Apelação Cível n. 2007.048925-2, de Itajaí Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. MÃE DA RÉ CONCORDE COM O PEDIDO DE EXCLUSÃO DO NOME DO PAI DECLARANTE DO REGISTRO CIVIL DE SUA FILHA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO INDISPONÍVEL (ECA, ART. 27). RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE FILHO ALHEIO. IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIO (CC/2002, ART. 1.604). LAUDO PERICIAL EXCLUINDO A PATERNIDADE. IRRELEVÂNCIA. IRREVOGABILIDADE DO ATO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça" (artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente). "O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o 'pai registral' foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto" (Ministra Nancy Andrighi). Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.048925-2, da comarca de Itajaí da Vara da Família, em que é apelante A. F. e apelada G. de S. F., representada pela mãe, E. G. de S.: ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por maioria de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, vencido o Exmo. Des. Mazoni Ferreira. Custas legais. RELATÓRIO
A. F. apelou de sentença da juíza de direito da Vara da Família da comarca de Itajaí que, em ação negatória de paternidade, movida por ele contra G. de S. F., representada pela mãe, E. G. de S., extinguiu o processo sem resolução do mérito por impossibilidade jurídica do pedido e o condenou ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios de 15% do valor da causa, suspensa sua exigibilidade por ser beneficiário da justiça gratuita. O apelante alega haver convivido, em união estável, com a mãe da apelada durante dois anos e que, no início do relacionamento, ela já estava grávida. Assim, mesmo sabendo que a menor não era sua filha, registrou-a em seu nome, pois pretendia constituir uma família. Entretanto, passado um ano de convivência more uxorio, a sociedade conjugal chegou ao fim, razão por que o ora apelante aforou esta ação, na qual sustenta a irrelevância do reconhecimento voluntário da paternidade da apelada, devendo prevalecer a busca da verdade real. Por isso, requereu a reforma da sentença para a anulação do registro civil da apelada. A representante de G. de S. F. apresentou contrarrazões (fls. 65-67), concordando com o pedido do apelante, sob a alegação de que a improcedência do pedido anulatório impedir-lhe-ia de investigar a paternidade biológica. A douta Procuradoria-geral de Justiça, em parecer subscrito pelo eminente procurador Paulo Roberto de Carvalho Roberge, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 74-78). VOTO É apelo de A. F. de sentença da juíza de direito da Vara da Família, da comarca de Itajaí que, em ação negatória de paternidade, movida por ele contra G. de S. F., representada por sua mãe, extinguiu o processo sem resolução do mérito. Entretanto, o apelante não tem razão, pois, embora haja a possibilidade de extinção do processo com julgamento do mérito quando o réu reconhece a procedência do pedido (artigo 269, II, do CPC). Entretanto isso só é admissível se o pedido é aceito por réu capaz e versar sobre direito disponível. Em tal sentido destaca-se: Caso seja feito por réu capaz e verse sobre direito disponível, o reconhecimento jurídico do pedido acarreta a automática procedência do pedido, constituindo-se em circunstância limitadora do livre convencimento do juiz. (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 10. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 516). No caso, G. de S. F. conta, hoje, 11 anos de idade (fl. 6), não sendo possível o reconhecimento da procedência do pedido, por sua mãe, pois o estado de filiação da menor é direito indisponível, nos termos do art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente: "O reconhecimento do estado de filiação é direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça". Ademais, não há prejuízo para a menina, pois a ela cabe o direito de buscar a verdade real em ação de investigação de paternidade, independentemente da anulação de seu registro civil. orientando: O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento nessa seara, E mesmo considerando a prevalência dos interesses da criança que deve nortear a condução do processo em que se discute de um lado o direito do pai negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação, verifica-se que não há prejuízo para esta, porquanto à menina socorre o direito de perseguir a verdade real em ação investigatória de paternidade, para valer-se, aí sim, do direito indisponível de reconhecimento do estado de filiação e das conseqüências, inclusive materiais, daí advindas (REsp. n. 878954/RS, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. 7-5-2007). Destarte, diante da impossibilidade de reconhecimento do pedido por parte da mãe da apelada, passa-se à análise do mérito. Constata-se que A. F. E e a mãe de G. de S. F., quando ela contava apenas um ano de idade, dirigiram-se ao Cartório de Registro Civil e registraram a menor, como se o declarante fosse seu pai biológico (fl. 6). Sucede que, depois disso, instalada a discórdia entre os conviventes, o casal veio a separar-se, tendo o apelante aforado esta ação negatória de paternidade em que requer a exclusão do seu nome do registro de nascimento de G. de S. F., por não ser seu pai biológico. Na verdade e conforme o artigo 1.604 do Código Civil: "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro". Jamais evidenciou-se, nestes autos, a ocorrência de erro por parte do recorrente ao registrar a recorrida como filha. Pelo contrário, evidente está que o apelante reconheceu voluntariamente a paternidade da apelada, não tendo o direito de pretender, agora, a exclusão de seu nome do registro civil da menor. posicionou-se: O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar questão idêntica, assim Direito civil. Família. Criança e Adolescente. Recurso especial. Ação negatória de paternidade c.c. declaratória de nulidade de registro civil. Interesse maior da criança. Ausência de vício de consentimento. Improcedência do pedido. - O assentamento no registro civil a expressar o vínculo de filiação em sociedade, nunca foi colocado tão à prova como no momento atual, em que, por meio de um preciso e implacável exame de laboratório, pode-se destruir verdades construídas e conquistadas com afeto. - Se por um lado predomina o sentimento de busca da verdade real, no sentido de propiciar meios
adequados ao investigante para que tenha assegurado um direito que lhe é imanente, por outro, reina a curiosidade, a dúvida, a oportunidade, ou até mesmo o oportunismo, para que se veja o ser humano? tão falho por muitas vezes? livre das amarras não só de um relacionamento fracassado, como também das obrigações decorrentes da sua dissolução. Existem, pois, ex-cônjuges e ex-companheiros; não podem existir, contudo, ex-pais. - O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o "pai registral" foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto. - Tendo em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, verifica-se que a ambivalência presente nas recusas de paternidade são particularmente mutilantes para a identidade das crianças, o que impõe ao julgador substancial desvelo no exame das peculiaridades de cada processo, no sentido de tornar, o quanto for possível, perenes os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento. - A fragilidade e a fluidez dos relacionamentos entre os adultos não deve perpassar as relações entre pais e filhos, as quais precisam ser perpetuadas e solidificadas. Em contraponto à instabilidade dos vínculos advindos das uniões matrimoniais, estáveis ou concubinárias, os laços de filiação devem estar fortemente assegurados, com vistas no interesse maior da criança, que não deve ser vítima de mais um fenômeno comportamental do mundo adulto. Recurso especial conhecido e provido (REsp. n. 1003628/DF, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. 14-10-2008). Extrai-se da jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E EXONERAÇÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTAR. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE FILHO ALHEIO COMO PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE VÍCIO CAPAZ DE ANULAR O REGISTRO DE NASCIMENTO. ATO JURÍDICO IRREVOGÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO (Ap. Cív. n. 2006.022837-6, da Capital, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 26-6-2007). No mesmo sentido: Ap. Cív. n. 2005.014014-1, de Anita Garibaldi, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 16-12-2005. Assim, ante a ausência de vício no ato registral da menor e diante da impossibilidade de reconhecimento do pedido por parte da mãe de G. de S. F., por se tratar de direito indisponível, não existe razão suficiente para a anulação do registro de nascimento da ré, merecendo ser mantida a sentença increpada. provimento. Ante o exposto, conheço do recurso de A. F. e nego-lhe
DECISÃO Nos termos do voto do Relator, por maioria de votos, conheceram do recurso e negaram-lhe provimento, vencido o Exmo. Des. Mazoni Ferreira. O julgamento foi realizado no dia 1º de outubro de 2009, e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Mazoni Ferreira (Presidente) e Henry Petry Junior. Funcionou, como Representante do Ministério Público, o Exmo. Sr. Dr. Aurino Alves de Souza. Florianópolis, 16 de outubro de 2009. Luiz Carlos Freyesleben RELATOR Declaração de voto vencido Deixo de justificar os motivos da divergência, já que vedada a interposição de embargos infringentes, porquanto mantida a sentença objurgada, ex vi do art. 530 do CPC e art. 151, 2º, do Regimento Interno deste Tribunal. Florianópolis, 10 de dezembro de 2009. Mazoni Ferreira