IX Colóquio Internacional Marx e Engels. Docentes da rede pública de ensino e seu pertencimento de classe social

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Transcrição:

IX Colóquio Internacional Marx e Engels Docentes da rede pública de ensino e seu pertencimento de classe social Rodolfo Soares Moimaz 1 GT 8 Educação, capitalismo e socialismo Resumo O objetivo deste texto é realizar uma breve sistematização de alguns dos principais debates, entre marxistas brasileiros, acerca do pertencimento de classe dos trabalhadores docentes, destacando, a partir das distintas elaborações sobre o tema, as possíveis relações existentes entre o pertencimento de classe social e suas consequências políticas, econômicas, ideológicas e sociais. Estas análises fazem referência, principalmente, à caracterização de docentes como parte da classe média, que se mantêm neste estrato apesar do processo de precarização do trabalho enfrentado há décadas. A permanência do debate de classes sociais O conceito de classes sociais é polêmico na produção acadêmica: se, por um lado, em distintas vertentes do pensamento sociológico contemporâneo, ele não é considerado uma ferramenta central para a compreensão das relações sociais - uma vez que, no século XXI, as grandes classes sociais já se encontrariam dissolvidas em grupos sociais menores (Grusky, 2005); por outro, diversos estudos, não necessariamente marxistas, consideram-no essencial para a análise das questões sociais (Wright, 2005). No Brasil, a atual discussão sobre as classes sociais, e, em especial, acerca da classe média, ganha destaque principalmente a partir dos anos de presidência do Partido dos Trabalhadores (2003-2016), nos quais surgem formulações que debatem, por exemplo, a formação de uma nova classe média no país (Neri, 2011) a partir do aumento da renda e consumo das famílias incluídas no mercado por consequência das políticas econômicas e sociais adotadas, o que teria feito do Brasil um país de classe média (Salata, 2015). Esta interpretação não é consensual no pensamento social brasileiro. Em outras análises, avalia-se que não é possível afirmar a existência de uma nova classe média no país ao se considerar as categorias ocupacionais, ou seja, as características dos empregos gerados no período, com alto índice de rotatividade e remuneração média em torno de 1,5 salário-mínimo (Pochmann, 2013). Nesse sentido, outros estudos avaliam a existência de uma heterogeneização da classe trabalhadora, considerando, além dos indicativos de renda e consumo, características como a 1 Doutorando em Sociologia pelo IFCH/Unicamp.

utilização de recursos tecnológicos e o aumento da escolaridade média por parte dos trabalhadores (Chauí, 2013). Considerando a diversidade de caracterizações sobre as classes sociais, há pesquisas que buscam definir o que é a classe média no país. O perfil desta classe social seria diverso, englobando desde setores rentistas e profissionais liberais politicamente conservadores, com maior convencimento da ideologia neoliberal; assalariados e funcionários públicos que têm enfrentado um intenso processo de precarização das suas condições de trabalho; até trabalhadores que, nos anos 2000, tiveram ascensão social em status e prestígio; ou mesmo jovens trabalhadores de alta escolaridade, mas com empregos precarizados (Alves, 2013). Nesta temática, ainda, há correntes que estabelecem relações entre fatores subjetivos e o pertencimento de classe social dos sujeitos; isto é, a identidade de classe dos trabalhadores ou como eles próprios se compreendem nas relações entre classes sociais teria influência decisiva na definição do seu pertencimento de classe (Saes, 2005). Trabalho docente e proletarização O conceito de classes sociais tem sido utilizado com frequência nos estudos acerca do trabalho docente. Ao se considerar a docência da rede pública de ensino, na Educação Básica, ainda que haja diferenças acerca das condições de trabalho e remuneração como questões salariais, número de alunos por sala de aula, estrutura física, jornada de trabalho, modelos de contratação etc., há características comuns que permitem a elaboração de perfis socioeconômicos para a definição de quem são as/os docentes no país. Ao longo de décadas, os docentes vêm sofrendo um profundo processo de precarização do trabalho, principalmente a partir da década de 1960 desde a ditadura civil-militar brasileira. Se antes professoras e professores compunham um setor social restrito numericamente, oriundos das classes médias urbanas e das elites (Fernandes, 2010), a partir dos projetos educacionais da ditadura, houve uma mudança no perfil destes trabalhadores: foi registrada uma popularização da profissão, decorrente da contratação massiva de novos professores e, junto a este movimento, a implementação de um contínuo arrocho salarial 2, com deterioração das condições de trabalho e vida (Ferreira Jr & Bittar Jr, 2006). Na década de 1990, pós-redemocratização, o avanço das diretrizes neoliberais atingiu a Educação, e, consequentemente, o trabalho docente. As medidas aplicadas tinham como norte a desobrigação do Estado do financiamento da educação pública; ou seja, uma defesa das privatizações realizada através da propaganda de ideias como a suficiência da gestão escolar, em 2 No Rio de Janeiro, a média salarial dos professores da rede estadual era de 9,8 salários mínimos na década de 1950, em 1990 chegou à média de 2,2 salários mínimos; em São Paulo, em 1967, tinham salário equivalente a 8,7 salários mínimos, já em 1979, a média foi rebaixada para 5,7 salários mínimos (Ferreira Jr & Bittar, 2006).

detrimento da reivindicação por mais verbas públicas ao setor. A isso se soma a implementação da definição toyotista da qualidade total na educação pública, bem como a utilização de termos do setor privado nestes espaços, comparando, por exemplo, alunos com clientes e diretores com gerentes (Barros & Brunacci, 2010). Outro ponto importante na justificativa das privatizações foram as elaborações de metas inatingíveis às escolas públicas, criadas em consonância com agências internacionais, como o Banco Mundial, cujos resultados negativos eram justificados através de argumentos que abarcavam desde a ineficiência da gestão do Estado até a desmoralização dos docentes (Robertson, 2012). Nos anos 2000, o avanço do setor privado na Educação seguiu avançando, ainda que de maneiras distintas (Minto, 2011). Um importante exemplo é o Decreto n. 6.094/07, que Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Este decreto propõe mudanças profundas na estrutura de financiamento da educação pública, bem como nas questões trabalhistas, por exemplo: institui o estágio probatório aos docentes, que trabalhariam sob risco de exoneração mediante avaliação negativa; estabelece a exigência da meritocracia para a progressão na carreira; além da possibilidade de vinculação de financiamento privado na educação básica pública etc. No estado de São Paulo, em 2009, há uma inflexão importante no que diz respeito à precarização do trabalho docente: a aprovação da lei 1.093/09, que cria os chamados professores Categoria O. Estes são profissionais que, como trabalhadores da rede pública, têm as mesmas obrigações que os demais servidores efetivos; sua contratação, porém, é mais precária: feita através de um contrato com prazo determinado, e que, após seu término, os professores devem ficar 180 dias sem trabalhar nas unidades de ensino estadual. Além disso, estes docentes têm um limite menor de faltas permitidas que os demais, sob pena de demissão. Outra questão é a licença maternidade: as professoras Categoria O têm 4 meses de licença, contra 6 meses das professoras estáveis e efetivas etc. (Goulart, 2016). Nesse sentido, diversos autores afirmam que o trabalho docente enfrenta, há décadas, um processo de proletarização, definido de duas maneiras: A primeira leva em conta a aproximação real entre as relações de trabalho dos professores e às do proletariado (...). Esta aproximação se expressa nas prolongadas jornadas de trabalho, nas condições de trabalho, no processo de desqualificação do trabalho, no rebaixamento dos salários, na mudança na origem social, na perda da autonomia do professor, na precarização e intensificação do trabalho, entre outros aspectos. (...) A segunda dimensão sobre o processo de proletarização docente se concretiza na aproximação dos professores com o proletariado enquanto classe social, por intermédio das lutas sociais e sindicais. De forma sintética, a inserção dos professores na luta sindical, a criação de sindicatos e a transformação de associações docentes em entidades de luta, reivindicação e greve ( ), tudo isso refletiria a

mudança de percepção da própria categoria no conjunto dos/as trabalhadores/as em geral. (TRÓPIA, 2016, p. 30). Nos limites deste texto, não é possível demonstrar com profundidade as mudanças no perfil social dos docentes do Ensino Básico da rede pública; porém, pode-se afirmar que, com a proletarização, há alteração em sua base social. Considerando este processo histórico, cabe refletir, nos marcos das classes sociais, como se localizam estes professores. Classes sociais e os docentes Na literatura marxista, há diferentes interpretações acerca das características do trabalho docente: há divergências sobre se os docentes são proletários ou componentes da classe média em proletarização 3 ; ou acerca do caráter produtivo ou improdutivo do trabalho não-manual dos professores 4 ; e, entre os que consideram o trabalho docente produtivo, há diferenças sobre se isso ocorre somente nas instituições privadas, com a apropriação privada de excedentes, ou se ocorre também nas escolas públicas, considerando a valorização da mercadoria força de trabalho (Kuenzer, 2011). Estes debates têm consequências concretas: há autores que estabelecem relações entre o caráter produtivo do trabalho e o pertencimento de classe dos trabalhadores, que teriam reflexos nas posições políticas e ideológicas destes, decorrentes de sua localização estrutura de classes sociais. Isto porque o trabalho docente é não-manual, logo, improdutivo ou apenas indiretamente produtivo (Saes, 2005), de modo que os professores estabeleceriam uma relação de identidade com outros trabalhadores não-manuais, construindo uma autorrepresentação na qual se considerariam socialmente superiores aos demais trabalhadores manuais, produtivos, o proletariado (Saes, 2005). Ou seja, haveria uma consciência em si dos trabalhadores intelectuais. Esta seria uma característica da classe média, que congrega todos os trabalhadores, assalariados ou não, que, além de desempenharem algum trabalho apenas indiretamente produtivo (quando não absolutamente improdutivo), autorepresentam-se, no plano ideológico, como trabalhadores nãomanuais, distintos dos trabalhadores manuais e superiores a eles nos planos profissional e social. (SAES, 2005, p 100) Assim, os professores comporiam a classe média. Tal proposição dialoga com as formulações de Poulantzas ao refletir as classes sociais para além da instância econômica. Isto porque o modo de produção capitalista é composto, na sua pureza, por diversas instâncias econômico, político, ideológico -, é caracterizado, segundo Marx, por uma autonomia específica das suas instâncias e pelo papel dominante que nele assume o econômico. (...) o que de maneira nenhuma 3 Por exemplo, Bernardo (1985) e Saes (2005; 2007). 4 Ver Kuenzer (2011), Venco (2016), Goulart (2016), Saes (2005; 2007); Souza (2016), Trópia (2016) etc.

quer dizer que as outras instâncias estejam ausentes: elas estão presentes mas, de modo algum, indiretamente, pelos seus efeitos na região do econômico. (POULANTZAS, 1977, p.55) Ainda em relação à classe média, há outra característica de destaque: o apego à ideologia meritocrática (Cavalcante, 2009). Pesquisas sobre a temática 5 vêm sugerindo ligações entre as questões ideológicas e a classe social dos docentes, por exemplo: mesmo com remuneração inferior, os professores preferem ter seu trabalho relacionado com o de juízes ou médicos, ao invés de outras profissões de trabalho manual. Um dos fatores que explicaria esta constatação é o prestígio social, uma vez que a perda do status da docência foi identificada como uma das maiores insatisfações dos professores (Venco (2016), Souza (2016)). Isso se daria pela ideologia meritocrática, para a qual o exercício da profissão deveria ser justificado pelo mérito, medido, no caso, pelo diploma (Trópia, 2016). Assim, como defensores da meritocracia, os docentes acabariam se constituindo como representantes ideológicos da classe média. Por consequência, os professores reproduziriam a tanto a depreciação dos trabalhos manuais, quanto a reprodução ideológica da escola como espaço neutro, que permitiria às pessoas, pelo mérito, atingirem seus objetivos. A escola seria um espaço de igualdade, independente do poder aquisitivo ou capital cultural dos alunos. Esse incentivo à meritocracia, para Saes (2005), é essencial à reprodução da sociedade capitalista. Nesse sentido, os docentes defenderiam a educação pública, gratuita e universal; mas, ao mesmo tempo, demonstrariam críticas a programas de cunho social ou identitário, como as cotas raciais e o Bolsa Família. Isso demonstraria a influência da ideologia meritocrática, uma vez que, com um Estado assistencialista, o desenvolvimento individual seria prejudicado (Souza, 2016). A ideologia meritocrática faria, também, com que os docentes assumissem posições aparentemente contraditórias aos seus interesses. Isto porque os professores mais favoráveis às medidas de bonificação e ranqueamento das escolas foram justamente os com contrato mais precário. Tal fato seria consequência da instabilidade do emprego destes docentes, uma vez que as políticas de competição e incentivo meritocrático possibilitariam a eles ganhos pecuniários imediatos, ainda que incertos. Para os professores efetivos, como estes benefícios não são incorporados aos salários ou para fins previdenciários, tais políticas se mostraram menos atraentes (Goulart, 2016). Por fim, afirma Trópia (2016), no ambiente de acirramento de posições políticas no país, aumentaria a tendência destes professores, como classe média, assumirem posições conservadoras, uma vez que seus privilégios sociais seriam, frequentemente, garantidos a partir da exclusão dos 5 Como, por exemplo, Condições de trabalho e relações de classe dos docentes da rede básica de ensino no município de Guarulhos-SP, realizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Educação, Classes e Conflitos Sociais (Gepecso/Unifesp), coordenada pelo Prof. Davisson C. Cangussu de Souza.

estratos mais rebaixados da sociedade (Cavalcante, 2010); em situações de crises, aumentaria o risco de perda destes privilégios, intensificando as possibilidades de adoção de posições conservadoras. Conclusões Como foi brevemente registrado acima, a discussão entre classes sociais e o trabalho docente, mais especificamente com docentes da Educação Básica na rede pública, é um vasto campo de pesquisa, passível de diversas interpretações. São muitas as polêmicas, que tocam desde as definições de classes sociais; o caráter produtivo do trabalho e as relações com as questões ideológicas dos trabalhadores; e se estas questões podem ser elementos definidores de classes sociais. A todas estas discussões, acrescenta-se o fato de que os conceitos são históricos, inclusive as classes sociais. Dessa forma, compreender a questão de classe social em relação à docência passa por discutir, também, o avanço do processo de proletarização existente há décadas no país. Estes são somente alguns elementos de um debate que segue aberto, e que, conforme discutido acima, podem auxiliar na compreensão de questões e comportamentos de uma importante parcela da classe trabalhadora brasileira. Bibliografia ALVES, G. Neodesenvolvimentismo e classes sociais no Brasil. Blog da Boitempo, dez. 2013. Disponível em: <http://blogdaboitempo.com.br/2013/12/20/neodesenvolvimentismo-e-classessociais-no-brasil/>. Acesso em 23 fev 2018. BARROS, E., BRUNACCI, M.I. Superação e Permanência: políticas públicas da educação brasileira e neoliberalismo. In.: FERREIRA, M. R. J., MARQUES, R. M. (Orgs). O Brasil sob nova ordem: a economia brasileira contemporânea: uma análise dos governos Collor a Lula. São Paulo: Saraiva, 2010. BERNARDO, J. O proletariado como produtor e como produto. Revista de Economia Política. São Paulo: Editora 34. 1985. Disponível em: <-http://www.rep.org.br/pdf/19-5.pdf>. Acesso em 22 fev 2018. CAVALCANTE, S. Notas sobre uma polêmica na definição marxista do proletariado. Crítica marxista. Campinas: Unicamp, 2009.. Reflexões sobre as classes médias no capitalismo contemporâneo. Anais do VII Seminário do Trabalho, Educação e Sociabilidade. Marília: Unesp. 2010. CHAUÍ, Marilena. "Uma nova classe trabalhadora". In.: 10 anos de governos pósneoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Flacso. 2013.

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