A MULHER SURDA HOJE: NOVAS FORMAS DE SIGNIFICAR O MOVIMENTO SURDO



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Transcrição:

A MULHER SURDA HOJE: NOVAS FORMAS DE SIGNIFICAR O MOVIMENTO SURDO Ivana Gomes da SILVA Universidade Federal de Pelotas UFPel Ivana76@hotmail.com Resumo Este artigo observa a temática das mulheres surdas, as transformações em sua história, tomando com referência o que aconteceu na Associação dos Surdos de Pelotas. Na história da comunidade surda, apenas os homens participavam das associações, estudavam e trabalhavam, cabia à mulher surda permanecer em casa para cuidar dos filhos e dos afazeres domésticos, sendo-lhes negado qualquer autonomia. Atualmente percebe-se que a mulher surda já conquistou seu espaço, tendo também o direito de estudar, adquirir uma profissão, trabalhar e participar dos movimentos e lutas surdas. Dentro deste contexto, analisou-se através de estudo de caso, como uma mulher surda analisa toda essas mudanças que ocorreram na sua vida e de outras mulheres. Utilizando os Estudos Surdos e os Estudos Culturais em educação, analisa-se as questões referentes às relações de gênero que atravessam os espaços dos movimentos surdos, bem como a constituição de identidades femininas surdas no contexto das lutas surdas. Diferente do que ocorria no passado, atualmente é visível a participação das mulheres surdas nos movimentos surdos, como também no campo da educação, ingressando nas universidades trabalhando como professoras nas escolas de surdos e professores da Língua de Brasileira de Sinais em diferentes locais. Conforme as mulheres surdas começaram as lutas nos movimentos, conquistaram espaço no trabalho, no estudo, concretizando seus direitos, contra a discriminação por ser mulher e surda. Palavras-chave: cultura surda, associação dos surdos, mulher surda. Introdução Esse artigo observa a temática das mulheres surdas, as transformações em sua história, tomando com referência o que aconteceu na Associação dos Surdos de Pelotas - ASP. Meu interesse para realização da pesquisa vem da participação em encontros de mulheres líderes na Associação dos Surdos de Pelotas, onde eram organizadas discussões e palestras com assuntos pertinentes às mulheres, entre eles, as lutas e sofrimentos sofridos pelo gênero feminino. Ao participar da ASP eu me sentia como alguém importante e também como contribuinte da construção da história das mulheres surdas. Essa participação trouxe-me um aprendizado muito grande; além da informação, também senti estímulo e fortalecimento. Para minha pesquisa escolhi o tema das mulheres surdas seu passado e presente, procurando comparar essas histórias e entender como as mulheres se transformaram e se identificaram com outras mulheres. Elas não querem mais apenas trabalhar como domésticas,

não querem mais ser mandadas pelas famílias e, por isso, intensificaram sua participação em movimentos, a fim de transformar suas vidas: elas querem estudar, trabalhar e melhorar suas vidas; ter conhecimento para provocar a mudança; lutar no movimento de mulheres pela igualdade entre homens e mulheres, contra o machismo. As mulheres surdas iniciaram a participação na política, na educação e nos direitos humanos. As mulheres surdas se inspiram nas lutas de outras mulheres pelo mundo, aonde vem crescendo as leis que as apóiam e defendem. Elas percebem os acontecimentos no mundo, querem estudar na faculdade, ter bom emprego. Tem surgido e crescido o número de mulheres surdas que trabalham como professoras nas escolas de surdos e em cursos de Libras Língua Brasileira de Sinais, mas precisam lutar por outros espaços, por exemplo, na administração, na psicologia, entre outros. Um fator muito importante de salientar: as lutas das mulheres surdas começaram com os movimentos surdos, junto às associações de surdos. A associação é o principal lugar de luta e de conquistas onde as mulheres têm participado, e por isso aumentado a informação e conhecimento; é um espaço político legítimo aberto para lutar pelos direitos. Para conhecer melhor a história das mulheres surdas da ASP, fiz uma pesquisa de cunho qualitativo, que teve como metodologia o estudo de caso, com foco na história de uma mulher surda que exerce liderança na comunidade surda. Fiz uso de entrevistas em Libras filmadas e posteriormente transcritas para o Português Além disso, analisei imagens do acervo da ASP que apresentavam a história do movimento surdo, para uma análise contextual da participação feminina neste espaço e fiz observação-participante no ambiente associativo. O objeto de pesquisa foi escolhido devido à grande participação dessa mulher nas lutas da comunidade surda de Pelotas e por sua postura diante dos seus iguais que foi e é para mim e outras mulheres surdas uma referência. Desta forma, a metodologia utilizada foi a narrativa da história de vida para analisar a intersecção entre a vida individual e o contexto social. Diferente do que ocorria no passado, atualmente é visível a participação das mulheres surdas nos movimentos surdos, como também no campo da educação, ingressando nas universidades e trabalhando como professoras nas escolas de surdos e como professoras de LIBRAS. Utilizando os Estudos Surdos e os Estudos Culturais em educação, procurei analisar as questões referentes às relações de gênero que atravessam os espaços dos movimentos surdos,

bem como a constituição de identidades femininas surdas no contexto das suas lutas. Assim, são importantes os conceitos de marcadores surdos entendidos como a experiência visual, a língua de sinais, as comunidades\culturas surdas, os intérpretes, as tecnologias, as lutas surdas, entre outros. Apresento essa história de luta e perseverança, numa proporção que atinja a cidade de Pelotas através das leituras as mulheres surdas de Pelotas. Desta forma, acredito, conseguirão se apropriar desse movimento, podendo assim dar continuidade a luta para transformar a sociedade de forma mais justa e fraterna para todas as mulheres. Através desta continuidade na luta, poderão resolver problemas tão comuns a elas, como a falta conhecimento sobre saúde, relacionamento de casal, política, sexualidade, violência, educação, cidadania, direitos, etc. 1- Contextualizando as lutas das mulheres surdas A história dos Surdos registra os acontecimentos históricos como grupo minoritário que possui uma língua, uma identidade e uma cultura. Nas relações de poder, as mulheres sempre se mantiveram numa situação inferior, mas com o passar do tempo demonstraram interesse de assumir também funções de liderança, deixaram de ser apenas domésticas e começaram a lutar por seus direitos. Na trajetória surda, há muitas lutas pelo direito de uso da Libras, identidade e cultura. O sofrimento ainda permeia as mulheres surdas pela falta de informação, não tendo conhecimento a respeito das leis, direitos como saúde, gestação com acompanhamento, entre outros; muitos deles são totalmente ignorados. Esses fatores são facilmente constatados quando participamos de um movimento social e percebemos sua forma hierárquica de organização. A submissão das mulheres surdas não é muito diferente do que aconteceu com as ouvintes, pois nas relações de poder sempre tinham uma posição subalterna, mesmo na educação. Nos espaços filantrópicos de Educação de surdos, era ofertado para as mulheres surdas apenas oficinas de culinária, de bordado, de costura e outros relacionados com as atividades domésticas, enquanto aos homens eram oferecidas oficinas que oportunizariam uma maior autonomia econômica.

A história da educação de surdos não é uma história difícil de ser analisada e compreendida, ela evolui continuamente apesar de vários impactos marcantes No entanto, vivemos momentos históricos caracterizados por mudanças, turbulências e crises, mas também de surgimento de oportunidades. A história comum dos surdos é uma história que enfatiza a caridade, o sacrifício e a dedicação necessários para vencer grandes adversidades. Um fato importante na história dos surdos aconteceu durante o Congresso de Milão em 1880, quando por resolução da maioria ouvinte presente no evento, ficou proibido o uso da Língua de Sinais na educação de surdos. Esse fato teve um grande reflexo mundial e atingiu o objetivo quando a determinação foi acatada por quase totalidade das escolas de surdos do planeta. Até então, os surdos vinham ganhando espaço educacional e crescia o número de profissionais surdos em diferentes áreas do conhecimento. As mulheres surdas a partir desse contexto, em pleno século XIX, mais uma vez ficam à margem do processo, mas também se fortaleceram juntos as associações de surdos criadas como um espaço alternativo para uso da língua de sinais sem repressão. Percebo, através das leituras feitas, que no decorrer da história os acontecimentos estão interligados com construção do ser mulher surda, sendo a escola e sociedade desde outros tempos quem determinava o modelo feminino. Agora vivemos um momento de mudanças onde a mulher ocupa outros espaços, quebrando com os paradigmas antes estabelecidos. Culturalmente foi criado outro ideal de mulher onde algumas percussoras adeptas às causas feministas iniciaram este movimento e aos poucos as demais também foram abandonando o modelo tradicional. As mulheres surdas também entraram no movimento, tempos depois. Nesta perspectiva, as mulheres surdas hoje têm mais acesso a informação e aos estudos, ingressam no mercado de trabalho e ocupam bancos acadêmicos, podem optar pela maternidade, demonstra uma evolução. 2- As Mulheres Surdas em Pelotas A história dos surdos de Pelotas possui homens e mulheres. Às mulheres não eram permitidas que tivessem contato com mulheres de outras cidades, como por exemplo, em Porto Alegre onde as mulheres participavam da Associação. Aqui em Pelotas somente os homens encontravam-se nas ruas, bares, jogos, entre outros e tentavam organizar uma associação desde 1995, mas esta não tinha um caráter oficial.

As mulheres tinham curiosidade em saber e participar desses momentos junto com os homens. Estimulados por esses desejos de encontros entre surdos, o público feminino conquistou a participação, podendo assim ter acesso à informação, aprendendo coisas novas como a importância de trabalhar fora, tendo novas formas de comunicação. Entre várias conquistas também adquiriram novas tecnologias, conhecimento das leis que amparam as mulheres, entenderem o porquê da comemoração realizada no dia 8 de março, por exemplo. A maioria das mulheres surdas ainda não tem conhecimento sobre identidade surda, cultura surda, leis, pelo fato de ser tardia a aquisição da Libras, em virtude das famílias ainda muitas vezes não permitirem a participação das jovens surdas, ocasionando contatos muito restritos e mantendo principalmente a oralização com suas filhas surdas. Um fato bastante relatado entre a comunidade surda e na literatura sobre as comunidades surdas é o casamento entre surdos. Talvez a escolha por companheiros surdos esteja relacionada com a identificação entre seus pares, pela opção de cultura comum entre a família a ser constituída, pelas possibilidades de expressar-se e relacionar-se através da língua de sinais, tornando o convívio mais agradável. Muitas das experiências das mulheres surdas de Pelotas podem ser observadas nas respostas obtidas nesta pesquisa, o que veremos mais adiante. 3- O que dizem as mulheres Surdas da ASP As mulheres surdas de Pelotas conseguiram se desenvolver, porque estudam e trabalham. Para a entrevista foi escolhida uma surda que vou identificar como Rosa. Com ela foi realizada uma conversação sobre como era antigamente, como era a vida das mulheres no meio social, suas lutas e desafios, acontecimentos da Associação dos Surdos de Pelotas. Também foi conversado sobre as desigualdades que aconteciam, como, por exemplo: os homens trabalhavam e estudavam e as mulheres eram proibidas disso em virtude das exigências feitas, mas que aos poucos felizmente estão mudando para melhor. A falta de conhecimento destas mulheres era sobre vários assuntos. Para reverter essa realidade, anualmente no dia 8 de março acontecem palestras explicativas para este público, desta forma as mulheres surdas compreenderam melhor algumas coisas e obtiveram mais

informações. Isso as motivou a continuarem planejando encontros todos os anos, sendo que é de grande importância a divulgação destes para as mulheres surdas. Na Associação dos Surdos de Pelotas são organizados encontros com temáticas variadas, sendo que se destacaram os temas relacionados às garantias para as mulheres surdas, dentre elas: o direito integral de saúde através da rede pública, educação, cultura, trabalho com remuneração justa, entre outras. A ASP tem por objetivo despertar nas mulheres surdas a vontade de desenvolver projetos para auxiliar outras mulheres surdas desamparadas sobre seus direitos dando continuidade aos movimentos. Dentre as temáticas discutidas, ainda poderia ser organizada uma lista de novos assuntos a serem discutidos: legislação; Libras nos hospitais, nas delegacias, no mercado de trabalho; o acesso às informações através de: filmes (inclusive brasileiros), programas de TV com legenda ou com janelas de interpretação na Língua de Sinais. Para combater qualquer forma de discriminação é necessário que sejam desenvolvidos projetos que promovam os direitos e a autonomia das mulheres, sendo que o grupo de mulheres surdas pelotenses criou a proposta de encontros anuais para mulheres surdas desamparadas tendo como referência os encontros que acontecem para esse público em Minas Gerais. Em muitos países os surdos conquistaram o respeito à diferença cultural e linguística que os identifica como o outro em relação à modalidade lingüística. Depois de anos de luta, conseguiram que sua língua fosse reconhecida e respeitada em vários países, inclusive no Brasil, onde existe a oficialização da Libras através da Lei n 10.436 de 24 de abril de 2002 e onde o ensino da Libras já é obrigatório nos cursos de licenciatura e pedagogia através do Decreto n 5.626, de 22/12/2005, sendo estas legislações muito importante, pois aprovam a língua de sinais como primeira língua e o Português como segunda língua, podendo assim o surdo desenvolver melhor a aprendizagem. Trago agora um pouco da história de Rosa, que pode ser relacionada à história de muitas outras mulheres surdas. Ela nasceu surda, oralizava muito e estudava em uma escola inclusiva. Ela nunca havia tido contato com os outros surdos, nem sequer participava da Associação. Por causa da oralização ela ainda não tinha formado uma identidade surda. A partir do momento em que foi fundada a ASP em 1999 ela começou a participar da Associação e conviver com os surdos que participavam lá, isso foi em dezembro de 1999,

unindo-se à Associação em janeiro de 2000, segundo as informações da entrevistada. Devido a sua participação na associação ela percebeu que ali era um lugar de lutas e conquistas da comunidade surda, organização de movimentos tendo a ASP como sede. Para Rosa a Associação dos Surdos tem grande importância, pois se emociona e guarda na lembrança o símbolo que representa a ASP. Rosa via os surdos comunicando-se em Língua de Sinais, sentiu-se num primeiro momento, um pouco estranha por ser uma nova forma de comunicação nunca utilizada antes. Lá havia surdos adultos - homens e mulheres, mas o que chamava mais atenção de Rosa eram as mulheres surdas, pois eram capazes de trabalhar e estudar ao mesmo tempo em que tinham seus maridos e filhos, mostrando o poder da mulher. Ela pensava que quando crescesse não seria capaz de fazer essas coisas, mas a partir do contato com as outras mulheres surdas viu que podia ter essa capacidade, então adquiriu muito conhecimento, acreditando cada vez mais. Foi dentro da associação dos surdos que pode construir sua cultura, língua de sinais, identidade. Foi lá também que começou a acreditar na importância da mulher, enquanto participante de uma comunidade. Entre tantas descobertas percebeu que algumas mulheres surdas não participavam da comunidade, tendo dificuldades, problemas e diversas angústias que não faziam parte daquelas que participavam da Associação e comunidade surda. Então ela tinha a vontade e sonhava em criar um projeto baseado em encontros que pudessem resgatá-las para dentro da comunidade. Ela participava da Associação e via que eram proporcionadas várias atividades como a prática de esportes, de conversas, de viagens, de trocas de experiências com surdos de outras localidades. Mas eram atividades focadas nos homens, por isso sentia falta de atividades que abordassem também a participação feminina. A ASP é considerada o lugar mais importante para os surdos, onde podem encontrar informação, troca de experiências, cultura, identidade surda, lutas, política, educação, saúde e diversos outros fatores importantes. Rosa então se tornou a responsável por organizar e promover palestras de assuntos diversos de interesse dos surdos; os palestrantes eram voluntários que aceitavam contribuir com as mobilizações da comunidade, explanando assuntos como da história dos surdos antigamente e também o marco representado pelo dia 8 de março.

Uma apoiadora desses encontros foi outra mulher que vou chamar de Margarida. Ela palestrou sobre os direitos humanos e os direitos da mulher surda, englobando assuntos como leis e lutas. Já no primeiro encontro as mulheres surdas perceberam que antes lhes faltava conhecimento sobre assuntos cotidianos, não sabiam que tinham o direito de recorrer a diversos órgãos, tais como, delegacia e conselho tutelar. A partir dos encontros foram sentindo-se estimuladas a buscar cada vez mais, desenvolvendo-se como cidadãs. As mulheres surdas donas de casa, mães e esposas também buscaram melhorar seu bem estar, não aceitando a opressão por parte dos maridos, tendo interesse por novos conhecimentos, informações e tiveram bem claro que suas tarefas não são somente cuidar da casa, dos filhos e do marido. Mulheres ouvintes também enfrentam problemas, mas esses problemas podem ser considerados piores quando a mulher é surda. A FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos - organizou um encontro de líderes surdas latino-americanas. Esse encontro foi organizado pela Drª Gládis Perlin, educadora e militante surda, e lá foram discutidas as lutas e movimentos das mulheres surdas, para quebrar o paradigma de a mulher ser submissa ao marido, tendo igualdade entre homens e mulheres. A partir dos encontros e movimentos surgiu também o interesse das mulheres darem continuidade aos estudos ingressando no ensino superior. Esse movimento oportunizou o ingresso de duas mulheres surdas no curso de graduação em Pedagogia, também uma surda no curso de Psicologia com o objetivo de encontrar outras mulheres surdas com dificuldades e poder ajudá-las. Outras mulheres vão melhorando aos poucos, estudando no EJA (Educação de Jovens e Adultos). Pode ser citada também uma mulher surda que trabalha, foi aprovada em um concurso, tem casa própria e mora sozinha. Algumas mulheres acabam separando-se dos maridos pelo fato dos homens apresentarem características machistas. Também é importante citar os estudantes do curso Letras Libras3, sendo a maioria mulheres. Rosa ainda é participante, lutadora, inteligente, universitária, sempre presente nas reuniões e encontros. No ano de 2006 aconteceu o primeiro encontro exclusivo de mulheres na Associação dos Surdos, onde foram discutidas propostas para novos encontros, tais como, o dia do surdo, dia das mães, dia da mulher. Os encontros significariam incentivos para que outras mulheres participem. Em um domingo aconteceu o encontro das mulheres surdas, onde foi realizado

um almoço e elas puderam aprender a importância do dia 8 de março, e o porquê deste dia para o Dia Internacional da Mulher, nesse encontro aconteceu apresentação de teatro e diversas atividades. Em 2007 aconteceu o II Encontro de Mulheres Surdas e teve palestra de uma psicóloga, almoço e outras atividades. O objetivo deste encontro foi discutir as questões subjetivas das mulheres e especialmente das mulheres Surdas. No ano seguinte, infelizmente, não ocorreu nenhuma palestra, somente dinâmicas com as mulheres presentes na parte da tarde, esse foi o III Encontro de Mulheres Surdas. No ano de 2009 aconteceu o IV encontro: foi organizado um café colonial na parte da manhã e almoço. Esse encontro foi aberto também a homens surdos, podendo assim ser feita uma discussão entre os gêneros, onde os homens puderam expor suas opiniões sobre as mulheres e as mulheres sobre os homens. A ASP nunca teve uma mulher na presidência, somente fazendo parte da equipe diretiva como tesoureira, secretária ou responsável pelo departamento social. A justificativa delas por não apresentarem interesse em serem presidentes da Associação é a falta de tempo, em função de cuidar dos filhos e trabalharem fora, ou seja, a dupla ou tripla jornada de trabalho acaba inviabilizando esse acesso. Algumas considerações Portanto, diante de toda essa trajetória é possível constatar que as mulheres surdas de Pelotas tiveram muitas conquistas, mas a mais importante foi a de se integrar ao grupo de surdos na ASP e fazer da sua bandeira feminina, uma luta de todos. Novos horizontes foram conquistados, agora o importante é não se perder do caminho e nunca esquecer que essas conquistas e lutas são coletivas e nunca individuais e que a referência sempre será a Associação dos Surdos de Pelotas. O objetivo principal da vida é ser feliz e para tanto precisamos ter nossos sonhos alimentados de conhecimento para assim atingirmos nossas metas. Referências Bibliográficas KLEIN, Madalena. Educação e Movimentos Surdos: histórias de rupturas e contestações In: KARNOPP, Lodenir. Becker KLEIN, Madalena. A língua na educação do surdo. Volume 1. Porto Alegre, Secretaria Estadual de Educação/ Departamento Pedagógico/ Divisão de Educação Especial, 2005, p. 15-24.

MARTINS, Carlos Roberto. A mulher Surda na Comunidade de Surdos. In: Revista de Educação ciência e cultura. Canoas: La Salle, V. 13, nº 2, julho\dezembro de 2008. SÁ, Nidia Regina Lineira de. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas, 2006. SANTANA, A. P. ; BERGAMO, A. Cultura e identidade surda: encruzilhada de lutas sociais e teóricas. Cadernos CEDES, v. 26, n. 91, p. 565-582, 2005. SKLIAR, Carlos. Os Estudos Surdos em Educação: problematizando a normalidade. In: SKLIAR, Carlos. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre, Mediação, 1998. VILHALVA, Shirley. O Despertar das Mulheres Surdas no Brasil. In: http://www.feneis.com.br/page/materias_despertarmulheres.asp, acesso em dezembro de 2009.