Tratamento ortodôntico compensatório da má oclusão de Classe III esquelética



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Transcrição:

80 Tratamento ortodôntico compensatório da má oclusão de Classe III esquelética Compensatory orthodontic treatment of skeletal Class III malocclusion Renata Oliveira De Labio Moura 1 Karina Santana Cruz 2 Resumo Este trabalho visa apresentar alguns conceitos e formas de diagnóstico da má oclusão de Classe III esquelética moderada e discutir as diversas formas de tratamento desta displasia, ressaltando como a compensação pode trazer benefícios dentoesqueléticos além da melhora do perfil tegumentar. As vantagens e desvantagens deste protocolo de tratamento serão discutidas. Um paciente leucoderma adulto procurou tratamento ortodôntico na ABO-SE, queixando-se que os dentes inferiores estavam para frente. Cefalometricamente, ele apresentava perfil ósseo côncavo, padrão dolicofacial, retrusão maxilar e mandíbula levemente retruída. Dentariamente, incisivos superiores vestibularizados e incisivos inferiores verticalizados. Como resultados, houve uma melhora da relação maxilomandibular além da obtenção da harmonia e equilíbrio do perfil facial. Dependendo da severidade da má oclusão de Classe III, a camuflagem quando bem indicada em indivíduos com crescimento exaurido, apresenta excelentes resultados e vantagens na relação custo-benefício para o paciente. Descritores: Ortodontia, má oclusão de Angle Classe III, adulto. Abstract The present work aims to present some concepts and ways to diagnose and treat a mild skeletal Class III malocclusion, as well as discuss different treatments to correct this dysplasia. It will be emphasized that compensation can bring dentoskeletal benefits as well as facial profile improvements. Advantages and disadvantages of this protocol will be approached. A caucasian adult male patient searched orthodontic treatment at ABO-SE, complaining about anterior positioning of inferior dental arch. According to cephalometric evaluation he presented an unaesthetic concave profile, vertical pattern, maxillary retrusion, and slightly retruded mandible. Regarding dental aspects the patient presented, proclined upper incisors and vertical lower incisors. A better maxilomandibular relation and normalized facial profile were achieved providing a balanced facial profile. Depending on the severity of Class III malocclusion the camouflage when properly indicated, provide excellent results and lower costs for the patients. Descriptors: Orthodontics, Angle Class III malocclusion, adult. 1 Graduada - Unit, Aluna do Curso de Especialização ABO/SE. 2 Doutorado e Mestrado em Ortodontia - USP/Bauru, Professora do IV Curso de Especialização de Ortodontia ABO/SE. E-mail do autor: renata_de_labio@hotmail.com Recebido para publicação: 14/04/2014 Aprovado para publicação: 22/05/2014 Como citar este artigo: Moura ROL, Cruz KS. Tratamento ortodôntico compensatório da má oclusão de Classe III esquelética. Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(29): 80-88.

81 Introdução e revisão de literatura A má oclusão de Classe III desperta um especial interesse da Ortodontia por ocasionar um comprometimento estético e possuir um prognóstico desfavorável. Caracteriza-se pela protrusão mandibular, retrusão maxilar, ou envolvimento de ambas as bases ósseas, sendo a maioria dos casos, aproximadamente 60%, devido a uma deficiência maxilar 5,14,18,22,26. O Padrão III apresenta características de perfil facial reto ou côncavo e mordida cruzada anterior 12,17. Estudos têm demonstrado que a prevalência dessa má oclusão sofre influências geográficas importantes, atingindo cerca de 3% em brasileiros 18, 5% em japoneses 4 e até 16,7% em coreanos 22. Além disso, a maior parte dos estudos parece indicar uma maior frequência em indivíduos do gênero masculino 18 e na raça amarela 4,10,12,17,18,22. O tratamento da Classe III demanda abordagens diferentes dependendo da fase em que for diagnosticada a má oclusão 2. Em pacientes em crescimento ativo a intervenção ortopédica tem sido a mais preconizada 4,5,7,12,13,14,18,20,21,24. Já em pacientes adultos, a severidade da má oclusão é um fator determinante para a opção terapêutica, que pode ser efetuada por meio de tratamento orto-cirúrgico, em casos moderados e severos, ou camuflagem ortodôntica, em casos suaves 3,8,23. Em casos de dentição permanente, o tratamento ocorre por meio de compensação dentária que pode envolver extrações de pré-molares, segundo molares, incisivos 6, ancoragem esquelética para distalizar o arco inferior, vestibularização dos incisivos superiores e lingualização dos incisivos inferiores, que são usadas em paciente com leve discrepância esquelética (ANB não maior que -3 ) e com crescimento exaurido. Em casos mais severos a opção é o tratamento orto-cirurgico 8. Na Classe III suave, evitar uma intervenção cirúrgica pode ser considerado uma vantagem, pois esta má oclusão sendo tratada com forças ortopédicas e ortodônticas será corrigida evitando uma abordagem mais radical 5. A determinação de qual conduta escolher baseia- -se em exames clínicos, análises cefalométricas e tomográficas de cada caso 18. Torna-se indicada a camuflagem ortodôntica em pacientes que já passaram do pico de crescimento, apresentam uma leve a moderada desarmonia esquelética, boa estética facial, trespasse horizontal adequado, altura inferior normal ou levemente diminuída, ANB -3 ou menos, relação molar de Classe III, leve apinhamento e pacientes que não aceitam tratamento orto-cirúrgico 8,10. Além disso, com este protocolo, a dentição inferior torna-se mais posterior em relação à base mandibular e a harmonia facial pode ser comprometida 8. O paciente deve estar ciente que o tratamento compensatório não leva a grandes alterações na estética facial 17. O diagnóstico preciso é de fundamental importância para o sucesso do tratamento, pois uma Classe III inicialmente tratada de forma ortodôntica, por meio da camuflagem, é o caminho completamente oposto ao de uma cirurgia ortognática na qual o objetivo é retirar toda a compensação que a má oclusão já possui deixando-a preparada para a movimentação cirúrgica. A proposta nesse artigo consiste em apresentar um tratamento de Classe III em paciente adulto no qual se optou pelo tratamento ortodôntico por meio de camuflagem e extrações dos primeiros pré-molares inferiores e vestibularização dos incisivos superiores. Relato de caso O paciente J.C.O.S., gênero masculino, leucoderma, 25 anos 8 meses de idade, procurou tratamento ortodôntico, no curso de Especialização em Ortodontia da ABO Sergipe, com queixa principal de mandíbula projetada. A fotografia frontal demonstra padrão face longa, simetria facial e estética razoável. A avaliação de perfil denota discreta concavidade facial, os lábios apresentam-se selados em repouso sem contração do músculo mentoniano, porém há um hipodesenvolvimento do terço médio da face. O exame clínico e as fotografias intrabucais revelam uma relação dos primeiros molares de Classe III de Angle, trespasse horizontal negativo de 1 mm e mordida cruzada dos dentes 1.1, 1.2, 1.3, 2.2, 2.3, 2.4 e 2.5 e apinhamento anteroinferior de 9 mm, mordida cruzada posterior esquerda e mordida aberta na região de incisivos laterais e caninos, assimetria esquelética mandibular à direita com consequente desvio de linha média superior (Figura 1 A-H). Na análise de modelo constatou-se uma discrepância de -0,5 mm no arco superior e -9 mm no arco inferior, já a análise de Bolton apresenta uma boa proporção entre os arcos dentários quando se avalia os 6 dentes inferiores e superiores, e um excesso no arco inferior de 2,7 mm quando avaliados os 12 dentes inferiores e superiores. A análise cefalométrica demonstrou um padrão esquelético de Classe III, com o SNA 78,5, ANB de 0,5º, SNB de 79º e SND de 78º, caracterizando Padrão III pela acentuada retrusão maxilar e um bom posicionamento mandibular em relação à base do crânio. Na análise de Mc Namara 16 (1984), o A-Nperp é de -4 mm o que confirma a característica de maxila retruída. De acordo com a avaliação da maxila e mandíbula no sentido anteroposterior com leitura linear no plano oclusal (Avaliação de Wits) o paciente apresenta -5,5 mm, o que caracteriza uma tendência à Classe III 11. Os ângulos FMA de 32º de acordo com Tweed 25 (1954), nos dá um prognóstico regular e o SN.GoGn de 40º denota uma tendência de crescimento vertical. Os ângulos IMPA de 85º e 1.NB de 23º revelaram verticalização dos incisivos inferiores. A análise da radiografia panorâmica evidenciou a presença de todos os dentes permanentes, inclusive os terceiros molares já erupcionados, e integridade óssea e radicular. Moura ROL, Cruz KS.

82 Foi realizada a montagem do aparelho fixo superior e inferior Straight Wire prescrição MBT. No arco superior, a mecânica utilizada desde o início foi a do arco reto, possibilitando a correta posição dos incisivos superiores em suas bases ósseas. No arco inferior, com intuito de manter a ancoragem até os caninos alcançarem a Classe I, foi instalado arco lingual de Nance, bandagem dos segundos molares e amarrilho conjugado posterior. Logo em seguida, foi solicitada a exodontia das unidades 3.4 e 4.4. Iniciou-se a retração do 3.3 e do 4.3 com arcos segmentados com molas verticais. Após a obtenção do espaço para diluir o apinhamento inferior, empregou-se a mecânica do arco reto no arco inferior, dando início ao alinhamento e nivelamento NiTi.012 ; prosseguindo até 020 de aço inoxidável em ambos os arcos dentários. A retração dos incisivos inferiores foi iniciada no arco.019 x.025 de aço inoxidável pela mecânica de deslize. Para intensificar o fechamento dos espaços e melhorar o posicionamento dentário, utilizou-se o elástico de Classe III 3/16 médio durante a retração. Foram realizadas dobras de finalização para um melhor posicionamento artístico e obtenção das guias de desoclusão (Figuras 2 A-H e 3), também já pode ser notada a melhora da harmonia facial, de sorriso e de perfil (Figuras 4-6). Elásticos de intercuspidação foram utilizados para obter um engrenamento adequado dos molares. Após 40 meses de tratamento, foi realizada a remoção do aparelho ortodôntico e instalada a placa de contenção com uso contínuo no arco superior; no arco inferior foi utilizada uma contenção fixa 5X5. A B C D E F Relato de caso / Case report G Figura 1 (A-H) Fotografias iniciais extrabucais e intrabucais do paciente. H

83 A B C D E F G H Figura 2 (A-H) Fotografias extrabucais e intrabucais do paciente com o uso do aparelho ortodôntico na fase do arco de finalização. Figura 3 Radiografia panorâmica inicial. Figura 4 Radiografia panorâmica após remoção do aparelho e instalação da contenção. Moura ROL, Cruz KS.

84 Figura 5 Radiografia panorâmica após as extrações dos primeiros pré-molares inferiores e na fase de retração. Figura 6 Radiografia panorâmica após as extrações dos primeiros pré-molares inferiores e iniciando a retração dos caninos. Seguindo a proposta de camuflagem ortodôntica, com extração de dois pré-molares inferiores, os objetivos foram alcançados com a obtenção de um bom alinhamento e nivelamento dos arcos, estabelecendo- -se uma oclusão funcional, obtendo a distalização dos caninos inferiores finalizando com relação de Classe I de canino, retração dos incisivos inferiores, trespasses horizontal e vertical adequados (Figuras 7-9). A cefalometria mostra a relação anteroposterior entre as bases apicais com ângulo ANB de 1,5º; IMPA de 81º e Wits de -4 mm (Figuras 10 e 11), outras medidas podem ser analisadas na Tabela 1. Pode-se notar que a principal alteração foi decorrente da recolocação dos incisivos inferiores, resultando em uma melhora sutil no posicionamento do lábio inferior (Figuras 2 C e 11). É possível notar uma perda de ancoragem dos primeiros molares permanentes inferiores com a mecânica adotada. Na avaliação da radiografia panorâmica final é possível notar a ausência das unidades 34 e 44, conforme o plano de tratamento, e o paralelismo radicular (Figura 12 G). Na parte final do tratamento, já se observam características faciais compatíveis com a deficiência de maxila, mas com aspecto mais harmônico e estética melhorada (Figura 12). A B C Figura 7 (A-C) A) Telerradiografia inicial, B) telerradiografia após fechamento dos espaços, C) telerradiografia cefalométrico final. Relato de caso / Case report

85 Figura 8 Traçado cefalométrico inicial. Figura 9 Traçado cefalométrico final. Figura 10 Sobreposição de traçados inicial e final da região da maxila após final do tratamento. Figura 11 Sobreposição de traçados inicial e final da região da mandibula após final do tratamento. A B C Moura ROL, Cruz KS.

86 D E F G Figura 12 (A-H) Fotografias extrabucais e intrabucais, três meses após a remoção do aparelho ortodôntico. H Relato de caso / Case report Tabela 1 Medidas cefalométricas iniciais e finais. Norma Inicial Final SNA 82 78,5 79 SNB 80 79 78 ANB 2 0,5 1,5 SND 76 78 77 FMA 25 32 31 IMPA 87 85 81 1.NB 25 23 20 SN.GOGN 32 40 38,5 SN.GN 67 72 71 CoGN 131 mm 133 mm 131 mm A-Npep + 1 mm - 4 mm - 3 mm Wits - 1 mm - 5 mm -4 mm Resultados e discussão No presente estudo, assim como em diversos trabalhos na literatura 2,5,8,17,26, o diagnóstico preciso, baseado nas análises cefalométricas e de modelos, no exame clínico no qual se analisaram as discrepâncias sagital, horizontal e vertical, estética de padrão facial, compensações dentoesqueléticas, foram primordiais para a decisão da conduta clínica no caso relatado, diante da recusa do paciente à cirurgia ortognática e, para o que foi diagnosticado, a camuflagem ortodôntica tornou-se a opção mais viável. A extração dos primeiros pré-molares e retração do segmento anteroinferior está entre as formas mais comuns de camuflagem da Classe III 2,8. Outras opções para a correção ortodôntica dessa má oclusão são a inclinação compensatória dos incisivos em casos mais suaves 8, extração de molares e extração de incisivos inferiores recomendada em Classe III leve e moderadas, com overjet e overbite reduzidos e análise de modelo de até -7 mm de discrepância e Bolton com excesso inferior significativo 15. Alguns cuidados devem ser tomados quando se opta pela extração de pré-molares inferiores para a correção de Classe III. A perda de ancoragem é em efeito colateral da mecânica ortodôntica e é uma das principais causas de insucesso no tratamento. Sendo assim, torna-se indispensável o uso de arco lingual de Nance, bandagem de primeiros e segundos molares, uso de amarrilho conjugado posterior e controle de torque, evitando a indesejada mesialização dos molares e permitindo a retração dos caninos e, subsequentemente, dos incisivos inferiores. No caso relatado após o engrenamento dos caninos em Classe I, a perda de ancoragem foi desejada para o total fechamento do espaço da extração, dessa forma, todo o aparato para manter a ancoragem foi removido deixando a movimentação dos molares mais livre 1,8. Outro ponto importante a ser comentado é o risco de fenestração óssea decorrente da retração anterior. A espessura do rebordo alveolar deve ser bem avaliada, pois define os limites da movimentação. A retração quando realizada sem critérios pode descentralizar o dente de seu envelope ósseo, podendo resultar em fe-

87 nestração óssea, recessão gengival. O cuidado deve ser ainda maior em pacientes Padrão III, com padrão de crescimento vertical, pois nesses casos a sínfise é mais estreita, então a posição ideal dos incisivos inferiores é equivalente a sua posição originalmente determinada pela natureza. Sobretudo, o osso alveolar acompanha o movimento transladaria com neoformação compensatória desde que a movimentação dentária será feita com velocidade muito lenta 9. A estética fácil harmônica é uma das principais metas de qualquer tratamento ortodôntico. Porém, no presente caso, a compensação dentária da Classe III teve benefícios estéticos limitados, pois a movimentação dentária não é suficiente para mudar a estrutura esquelética a ponto de proporcionar uma harmonia facial. Mesmo com os resultados estéticos limitados, o fato de não envolver cirurgia, suas possíveis complicações e custo mais elevado, induziu ao paciente citado a escolher um tratamento mais conservador 8,10. Relatos encontrados na literatura 2,3,26 mostraram o uso de elásticos com vetores que favoreçam a correção da Classe III. Sobrecorreção e manutenção de uma pequena sobressaliência, intercuspidação posterior tornam-se indispensáveis para o sucesso da compensação ortodôntica. Porém, muitos autores 8,10,23 não relatam o uso deste artifício na finalização dos relatos de camuflagem. Os objetivos da camuflagem ortodôntica são melhorar os trespasses vertical e horizontal, o posicionamento dos incisivos e propiciar ao paciente uma melhora na oclusão, proporcionando uma mastigação e fonética mais adequadas. No caso apresentado, essas metas foram alcançadas como pode ser visto Cefalometricamente. O ANB passou de 0,5 para 1,5 melhorando a relação entre as bases ósseas e houve o reposicionamento dos incisivos inferiores onde o IMPA passou de 85 para 81, e as fotos da face demonstram a melhora na estética. Consultas semestrais serão marcadas para que possa ser avaliada a estabilidade do tratamento. Seria ilusão acreditar que todos os casos de camuflagem da Classe III seguirão pelo caminho deste; deve-se levar em conta todos os riscos situados acima, bem como a individualidade e as limitações de cada paciente a ser tratado. Conclusão A má oclusão de Classe III, moderada a suave, pode ser corrigida em qualquer etapa da vida do paciente, porém com algumas limitações. Na fase adulta, o paciente precisa possuir alguns pré-requisitos, como adequado trespasse horizontal, altura facial anteroinferior normal ou levemente reduzida, ângulo ANB não maior que -3, relação molar de Classe III e pequeno apinhamento anteroinferior. Mesmo conscientes que a estética não será muito favorável nos casos de compensação, os pacientes optam por esse tratamento por ser mais conservador e com menor custo. Verificou-se que a compensação, nos casos limítrofes, pode ser executada com sucesso, chegando à chave de Classe I de canino e uma oclusão agradável, capaz de desenvolver bem todas as suas funções mastigatórias e fonéticas. O acompanhamento vem ocorrendo semestralmente no intuito de diagnosticar e tratar recidivas, mas até o momento o caso apresenta-se estável. Referências 1. Andrade SL. Perda de ancoragem inferior após exodontia de pré-molares (Especialização em Ortodontia). Instituto de Ensino e Pesquisa de Cruzeiro, Cruzeiro, SP; 2009. 42 fls. 2. Araújo EA, Araújo CV. Abordagem clínica não-cirúrgica no tratamento da má oclusão de Classe III. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2008; 13 (6): 128-157. 3. Bittencourt MAV. Má oclusão Classe III de Angle com discrepância anteroposterior acentuada. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2009; 14 (1): 132-142. 4. Capelozza Filho L. Tratamento ortodôntico da Classe III: revisando o método (ERM e Tração) por meio de um caso clínico. 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