Análise das práticas espaciais em Presidente Prudente, Marília e São Carlos, no Estado de São Paulo 1

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Transcrição:

Análise das práticas espaciais em Presidente Prudente, Marília e São Carlos, no Estado de São Paulo 1 Clayton Ferreira Dal Pozzo Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia Univ Estadual Paulista, Presidente Prudente - Brasil cltdp@yahoo.com.br Resumo: A partir da análise da segregação e fragmentação socioespacial em três cidades de porte médio brasileiras (Presidente Prudente, Marília e São Carlos, localizadas no Estado de São Paulo), pretende-se avaliar os desdobramentos desses processos verificando o modo como se articulam e são fomentados pelo advento de novas práticas espaciais no espaço urbano contemporâneo. Os resultados da pesquisa apontam que as práticas espaciais dos sujeitos autossegregados têm contribuído para promover mudanças nos níveis de integração espacial (a partir da qual se esboçam rupturas para com a continuidade territorial) e nas relações de sociabilidade entre os citadinos. Nesse sentido, tende a haver níveis mais elevados de neutralização / oposição entre as diferenças os quais afetam a qualidade e a intensidade da sociabilidade na cidade. Como consequência, o modo de se produzir e consumir o espaço urbano tende a incorporar valores que não levam em conta o diálogo, a unidade territorial e um maior nível de justiça socioespacial. Eixo temático: Geografia Urbana. Palavras-chave: Produção do espaço; Novas práticas espaciais; Segregação socioespacial; Fragmentação socioespacial; Cidades de porte médio. Introdução O processo de reestruturação pelo qual perpassa os espaços urbanos latino-americanos, de porte médio aos padrões metropolitanos, tem se caracterizado, entre outros aspectos, tanto por rupturas no tecido urbano e diversificação do conteúdo da periferia urbana, quanto por alterações no âmbito das relações de sociabilidade entre os citadinos. No que se referem às alterações nas relações de sociabilidade, estas se refletem a partir de um maior nível de separação e distanciamento territorial entre os diferentes segmentos socioeconômicos que compõem a cidade. Incluindo-se os diferentes tipos de habitat urbanos, a separação e o distanciamento territorial também têm se manifestado considerando os espaços de consumo da cidade. A partir dos discursos e 1 Texto elaborado a partir dos resultados finais de pesquisa de Iniciação Científica e de Mestrado, sob orientação da Prof. a Dr. a Maria Encarnação Beltrão Sposito e com fomento das seguintes agências de financiamento: CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

das práticas espaciais 2 desempenhadas pelos citadinos esses aspectos têm sido traduzidos por tensionamentos e tentativas de neutralização das diferenças que coexistem na cidade. Como um dos aspectos que se apresentam advindos dessa reestruturação, há uma tendência de manutenção de iniquidades socioespaciais 3 por consequência dos efeitos desmobilizadores e em detrimento da perspectiva de uma produção coletiva e equânime das cidades. Em síntese, a cidade é cada vez mais produzida considerando as demandas apresentadas por suas partes e/ou interesses particulares de grupos de indivíduos e, de um modo geral, esboçam-se poucas aberturas no âmbito do desenvolvimento da unidade territorial da cidade. A ausência de confrontos e conformismos diante de um quadro de acentuadas desigualdades socioespaciais e, de modo mais recente (ao longo das duas últimas décadas, sobretudo) de fragmentação socioespacial no espaço urbano de portes médio a padrões metropolitanos, tendem a esboçar projetos e/ou intencionalidades de produção da cidade irreconciliáveis, bem como, neutralização e naturalização dos diferentes segmentos socioeconômicos que compõe a cidade. Esses aspectos também tendem a se desdobrar a partir de uma vida cotidiana programada a partir da qual se permite poucas aberturas e possibilidades de contatos o que, em grande medida, induz ao esvaziamento do sentido da alteridade pela reafirmação da intolerância e pelo reforço dos individualismos característicos do espaço urbano contemporâneo (DAL POZZO, 2010, p. 9). Com base nisto, queremos enfatizar a importância da realização de estudos por meio dos quais se possam alcançar novos elementos para análise dos processos de reestruturação das cidades (em sentido amplo) e de fragmentação socioespacial (em sentido mais estrito), bem como, o efeito desse último processo no âmbito da permanência e neutralização das desigualdades socioespaciais. De modo articulado, portanto, propomos analisar tanto a difusão de novas práticas espaciais com o intuito de averiguar de que modo elas têm contribuído com o processo de fragmentação socioespacial no espaço urbano contemporâneo e, mais especificamente, em três cidades de porte médio brasileiras, quais sejam, Presidente Prudente, Marília e São Carlos, localizadas no Estado de São Paulo. 2 De acordo com Janoschka e Glasze (2003, p. 16-17), as práticas espaciais compreende o conjunto de atividades realizadas cotidianamente pelos sujeitos envolvendo os locais utilizados para a moradia, trabalho, formação/educação, consumo de bens e de serviços e realização do lazer. No âmbito do estudo dos processos de fragmentação socioespacial, a análise das práticas espaciais, compreendendo a identificação de itinerários, escolhas locacionais, níveis diferenciados de acessibilidade e poder de consumo no espaço e de consumo do espaço, também deve avaliar o grau de interação espacial, bem como a qualidade dos contatos/interações sociais que se realizam no espaço. 3 A partir dos objetivos de nossa pesquisa, a ideia de equidade tem por base o atendimento na proporção do necessário a citadinos que pelas suas diferenças não têm as mesmas necessidades. A iniquidade seria a negação deste princípio, ou seja, seria dotar melhor os espaços da cidade que já são aqueles onde moram os privilegiados.

Desdobramentos da segregação socioespacial no espaço urbano contemporâneo Durante as últimas décadas de produção de espaços urbanos de porte médio a padrões metropolitanos, brasileiro, vem ocorrendo um conjunto de mudanças que se expressam a partir de novas lógicas, estratégias e práticas espaciais. Parte dessas mudanças vincula-se à criação de demandas e à oferta de novos produtos imobiliários como a difusão de grandes equipamentos comerciais e de serviços, e novos habitat urbanos, os quais tendem a se constituir como formas urbanas dispersas. Com a difusão de descontinuidades e contiguidades territoriais imputadas às formas espaciais que são cada vez mais remetidas às funções de monitoramento e restrições (que, em grande medida, associam-se a processos de controle da circulação e dos comportamentos dos citadinos), têm-se contribuído com novos elementos, no âmbito da realização de práticas espaciais e lógicas relacionadas à primazia do consumo e da valorização imobiliária, que permitem apontar para uma reestruturação das cidades. Entre outros aspectos, esse processo de reestruturação tem sido acompanhado por: 1º. Novas lógicas locacionais segundo os interesses de valorização imobiliária dos agentes de produção do espaço urbano, nos termos e análises apresentados por Corrêa (2005); 2º. Pelos usos - como aqueles relacionados às novas escolhas de percursos urbanos analisados por Pereira (2006) - e pela tendência de que os espaços públicos consubstanciem-se, pela mitigação dos encontros e da sociabilidade, bem como, do reconhecimento das diferenças que coexistem na cidade, como espaços nos quais se valorizam, preponderantemente, a circulação; 3º. Pelo consumo segmentado da cidade em detrimento de sua plena apropriação (DAL POZZO, 2008; 2011), tendo em vista que, juntamente como esse consumo segmentado, também há o consumo dos signos pelos quais se permite exercer a exacerbação do individualismo e de se distanciar de questões mais gerais ao bem-estar comum dos citadinos (BAUDRILLARD, 2009, p. 24-27). Essas dinâmicas têm se acentuado pela articulação de dois aspectos analisados por Corrêa (2005): 1º. Pela indução a uma segregação imposta (que se consubstancia pela produção de espaços segregados, de acordo com os objetivos de nossa pesquisa) junto aos segmentos sociais de menor poder aquisitivo, os quais, o poder de escolha de onde e como morar, tende a ser reduzidos; 2º. Pela opção à autossegregação: processo representativo da implantação de espaços autossegregados voltados a atender demandas de moradia dos segmentos de mais alto poder aquisitivo.

Articulado à questão residencial, ao qual se vinculam processos de segregação imposta e autossegregação, tem havido a adição de novas práticas espaciais de consumo segmentado na cidade, levando a alterações significativas no âmbito da qualidade e intensidade das relações de sociabilidade entre os citadinos. Nesse sentido, novas lógicas de consumo associadas a processos de segregação socioespacial permitem esboçar, no bojo da reestruturação das cidades, elementos que indicam a constituição de uma fragmentação socioespacial, como expressão da separação, distanciamento e indiferença entre os citadinos e, consequentemente, aprofundando as desigualdades socioespaciais na cidade. No bojo desse processo, podemos considerar que o padrão de segregação socioespacial do tipo centro-periferia alterou-se consideravelmente ao longo das últimas décadas (CALDEIRA, 2000) e, nesse sentido: A distância entre os desiguais, na cidade, não se opera mais, predominantemente a partir da lógica de periferização dos mais pobres e de destinação, aos mais ricos, das áreas centrais e pericentrais, as melhores dotadas de meios de consumo coletivo (infraestruturais, equipamentos e serviços urbanos). Os sistemas de segurança urbana oferecem condições para que a separação possa se aprofundar, ainda que justaponham, no centro e na periferia segmentos sociais com níveis desiguais de poder aquisitivo e com diferentes interesses de consumo (SPOSITO, 2011, p. 141). As desigualdades socioespaciais têm sido intensificadas pelos impactos da fragmentação socioespacial e, desse modo: (...) para se compreender a realidade contemporânea, não apenas nas metrópoles, mas em cidades de diferentes portes e que têm níveis diversos de complexidade na combinação de seus papeis urbanos, pode-se falar de um processo que não é mais apenas de segregação socioespacial, nela incluída as iniciativas de autossegregação. Trata-se [, portanto,] de aprofundamento das desigualdades, negando as possibilidades de diálogo entre as diferenças, o que justifica a adoção da noção de fragmentação socioespacial (...). (SPOSITO. 2011, p. 142). O processo de fragmentação socioespacial se expressa, em grande medida, pela combinação entre segregação socioespacial e novas centralidades urbanas, bem como, por novas práticas espaciais permeadas por mecanismos de controle social 4 e que se difundem no âmbito do uso e consumo da cidade. 4 O debate sobre os mecanismos de controle social contemporâneos ao qual esse artigo se apoia baseia-se, fundamentalmente, nas pesquisas entorno do controle disciplinar do espaço desenvolvidas por Foucault (1977; 1979) e, mais recentemente, da sociedade de controle, proposto por Deleuze (1992).

Além disso, os processos de segregação e de fragmentação socioespacial negam e contribuem para redefinir a centralidade urbana transformando-a em centralidade segmentada social e funcionalmente (SPOSITO, 2011, p. 138). A partir dos estudos que vimos realizando 5, essas novas lógicas de produção e consumo do espaço urbano se relacionam, em grande medida, com a tendência de perda da preponderância do uso e consumo diversificado que se realiza no centro tradicional, pela multiplicação de novas centralidades urbanas, sobretudo, na periferia do espaço urbano das cidades de porte médio. As desigualdades assim redimensionadas revelam as diferenças de poder de consumo ou de capacidade de decisão ou de possibilidade de apreensão do espaço (SPOSITO, 2011, p. 129) e, nesse sentido: (...) não há unidade espacial, porque a ação sobre o espaço e a sua apropriação são sempre parcelares, na cidade atual. Diferentes pessoas movimentam-se e apropriam-se do espaço urbano de modos que lhes são peculiares, segundo condições, interesses e escolhas que são individuais, mas que são, também, determinados historicamente, segundo diversas formas de segmentação: idade, perfil cultural, condições socioeconômicas, segmentação profissional, preferências de consumo de bens e serviços etc. (SPOSITO, 2011, p. 134). Articulando-se às análises das formas urbanas (resultantes dos processos de diferenciação e de segregação socioespacial) e das novas centralidades urbanas, esses argumentos também apontam para a necessidade de se avaliar os reais impactos das novas práticas espaciais, no âmbito da consolidação de redes socioespaciais seletivas e consumo segmentado da cidade, para expressar as características da fragmentação socioespacial no espaço urbano contemporâneo e, mais especificamente, nas cidades de porte médio, objeto de nossa pesquisa. Autossegregação em cidades de porte médio O estudo da fragmentação socioespacial em cidades de porte médio, considerando os apontamentos realizados por Schmit (2003), deve levar em consideração que esse processo (em comparação com as áreas metropolitanas latino-americanas) vem ocorrendo num grau de intensidade menor e a partir de ritmos próprios. Trata-se de afirmar, portanto, que a tendência à fragmentação socioespacial não é exclusiva dos espaços urbanos de padrões metropolitanos e, nesse sentido, sua complexidade e especificidades também tem sido alvo de pesquisas como aquelas realizadas por Frediani (2003), Sposito (2006b; 2007) e Zandonadi (2008). Dal Pozzo (2008; 2011) e Dal Pozzo e Sposito (2009). 5 Cf. Dal Pozzo (2008; 2009; 2011).

O estudo da fragmentação socioespacial considerando Presidente Prudente, Marília e São Carlos - representativas de portes demográficos (cerca de 200 mil habitantes, de acordo com o Censo Demográfico 2010, do IBGE) e ritmos de crescimento populacional urbano semelhantes durante as três últimas décadas, porém, com situações geográficas e morfologias urbanas distintas 6 no Estado de São Paulo - pode contribuir para evidenciar (em comparação com os espaços urbanos metropolitanos) as semelhanças, mas também, diferenças, no que se refere às particularidades e singularidades desse processo, em cidades de porte médio. Mapa 1 São Paulo: Localização das três cidades de porte médio pesquisadas Nessas três cidades de porte médio a implantação de espaços autossegregados, voltados a atender demandas de moradias dos segmentos de mais alto poder aquisitivo, tendem a se concentrar em determinados setores do espaço urbano. Em Presidente, esses habitat urbanos se concentram no 6 Dentro dessa perspectiva, Presidente Prudente possui um elevado nível de centralidade urbana, sobretudo, pela relevância de seus papéis comerciais e de serviços e por se caracterizar como a única cidade desta importância e tamanho num raio de mais de 150 km. Já Marília vem obtendo ampliações em sua participação relativa concernente à composição do PIB industrial paulista. Por sua vez, São Carlos obtém pouco destaque em termos de centralidade interurbana por consequência de sua proximidade com outras cidades de porte semelhante a ela, mas, por outro lado, tem destaque na perspectiva de um polo tecnológico pela tendência de concentração de centros de pesquisa no Município. No que se refere às morfologias urbanas, Presidente Prudente e Marília caracterizam-se como centros urbanos que ainda não compõem aglomerações urbanas e apresentam descontinuidades territoriais com uma estruturação mononuclear e com formas urbanas do tipo ameba. Além disso, em Marília, pelas características de seu sítio urbano, marcado por escarpas festonadas, impõem-se limites a uma dispersão urbana observada, em níveis mais intensos em Presidente Prudente. Já em São Carlos, também se nota uma expansão urbana em descontinuidade territorial, porém, nota-se uma aglomeração urbana com a cidade de Araraquara conformando uma morfologia urbana do tipo eixo (SPOSITO, GOES e SOBARZO, 2006; SPOSITO, 2004).

Setor Sul; Em Marília, concentram-se no Setor Leste. Já em São Carlos, os espaços autossegregados tendem a se concentrar no Setor Noroeste e Norte. Mapa 2 Presidente Prudente: Evolução da implantação de espaços autossegregados

Mapa 3 Marília: Evolução da implantação de espaços autossegregados

Mapa 4 São Carlos: Evolução da implantação de espaços autossegregados Como pode ser analisado a partir dos distintos períodos de implantação, a produção e o consumo de espaços autossegregados nestas três cidades de porte médio são relativamente novos, tendo se iniciado a partir de meados da década de 1970. Entretanto esse tipo de habitat urbano começa a ser lançado e efetivamente ocupado em um ritmo mais intenso somente a partir de meados da década de 1990.

Além disso, os setores preferenciais de localização e efetiva ocupação de espaços autossegregados enseja uma clara oposição a partir de um relativo distanciamento estabelecido com os setores na qual predominantemente se localizam os espaços segregados. Em Presidente Prudente, esses respectivos espaços tendem a se localizar predominantemente no Setor Norte e, em menor medida, no Setor Leste. Em Marília, se localizam no Setor Norte e Sul. Já em São Carlos, estes se localizam de modo predominante, no Setor Sudoeste. Para além das barreiras impostos pelas portarias e muros que circundam os espaços autossegregados, os processos de distanciamento socioespacial com os espaços segregados também são acentuados tanto por determinadas características do sítio urbano (1º. escarpas fortemente festonadas em Marília que impedem um maior nível de conexão entre loteamentos que se distinguem do ponto de vista do conteúdo socioeconômico predominante; 2º. setores em Presidente Prudente [Setor Leste] e São Carlos [Setor Sudoeste] caracterizados ou acessados a partir de declividades acentuadas), bem como, por sistemas de distinção socioespacial historicamente estabelecidos (tanto em Presidente Prudente, quanto em São Carlos) a partir do traçado das ferrovias no espaço urbano. Nos setores com tendência de concentração de espaços autossegregados, também se evidencia uma clara preferência pela implantação de grandes equipamentos comerciais e de serviços. Em Presidente Prudente, o Prudenshopping e mais cinco grandes supermercados estão localizados no Setor Sul. Em Marília, o Esmeralda Shopping e grandes supermercados se localizam no Setor Leste. Em São Carlos, o Shopping Iguatemy localiza-se no Setor Noroeste, em área contígua a espaços autossegregados. Deste modo, os moradores de espaços autossegregados tem a possibilidade de estabelecer práticas espaciais considerando apenas algumas porções delimitadas da cidade. Nesse sentido, a articulação entre autossegregação e novas centralidades urbanas contribuem com o processo de fragmentação socioespacial a partir de um efetivo afastamento para com as demais porções do espaço urbano, sobretudo àquelas predominantemente voltadas a atender demandas de moradia dos segmentos de mais baixo poder aquisitivo. O tensionamento e oposição entre os espaços autossegregados e espaços segregados, entre outros aspectos a serem levantados e analisados, estabelecem-se na medida em que, a este último tipo de habitat urbano, tende a estar imputado um maior nível de sensação de insegurança urbana e de estigmatização socioespacial (GOES, 2011). Ambos os processos tem comparecido como algumas das principais justificativas para a realização de práticas de afastamento espacial e de um relativo evitamento.

O processo de evitamento - ou, em outros termos, de escapismo das elites analisado por Souza (2000, p. 201-207) - exercido, sobretudo, pelas famílias que moram em espaços autossegregados é relativo na medida em que há a necessidade de se estabelecer relações, essencialmente no âmbito da contratação e prestação de serviços, junto a uma parcela dos sujeitos (prestadores de serviços) que habitam em espaços segregados. Essa proximidade cotidianamente estabelecida dentro de uma relação contratual de trabalho, em geral, não propicia aberturas para que haja contatos e compartilhamento de significados mais duradouros entre as diferenças e, muito menos, para que haja um interesse no processo de apreensão das desigualdades socioespaciais que coexistem na cidade. Essa argumentação torna-se fundamental na medida em que é preciso refutar a ideia de que possa haver, nos espaços urbanos latino-americanos, uma segregação ou uma fragmentação total de determinados grupos socioeconômicos na cidade. A partir das ponderações apontadas por Souza (2008, p. 55-58), podemos considerar que a segregação e a fragmentação se estabelecem em determinadas dimensões da realidade, bem como, se expressam em detrimento delas. Nesse sentido, a adjetivação socioespacial, no âmbito da indissociabilidade entre a produção da cidade e das relações de sociabilidade entre as diferenças, aponta duas dimensões privilegiadas da realidade (a social e a espacial) pelas quais os impactos da segregação e da fragmentação tornam-se mais visíveis. Trata-se, portanto, de um processo de segregação socioespacial e de fragmentação socioespacial que se combina para expressar não apenas uma diminuição da quantidade, mas também, de uma maior seletividade (por meio do qual se altera tendencialmente, a qualidade) das relações socioespaciais estabelecidas entre os citadinos. Os desdobramentos desses processos, portanto, podem assim ser explicitadas a partir da identificação, mapeamento e análise das práticas espaciais dos sujeitos que moram nesses distintos habitats urbanos. No caso de nossa pesquisa, a ênfase recai apenas sobre a análise das práticas espaciais dos sujeitos autossegregados e, nesse sentido, salientamos a importância da realização de novas pesquisas às quais possam permitir um maior nível de comparação entre as práticas espaciais realizadas por moradores de distintos habitat urbanos. A análise das práticas espaciais, na medida em que possa ser reveladora de relações socioespaciais seletivas e de um consumo cada vez mais segmentado, considerando o conjunto da cidade, pode contribuir para esboçar um aspecto fundamental da fragmentação socioespacial, qual seja, de delinear os territórios, por vezes, articulados em rede, na qual esse processo se expressa.

Fragmentação socioespacial em cidades de porte médio: Uma análise a partir das práticas espaciais dos sujeitos autossegregados Mapa 5 Presidente Prudente: Práticas espaciais dos sujeitos autossegregados

Mapa 6 Marília: Práticas espaciais dos sujeitos autossegregados

Mapa 7 São Carlos: Práticas espaciais dos sujeitos autossegregados Os três últimos mapas sintetizam um conjunto de práticas espaciais realizadas por moradores de espaços autossegregados em distintos momentos. Deste modo, o Mapa 5 é resultado de nossa pesquisa em nível de Iniciação Científica realizada no ano de 2007 em Presidente Prudente. Já os Mapas 6 e 7 são resultados de nossa pesquisa em nível de Mestrado realizada no ano de 2010.

Embora haja mais semelhanças do que diferenças, o Mapa 5 se diferencia dos Mapas 6 o e 7 por contemplar uma análise comparativa das práticas espaciais dos sujeitos que moram em loteamentos fechados (voltados aos segmentos de mais alto poder aquisitivo, nas quais suas indicações espaciais estão representadas por esferas em tons de azul) e aqueles que moram em condomínios horizontais (voltados aos segmentos de menor poder aquisitivo, nas quais suas indicações espaciais de uso e consumo da cidade estão representadas por esferas em amarelo). As distâncias socioeconômicas são mais acentuadas entre os moradores de loteamentos fechados e condomínios horizontais em Presidente Prudente do que aqueles presentes em Marília e São Carlos (classificados a partir de duas categorias: os espaços autossegregados de médio poder aquisitivo, representado por indicações espaciais em vermelho, e os de mais alto poder aquisitivo, representado por tons de amarelo, e que, portanto, também se diferenciam segundo grupos de espaços autossegregados que estabelecem certa proximidade espacial entre si). O conjunto de indicações espaciais, representativas das práticas espaciais dos sujeitos autossegregados, foi coletado a partir de questionários e os dados foram posteriormente tabulados e mapeados. Em Presidente Prudente estes questionários foram encaminhados à totalidade dos moradores a partir dos funcionários que realizam a entrega de correspondência nos respectivos espaços autossegregados. Já em Marília e São Carlos, pela dificuldade em obter autorizações junto aos síndicos e administradores dos espaços autossegregados, optamos por encaminhar os respectivos questionários via correio a partir dos endereços residenciais publicados em listas telefônicas municipais. Em Presidente Prudente, obtivemos cerca de 15% de retorno de questionários. Já em Marília e São Carlos este percentual foi de cerca de 11%. Evidentemente, não conseguimos atingir uma amostra estatisticamente representativa do fenômeno a ser estudado. Em termos qualitativos, as informações disponibilizadas a partir dos questionários respondidos, devidamente tabuladas, nos permitiram apontar vários indícios e tendências na direção da compreensão dos processos a que nos propomos a estudar. Nas três cidades pesquisadas, é notória a concentração do conjunto das práticas espaciais dos sujeitos autossegregados de mais alto poder aquisitivo em algumas porções bem delimitadas do espaço urbano o que, em grande medida, reforça a tendência de constituição de verdadeiros territórios da autossegregação pela articulação tanto do âmbito dos espaços de moradia, bem como, dos espaços de consumo em geral, da cidade.

Em Presidente Prudente, o conjunto das práticas espaciais dos moradores de espaços autossegregados voltados aos segmentos de mais alto poder aquisitivo se circunscrevem dentro de uma área conformada pelo conjunto de seis avenidas principais que se articulam e convergem para o Centro. Em Marília, também é notório a importância de duas avenidas presentes no Setor Leste e que, além de proporcionar acesso aos espaços autossegregados aí localizados, também servem como um importante eixo na qual se distribuem uma expressiva parcela das práticas espaciais dos sujeitos autossegregados o que, em grande medida, tendem a reforçar as novas centralidades urbanas, presentes nessas respectivas vias de acesso. Embora as práticas espaciais dos sujeitos autossegregados de mais alto poder aquisitivo também se realizam de modo expressivo considerando o Centro tradicional de Presidente Prudente e Marília, há uma clara tendência da perda da preponderância do uso do Centro pelo expressivo fomento às novas centralidades urbanas que se localizam em proximidade e, sobretudo, ao longo das principais vias de acesso aos espaços autossegregados. Por outro lado, torna-se evidente que o uso e o consumo do Centro de São Carlos continuam mantendo importância pela expressividade das práticas espaciais desempenhadas pelos moradores de espaços autossegregados nesta respectiva área do espaço urbano. Contudo, há uma expressiva tendência de constituição de fragmentação socioespacial, sobretudo, no Setor Noroeste, pela expressividade das práticas espaciais aí desempenhadas pelos moradores dos espaços autossegregados desse respectivo setor. A presença do Shopping Iguatemy implantado em contiguidade com um conjunto de espaços autossegregados, portanto, tem contribuído decisivamente para a constituição de uma fragmentação socioespacial do tipo enclave, nos termos estabelecidos por Caldeira (2000). De um modo geral, o conjunto das práticas espaciais dos sujeitos autossegregados do Grupo 3, em Presidente Prudente, bem como, daqueles moradores em espaços, autossegregados voltados aos segmentos de médio poder aquisitivo em Marília e São Carlos denotam que, embora possam contribuir para a constituição da fragmentação socioespacial, o peso de suas participações torna-se consideravelmente menor do que aqueles sujeitos moradores de espaços autossegregados voltados aos segmentos de mais alto poder aquisitivo, sobretudo, porque o conjunto de suas práticas espaciais se realiza considerando uma área mais extensiva do espaço urbano dessas três cidades.

No processo de definição dos níveis de fragmentação socioespacial em cidades de porte médio também comparece o grau de oposição entre os territórios de autossegregação e de segregação imposta. Em São Carlos, muito embora, haja uma grande oposição em relação ao Setor Sudoeste e, em especial, aos territórios de segregação imposta que aí se localizam, o mesmo não ocorre de modo igualmente intenso, com os demais setores do espaço urbano. Em Marília, considerando as características de seu sítio urbano, houve mais elementos para reforçar as descontinuidades territoriais. Além disso, nesta cidade, houve um número maior de casos representativos de processos de favelização e que tenderam a se localizar em áreas próximas às escarpas, sobretudo nas Zonas Sul, Norte e Oeste. O processo de oposição/neutralização entre os territórios de autossegregação e de segregação imposta se realiza, com exceção do Centro, nestas respectivas Zonas opondo-se, portanto, a uma área urbana mais extensa do que a oposição que se realiza em São Carlos 7. As características que possibilitam definir a fragmentação socioespacial em Presidente Prudente, Marília e São Carlos remetem para tendências de uma integração espacial limitada e circunscrita, alterações na preponderância do consumo do Centro em favor de novas centralidades (e, portanto, dos territórios de autossegregação) e um grau acentuado de oposição/neutralização com determinadas parcelas do espaço urbano, representativas de uma segregação imposta. Além disso, a tendência à aglomeração de espaços residenciais fechados em algumas porções do espaço urbano e a circunscrição das práticas socioespaciais dos sujeitos autossegregados associadas ao aparecimento de novas centralidades urbanas, contribuem para acentuar o processo de consumo segmentado na cidade. Com base nesse conjunto de aspectos e somando com as características do sítio urbano, o nível de fragmentação socioespacial que se esboça no espaço urbano de Marília tende a ser mais acentuado do que a fragmentação que se realiza em São Carlos e em Presidente Prudente. 7 Cabe salientar ainda que as informações relativas aos territórios de segregação imposta foram extraídas a partir da indicação das principais áreas preteridas pelos moradores de espaços autossegregados de Marília e de São Carlos. Embora as informações relativas às principais áreas preteridas pelos moradores de espaços autossegregados de Presidente Prudente não tenham sido levantadas a partir dos questionários aplicados, identificamos os territórios de segregação imposta em Presidente Prudente por outros meios, quais sejam, os Mapas de Inclusão/Exclusão social de Presidente Prudente, publicados pelo CEMESPP a partir da análise dos dados de setores censitários do IBGE para o ano de 2000.

Considerações finais A partir da análise destes processos de fragmentação socioespacial, podemos considerar que, no âmbito político, o reconhecimento das desigualdades sociais, bem como, as possibilidades de superação delas, tendeu a não estar presente nos discursos dos sujeitos autossegregados. De modo menos expressivo ainda, não foi possível vislumbrar aberturas de um projeto coletivo da cidade que estivesse pautado politicamente na equidade socioespacial, pelo contrário, o fomento aos processos de fragmentação socioespacial representam uma força contra a própria ideia de cidade. Esse aspecto da fragmentação socioespacial se traduz a partir de um menor nível de compartilhamento de significados e de territórios entre os citadinos e, sobretudo, entre o morador da cidade aberta (em especial, os citadinos mais pobres) e o morador autossegregado (em geral, pertencentes aos segmentos de médio a alto poder aquisitivo). A fragmentação socioespacial orientada por essas dimensões, portanto, opõe-se à perspectiva de mistura e coesão social da cidade, a qual, a partir de princípios políticos e democráticos, poderia contribuir com o processo de superação de seus elevados níveis de desigualdades socioespaciais, por melhores condições de justiça e equidade socioespacial. Referências CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34/Edusp, 2000. CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 4. ed. São Paulo: Ática, 2005. DAL POZZO, Clayton Ferreira. Territórios de autossegregação e de segregação imposta: fragmentação socioespacial em Marília e São Carlos. Presidente Prudente, 2011. 316 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP.. Produção capitalista do espaço e urbanização: modernidade e pós-modernidade no contexto de estruturação da cidade na perspectiva do espaço abstrato. Geografia em Atos. Presidente Prudente: UNESP, v. 2, n. 9. jul-dez, 2010. Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/revistas/geografiaematos/edicao_n9v2.php> Acesso em: 21 nov. 2012. ; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Fragmentação socioespacial e novas centralidades urbanas: análise do uso do solo urbano no entorno dos espaços autossegregados em Presidente Prudente - SP Brasil. In: Encuentro de Geógrafos de América Latina, 12., Montevidéu: Easy Planners, 2009. Disponível em: <http://egal2009.easyplanners.info/area05/5161_dal_pozzo_clayton_ferreira.pdf>. Acesso em: 01 out. 2012.. Fragmentação socioespacial: análise práticas socioespaciais dos sujeitos auto-segregados em Presidente Prudente - SP. Presidente Prudente: UNESP, 2008. 1 CD-ROM (Monografia de Bacharelado).

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