REDES DE APRENDIZAGEM, TECNOLOGIA E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO



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Transcrição:

ISSN 1982-0283 EDIÇÃO ESPECIAL REDES DE APRENDIZAGEM, TECNOLOGIA E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO Ano XXII - Edição Especial - Junho 2012

Edição Especial: Redes de aprendizagem, tecnologia e qualidade da educação Sumário Tecnologias e currículo para uma educação de qualidade... 3 Katia Gonçalves Mori

Tecnologias e currículo para uma educação de qualidade Katia Gonçalves Mori 1 Jomtien, Tailândia, 1990. Este foi o cenário da Declaração Universal de Educação para Todos. Lá ficou acordado entre os paísesmembros da Unesco a oferta de educação como um direito a ser garantido. De acordo com a Declaração, (...) cada pessoa criança, jovem ou adulto deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver e desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. Há três pontos de que trata esse trecho introdutório da Declaração que gostaríamos de destacar. O primeiro é que todos os cidadãos devem ter direito à educação; o segundo é que, para que este direito seja assegurado, faz-se necessário garantir o acesso à educação; o terceiro diz respeito à qualidade da educação, de qual formação está se falando, o que se quer assegurar, tendo em vista que o processo educativo tem o compromisso de propiciar o desenvolvimento das capacidades cognitivas e sociais, baseadas nos princípios da ética e da solidariedade, para a construção do conhecimento por um mundo melhor. Ofertar vagas na escola é um dos desafios que o Brasil tem enfrentado com sucesso. O último Censo Escolar, de 2010, revela que o País tem 51,5 milhões de estudantes matriculados na educação básica, nas redes pública e privada, sendo que dos 51,5 milhões, 43,9 milhões estudam nas redes públicas (85,4%) e 7,5 milhões em escolas particulares (14,6%). No entanto, vale a pena uma reflexão a respeito da qualidade da educação que está sendo ofertada. 3 1 Doutoranda em educação e currículo pela PUC-SP. Consultora da edição especial.

Construir um mundo melhor não é uma tarefa de fácil realização, tampouco será possível somente com a educação. Numa época em que o melhor aparato tecnológico e a maior possibilidade de conexões estão a serviço da humanidade, somos marcados pela competitividade, pelo individualismo, pelo consumo e pelas aparências. Se, por um lado, a humanidade produziu um arsenal de conhecimento, ciência e tecnologia que permite o seu desenvolvimento, por outro, nunca tivemos tanta barbárie. Os altos índices de desigualdade social, a fome, as epidemias, as guerras, a exploração ambiental, a criminalidade e a exclusão social continuam presentes, muitas vezes se beneficiando das mesmas tecnologias. Sem um projeto de identidade coletiva, sem um estado permanente de atenção à vida, sem reconhecer o outro como parte da própria condição de existência, o mundo tende ao caos, numa disputa acirrada pelo poder. Viver em sociedade não é intrínseco à natureza humana, a sociedade é feita por sujeitos que precisam aprender a se cuidar mutuamente. Sem este princípio continuamos produzindo fome, pobreza, destruição ambiental, guerra, exclusão... A sociedade precisa de pessoas que saibam conviver umas com as outras, que produzam vida digna para todos, que estabeleçam e participem de redes colaborativas. Nesse sentido, espera-se que sejam pessoas que possam desenvolver sua autonomia, sejam respeitadas em suas particularidades e nas relações sociais, e que não lhes seja negada a oportunidade de desenvolverem-se plenamente. Para Bernardo Toro (2005, p. 26), para se viver em sociedade é preciso aprender a exercer o pleno exercício da democracia. Uma sociedade democrática: aceita que sua ordem social seja construída por todos; percebe seus cidadãos como fonte e como criadores dessa ordem; tem consciência de que os cidadãos podem modificar a ordem social; converte os problemas em oportunidades, mediante o debate e a deliberação pública entre os cidadãos. O papel da educação é fundamental nesse processo, pois a convivência social, por não ser natural, tem que ser ensinada, aprendida e desenvolvida todos os dias. Essa é uma tarefa de toda a vida de uma pessoa ou de uma sociedade (TORO e WERNECK, p. 18, 2004). As pessoas se tornam sujeitos políticos na medida em que não lhes são negadas as condições para que possam participar socialmente. Letramento e voz são fundamentais nesse processo e quanto maior o poder de participação integrada e organizada, melhor será o exercício da democracia. Democratizar e politizar os espaços de produção possibilitam criar uma ordem mais centrada na relação capital-trabalho e comunidadetrabalho do que na lógica capital-consumo (SANTOS, 2010). 4

Quando a pessoa não está organizada <não pertence a alguma instituição ou organização>, não se sente obrigada a respeitar as regras dos outros nem da sociedade (não tem auto-regulação) e, ao mesmo tempo, seu isolamento facilita que os outros violem seus direitos (não há proteção social) (TORO, 2005, p. 22. Grifo nosso). O fortalecimento social e a construção de uma sociedade mais justa começam pela tomada de consciência de que juntos e organizados os cidadãos são mais fortes para lutar e garantir os seus direitos. A educação, nesse processo, precisa ter como princípio a formação política, mas também, e sobretudo, ética. assim dizer, introdutório daquela ética que buscamos (JONAS, 2006, p. 72). A ética é, sobretudo, um ato consciente e de consciência histórica. O homem pertencente a um determinado tempo e lugar, dele sofre influência, influencia. Não age por instinto, nem sozinho, mas sim por sua condição racional, social, cultural e histórica. Esta é a condição que o torna humano. Portanto, ser ético é estar em constante estado de atenção à vida, é transcender da dimensão de indivíduo para a de sujeito que pertence a uma sociedade e dela participa, promovendo a vida. Para o autor, o homem fora da sua existência político-social não existe, ou, pelo menos, não é considerado relevante (SIDEKUM, 2002, p. 35). 5 Novos tipos de produção sempre vão existir, impulsionados pelo desejo e poder da humanidade, exigindo que se aprenda a lidar com eles, ao seu tempo, a cada nova situação. O que não pode desaparecer é a valorização da vida, a ética, o respeito à vida em longo prazo. Esse é o caso da ética do futuro (...): o que deve ser temido ainda não foi experimentado e talvez não possua analogias na experiência do passado e do presente. (...) Como a representação não acontece automaticamente, ela deve ser produzida intencionalmente: portanto, obter uma projeção desse futuro torna-se um primeiro dever, por A construção do conhecimento não se dá, portanto, de modo isolado. O homem aprende a ser humano quando interage com outro ser humano. E é nessa duplicidade, nessa cumplicidade, que as relações se estabelecem, podendo elas ser hierárquicas ou cooperativas, respeitosas ou excludentes, plurais ou ativistas. A sociedade vai se formando na medida em que as pessoas trabalham tecendo redes colaborativas de produção de bens, de serviço, de conhecimento, de recursos, de tecnologias. Para isso, o currículo precisa estar apoiado em práticas pedagógicas que visam estimular os alunos a participarem, utilizando to-

dos os recursos possíveis para criar situações de aprendizagem, trabalhando em rede. A instituição que educa deve deixar de ser um lugar exclusivo em que se aprende apenas o básico (as quatro operações, socialização, uma profissão) e se reproduz o conhecimento dominante, para assumir que precisa ser também uma manifestação de vida em toda a sua complexidade, em toda sua rede de relações e dispositivos com uma comunidade, para revelar um modo institucional de conhecer e, portanto, de ensinar o mundo e todas as suas manifestações (IMBERNÓN, 2002, p. 8). O papel do professor é fundamental nesse processo. São muitos os saberes que envolvem a profissão docente. Além do domínio do conteúdo que ensina, é desejável que o professor tenha acesso (participação, consciência e concordância) ao projeto pedagógico da escola, método, didática, inteligência inter e intrapessoal. Mas ele precisa também de condições de trabalho, infraestrutura e acesso às tecnologias, ser bem remunerado e bem formado; precisa ter autonomia e abertura para trabalhar, além de ficar atento às mudanças, num constante processo de ação-reflexão sobre a própria prática. Nessa atenção às mudanças, qualquer inovação parte, fundamentalmente, do professor. Quando a escola, seja por meio de políticas públicas, seja por uma reestruturação curricular, propõe algo inovador, seja no campo das ferramentas, do conteúdo ou da própria gestão, o professor é o ator fundamental na implantação da mudança. Introduzir um elemento novo ao currículo não irá provocar a mudança desejada se desconsiderar o professor ou tratá-lo como um técnico ou um executor de tarefas. No campo das TIC, significa que ele precisa conhecer as suas potencialidades, saber lidar com elas, entender sua relevância, para que, a partir daí, possa reprogramar a sua maneira de ensinar, de pensar, de pesquisar, de provocar a produção e produzir conhecimento. Da mesma forma, se o professor entender a entrada de novos equipamentos na escola como algo novo, imposto, descolado de seu planejamento, provavelmente encontrará dificuldades para se apropriar e transformar a sua prática educativa. Nesse sentido, quanto mais ele participar crítica e reflexivamente da mudança, compreendendo a sua relevância, melhor será o resultado de sua adaptação. Garantir a todos o direito ao uso das TIC é essencial nos dias atuais. O ambiente artificial, técnico, criado pelo homem, fez dele um novo ser que depende dos aparatos tecnológicos para se relacionar, construir conhecimento, consumir, produzir, viver. Atualmente o governo tem investido em tecnologias, equipando as escolas com computadores e 6

acesso à internet. A questão que fica é como essa entrada pode provocar boas práticas para que sejam alcançados os resultados desejados, tendo em vista que a formação de sujeitos autônomos e conscientes de sua condição de vida plena em sociedade significa que esses sujeitos devem se responsabilizar e colaborar para a vida digna de todos. Segundo Alípio Casali (2011), a qualidade da educação pode ser compreendida no campo de quatro dimensões, a saber: pré-condição, condição, práticas e resultados. No rol das pré-condições, está, por exemplo, a democracia, o estado de direito, as políticas públicas com recursos adequados, a remuneração digna dos profissionais da educação, sua formação inicial e continuada, entre outras. Como condição, instalações adequadas (salas de aula, laboratórios, equipamentos e podemos incluir computadores, internet etc.) vestuário e alimentação, processo de avaliação permanente, gestão democrática, infraestrutura com direito a acesso às tecnologias etc. Como práticas, um currículo que integre a escola com a comunidade, que propicie a aprendizagem cognitiva, emocional, social, que respeite cada sujeito em sua diversidade; práticas essas vivenciadas em relações de respeito, solidariedade, liberdade. São resultados, a formação pessoal e social, a autoestima, a emancipação dos sujeitos, a apropriação do espaço público, a capacidade de ser bem sucedido no mundo do trabalho, de participar socialmente. Para se atingir uma educação de qualidade, pré-condições e condições são necessárias para que o currículo seja bem articulado, adequado ao seu tempo, integrador, formador de pessoas autônomas, críticas e participativas. Portanto, não se trata de uma preparação instrucional, técnica apenas. Ela precisa acontecer no espaço da diversidade, se valorizar a partir dela; superar a formação individualista, competitiva, consumista. O currículo precisa oferecer uma educação em valores que promova o desenvolvimento cognitivo, social, cultural, emocional e, sobretudo, ético. Além das diversas áreas do conhecimento, como a linguagem em todas as suas formas e mídia, matemática, artes, ciências naturais, ciências sociais, filosofia e sociologia, ele precisa ser guiado por um processo avaliativo que permita melhorar o aproveitamento da aprendizagem e da formação para a cidadania durante o percurso. Espera-se que experiências promotoras do pensamento crítico, da vivência solidária, da participação social e do conhecimentoemancipação levem o estudante a tomar consciência de que faz parte da sociedade, precisa saber respeitá-la, usufruir e intervir. O conteúdo aprendido na escola não é um fim em si mesmo. Por meio de redes de aprendizagem, de colaboração, a escola pode criar situações de aprendizagem onde os alunos sejam desafiados a colocarem seus conhecimentos a serviço de uma melhor qualidade de vida. 7

Nesse sentido, o currículo pode ser pensado a partir de experiências que propiciem a apropriação das tecnologias e dos conteúdos a serviço de uma vida digna para todos. Criar espaços onde haja aplicação real dos saberes escolares para resolver problemas sociais reais identificados pela comunidade escolar, especialmente com a percepção do aluno, pode ser um diferencial para uma educação de qualidade. O manejo das tecnologias, o acesso ao conteúdo acumulado culturalmente, as habilidades de convivência, o saber fazer e resolver situações-problema e o discernimento para saber como empregar a inteligência para melhorar a qualidade de vida exigem mais do processo pedagógico do que a preparação para a vida escolar, pois ensinar exige a formação do sujeito ético. Exige amadurecimento, comprometimento, disciplina. Práticas que sugerem um currículo contextualizado, crítico, elaborado em parceria com a comunidade para resolver problemas sociais reais podem ser algumas das maneiras encontradas pelas escolas para oferecer educação de qualidade. Em outras palavras, se a questão da qualidade é uma conjunção de fatores, como o acesso às tecnologias, formação de professores, a infraestrutura da escola, a gestão democrática, entre outros, um bom projeto pedagógico que resulta numa boa prática pedagógica exige articulação, trabalho e compromisso com uma educação humanizadora, emancipadora. Leornardo Boff (2005; 2006), em sua trilogia sobre as virtudes para um outro mundo possível, aponta o intercâmbio, o respeito, a convivência, o estar junto e o cuidado com a mãe-terra como as únicas alternativas ao suicídio a que se propõe uma sociedade individualista e competitiva. O processo educativo precisa garantir esses espaços de intercâmbio, de respeito às diferenças, de interculturalidade. Ensinar a indignar-se, a pensar, a resolver problemas, a agir em favor do bem comum, na direção da construção de um mundo melhor para se viver. Qualificar o debate acerca da educação é considerar que a todos e a cada um deve ser garantido o direito à formação emancipadora, libertadora, solidária, com todas as pré-condições e condições asseguradas. 8 Edição Especial: Redes de aprendizagem, tecnologia e qualidade da educação A Edição Especial: Redes de aprendizagem, tecnologia e qualidade da educação, com veiculação no programa Salto para o Futuro/ TV Escola em 31/05/2012, coloca em debate a entrada das tecnologias na escola e a formação de redes de aprendizagem para uma educação humanizadora, emancipatória, que garanta a oferta de uma educação de qualidade.

Referências BOFF, Leonardo. Virtudes para um outro mundo possível - VI: A hospitalidade: direito e dever de todos. Petrópolis: Vozes, 2005.. Virtudes para um outro mundo possível - VII: Convivência, respeito, tolerância. Petrópolis: Vozes, 2006a.. Virtudes para um outro mundo possível - VIII: Comer e beber juntos e viver em paz. Petrópolis: Vozes, 2006b. CASALI, Alípio. O que é educação de qualidade? In: Quanto custa universalizar o direito à educação? Brasília: UNICEF/CONANDA, 2011. IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2002. JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade. Rio de Janeiro: Contrapondo/PUC-Rio, 2006. TORO, José Bernardo. A construção do público: cidadania, democracia e participação. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2005. TORO, José Bernardo e WERNECK, Nísea Maria Duarte. Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O social e o político na pós modernidade. São Paulo: Cortez, 2010. SIDEKUM, Antônio. Ética e alteridade. A subjetividade ferida. São Leopoldo, RS: Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2002. 9

Presidência da República Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO Supervisão Pedagógica Rosa Helena Mendonça Acompanhamento pedagógico Luís Paulo Borges Coordenação de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej Fernanda Braga Copidesque e Revisão Magda Frediani Martins Diagramação e Editoração Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa TV Brasil Gerência de Criação e Produção de Arte 10 Consultora especialmente convidada Katia Gonçalves Mori E-mail: salto@mec.gov.br Home page: www.tvbrasil.org.br/salto Rua da Relação, 18, 4o andar Centro. CEP: 20231-110 Rio de Janeiro (RJ) Junho 2012