principais paradoxos a serem enfrentados. Pois os esforços de transparência das organizações não são reconhecidos pelos stakeholders, já que não são percebidos como participantes dos processos de tomada de decisão das organizações. Para a teoria da comunicação ambiental o que se vê é um conjunto de discursos organizacionais com a intenção de se posicionar no tema sem necessariamente modificar seus processos produtivos e respectivos impactos na sociedade e no planeta. E ainda, como imaginar processos de mudança de comportamento de gerentes e empresas inteiras a caminho da sustentabilidade se não há espaço para os conflitos e a reconstrução/reconciliação? (...) (a comunicação) como processo de construção e disputa de sentidos, é lugar e possibilidade de a sociedade desorganizar-se/reorganizar-se/transformar-se em direção à sua própria sustentabilidade complexa. A noção de sustentabilidade será central para a sociedade na medida em que fizer sentido para os diferentes sujeitos. (BALDISSERA, 2009. p.33) Freeman reconheceu uma abordagem da teoria de stakeholders específica ao campo da responsabilidade social e anterior aos seus estudos, no entanto seus postulados teóricos

acabaram por definir-se por certo tempo como a única grande teoria de stakeholder e ele, portanto, o seu criador. Com o desenvolvimento teórico da responsabilidade social empresarial e com o aparecimento de diversas iniciativas para aplicação das premissas de desenvolvimento sustentável, novos aspectos surgiram para interpretação da teoria de stakeholder que vão além da abordagem de gerenciamento estratégico apresentada por Freeman, em 1984. Hoje há estudos e iniciativas que buscam posicionar a comunicação e o relacionamento com stakeholders como processo de transformação socioambiental, um novo modelo de governança, partindo do princípio da construção coletiva de soluções e ações para enfrentar os desafios da sustentabilidade. Essa ampliação teórica propõe o engajamento de organizações abertas ao diálogo e capazes de conciliar seus interesses com os das demais partes interessadas. Buscam a relação ganhaganha com prestação de contas e transparência, melhoria e participação na gestão, geração de valor para todos e inovação. Alguns autores explicitam a necessidade de uma ruptura com o modelo tradicional, uma mudança nas relações de poder e na agenda global. A capacidade para alcançar sustentabilidade econômica, ambiental ecológica e social existe, mas devemos adotar novas formas de comunicação e de governança (DEETZ, 2009, p.89). E também o mundo tripolar citado por Almeida (2004, p.129), que considera governos, empresas e sociedade civil organizada compartilhando o poder e o processo de tomada de decisão. Portanto, entende-se que há uma escala de práticas de relacionamento e engajamento de stakeholders, com características que distinguem a visão teórica mais atual dos usos correntes do mercado, como as diferenças no grau de controle e manipulação da organização promotora do engajamento. Isto é, corroborando com a proposta de Greenwood (2007), stakeholder engagement deve ser visto separado da gestão de responsabilidade social e demais modelos de gestão, para então qualificar o seu uso e evitar o que ela denominou de irresponsabilidade social ; quando as motivações são exclusivamente de controle do relacionamento em prol da organização. Esse é o ponto de maior aproximação com a teoria de relações públicas (RP). Pois a empresa gerencia suas relações a fim de manter-se bem-vinda na comunidade em que se insere e busca proteger-se das ameaças do ambiente externo e dos stakeholders em geral. Como exemplo, as definições de RP abaixo reforçam essa posição teórica: Uma organização estabelece relacionamentos com públicos quando as suas atividades tem consequências para esses públicos, ou quando os públicos afetam a organização, (...) nem os públicos são independentes e nem se controlam (...) este relacionamento é definido mais precisamente em termos de interpenetração. A interpenetração de organizações e públicos exige que a organização seja responsável por esses públicos se desejar ter bons relacionamentos (responsabilidade pública). (Preston e Post, 1975 apud GRUNIG, 2009, p.33)

O Estudo da Excelência demonstra que as Relações Públicas são a única função gerencial que auxilia a organização a interagir com públicos de interesse em seu ambiente. Os públicos influenciam a capacidade da organização para alcançar seus objetivos e esperam que as organizações os auxiliem a alcançar seus próprios objetivos. As organizações solucionam problemas da sociedade, mas também criam problemas para ela. Assim sendo, as organizações não são unidades autônomas livres para ganhar dinheiro ou para alcançar outros objetivos que estabelecem para si. Elas se relacionam com indivíduos e grupos que auxiliam a estabelecer os objetivos que escolhem, definem o que a organização é e faz, e influenciam no sucesso de seus comportamentos e decisões estratégicas. (GRUNIG, 2009, p.63) The stakeholder in a corporation are the individuals and constituencies that contribute, either voluntarily or involuntarily, to its wealth-creating capacity and activities, and that are therefore its potential beneficiaries and/or risk bears. (POST et al., 2002, p.19) Assim, pode-se afirmar que (...) toda a atividade de relacionamento de stakeholders é uma ação de RP, no entanto nem todas as iniciativas de RP podem inserir-se na visão teórica de engajamento de stakeholders. (SMITH, 2010, p.13) O terceiro paradoxo revela-se na tensão entre teoria e prática tanto no campo das relações públicas quanto da própria teoria de stakeholder. Pois o avanço teórico é reconhecido, novos paradigmas e perspectivas de estudo consideram a visão de necessidade de ruptura com modelos anteriores, a contextualização dos fenômenos e a descentralização do poder da

que ocorrem com todos os stakeholders, por mais que pareçam significativas, são superficiais frente ao sistema capitalista que continua a operar livremente, fortalecendo-se a cada transformação, pois se flexibiliza e se adapta com rapidez. Mais do que um discurso apropriado por todos os stakeholders, o engajamento, comunicação e relacionamento tem sido uma prática corrente e considerada bem sucedida em alguns setores industriais. Ao relacionar-se o homem cria a própria vida. O pensamento e a linguagem se renovam nesse relacionamento. É possível afirmar que o último dos paradoxos identificados seja a própria contradição de uma prática que é criada pela organização para manter seu controle e poder e o potencial de renovação da linguagem, do pensamento e dos hábitos, unidades do relacionamento. O que fica então desses encontros? Quais são os novos significados construídos a cada sessão de engajamento comunitário? A cada reunião de bairro? A cada negociação sindical? A cada resolução de conflito socioambiental por disputa de uso do solo em uma reserva ecológica? É possível verificar transformações mais profundas nos sujeitos? Há muito ainda a pesquisar, tanto para compreensão dos fenômenos comunicacionais quanto para a consolidação de uma teoria que compreenda as especificidades das relações entre sociedade, natureza e organizações. Os próximos passos de pesquisa apontam para a verificação empírica das experiências de engajamento de stakeholders e iniciar então uma nova etapa da investigação focada nos potenciais de transformação socioambiental desse fenômeno comunicacional, dentro da perspectiva teórica proposta de comunicação socioambiental. Referências bibliográficas ALIGLERI, L., ALIGLERI, L. A., KRUGLIANSKAS, I. Gestão socioambiental: responsabilidade e sustentabilidade do negócio. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009. ASHLEY, P. A.; COUTINHO, R. B. G.; TOMEI, P. A.. Responsabilidade social corporativa e cidadania empresarial: uma análise conceitual comparativa. In: ENCONTRO DA ANPAD, 24. Florianópolis, SC: Anpad, 2000. p. 1-15. ALMEIDA, F. Os desafios da sustentabilidade: uma ruptura urgente. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. BALDISSERA, R.. A comunicação (re)tecendo a cultura da sustentabilidade em sociedades complexas. In: KUNSCH, M.K.K., OLIVEIRA, I. L.. (Org). A comunicação na gestão da sustentabilidade das organizações.

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