ARTIGO DE REVISÃO E ATUALIZAÇÃO



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Transcrição:

ARTIGO DE REVISÃO E ATUALIZAÇÃO Reabilitação do joelho Pérola Grinberg Plapler 1 Descritores Joelho. Reabilitação. Key words Knee. Rehabilitation. INTRODUÇÃO Os conhecimentos sobre as patologias do joelho sofreram grande avanço nos últimos dez anos. Em conseqüência disso, várias técnicas cirúrgicas e vários protocolos de tratamento conservador vêm sendo desenvolvidos. Quando falamos em reabilitação do joelho, é importante entendermos as bases do tratamento e não apenas qual é o protocolo utilizado. Dependendo da conduta ortopédica de cada serviço, os protocolos de reabilitação podem variar quanto ao tempo para que se iniciem cada um dos procedimentos, os exercícios empregados e as técnicas a serem aplicadas. Muitos protocolos, hoje considerados como acelerados, poderão em futuro próximo ser aceitos universalmente sem qualquer ressalva. Isso só ocorrerá após maiores estudos comprovando sua superioridade em relação aos métodos tradicionais mais utilizados atualmente. É por essa razão que o conhecimento das patologias e a influência sobre a dinâmica do joelho é fundamental para o correto julgamento dos tratamentos instituídos. A reabilitação deve seguir alguns passos, consistindo, em linhas gerais, na proteção das estruturas lesadas, na manutenção do condicionamento cardiorrespiratório, ganho completo da amplitude de movimentos, prevenção da atrofia muscular, manutenção da função proprioceptiva, melhora da força muscular e do endurance, retorno à agilidade para diferentes atividades, e, finalmente, retorno às atividades laborárias e ao esporte. FEMOROPATELAR Esta articulação é de grande importância na dinâmica do joelho e vários trabalhos têm mostrado que a reabilitação é a abordagem de escolha em muitas das patologias que a acometem. 1. Médica Fisiatra do Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Instituto de Ortopedia e Traumatologia, HC-FMUSP. Dentre as causas que levam à instabilidade da femoropatelar, podemos citar o aumento do ângulo Q, a hipoplasia da tróclea, fazendo com que diminua a contenção da patela, hipotrofia ou diminuição de força do vasto medial, com prevalência relativa do vasto lateral, malformação da patela, genu recurvatum, torção tibial. A alteração na qual realmente podemos atuar como reabilitadores é a relacionada aos desequilíbrios musculares. Podemos trabalhar os músculos envolvidos de duas maneiras. A primeira, exercitando o músculo quadríceps através de contrações isométricas associadas às isotônicas ou isocinéticas. Quando fazemos o fortalecimento nos últimos 30 graus de extensão, trabalhamos todos os músculos do quadríceps e em especial o vasto medial. A grande vantagem de trabalharmos nesta angulação é o fato de que existe menor área de contato entre a patela e o fêmur nos últimos graus de extensão (apenas a porção inferior da patela se articula com o fêmur entre 0º e 20º de flexo-extensão do joelho), o que protege esta articulação de dores que eventualmente ocorreriam por hiperpressão da femoropatelar. Muitas vezes, a cinesioterapia isolada não é suficiente para a obtenção do fortalecimento necessário. Nesse caso, sugerimos o uso de estimulação elétrica com corrente farádica, no ponto motor do vasto medial, fazendo dessa forma a contração mais específica deste músculo. Não devemos nos esquecer de associar o alongamento dos isquiotibiais e gastrocnêmios. Seu encurtamento aumenta a pressão sobre o femoropatelar, podendo ser causa de dor durante a reabilitação, já que dessa forma tracionam mecanicamente a tíbia posteriormente. Com isso, o tendão patelar será também tracionado juntamente com a patela, aumentando a pressão contra o fêmur. Portanto, o alongamento da musculatura posterior deverá trazer algum alívio. O encurtamento do quadríceps também acarreta aumento da pressão femoropatelar e esta pressão será tanto maior quanto maior for o encurtamento do músculo. A manipulação manual da patela no sentido látero-medial também deve ser realizada. É freqüente o encurtamento das aletas laterais, que devem ser alongadas manualmente. 1

Após episódio de subluxação da patela, desde que a decisão seja pelo tratamento conservador, poderemos adotar a seguinte conduta: a) Procurar diminuir o derrame, caso presente, fazendo aplicação de gelo nas primeiras 24 horas. A partir de então, a melhor escolha seria a aplicação de ondas-curtas, que, promovendo vasodilatação e aumento do metabolismo local, favoreceria a reabsorção do líquido extravasado; b) Em caso de dor, podemos fazer uso de calores profundos, tais como ondas-curtas, microondas ou ultra-som. Podemos também utilizar as correntes elétricas analgésicas associadas ao calor, ou isoladamente; c) Após a diminuição do derrame, poderemos dar início ao trabalho específico de fortalecimento muscular através de exercícios ou através de estimulação elétrica, conforme citado acima. É importante lembrarmos que existe bloqueio à contração muscular, tanto na presença de derrame articular, quanto na de dor. O exercício deverá ser realizado nesta fase, mesmo se sabendo que não será tão eficaz. Em uma segunda fase, quando a melhora do quadro doloroso for significativa, deveremos iniciar exercícios de fortalecimento e ganho de trofismo global de todos os músculos do membro inferior acometido, visando o equilíbrio muscular. LESÃO MENISCAL Pacientes com esta lesão em geral apresentam como uma das queixas o bloqueio do joelho durante os movimentos de flexo-extensão. Isso ocorre pela interposição da alça lesada do menisco entre o fêmur e a tíbia. Muitas vezes, a sintomatologia mais exuberante é a de dor na interlinha, correspondente ao menisco lesado. Outras vezes, a queixa é de derrame articular. O tratamento inicial de escolha deve ser sempre a fisioterapia, como mostrado a seguir. Caso não haja melhora do quadro, o paciente deverá ser encaminhado para intervenção cirúrgica. Devemos nos preocupar, dentro do processo de reabilitação, com o grau de dor que o paciente possa apresentar e que deve ser tratada com calor profundo, gelo ou eletroterapia. Pode estar associada a este quadro hipotrofia do quadríceps. Isso pode ocorrer tanto pela dor, bloqueando a contração eficiente do quadríceps, quanto pela simples presença de alteração intra-articular, bloqueando também a contração efetiva do músculo. Qualquer que seja a causa, deveremos instituir exercícios de fortalecimento, juntamente com o tratamento específico para a dor quando presente e os exercícios de alongamento dos isquiotibiais, que está presente com bastante freqüência, levando a piora da dor. Quando não existe melhora dos sintomas, o paciente deverá ser submetido à cirurgia. Podem ser realizados dois procedimentos. O primeiro é a retirada da parte de menisco lesada. Nesse caso, dependendo da abordagem cirúrgica (aberta ou artroscópica), deveremos iniciar exercícios para fortalecimento, ganho de trofismo e analgesia. Em meniscectomias artroscópicas, a carga poderá ser total e imediata, desde que não haja hipotonia do quadríceps pelo próprio ato cirúrgico. O que limitará a intensidade dos exercícios, o retorno às atividades esportivas de vida diária e às atividades esportivas será o grau de atrofia ou limitação articular, deixadas pelo tempo em que o joelho apresentou a lesão meniscal não tratada e não diretamente pela cirurgia artroscópica. Sem dúvida, a meniscectomia artroscópica permite o retorno mais precoce às atividades normais, já que o grau de agressão à articulação é bem menor. Em caso de sutura meniscal, quando se avalia ser possível sua cicatrização, os cuidados serão maiores. É importante lembrarmos que o menisco é responsável por aproximadamente 50% da distribuição de carga durante a marcha, o que aumenta em muito durante a corrida. É por isso que, nestes casos, a marcha imediata só será permitida sem carga sobre o membro afetado. A carga parcial só será permitida após a 4ª semana; a carga total será liberada por volta da 6ª semana. Os movimentos de flexo-extensão do joelho deverão ser bastante suaves, evitando-se a flexão completa. Isso é importante se lembrarmos que uma de suas funções é a de estabilidade dinâmica do joelho, juntamente com músculos e ligamentos, e que o menisco limita a movimentação nos últimos graus de flexão e de extensão. Podemos iniciar exercícios isométricos e os resistidos de forma suave, até que haja completa cicatrização do menisco, o que ocorre entre a 6ª e 8ª semanas. Exercícios de cadeia fechada para quadríceps e exercícios para fortalecimento de isquiotibiais devem ser iniciados após seis semanas. A corrida só deve ser autorizada a partir do 5º mês; os esportes que não envolvem contato por volta de seis meses e os de contato por volta de nove meses. LESÃO LIGAMENTAR Sabemos da importância dos ligamentos tanto no processo mecânico de estabilização do joelho, quanto na propriocepção. São conhecidos nos ligamentos mecanoceptores responsáveis por informar ao sistema nervoso central sobre a posição em que se encontra a perna, qual a velocidade do movimento que está sendo realizado e os limites destes movimentos. São encontradas também terminações nervosas livres, responsáveis pela informação de dor. A lesão dos ligamentos pode levar a instabilidades que poderão ser corrigidas cirurgicamente, levando-se em conta qual o ligamento lesado, grau de instabilidade, idade, atividade esportiva e desejo do paciente em manter o mesmo esporte de antes. Em pacientes mais idosos, atletas eventuais, mulheres, ou aqueles que não têm sintomatologia exuberante e se dispõem a mudar o tipo de esporte, o tratamento pode ser apenas o conservador. O tratamento conservador consiste em melhora do quadro de dor, exercícios que visem manutenção da amplitude de movimentos e exercícios que visem o fortalecimento mus- 2

cular, assim como o endurance. A lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) leva à anteriorização da tíbia nos testes de gaveta ou Lachman, ou durante atividade física mais leve (caminhadas) ou mais intensas (atividade esportiva). Para minimizar este deslocamento, deveremos fortalecer preferentemente os isquiotibiais, sem contudo deixar de exercitar o quadríceps, adutores e abdutores. Os alongamentos deverão também ser realizados, assim como o fortalecimento de abdominais e glúteos, flexores plantares e dorsais dos pés. O pós-operatório das instabilidades causadas pela lesão do LCA tem sido motivo de vários estudos. Até há alguns anos, achava-se, por exemplo, que a manutenção de um flexo residual era benéfico para o joelho. Hoje em dia, pretende-se que após esta cirurgia o paciente volte a ter não só a amplitude e força que tinha anteriormente, assim como a volta plena às atividades esportivas. Vários protocolos chamados de acelerados vêm sendo desenvolvidos, visando o retorno rápido às atividades de vida diária e mesmo às atividades esportivas. No Hospital das Clínicas, desenvolvemos protocolo baseado em vários trabalhos já publicados. Devemos ter em mente que o protocolo tem como objetivo facilitar a conduta da equipe envolvida na reabilitação do paciente, criando parâmetros de comparação entre a evolução dos mesmos. Os médicos não deverão, no entanto, ater-se apenas a este protocolo, tendo em vista que existem diferentes graus de lesão, diferentes épocas para a correção cirúrgica, acarretando maiores ou menores graus de artrose ou de atrofia muscular, diferentes personalidades influenciando o empenho em se reabilitar e diferentes graus de condicionamento físico prévios à lesão. Sugerimos, portanto, utilizar este protocolo como guia, tendo sempre em mente que cada paciente poderá reagir de forma diferente, impondo ritmos específicos ao trabalho de reabilitação. Na 1ª e 2ª semanas, mantemos o paciente com gesso durante quatro dias. Retirado o gesso, iniciamos movimento ativo livre de flexão e passivo ou autopassivo de extensão dentro do arco de movimento que conseguir. Mantemos o paciente com muletas axilares com carga parcial e marcha em extensão, fazemos movimentação manual da patela láterolateral (suave), alongamento manual de IQT e gastrocnêmios e instituímos exercícios isométricos para abdominais, glúteos, quadríceps, adutores, abdutores (sendo quatro vezes mais para flexores que para extensores), flexão plantar e dorsal. Na 3ª e 4ª semanas, mantemos carga parcial com muletas; alongamento manual de isquiotibiais e gastrocnêmios; isométricos para abdominais, glúteos, quadríceps, adutores, abdutores (sempre procurando fazer mais exercícios para flexores), flexão plantar e dorsal. Introduzimos o deslizamento da perna na parede (0º a 90º), alongamento de reto anterior a partir do quadril (sem flexão do joelho), exercícios resistidos para isquiotibiais e extensores do quadril com o joelho em extensão. Fazemos também os exercícios com a perna em extensão (straight leg raising SLR) em flexão do quadril, abdução, adução, extensão. Nesta fase, introduzimos os exercícios de crossover (pedalar a bicicleta com o lado contralateral), visando a manutenção do tônus muscular do lado operado e, se necessário, estimulação elétrica de quadríceps com corrente farádica. Na 5ª e 6ª semanas, já damos início à bicicleta estacionária sem carga, durante dez minutos pedalando para frente e dez minutos pedalando para trás. Podemos dar carga total desde que sem dor e com mínimo de 10º de extensão. Nesta fase, introduzimos o leg press entre 90º e 45º. Esta amplitude de movimentos é a mais recomendada, por evitar a anteriorização da tíbia, que ocorre de maneira mais intensa nos últimos graus de extensão e que procuramos evitar quando reabilitamos o joelho que sofreu uma lesão do LCA. Mantemos o alongamento de IQT e gastrocnêmios, os exercícios isométricos para abdominais, glúteos, quadríceps, adutores, abdutores, flexores, flexão plantar e dorsal. Continuamos com o deslizamento na parede (0º a 90º) e com o alongamento de reto anterior a partir do quadril (sem flexão do joelho). Devemos manter também os exercícios resistidos para IQT, extensores do quadril com o joelho em extensão; extensão do joelho entre 90º e 45º; straight leg raising em flexão do quadril, abdução, adução, extensão e, se ainda for necessária, a estimulação elétrica do quadríceps com corrente farádica. Na 7ª e 8ª semanas, a carga será total e iniciamos o treinamento para subir e descer escadas, subir e descer rampas. Mantemos bicicleta sem carga durante dez minutos para frente e dez minutos para trás, além do leg press de 90º a 10º de flexo-extensão, porém ainda sem carga. Podemos começar com os exercícios de agachamentos até 60º. Estes exercícios são considerados de cadeia cinética fechada e protegem a articulação do joelho, porque trabalhando várias articulações ao mesmo tempo (quadril, joelho e tornozelo) e trabalhando agonistas e antagonistas, também concomitantemente, impedem o deslocamento anterior da tíbia produzido pela contração do quadríceps de forma isolada. Aumentamos o grau de movimentação dos exercícios ativos livres ou assistidos (S/N) para 0º a 140º. Iniciamos os exercícios de equilíbrio no solo com transferência de peso e mantemos os alongamentos de IQT e gastrocnêmios, os isométricos para abdominais, glúteos, quadríceps, adutores, abdutores, flexores, flexão plantar e dorsal, assim como o alongamento do reto anterior a partir do quadril (sem flexão do joelho). A partir do 3º mês (9ª, 10ª, 11ª e 12ª semanas), esperamos que o paciente já apresente amplitude completa de movimentos, patela móvel e razoável padrão de marcha. Damos prosseguimento à nossa reabilitação com exercícios na bicicleta, com carga progressiva, sendo dez minutos para frente e dez minutos para trás (9ª e 10ª semanas) e 15 minutos para frente e 15 minutos para trás (11ª e 12ª semanas). Mantemos o treinamento para subir e descer escadas, marcha em terrenos de diferentes densidades, como espumas de diferentes espes- 3

suras ou marcha em terrenos de terra, pedregulho, areia e grama, por exemplo, (9ª e 10ª semanas). A partir da 11ª e 12ª semanas, iniciamos a marcha em 8, que visa o treinamento e o tensionamento dos ligamentos colaterais. Preconizamos os exercícios ativos progressivamente resistidos para flexores (0º a 90º), exercícios ativos resistidos para extensores, agachamentos em uma perna e em duas pernas (11ª e 12ª semanas), leg press com maior pressão e amplitude completa e introduzimos a prancha de inversão e de eversão, também na 11ª e 12ª semanas. A partir do 4º mês (13ª, 14ª, 15ª, 16ª semanas), damos início à marcha na esteira com velocidade mínima (13ª e 14ª semanas), mantemos a marcha em 8, iniciamos a marcha sobre obstáculos, leg press uni e bilateral (com aumento da carga), mantemos os agachamentos e o fortalecimento do quadríceps, IQT, abdutores e adutores, flexão plantar e dorsal e de toda a musculatura de quadril. A bicicleta deverá ser pedalada com carga progressiva, sendo 20min para frente e 20min para trás. Introduzimos, dentro dos exercícios de propriocepção, a marcha em ponte móvel ( Indiana ). Alguns trabalhos chamam a atenção para a mais rápida reabilitação proprioceptiva em pacientes que moravam em barcos e que portanto estavam submetidos a este tipo de movimento específico. Damos início também aos exercícios de marcha em pranchas de inversão e eversão e prancha de estabilidade e, por fim, o disco de estabilidade. Podemos também iniciar exercícios com sportcord em todas as direções, arremesso de bola com apoio em uma e duas pernas, em uma e em várias direções, assim como ao trote e à corrida (15ª e 16ª semanas). Do 5º mês (17ª, 18ª, 19ª, 20ª semanas) em diante, aumentamos a velocidade da corrida, mantemos os exercícios anteriores, aumentando progressivamente a carga; nos exercícios de propriocepção, mantemos todos os anteriores e acrescentamos o disco de instabilidade. Iniciamos saltos caindo em duas pernas, agachamento precedido de salto e saltar obstáculos mais baixos. No 6º mês (após a 20ª semana), aumentamos a intensidade da corrida (diagonal, frente e lateral), passamos a treinar freadas bruscas em várias direções e iniciamos exercícios pliométricos em uma direção. Podemos, nesse período, liberar bicicleta normal e mantemos todos os exercícios de propriocepção. Mantemos o trote e a corrida e intensificamos os saltos, agora caindo em duas pernas ou em uma perna. Como treinamento pré-esportivo, mantemos o agachamento precedido de salto e após salto. Iniciamos chutar bola de plástico, saltar obstáculos mais altos. A partir do 7º mês, aumentamos progressivamente todas as atividades, com treinamento específico para cada esporte, como saltos, corridas em várias direções, freadas bruscas e agachamentos, e introduzimos os exercícios pliométricos em todas as direções. No 8º mês, damos início aos treinos com equipe sem participar de coletivos e, finalmente, no 9º mês, iniciamos os exercícios coletivos. Quanto ao ligamento cruzado posterior (LCP), é considerado como o restritor da anteriorização do fêmur sobre a tíbia (ou posteriorização da tíbia), com o joelho fletido. Após a lesão do LCP, a queixa mais comum é a de dor, principalmente em flexões além de 90º e não a instabilidade. Existem ainda muitas controvérsias quanto a se operar joelhos com lesão do LCP isolado. Vários pacientes mantêm boa atividade física, apesar da lesão do ligamento. A boa função, no entanto, pode estar associada a alguns sintomas. A instabilidade crônica pode causar artrite degenerativa, envolvendo principalmente o compartimento medial da articulação femoropatelar. Para reabilitarmos um joelho com lesão do LCP, devemos ter em mente alguns princípios. O primeiro deles é quanto ao deslocamento posterior da tíbia em relação ao grau de flexão do joelho. Quanto maior a flexão do joelho, maior será o deslocamento posterior desta tíbia. Entre 0º e 40º, o deslocamento posterior é menor, fazendo com que seja esta uma das razões pela qual escolhemos este ângulo para a reabilitação do LCP. Um segundo princípio é quanto à importância do músculo quadríceps na dinâmica do joelho diante da lesão do LCP. Ao pedirmos ao paciente com lesão de LCP, com joelho fletido em 90º para que faça uma contração do quadríceps, verificamos que ocorre a anteriorização da tíbia. O quadríceps age como um anteriorizador da tíbia quando contraído. É portanto considerado como o restritor ativo da posteriorização da tíbia, devendo ser fortalecido quando da lesão do LCP, para que volte ou exceda a força anterior à lesão. Outro dado importante é quanto a articulação femoropatelar. No momento em que ocorre a posteriorização da tíbia, ocorre também o aumento da pressão da patela contra o fêmur. A persistência desta hiperpressão é a responsável pela artrose femoropatelar que acompanha a lesão do LCP. Em condições normais, entre 0º e 20º de flexo-extensão do joelho, apenas o pólo inferior da patela se articula com o fêmur. Por volta de 45º ocorre a articulação da região central da patela. É portanto neste arco do movimento que ocorre menor articulação da patela contra o fêmur, fazendo com que seja esta a amplitude mais segura para se trabalhar o fortalecimento do quadríceps. Os isquiotibiais devem ser alongados, já que o seu encurtamento acaba levando a um aumento da pressão da femoropatelar. O quadríceps precisaria aumentar sua força para conseguir a extensão completa contra a resistência passiva dos isquiotibiais. Não devemos nos preocupar em fortalecer os isquiotibiais. Existem alguns trabalhos mostrando que qualquer flexão dos isquiotibiais traciona a tíbia posteriormente. Concluímos, portanto, que a reabilitação de um paciente com lesão do LCP deve ser a de fortalecer mais o quadríceps que os isquiotibiais, com o arco de movimento entre 0º e 45º de flexo-extensão do joelho, não nos esquecendo de alongar 4

os isquiotibiais. Os exercícios para fortalecimento devem respeitar a dor que o paciente possa apresentar. Os exercícios de propriocepção, assim como os exercícios para manutenção do condicionamento cardiorrespiratório não devem ser esquecidos. A lesão isolada do ligamento colateral medial (LCM) na maioria das vezes é de tratamento não cirúrgico. Quando associadas a lesão do LCA, PCA ou do complexo lateral, esta conduta já é mais controvertida. Estudos de laboratório mostram que quando não ocorre a lesão do LCA associada, este ligamento acaba dando proteção ao compartimento medial e conseqüentemente ao LCM, permitindo sua cicatrização. A movimentação precoce é benéfica e por isso nossa conduta é a de colocar uma órtese que impeça os movimentos rotacionais. A mesma é retirada, para fazer movimentos de flexoextensão em todo o arco de movimentos, visando tanto a manutenção da amplitude, quanto a manutenção da força muscular. A carga sobre o membro pode ser dada desde que não haja dor importante e que haja a proteção contra os movimentos rotacionais. REFERÊNCIAS 1. Ficat, R.P. & Hungerford, D.S.: Disorders of the Patellofemoral Joint, Baltimore, Williams & Wilkins, 1977. 2. Halling, A.H., Howard, M.E. & Cawley, P.W.: Rehabilitation of anterior cruciate ligament injuries. Clin Sports Med 12: 329-348, 1993. 3. Larson, R.L. & Grana, W.A.: The Knee Form, Function, Pathology and Treatment, W.B. Saunders, Harcourt Brace Jovanovich. 4. Moyer, R.A. & Marchetto, P.A.: Injuries of the posterior cruciate ligament. Clin Sports Med 12: 307-315, 1993. 5. Noyes, F.R., Torvik, P.J., Hyde, W.B. et al: Biomechanics of ligament failure. J Bone Joint Surg [Am] 56: 1406, 1974. 5