SESSÃO A PRESENÇA DE PRÁTICAS MIDIÁTICAS E VIRTUAIS NO CONTEXTO DA CULTURA INDÍGENA GUARANI MBYA

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Transcrição:

8. A PRESENÇA DE PRÁTICAS MIDIÁTICAS E VIRTUAIS NO CONTEXTO DA CULTURA INDÍGENA GUARANI MBYA SESSÃO - 04 Resumo Uma análise reflexiva sobre as tradições Guarani Mbya permite vislumbrar uma riqueza de símbolos que se projetam na atualidade como recursos significativos da cultura pós-moderna. Na aldeia Tekoa Pyau situada ao lado do Pico do Jaraguá, na periferia de São Paulo, uma comunidade Guarani cultiva suas tradições culturais expressivas de uma convicção pessoal e de comprometimento cultural. Nos últimos cinco anos ao lado da presença da Escola Estadual e do Centro de Educação e Cultura Indígena uma série de influências ligadas a presença da cultura virtual tornaram-se rotina no contexto social. De forma particular a análise do projeto Machuca tornou-se um foco de interesse uma vez que reúne lideranças antigas e jovens, tendo como objetivo criar uma rádio indígena. A comunicação visa apresentar os recursos midiáticos e de cultura virtual vigentes no cotidiano da comunidade. A análise aborda os diferentes níveis de ordenação da identidade cultural conforme Stuart Hall, Dennys Cuché e Nestor Canclini. A exposição faz uso de apresentações visuais sobre a aldeia e das produções inseridas na cultura virtual. Palavras-chave: Cultura virtual; Guarani Mbya; identidade cultural; mídias indígenas Jonas Severino da Silva* Marília Gomes Ghizzi Godoy** Abstract Through a reflexive analysis on The Guarani Mbya traditions one can perceive the richness of symbols that keep occurring and project themselves as significant features of the post modern culture. In the village of Tekoa Pyau, situated by the Jaraguá Peak in the outskirts of the São Paulo city, a Guarani community cultivates its expressive cultural traditions through personal conviction and cultural commitment. In the last five years alongside the State School and the Center of Cultural and Indigenous Education, several influences has been linked to the presence of the virtual culture and became routine among the social context. In a particular way the analysis of the Machuca Project has become a focus of interest because it encompass the older and the younger leadership on the creation of an indigenous radio station. The communication goal is to present the current mediatic resources and the virtual culture within the community life. The analysis deals with the different levels of ordination of the cultural identity according to Stuart Hall, Dennys Cuché and Nestor Canclini. The exposition uses visual presentations about the village and the productions present in the virtual culture. Keywords: Virtual Culture; Guarani Mbya; cultural identity; indigenous media * Bacharel em Relações Públicas e Especialista em Planejamento e Gestão do Turismo Cultural pela (Esurp Recife-PE); Mestrando em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos São Paulo-SP. jonasssilva20@gmail.com ** Professora do Curso de Mestrado em Educação, Administração e Comunicação: Universidade São Marcos São Paulo-SP; Doutora em Psicologia Social (PUC-SP); Mestre em Antropologia Social (USP). mgggodoy@yahoo.com.br 891

Entre os povos Tupi destaca-se a família tupiguarani a qual pertence o subgrupo Guarani. Desde meados do século passado são eles conhecidos por três parcialidades: os nhandeva, os mbya e os kayova. Os Nhandeva vivem em aldeias do Mato Grosso do Sul, Paraguai, no interior (Posto indígena de Araribá) e litoral do Estado de São Paulo. Os Kayova estão concentrados em várias aldeias do estado do Mato Grosso do Sul. Os Mbya figuram em aldeias situadas no leste do Paraguai, norte da Argentina e Uruguai e em áreas litorâneas dos estados sudeste e sul (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo). 1 Conforme B. Melià os Kayová ou Pai-Tavyterã são uns 17.000 (entre Paraguai e Brasil), os Ava-katúeté (ou chiripá) são uns 8.000 (também divididos entre Paraguai e Brasil) e os Mbyá não são menos de 12.000 (distribuídos em pequenos núcleos espalhados pelo que resta de selva no Paraguai, Argentina e Brasil). (MELIÀ, 1989, pag. 24). Notase que a concentração demográfica de 37.000 indígenas está aquém das cifras atuais se considerarmos o aumento das taxas de crescimento que vigoram desde os últimos decênios. Esta comunicação diz respeito aos Guarani Mbya mediante registros etnográficos realizados nos últimos decênios pela antropóloga autora deste trabalho. Enfatizam-se os dados a respeito das aldeias da cidade de São Paulo e do litoral do Estado. Destacam-se as aldeias Aguapehu no município de Mongaguá; R. Silveira no município de São Sebastião; Boa Vista no município de Ubatuba. Em São Paulo verificamos as aldeias Tenonde Porã e Krukutu na Zona Sul (subprefeitura de Parelheiros), Tekoa Ytu e Tekoa Pyau (subprefeitura de Pirituba). Nesses locais destacam-se concentrações indígenas comprometidas com as práticas tradicionais. Sobrevivem às custas da venda de artesanatos (cestos, arcos e flechas, ornamentos, miniaturas de madeira com forma de animal), doações diversas, renda mínima, aposentadoria, serviços inseridos nas políticas públicas com os indígenas (educação, moradia, saneamento, saúde). O termo tekoa é a expressão de um lugar onde é possível realizar o modo de ser guarani, o nhandereko, abrangendo-se aspectos sociais, econômicos e culturais, religiosos e políticos. Conforme considera Melià Tekoa é traduzido como um lugar onde é possível realizar o modo de ser Guarani; abrange a cultura, as normas, o comportamento, os costumes; é sobretudo uma inter-relação de espaços culturais, econômicos, sociais, religiosos e políticos. (MELIÀ, idem). As aldeias mencionadas sofrem diversas influências civilizatórias. 892

Entre os subgrupos mencionados os Mbya são reconhecidos na leitura bibliográfica sobre eles e também em observações diretas por serem os mais radicais com relação a seguir a tradição. Sabendo-se que essa questão se dirige ao juruá termo para designar o branco e o qual se exprime por um peso político próprio, os Mbya tecem longas argumentações para justificar seu radicalismo. A presença do juruá torna-se motivo para o impacto de valores e considerações que dão sentido a todo o ambiente social, abrangendo as várias situações de identidade. Certo é que, neste envolvimento onde os Mbya tem como convicção seguir a tradição, nota-se um compromisso que se expressa por termos que fundamentam o sentido político no tecido social expresso pela oralidade. Destacam-se os termos: Anhente: verdade, certeza A eve i: está certo, é assim. A palavra como símbolo cultural representa-se em situação de ordenar dinamicamente uma identidade em construção, em reafirmação ao discurso considerado da natureza étnica desse povo. Diante destas constatações e sabendo-se que esta comunicação encaminha-se para uma reflexão sobre a presença dos meios midiáticos no contexto atual das aldeias discute-se inicialmente representações tradicionais da cultura, em seguida a presença das políticas públicas indigenistas com relação ao letramento, as práticas midiáticas e expressões da cultura virtual. Estas projetam a emergência de um mundo moderno que se impõe por uma linguagem própria do letramento. Sobre o universo simbólico das tradições O fato fundamental que dá sentido a existência e ao seu destino sagrado compreende as concepções míticas sobre a terra sem males (Yvy Mara e y), as divindades, os nomes pessoais, os rituais. O termo opa mba ete, a realidade de todas as coisas, impõe uma concepção mítica do cosmo onde os humanos, outros seres vivos, cenários naturais, coexistem de forma coesa (GODOY, M. G. G & MARCONDES, M. A., 2009). Indica-se um mundo inicial, a primeira terra (Yvy Tenonde), que se expressa de forma perfeita e tem uma dimensão paradisíaca própria A busca da terra sem males foi enfocada como a base do messianismo dos povos guarani proveniente do Sul para as regiões leste a beira do oceano. Estas são consideradas yvy apyre, a extremidade da terra, uma passagem para a terra sagrada. Afirma Melià a busca da terra sem mal e de uma terra nova estrutura marcantemente seu pensamento e suas vivencias; a terra sem mal é a síntese histórica e 893

prática de uma economia vivida profeticamente e de uma profecia realista, com os pés no chão, animicamente, o guarani é um povo de êxodo, embora não desenraizado, pois a terra que procura é a que lhe servirá de base ecológica, amanhã como em tempos passados. (MELIÀ, idem p.294) Sabendo que a terra atual corresponde a uma situação de imperfeição, perda de valores, enfraquecimento dos homens, impõe-se um ideal de vitória aos viventes, mediante um grande esforço em demonstrar-se animado, disposto, virtuoso e conseguir retratar-se no diálogo com as divindades e os humanos. Poderão eles atingir após a morte ou até mesmo em vida a terra sagrada. Tornam-se eles agentes participativos do meio sagrado. As crenças e práticas do xamanismo que compreendem rituais cotidianos (à noite) são realizados na casa de reza (Opy). Os grandes xamãs e as grandes xamãs designadas Kunhã-Karai encaminham a dinâmica apresentada. São eles verdadeiros esteios das representações heróicas desse povo. As divindades representativas da natureza (o sol Kwaray, a lua Jaxy, o trovão e raio Tupã, a neblina Jakaira) absorvem os homens exigindo-lhes participação. Esses incorporam os seus nomes divinos pelas revelações xamânicas no ritual do batismo. Norteiam-se sujeitos de um devir e ser verdadeiros. Além dos rituais cotidianos de reza com invocações xamânicas, danças, discursos destacam-se o ritual do batismo (nominação) e dois rituais de mudanças no ciclo anual do ano (na entrada da primavera e no final do verão). Em todas as ocasiões rituais ocorre um verdadeiro compromisso de vida e espiritualidade que abrange os viventes e têm o poder de evoluções sagradas diversas. Diante desses dados faz sentido a estratégia política desenvolvida pelos Mbya desde a época colonial e que se resume em saber viver ao lado do branco sem se misturar. Um limite cultural incide em flexibilizar as influências dos brancos tornando-as menos ou mais envolventes. Já tivemos a oportunidade de comentar o termo guaranização, a reversão de uma influência dos brancos e retomada do ritmo teko ymaguare (modo de ser antigo). Políticas indigenistas de educação: a introdução do letramento Os artigos 210, 215, 231 da Constituição de 1988 ao defenderem os direitos indígenas com relação ao território tradicional, língua e tradições deram origem a valorização dos povos indígenas fornecendo instrumentos para futuras medidas protetoras. 894

As políticas públicas educacionais tornaram-se evidentes a partir de 1991, através do Ministério da Educação (MEC) quando passa a dirigir a educação escolar indígena. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) em seus artigos 78 e 79, assegura aos povos indígenas educação escolar bilíngüe e intercultural. De acordo com a Resolução 03/CNE/99, sob orientação do MEC, as escolas indígenas devem pertencer preferencialmente ao sistema estadual de ensino e aos municípios participantes, é acatada a colaboração de grupos (ongs, universidades). Por intermédio destas medidas, tornou-se possível a criação de Núcleos de Educação Indígena (NEI). Em São Paulo o NEI aprovou seu regimento interno em 18 de abril de 2000. Integrando-se à política do MEC e dentre suas atividades propõem-se: construções de escolas, contratações de funcionários e de professores (inclusive professores indígenas). Em 2005, (Resolução SE 27 de 07.02.2005) o Núcleo passa a ter mais autonomia e consistência quanto a definições nas áreas indígenas. A importância da presença de indígenas na condição de educadores possibilitou que em 2003 (Decreto 47.779 de 22/04) fosse criada a tipologia Escola Estadual Indígena. O curso de professor índio estendeu-se entre os anos 2002-2003, em São Paulo, planejado em parceria com a Faculdade de Educação da USP e apoio do MARI (USP). Neste curso participaram representantes de todas as etnias do Estado de São Paulo (Guarani, Kaingang, Terena e Krenak). No ano de 2005, nessas mesmas condições, iniciou-se o curso de Magistério Intercultural Indígena, sendo a primeira iniciativa de ensino superior voltado para a comunidade indígena, na região sudeste. Dentre as reformulações e autonomias adquiridas pelo NEI, registra-se a parceria entre o Estado e o Município com relação a educação indígena no que concerne ao ensino de 1º e 2º graus (Estadual) e educação infantil (Município). Destaca-se nas aldeias Krukutu, Tenonde Porá e Jaraguá, em vigor desde 2004, os CECI (Centro de Educação e Cultura Indígena), de iniciativa municipais de educação, esses locais compreendem duas grandes construções com um padrão arquitetônico original. O espaço é formado por uma sala de aula, cozinha, sala da direção, reuniões, dispensa, banheiros. Há um prédio de forma circular própria para apresentações e festejos. Os CECI têm o propósito de atender crianças de 0 6 anos. Existe ampla flexibilidade em alojar as mães e seus filhos principalmente no pátio coberto onde são realizadas as refeições. Nas aldeias de São Paulo as 3 es- 895

colas indígenas estaduais compartilham do mesmo sistema que as outras escolas da cidade; apenas pessoas indígenas são admitidos como professores. Desta forma as comunidades passaram a valorizar a escrita e o preparo escolar dos indígenas. Diante do choque que esta nova realidade representa frente a educação tradicional não podemos apostar apenas no modelo imposto hegemonicamente. O que se torna convincente é como que a partir da escola, dos cecis, muitas outras influências são destinadas ao público das aldeias. De forma mais acentuada as aldeias da capital passaram a dispor de computadores, televisão, vídeo-cassete como material de uso pedagógico. Observa-se que as novas gerações vão sendo introduzidas no contexto de uma cultura virtual. Tornou-se prioritário para os públicos indígenas freqüentarem cursos de informática. Muitos líderes comunitários fazem considerações positivas a esse respeito. No entanto, na dinâmica cultural local, as novas aquisições tendem a se expandir em direções complexas e variáveis. Os novos meios de comunicação não conseguem anular a contextualização de valores ligados aos rituais de convívio familiar e ordenação tradicional do cotidiano. Esta dimensão de sentido que se impõe diante de experiências com materiais informatizados e a presença da mídia eletrônica surge quando registramos iniciativas diversas no cotidiano cultural. Surge o tema da inclusão digital apoiando-se no contexto da tradição. A produção de compact discs As sabedorias ligadas ao canto e a dança é um tema central comprometido com as comunicações divinas compreendem um meio de ascensão e aperfeiçoamento pessoal, direcionando-se ao xamanismo. Mediante a criação dos compacts discs Nande Reko Arandu em 1998 e Nande Arandu Pygua em 2005 originou-se a formação de um novo espaço à compreensão das tradições. Nande Rako Arandu, o 1º cd destaca o termo para sabedoria arandu. Ele se refere semanticamente a endu verbo que significa ouvir, perceber, experimentar, sentir. São 14 canções que expressam temas culturais voltados a caracterização de divindades, heróis, pais, paternidade míticas; falam de pássaros, da mata, do amendoim sagrado. De que lugar sagrado você é proveniente é um tema que coloca a importância vital do nome de 896

origem divina. O recente disco Nande Arandu Pygua, reúne dois compacts discs e compreende vinte e sete músicas. Estas abrangem cânticos infantis (kyringue mborai) cânticos de dança Tangará (kunhã jerokya) e acalantos (mitã monguera). Os temas musicais aí inseridos seguem os mesmos temas religiosos do primeiro disco. Através desses CDs várias formas de sociabilidades puderam representar um convívio amistoso entre indígenas e juruá. Destacam-se apresentações do grupo de dança e do disco em espetáculos, em reuniões na própria aldeia. Formou-se um material para comercialização com destino à comunidade. Em certas ocasiões a produção dos CDs destinou uma quantia para alguns dos músicos servindo-lhes como forma de rendimento pela venda. Iniciativas virtuais Na aldeia Tekoa Pyau a presença do Projeto Machuca, realizado por intermédio de uma ONG boliviana que se inspirou no filme (Machuca, 2004) de André Wood, e também com o apoio municipal possibilitou um treinamento de alguns jovens voltado para a confecção de material audiovisual. Foram elaboradas iniciativas com o sentido de registrar em vídeo práticas consideradas da identidade cultural. O vídeo Descobrindo minha Cultura é um retrato da vida guarani na aldeia, desenvolvido pela própria comunidade com a finalidade de registrar em mídia digital para salvaguardar sua cultura, tradições, fazeres e saberes, assim como, para divulgar entre outras aldeias e comunidades não indígenas. As encenações são diversificadas. Registram-se realidades vivenciadas pelos nativos assim como as contribuições que podem dar sentido de preservação e tratamento indispensável que devemos ter com o meio ambiente. Na aldeia Krukutu o líder guarani Manuel da Silva Wera demonstra uma inclinação para retratar paisagens da natureza e ambientes expressivos da Mata Atlântica os quais foram por ele vivenciado desde seus tempos de infância. Pode ele realizar um documentário expressivo de uma rota que corta o Parque Estadual da Serra do Mar e liga a aldeia Krukutu à aldeia R. Branco, em Mongaguá. O líder Alcides Kuaray Mirim vem se tornando especializado em saberes ligados a confecção de filmes. Inclusive tem recebido ajuda de alguns profissionais e instituições. Nestas condições ele atua como um multiplicador na aldeia. Ensina aos jovens as práticas de manejo com os equipamentos audiovisuais para estes realizarem as produções midiáticas. 897

Inclusive preparam roteiros de entrevistas e são convidados a participarem de eventos, uma oportunidade de mostrarem os trabalhos desenvolvidos. Em decorrência desta prática pode ele projetar-se em um novo plano: a construção de uma rádio. Através de iniciativa do governo estadual o Programa de Ação Cultural Proac destinou uma verba no valor de R$ 18.000 (dezoito mil reais) para a implantação da rádio comunitária na aldeia. Entre os novos adeptos destacam-se lideres tradicionais que vêem na iniciativa um meio de organizar a comunicação comunitária. Os membros da nova geração tornam-se agentes de inovação pela forma com que desejam ter sucesso no meio comunitário. Há um interesse flagrante das crianças da aldeia em partilhar seus costumes com outras crianças. Procurou-se entender qual a diferença que existia entre uma escola particular, uma pública e a indígena. As curiosidades eram das mais diversas em relação ao funcionamento do dia-a-dia dentro de espaços educacionais, tido então como diferentes. Através deste interesse, surgiu a parceria entre as aldeias do Jaraguá com o Céu São Carlos, onde os alunos realizam atividades de intercambio. Mostram-se nestas visitas os valores culturais e os costumes que são praticados no convívio social, as apresentações vão desde as danças, cânticos, brincadeiras até mesmo as formas de comunicação. Ou seja, é um cenário de trocas de valores e construções de novos saberes, rompe-se os paradigmas existentes entre as mais diversas culturas existentes. Imagens e Registros: o compartilhamento social A informática e a própria rede mundial de computadores adentrou também no universo e espaços indígenas. Várias necessidades vigentes foram ordenadas pela comunicação e informação. A busca pela agilidade e facilidade de se comunicar e expressar tem tido boa aderência às novas tecnologias de comunicação, independente de fatores culturais. No entanto a existência de uma estrutura física não deve ser confundida com inclusão digital, processo este que requer um maior investimento e constante capacitação de todos os envolvidos. É fato que o uso das redes sociais já faz parte do cotidiano indígena. O Orkut, o MSN dentre outros, são utilizados como ferramenta de comunicação e partilha de arquivos digitais como fotografias, vídeos e textos. Inclusive, fazem uso também para comunicar-se com outras aldeias. O próprio intercambio que existe entre a aldeia Tekoa Pyau e o Céu São Carlos dispõem de um blog para exporem seus trabalhos e atividades realizadas em parceria. Mesmo sem ter acesso direto a internet nas aldeias, mui- 898

tos dirigem-se para lan-house próximas onde realizam suas pesquisas e interagem com aqueles mais distantes. Percebe-se nestas práticas e iniciativas que os indígenas das aldeias citadas desejam ter mais acesso a esse universo digital, possuem as mesmas ansiedades que os cidadãos brasileiros urbanizados. Nota-se que o acesso a internet atualmente é propicio para as pesquisas educacionais, atividades de lazer, comunicação, cultura e várias outras possibilidades que são criadas para atender necessidades especificas dos seres humanos. Considerações Finais O sentido com que as tradições culturais fundamentam-se sobre as lembranças indicam que a inteligência encontra-se identificada com a memória, sobretudo a auditiva. Através da linguagem oral as dimensões míticas se expõem no espaço e tempo. A introdução da escrita permite que os discursos ganhem um novo sentido de distancia e interpretação. O tempo circular da oralidade e o tempo linear das sociedades da escrita ganham vulto de forma a dar originalidade às novas gerações. As experiências antigas são deslocadas para uma nova forma de considerar a imaginação, inserindo-as virtualmente. Transformam-se as atividades cognitivas que ligam sujeito e objeto de forma recíproca e interinfluente. Os dispositivos culturais comuns de âmbito tradicional podem ser capturados por uma nova realidade com o apoio das novas tecnologias de comunicação. Os ambientes de compartilhamento e a articulação de significados podem se dirigir a ambientes amplos e com infinitos caminhos. Referencias bibliográficas GODOY, M. G. G. O misticismo guarani Mbya na era do sofrimento e da imperfeição. São Paulo: Terceira Margem, 2003.. Nande reko arandu Música e tradição cultural Arte e Ciência, São Paulo, ano 2, n. 2, p. 276-289, 1996b, ECA/ USP.. Os rituais de canto-dança e de formação da palavra-alma-nome entre os Guarani Mbya. Rituais Indígenas Brasileiros. São Paulo: CPA Editora Ltda. 1999a, pp. 158-175. GODOY, M. G. G.; MARCONDES, M. A. Opa Mba ete: A realidade de todas as coisas Uma visão cósmica da natureza entre os Guarani Mbya in: Poéticas da Natureza. 1ª Ed., v.1, São Paulo: PGEHA/ MAC USP, 2009, pp. 217-222. LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz Território Mbyá à beira do oceano. 899

Dissertação de mestrado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1992. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do Pensamento na Era da Informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. MELIÀ, Bartomeu. A experiência religiosa guarani in: O rosto índio de Deus. Coleção Ecologia e Libertação. Rio de Janeiro: Vozes, 1989. DOOLEY, Robert A. Vocabulário do Guarani. Brasília: Summer Institute of Linguistics 1982. Documentos sobre educação Plano Nacional de Educação: Lei 10172/2001 Cap. 9, Educação Indígena Lei de Diretrizes e Bases 9434, 30/12/1996 Resolução CEB N. 3, de 10 de novembro de 1999 Fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências (Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação) Diretrizes Curriculares Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas. Conselho Nacional de Educação Câmara de Educação Básica. Referenciais para a Formação de Professores Indígenas, Brasília, MEC, junho de 2002 (Versão anterior: Referenciais para implantação de programas de formação de professores indígenas nos sistemas estaduais de ensino versão preliminar de nov 2000, versão dez 2001, MEC SEF CGAEI) O governo brasileiro e a educação escolar indígena 1995-2002. Brasília, MEC/EF, 2002. Edição bilíngüe português/francês Notas 1 Há também registros dos Mbya no Maranhão numa área das reservas Guajajara, no Tocantins na aldeia Karaja do norte (em Xambioá) e no Posto Indígena Xerente (em Tocantínia). 900