VÍNCULO EMPREGATÍCIO Do conjunto de subsídios existentes nos autos, resta evidente que os serviços prestados pelo reclamante se inseriam nos fins lucrativos da reclamada (limpeza e ajuda na cozinha, servir café da manhã e almoço para os hóspedes, ajudar a camareira na limpeza e arrumação dos quartos). Nesse contexto, mantenho a r.decisão de 1º grau que declarou nulo o contrato de trabalho doméstico e reconheceu o vínculo de emprego do reclamante com a 1ª ré nos períodos de 30.03.2009 a 27.10.2009 e 01.04.2010 a 10.04.2011. HORAS EXTRAORDINÁRIAS A divergência entre o horário apresentado em sede de contestação e o depoimento pessoal da ré demonstra o desconhecimento dos fatos e implica a confissão ficta, nos termos do art. 843, 1º, da CLT, c/c o art. 343, 2º, do CPC. Sinale-se que tal presunção poderia ter sido afastada pelo conjunto probatório dos autos, porém desse ônus a ré não se Pág.1
desincumbiu. RESCISÃO CONTRATUAL Faço a mesma leitura do julgador sentenciante. Em que pese o TRCT confeccionado pela ré (fl. 17) ter apresentado como causa do afastamento: pedido de demissão, o mesmo é inválido, pois nele não há a chancela do sindicato de classe ou do Ministério do Trabalho, como exige o artigo 477, parágrafo 1º, da CLT. MULTA PREVISTA NO ART. 467 DA CLT A condenação na multa do art. 467 da CLT decorre da ausência de pagamento das parcelas rescisórias tidas por incontroversas na primeira oportunidade em que o reclamado comparece a esta Justiça Especializada, geralmente quando da audiência inicial. Tendo em vista que a ré nega a existência de vínculo empregatício nos moldes da CLT, considerando o empregado como doméstico, descabe a condenação ao pagamento da multa prevista no art. 467 da CLT, por não haverem parcelas incontroversas. Pág.2
Vistos, relatados e discutidos os autos do Recurso Ordinário em que são partes: LA SUÍTE ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS PRÓPRIOS LTDA, como recorrente e MÁRCIO DE ASSIS SOUZA e RODRIGO HAROLDO SOUZA DE ANDRADE, como recorridos. RELATÓRIO: Trata-se de Recurso Ordinário, fls. 64/72, interposto pela 1ª ré, em face da sentença de fls. 54/59, da lavra da Juíza Raquel Pereira de Farias Moreira que julgou procedentes em parte os pedidos contidos na presente ação trabalhista. Busca o recorrente a reforma da r.sentença em relação aos seguintes temas: vínculo empregatício, horas extraordinárias (1º contrato), horas extraordinárias (2º contrato), rescisão contratual, FGTS, multa prevista no art. 467 da CLT, recolhimentos fiscais e previdenciários. O autor apresentou contrarrazões, fls. 77/78. Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho, por ausentes as hipóteses específicas de intervenção. É o relatório. Pág.3
VOTO: CONHECIMENTO Tempestivo e regular, conheço do recurso ordinário interposto, por atendidos os requisitos legais de admissibilidade. MÉRITO Para melhor entendimento, seguem algumas informações. O reclamante ajuizou ação em face de 3 réus: La Suíte (1ª reclamada), Rodrigo Haroldo Souza de Andrade (2º réu) e François Phillipe Marie Dussol (3º réu). Em sua CTPS, os dois períodos de trabalho foram anotados na função de mordomo (trabalhador doméstico), sendo o empregador Rodrigo Haroldo Souza de Andrade (2º réu). Na audiência realizada em 10.05.2012 (fl. 32), o autor desistiu do feito em relação ao 3º réu (François Phillipe Marie Dussol). O 2º réu foi declarado revel e confesso quanto à matéria fática. Não houve pedido de contrato único, sendo demonstrada a solução de continuidade entre os contratos (30.03.2009 a 27.10.2009 e 01.04.2010 a 10.04.2011). Por fim, vale o registro de que não há prescrição a ser declarada, a recorrente sequer suscita tal prejudicial, já que tendo vigorado o 1º contrato de 30.03.2009 a 27.10.2009 e ajuizada a presente ação em 27.10.2011, não há que se falar em prescrição. VÍNCULO EMPREGATÍCIO Pág.4
Insurge-se a 1ª ré contra a decisão que declarou a nulidade dos contratos de trabalho domésticos com o 2ª réu (Rodrigo Haroldo Souza de Andrade) e reconheceu o liame empregatício com a 1ª reclamada (La Suíte). Examino. Registre-se que o autor informou ter firmado 2 contratos (de 30.03.2009 a 27.10.2009 e de 01.04.2010 a 10.04.2011). Sobre o tipo de serviço prestado narrou que em sua peça exordial, fl. 03: O autor exercia as suas funções nas dependências da 1ª reclamada que tem como atividade fim servir como pousada de luxo recepcionando turistas e demais interessados em hospedar-se na cidade do Rio de Janeiro. Assim sendo, o reclamante servia os hóspedes e fazia limpeza e arrumação dos quartos. A1ª ré, sem sede de contestação, fl. 39/45, sustenta que: Jamais ofereceu alojamento temporário para hóspedes mediante adoção de contrato tácito ou expresso, conforme definido pelo art. 55 do mencionado Decreto, não sendo portanto estabelecimento hoteleiro O depoimento pessoal prestado pelo sócio (François Phillipe Pág.5
Marie Dussol) é bastante elucidativo: o reclamante trabalhou para o depoente como empregado doméstico/faxineiro, em dois períodos que são os que estão anotados em sua CTPS. Que o depoente desde a época em que o reclamante lhe prestou serviços aluga alguns quartos como hospedagem domiciliar, que o reclamante não limpava os quartos, que o reclamante fazia a limpeza da frente da casa, do jardim, que o reclamante era faxineiro da casa, mas não limpava os quartos, pois havia uma camareira que fazia esse serviço, que o reclamante também não ajudava fazendo comida, mas limpava a cozinha, que a cozinha era usada apenas para uso particular do depoente e de sua família, mas era servido café da manhã para os hóspedes, que em sua residência não havia um bar, que eram servidas bebidas aos hóspedes ao longo do dia se estes solicitassem, que já aconteceu de o reclamante servir essas bebidas convidada pelo autor, fl. 52: Transcrevo, ainda, um trecho do depoimento da testemunha que via o reclamante ajudar na cozinha, ou seja, limpando a cozinha, servindo café da manhã e almoço Pág.6
para os hóspedes, ajudando a camareira na limpeza e arrumação dos quartos Preceitua o art. 1º da Lei 5859/72 que é empregado doméstico aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas. Do conjunto de subsídios existentes nos autos, resta evidente que os serviços prestados pelo reclamante se inseriam nos fins lucrativos da 1ª reclamada (limpeza e ajuda na cozinha, servir café da manhã e almoço para os hóspedes, ajudar a camareira na limpeza e arrumação dos quartos). Ademais, no local da prestação de serviços, embora seja a residência de um dos réus, funciona uma pousada. Há, inclusive, site da ré (http://www.lasuiterio.com/), com apresentação de quartos, local para se fazer reserva, telefone e endereço de contato. O 1º período de labor do reclamante é incontroverso (de 30.03.2009 a 27.10.2009). No tocante ao 2ª período, verifico que a CTPS do autor faz menção às seguintes datas: 08.04.2010 a 10.04.2011, porém o TRCT informa a data de admissão como sendo 01.04.2010 e afastamento 10.04.2011. Considerando que sobre o segundo período não houve impugnação específica em sede de contestação, mantenho a decisão que considerou como 2º período de contrato de trabalho como sendo de 01.04.2010 até 10.04.2011, ante a confissão ficta. Pág.7
Nesse contexto, mantenho a r.decisão de 1º grau que declarou nulo o contrato de trabalho doméstico e reconheceu o vínculo de emprego do reclamante com a 1ª ré nos períodos de 30.03.2009 a 27.10.2009 e 01.04.2010 a 10.04.2011. Registro, por fim, que a ré afirma que não há que se falar em recolhimento ou pagamento do FGTS e tradição das guias do seguro-desemprego porque não restou comprovado que o autor fosse empregado nos moldes celetista, ou seja, afirma a ré que sendo o vínculo entre as partes configurado como empregado doméstico, não faz jus o autor ao pagamento de FGTS e segurodesemprego. Ocorre que, levando-se em consideração a manutenção da decisão de 1º grau que declarou nulo o contrato de trabalho doméstico, restam prejudicados tais pedidos de reforma. Nego provimento. HORAS EXTRAORDINÁRIAS extraordinárias. Pleiteia a ré a reforma da decisão em relação às horas Analiso. reclamante: Em sua peça preambular, sobre a jornada de trabalho, noticiou o Pág.8
1º contrato (30.03.2009 a 27.10.2009) trabalhava das 07:30 às 00:00; de segunda a domingo, com 1 hora de intervalo para descanso e alimentação, com uma folga semanal, sendo uma delas no domingo. 2º contrato (01.04.2010 a 10.04.2011) trabalhava nos primeiros 6 meses laborou no horário das 12:00 às 00:00 e no segundo semestre das 07:00 às 17:30, de segunda a domingo, com 1 hora de intervalo para descanso e alimentação, com uma folga semanal, sendo uma delas no domingo A 1ª ré alega, em sede de contestação, que, fl. 43: a bem da verdade, o autor laborou para o sócio da ora contestante, cumprindo jornada de 14:00 às 20:00 horas, folgando aos domingos, sendo o sábado dia útil não trabalhado, gozando, ainda, de uma hora de pausa intrajornada A 1ª ré em depoimento pessoal afirmou, fl. 51: que o reclamante trabalhou, no primeiro período, de segunda a domingo, com uma folga semanal, sendo um Pág.9
domingo no mês, de 8ha às 16hs ou 17hs e, no segundo período, de 12hs às 18hs, de segunda a domingo, com uma folga semanal, sendo um domingo no mês A testemunha convidada pelo reclamante, que trabalhou em 2010, ou seja, apenas durante o 2º contrato afirmou, fl. 52: que não tinham horário pré-determinado para chegar, chegando em média entre 7hs e 8hs e saindo, em média ente 17hs e 18hs, que no começo o reclamante chegava às 12 e ficava até meia-noite, que sabe informar esse horário de saída porque o depoente dormia no local, que depois o horário do reclamante mudou, passando a ser de 07:30 às 17:30, que não se lembra quanto tempo depois houve essa mudança no horário de trabalho [...] Que na época não se recorda de quantos empregados havia, achando que eram 4 ou 5 O julgador de origem assim decidiu, fl. 57-verso: a controvérsia entre o depoimento do sócio da ré e a tese da defesa acarreta a confissão ficta da reclamada, neste particular. Fixa-se o horário de trabalho do reclamante: no primeiro contrato de trabalho, de segunda a domingo, de Pág.10
07:30 às 24hs, com uma hora de intervalo para refeição e descanso e uma folga semanal, sendo uma delas no domingo; no segundo contrato de trabalho, de 01.04.2010 a 30.09.2010, de segunda a domingo, de 12hs às 24hs e, de 01.10.2010 a 10.04.2011, de 07:30 às 17:30, sempre com 1 h de intervalo para refeição e descanso e uma folga semanal, sendo uma delas no domingo Efetivamente, a divergência entre o horário apresentado em sede de contestação e o depoimento pessoal da ré demonstra o desconhecimento dos fatos e implica a confissão ficta, nos termos do art. 843, 1º, da CLT, c/c o art. 343, 2º, do CPC. Sinale-se que tal presunção poderia ter sido afastada pelo conjunto probatório dos autos, porém desse ônus a ré não se desincumbiu. Ademais, o autor, em sua peça inicial, fez menção a dois horários diferentes, uma jornada para cada contrato. Ocorre que em sede de contestação, a ré não impugnou cada um dos períodos de trabalho, ou seja, não impugnou as horas extraordinárias de forma precisa e específica em cada um dos contratos, tendo apresentado horário único (14:00 às 20:00) sem, ao menos, delimitá-lo no tempo. Por fim, insta ressaltar que, sobre o 2º contrato, restou comprovado, com base no relato da única testemunha ouvida, o horário de trabalho informado na inicial. Pág.11
decisão de origem. Nesse contexto, diante de todas as constatações, mantenho a r. RESCISÃO CONTRATUAL Pleiteia a ré a reforma da decisão que considerou que o reclamante foi dispensado sem justa causa em relação ao 2º contrato. Ressalto que sobre a forma de rescisão do 1º contrato, não houve controvérsia. Analiso. Narrou o reclamante que, fl. 03: 2º contrato: foi admitido aos serviços das rés em 01.04.2010 (...) e dela dispensado sem justo motivo em 10.04.2011 A 1ª ré sustentou em sua defesa que, fl. 44: na conformidade dos termos de rescisão de contrato, juntados aos autos às fls. 15 e 17, tem-se comprovado que o autor pediu demissão do contrato de trabalho mantido com o sócio da reclamada, recebendo na ocasião todas as verbas a que fazia jus. Pág.12
O julgador de 1º grau assim decidiu, fl. 56 verso: Considerando que o autor possuía mais de um ano de contrato e que sua rescisão não foi homologada perante a autoridade do MTE ou o sindicato, inverte-se o ônus da prova em favor da parte autora, cumprindo à 1ª reclamada demonstrar o efetivo pedido de demissão, encargo do qual não se desincumbiu Faço a mesma leitura do julgador sentenciante. Em que pese o TRCT confeccionado pela ré (fl. 17) ter apresentado como causa do afastamento: pedido de demissão sem aviso prévio, o mesmo é inválido, pois nele não há a chancela do sindicato de classe ou do Ministério do Trabalho, como exige o artigo 477, parágrafo 1º, da CLT. A validade do pedido de demissão exige como requisito essencial que o empregado com mais de um ano de serviço seja assistido no ato de sua manifestação de vontade pelo seu sindicato de classe ou autoridade do Ministério do Trabalho (art. 477, 1º, CLT). A intenção do legislador foi preservar a autenticidade de manifestação e afastar a ausência de pressões sobre o empregado (hipossuficiente da relação de emprego) além de garantir ao mesmo assistência técnica para conferir os valores que lhe estavam sendo pagos, quando da ruptura do contrato. Nesse contexto, mantenho a r.decisão de 1º grau que considerou Pág.13
que o reclamante foi dispensado sem justa causa no 2º contrato de trabalho. Nego provimento. MULTA PREVISTA NO ART. 467 DA CLT A ré pretende a absolvição da multa do artigo 467 da CLT. Analiso. A condenação na multa do art. 467 da CLT decorre da ausência de pagamento das parcelas rescisórias tidas por incontroversas na primeira oportunidade em que o reclamado comparece a esta Justiça Especializada, geralmente quando da audiência inicial. Tendo em vista que a ré nega a existência de vínculo empregatício nos moldes da CLT, considerando o empregado como doméstico, descabe a condenação ao pagamento da multa prevista no art. 467 da CLT, por não haverem parcelas incontroversas. Dou provimento. Isto posto, conheço do Recurso Ordinário interposto pela ré e, no mérito, dou-lhe parcial provimento para absolver a condenação do pagamento da multa prevista no art. 467 da CLT, na forma da fundamentação supra. Relatados e Discutidos, ACORDAM os Desembargadores que Pág.14
compõem a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade, conhecer do Recurso Ordinário interposto pela ré e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para absolver a condenação do pagamento da multa prevista no art. 467 da CLT. Rio de Janeiro, 6 de Novembro de 2013. Desembargador Federal do Trabalho Jose Antonio Teixeira da Silva Relator Pág.15