Tribunal de Contas da União Dados Materiais: Acórdão 131/96 - Plenário - Ata 34/96 Processo nº TC 724.004/94-7 Responsável: Irmã Maria da Glória Castanheira dos Santos Unidade: Santa Casa de Misericórdia de Lorena/SP Relator: MINISTRO HOMERO SANTOS Representante do Ministério Público: Dr. Ubaldo Alves Caldas Unidade Técnica: Secretaria de Controle Externo no Estado de São Paulo Especificação do "quorum": Ministros presentes: Fernando Gonçalves (na Presidência), Adhemar Paladini Ghisi, Carlos Átila Álvares da Silva, Homero dos Santos (Relator), Paulo Affonso Martins de Oliveira, Humberto Guimarães Souto e os Ministros-Substitutos José Antonio Barreto de Macedo e Lincoln Magalhães da Rocha. Ministro que se declarou impedido: Humberto Guimarães Souto Assunto: Tomada de Contas Especial Acórdão: VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Tomada de Contas Especial, de responsabilidade da Irmã Maria da Glória Castanheira dos Santos, Provedora da Santa Casa de Misericórdia de Lorena/SP. Considerando que esta Tomada de Contas Especial foi instaurada, em razão de irregularidades verificadas na execução do Convênio nº 02/90, celebrado entre a mencionada Santa Casa de Misericórdia e o Ministério da Saúde/INAMPS; Considerando que, devidamente citada, a Responsável apresentou as alegações de defesa pertinentes, as quais foram acolhidas pela Unidade Técnica e pelo Ministério Público, no tocante à descaracterização do débito imputado nos autos; Considerando, ainda, que não ficou comprovada, no processo, a má-fé da mencionada Responsável, e tampouco verificadas ocorrências de gravidade suficiente à aplicação de sanção; Considerando que o parecer do Ministério Público é no sentido de que as presentes contas sejam julgadas regulares, com ressalva, expedindo-se quitação à referida religiosa. ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos
em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em julgar as presentes contas regulares, com ressalva, dando-se quitação à Responsável, Irmã Maria da Glória Castanheira dos Santos, com fulcro nos arts. 1º, inciso I, 16, inciso II, 18 e 23, inciso II, da Lei nº 8.443/92. Ementa: Tomada de Contas Especial. Convênio. INAMPS. Santa Casa de Misericórdia de Lorena SP. Aquisição de equipamentos sem licitação e com preços superfaturados. Fraude na aplicação dos recursos. Atingimento da meta física. Acolhimento da defesa por caracterização de situação de emergência. Não locupletamento do responsável. Contas regulares com ressalva. Data DOU: 16/09/1996 Página DOU: 18332 Data da Sessão: 28/08/1996 Relatório do Ministro Relator: GRUPO II - CLASSE IV - Plenário TC 724.004/94-7 Natureza: Tomada de Contas Especial Unidade: Santa Casa de Misericórdia de Lorena/SP Responsável: Irmã Maria da Glória Castanheira dos Santos Ementa: Tomada de Contas Especial instaurada em decorrência de irregularidades verificadas na execução do Convênio celebrado entre a Santa Casa de Misericórdia de Lorena e o Ministério da Saúde/INAMPS. Descaracterização de débito imputado, face ao atingimento do objeto pactuado. Inexistência de irregularidades em gravidade suficiente à penalização da Responsável. Contas regulares com ressalva. Trata-se de Tomada de Contas Especial, de responsabilidade da Irmã Maria da Glória Castanheira dos Santos, Provedora da Santa Casa de Misericórdia de Lorena, no Estado de São Paulo, instaurada em decorrência de irregularidades verificadas na execução do
Convênio MS/INAMPS/SCM DE LORENA/SP nº 02/90. Remetido o processo ao Tribunal, a SECEX/SP, ao evidenciar a gravidade dos fatos mencionados, que ensejaram, inclusive, a abertura de processo de sindicância, nos termos noticiados, procedeu, em caráter preliminar, a diligência à CISET/MS, para que enviasse cópia da documentação pertinente. Presentes os elementos solicitados, o Analista destaca as irregularidades apontadas no referido processo disciplinar, entre essas a ausência de licitação e o superfaturamento nos preços dos equipamentos adquiridos, por força do aludido convênio, esclarecendo, outrossim, que, face à ausência de recursos para dar prosseguimento aos trabalhos da Comissão Sindicante, aqueles autos foram enviados à Direção Geral do INAMPS. Ainda, conforme registrado na peça instrutiva, a Procuradoria-Geral do INAMPS fez constar de seu parecer considerações sobre as falhas incorridas na mencionada Sindicância, concluindo, no entanto, que houve fraude na aplicação dos recursos, objeto do convênio, razão pela qual aquela Unidade propôs o envio dos autos à Procuradoria Regional do INAMPS em São Paulo para que fosse providenciada a instauração de Inquérito Policial. Diante desses fatos, o Informante sugere, com a anuência do Sr. Diretor e do Sr. Secretário, a citação da Responsável, para apresentar alegações de defesa ou recolher a quantia de R$ 190.078,97 aos cofres do INAMPS (em extinção). Promovida a citação e encaminhada a defesa, o AFCE, em nova instrução, após exame das razões invocadas pela Irmã Maria da Glória Castanheira dos Santos, conclui nos seguintes termos: "Considerando que o objeto do convênio foi atingido com a aquisição e instalação dos equipamentos na UTI da Santa Casa de Misericórdia de Lorena; Considerando que a fixação exata do montante do prejuízo devido às irregularidades apuradas não é possível; Considerando que não há, nos autos, indícios de que a responsável tenha se locupletado com esses recursos; Considerando que a Sra. Provedora denunciou as irregularidades e cooperou nos trabalhos da sindicância que visaram apurá-las e identificar os responsáveis; Considerando que as irregularidades praticadas pela responsável são suscetíveis a aplicação de multa; Propomos ao Tribunal que seja adotada a seguinte decisão:
a. comunicar à responsável a rejeição dos fundamentos de suas alegações de defesa; b. julgar irregulares as presentes contas, com fulcro nos arts. 1º, inciso I, 16, inciso III, alínea "b", combinados com os artigos 19, parágrafo único, e 23, inciso III, todos da Lei 8.443/92 e aplicar à responsável a multa prevista no art. 58, inciso II, da citada Lei, com base na legislação vigente à época da assinatura do convênio, art. 53 do DL 199/67, fixando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, para comprovar, perante o Tribunal, o recolhimento da dívida aos cofres públicos, consoante art. 159, inciso III, alínea "c" do Regimento Interno; c. autorizar, desde logo, nos termos do art. 28, inciso II, da Lei 8.443/92, a cobrança judicial da dívida, acrescida dos encargos legais contados a partir do dia seguinte ao término do prazo ora estabelecido, até a data do recolhimento, caso não atendida a notificação". A Sra. Diretora substituta, com a aquiescência do Titular da SECEX/SP, propugna, com fulcro no art. 12, 1º, da Lei nº 8.443/92, que, preliminarmente, sejam rejeitadas as alegações de defesa da Responsável. Manifestando-se a respeito, a douta Procuradoria, em paracer da lavra do Dr. Ubaldo Alves Caldas, expõe, primeiramente, que os fatos contidos nos autos indicam que a responsável foi envolvida em uma trama ardilosa que resultou no desvio, em parte, dos recursos repassados, não sendo possível, de outra parte, "apurar a quantia desviada nem se pode imputar o total do débito à responsável, porque, conquanto eivado de irregularidades (como ausência de licitação e superfaturamento), o objetivo do convênio foi cumprido, com a entrega efetiva dos equipamentos à Santa Casa". Considerando, entretanto, que: "a) a responsável não se manifestou, em sua defesa, quanto à aquisição do material sem licitação nem quanto às evidências de superfaturamento nos preços desse material; b) o ofício citatório' (fl. 183) não contém menção' expressa a essas irregularidades; e c) a citação da responsável não foi devidamente autorizada pelo Ministro-Relator (fl. 179-v)", opina o representante do Ministério Público no sentido da "audiência prévia da Irmã Maria da Glória Castanheira dos Santos, nos termos do art. 12, inciso III, da Lei nº 8.443/92, quanto às irregularidades mencionadas na alínea `a', supra". (grifos do original).
Em acréscimo, sugere que seja diligenciado à CISET/MS, "solicitando informações a respeito de eventual instauração e andamento de inquérito policial sobre o fato narrado nos presentes autos". Por r. Despacho do Relator, eminente Ministro Humberto Guimarães Souto, foi autorizada a adoção das medidas indicadas pelo Ministério Público. Em suas justificativas, a Responsável relembra os problemas enfrentados, em decorrência da participação de terceiro na obtenção dos recursos do convênio, entre esses a não realização do procedimento licitatório e a evidência de que, no pagamento dos bens, praticou-se preço acima do mercado. Não obstante, acrescenta que, face à iminência de uma possível paralisação dos serviços da UTI na Santa Casa, única do município, estaria caracterizada, à época, a situação emergencial, hipótese incluída nos casos de dispensa de licitação. Instruindo o feito, o Analista entende que a Provedora da Santa Casa "não adotou, à época, nenhuma medida visando gerir com zelo e economicidade os recursos públicos recebidos, resultando na aquisição de equipamentos a preços acima do mercado, e conseqüentemente, provocando dano ao Erário", conquanto não seja possível quantificar o débito. Quanto à diligência dirigida à CISET/MS, registra que, embora o Controle Interno tenha adotado providências no sentido de obter as informações requeridas quanto à eventual instauração e andamento do inquérito policial, não conseguiu qualquer notícia a esse respeito. Ao considerar que esse fato, afeto à esfera penal, não irá alterar o mérito das contas, e arrimado em decisões que entende tratarem de caso análogo ao presente, conclui o exame, propondo, com a anuência do Sr. Diretor de Divisão, que sejam julgadas irregulares as presentes contas, com fulcro nos arts. 1º, inciso I, 16, inciso III, alínea "b", combinados com os arts. 19, parágrafo único, e 23, inciso III da Lei nº 8.443/92 e aplicar à Responsável a multa prevista no art. 58, inciso II, da citada Lei, com base na legislação vigente à época da assinatura do Convênio, art. 53 do DL 199/67, fixando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, para comprovar, perante o Tribunal, o recolhimento da dívida aos cofres públicos, consoante art. 165, inciso III, alínea "a" do Regimento Interno.
Por sua vez, o Sr. Secretário, posicionando-se de acordo com a proposição de mérito, sugere, contudo, que seja dispensada a aplicação da multa proposta pela instrução, tendo em vista que o valor máximo estabelecido, com base no Decreto-lei nº 199/67, fica abaixo de 1.500 UFIR (limite para cobrança executiva)". O Douto Ministério Público, representado pelo Sr. Procurador, Dr. Ubaldo Alves Caldas, manifesta-se da seguinte maneira: "Trata-se da Tomada de Contas Especial da Irmã Maria da Glória Castanheira dos Santos, Provedora da Santa Casa de Misericórdia de Lorena/SP, instaurada em decorrência de irregularidades ocorridas na execução do Convênio nº 02/90, celebrado entre a aludida Entidade e o Ministério da Saúde/INAMPS. Retornam os autos a este representante do MP, a pedido do eminente Ministro-Relator HUMBERTO GUIMARÃES SOUTO (fl. 225), após promovidas a diligência e a audiência prévia determinadas pelo r. Despacho a fls. 198. De início, reafirmamos o entendimento sustido no parecer acostado a fls. 197, no sentido da existência, nos autos, de fortes indícios de haver sido a responsável envolvida em trama ardilosa, que visava ao desvio de recursos públicos destinados à assistência à saúde. Relata a Irmã Maria da Glória, no depoimento espontâneo prestado à Coordenadoria de Cooperação Técnica do INAMPS/SP (fls. 36/39), que, em virtude das inúmeras dificuldades econômicas e financeiras e da necessidade urgente de aquisição de equipamentos hospitalares para a UTI da Santa Casa de Lorena, aceitou a intermediação do Sr. José Salles Filho junto ao Ministério da Saúde, nas condições por ele propostas, visando à obtenção de verbas para o fim mencionado. Sabia a Irmã, desde o início, que não seria realizada a licitação para a compra dos sobreditos equipamentos, porque, na intermediação promovida pelo Sr. José Salles Filho, além da obtenção da verba estava já incluído o fornecimento deles pela empresa B&B Produtos Médicos, sediada em Brasília. Contudo, pensamos, que não poderia imaginar a religiosa que seria ludibriada com a entrega dos equipamentos antes da liberação das verbas, trazidos em condução própria numa sexta-feira após o horário normal de recebimento e, ainda, em desconformidade com a descrição lançada na nota fiscal. Sendo esse último fato somente constatado na ocasião da auditoria do INAMPS.
Temos, em nosso íntimo, convicção de que a Irmã Maria da Glória agiu com boas intenções, tentando dotar a UTI da Santa Casa de Misericórdia de Lorena dos instrumentos médicos necessários ao bom atendimento da população local e de que, de fato, havia a necessidade e urgência na obtenção deles. Ninguém, em sã consciência, desconhece a situação precária da assistência à saúde dos brasileiros, sobremodo daqueles mais humildes. Assim, malgrado as razões coligidas pela Unidade Técnica na instrução a fls. 221/224, é nosso dever de justiça reconhecer a boa-fé da responsável e, neste Tribunal, é sabido, o reconhecimento de boa-fé não se coaduna com a irregularidade de contas e a aplicação de multa. Temos convicção ainda de que, nesse caso, de todos os envolvidos, foi a Irmã Maria da Glória a que menos contribuiu para a aplicação irregular dos dinheiros públicos, tão escassos. No entanto, até aqui, temos conhecimento da apuração da responsabilidade dela, tão apenas. E o inquérito policial? O que foi feito dele? Foi instaurado? E quanto à responsabilidade do Sr. José Salles Filho e daqueles, do Ministério da Saúde, junto a quem ele intermediou as verbas, e da firma B&B Produtos Médicos, foi apurada? Pouco se sabe: os fatos puníveis ocorreram em novembro de 1990 (fls. 36/39), o Sr. Procurador do INAMPS propôs a instauração do inquérito policial em junho de 1994 (fl. 169), os autos passaram pela Auditoria Chefe do INAMPS, pela Secretaria Executiva do Ministério da Saúde e pela Secretaria de Controle Interno do Ministério da Saúde em setembro de 1994 (fls. 172/174). Não se tem notícia, até então, da abertura do inquérito policial, da promoção da denúncia e da eventual incoação de ação penal. A diligência determinada pelo Tribunal, efetivada em 7.3.96 (fls. 200 e 218) não logrou obter essa informação, embora já decorridos três meses, o que demonstra a dificuldade ou o desinteresse das autoridades diligenciadas. Assinale-se, desde já, que, na contingência da não abertura do inquérito policial proposto pelo Procurador do INAMPS (fl. 169), ante a gravidade dos fatos ocorridos, caberá, a juízo desta Corte, apurar-se a responsabilidade dos agentes públicos que deixaram de adotar as providências requeridas ao caso. Na verdade, o que se nota nos autos, após meticulosa análise, é que a Irmã foi vítima, o que deve eximi-la de responder por
conseqüências, porque as irregularidades foram provocadas por outrem, de reconhecer pelos esclarecimentos prestados, que não o cometeria, se conhecesse o que realmente se tramava. Não é possível imaginar que uma pessoa que se dedica a salvar vidas, laborando em Santa Casa, praticasse atos de tal natureza; ademais, não existem provas de que a Irmã tivesse consciência do ilícito. Pode-se dizer que não há escusa pela ignorância da lei, mas tal inescusabilidade, segundo doutrinadores, não pode ser destemperada. As irregularidades apontadas, ante todo o contexto factual lavrado nos autos, sucumbem-se diante do ardil, da boa fé da Irmã, do recebimento do material, de ser a única UTI na região, da deficiência dos controles internos dos órgãos públicos envolvidos, do desinteresse na apuração dos fatos e do caráter simplista na solução, entre outros. Desse modo, temos que as alegações de defesa não elidem totalmente, mas por certo, descaracterizam-se o débito e a possibilidade de aplicação de sanção à Irmã, porque não deu causa ao fato, conscientemente ou por culpa. Opinamos pela regularidade com ressalva, expedindo-se quitação à responsável, com espeque nos arts. 1º, I, 16, II, 18 e 23, II, da Lei nº 8.443/92". Por sorteio realizado em 07.08.96, fui contemplado com a relatoria do processo, face ao impedimento invocado pelo Relator em continuar a atuar nos autos. É o Relatório. Voto do Ministro Relator: Os judiciosos fundamentos apresentados pelo Douto Ministério Público, na sua missão de guarda da lei e fiscal de sua execução, não deixam dúvida quanto à deliberação de mérito a ser adotada nestas contas. Com efeito, inexistem, nos autos, documentos que comprovem a prática de ato ilícito pela Responsável, Irmã Maria da Glória Castanheira dos Santos, Provedora da Santa Casa de Misericórdia de Lorena, na execução do aludido Convênio. Ao contrário, no contexto evidenciado, pode ser reconhecida a boa-fé da mencionada religiosa, cabendo assinalar, ainda, que não foram verificadas outras ocorrências de gravidade suficiente à aplicação de sanção àquela Responsável.
Dessa forma, e acolhendo a conclusão do parecer da Procuradoria, Voto no sentido de que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto a este Plenário. Indexação: Tomada de Contas Especial; Convênio; MSD; INAMPS; SP; Aquisição; Dispensa de Licitação; Superfaturamento de Preços; Equipamentos e Material Permanente; Fraude; Aplicação; Recursos Públicos; Situação de Emergência;