AVALIANDO LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA Silvio Tadeu de Oliveira (CLCA UENP/CJ) Introdução Os livros didáticos (coursebooks ou textbooks), de acordo com Cunningsworth (1984), são utilizados pela maioria dos professores de inglês em todo o mundo, sendo que, alguns docentes fazem uso de um único livro em seus cursos, e outros, com mais liberdade para trabalhar, utilizam textos e exercícios extraídos de diversos coursebooks, adaptando-os, quando necessário, ou complementando-os com material que eles mesmos produzem. Para o autor, há uma grande quantidade de livros didáticos distintos no mercado, abordando diferentes aspectos de ensino-aprendizagem e do uso da língua, com diferentes objetivos e voltados para públicos variados, já que as situações de ensinoaprendizagem da língua inglesa no mundo são bastante diversas, o que concordo plenamente. Além de materiais didáticos elaborados para determinados seguimentos, o autor também faz referência aos inúmeros livros chamados generalistas. Esses livros, segundo Cunningsworth (1984), procuram abordar todos os aspectos da língua e são desenhados de tal forma que possam ser comercializados em qualquer parte do mundo, por isso, geralmente, trazem valores sociais e culturais apenas do país de língua inglesa escolhido como referência no livro, sem se preocupar com os valores sociais e culturais do local em que o livro será utilizado, o que, no meu entender, pode desmotivar o aluno e, com isso, dificultar a aprendizagem da língua alvo. Richards (2002), por sua vez, advoga que os livros didáticos são um componente fundamental na maioria dos programas de ensino-aprendizagem de línguas, servindo, em algumas situações, como a base para o input que o aluno recebe e para a prática da língua na sala de aula, e, em outras situações, como complemento para a formação do professor. Ainda, segundo o autor, o livro didático pode ser a maior fonte de contato do aluno com a língua alvo, além de ser uma ferramenta de apoio para o professor iniciante, já que fornece sugestões de como planejar as aulas e trabalhar os conteúdos em classe. De acordo com Richards (2002), há vantagens e desvantagens na utilização de livros didáticos comerciais, dependendo do modo e do contexto em que são utilizados. Dentre as principais 294
vantagens, o autor cita: 1. Os livros didáticos fornecem aos alunos e ao professores um sillabus sistematicamente planejado e desenvolvido; 2. padronizam o conteúdo, quando se trabalha com diversas classes do mesmo nível ; 3. mantêm a qualidade do ensino, partindo do pressuposto que um bom livro didático é elaborado com base em princípios de aprendizagem consistentes, tem conteúdo seqüenciado de forma apropriada, e é previamente testado, o que, a meu ver, nem sempre acontece; 4. fornecem uma grande variedade de fontes de aprendizagem, como fitas cassete, CDs, CD ROMs, vídeos, workbooks, entre outros; 5. são eficientes, já que possibilitam que o professor dedique mais tempo ao ensino-aprendizagem da língua, do que à elaboração de material didático; 6. podem propiciar aos professores, cuja primeira língua não seja o inglês, modelos de linguagem e inputs precisos e eficazes; 7. podem capacitar professores iniciantes, quando utilizados juntamente com o manual do professor; e 8. têm apelos visuais atraentes. No que tange aos aspectos negativos, segundo Richards (2002), os livros didáticos podem: 1. conter linguagem não autêntica, isto é, diálogos e textos que não utilizam linguagens que representem possíveis situações reais (linguagem em uso); 2. distorcer o conteúdo, já que muitos livros didáticos, para que sejam aceitos em diferentes contextos, apresentam uma visão ideal do mundo, evitam temas controversos e, normalmente, colocam como padrão uma sociedade branca de classe média; 3. não atender os interesses e as necessidades dos alunos, posto que são geralmente escritos para atender mercados globais, o que, a meu ver, é muito comum nos livros adotados por instituições de ensino; 4. reduzir o papel do professor a um mero técnico transmissor, cuja principal função é apresentar materiais elaborados por outras pessoas, caso o docente use o livro como fonte primária, deixando que a maioria das decisões instrucionais seja tomada pelo próprio livro didático e pelo manual do professor, situação muito comum, no meu entender, principalmente quando se trata de professores recém-formados, inseguros e com pouco conhecimento da língua-alvo; 5. ser muito caros, ou seja, com preços não compatíveis com a realidade de muitos alunos, o que concordo plenamente. De acordo com Graves (2000) quando se avalia um livro didático, devemos ir além da simples procura por seus pontos fortes e fracos e verificar até que ponto ele permite adaptações. Com isso, o livro pode assumir outro papel, o de um banco de idéias, ou seja, uma fonte de exemplos práticos de idéias para ensinar a língua e servir de inspiração para o potencial criativo do professor. 295
Roteiros para avaliação de livro didático Cunningsworth (1984) cita três perspectivas de ensino-aprendizagem identificáveis em muitos livros didáticos que podem ajudar o professor a avaliá-los e a fazer escolhas entre os livros disponíveis no mercado. São elas: a) perspectiva comunicativa - vê a língua como meio de comunicação entre as pessoas; b) perspectiva estrutural - enxerga a língua como um sistema de gramática e vocabulário; e c) perspectiva de habilidades - dá ênfase às quatro habilidades: ouvir, falar, ler e escrever. Isso não significa que os livros, ao priorizarem uma abordagem, descartem totalmente as outras, mas sim que busquem um equilíbrio entre elas. Para autor, apesar das várias abordagens e da grande quantidade de situações de ensino-aprendizagem da língua, há certos princípios, baseados na boa prática de ensino-aprendizagem, que também podem ser muito úteis na avaliação de livros didáticos, os quais são descritos a seguir: 1. As metas e objetivos de um programa de ensino de línguas é que deveriam determinar os materiais didáticos que devem utilizados, não o contrário, portanto, relacione os materiais didáticos com suas metas e objetivos; 2. Ao escolher o material didático, leve em conta o que seus alunos precisam aprender da língua, bem como onde e como irão utilizá-la, ou seja, considere as necessidades de aprendizagem e também da situação-alvo; 3. Para que o aluno possa aprender de forma eficaz, ele deve ser exposto à língua alvo de forma gradual, ou seja, aprender por partes, geralmente distribuídas em unidades as quais devem se relacionar entre si, de tal forma que o possibilite associar o novo conteúdo àquele que ele já sabe, e, assim, construir conhecimento novo. O autor destaca ainda que as necessidades de aprendizagem também têm componentes emocionais e intelectuais, portanto, é de suma importância que os alunos sejam encorajados e estimulados enquanto progridem. Embora isto seja função do professor, o livro didático também pode contribuir para aumentar a auto-estima do aluno, ao contemplar temas que sejam intelectualmente estimulantes e que possam ter relação com sua vida cotidiana, o que acho bastante pertinente; 4. Os livros didáticos devem sempre ter em vista três aspectos fundamentais no ensino-aprendizagem de línguas, sem, no entanto, que se priorize um em detrimento dos 296
demais: a língua alvo, o processo de aprendizagem e o aprendiz. De acordo com Cunnigsworth (1984), na década de sessenta, os materiais enfatizavam bastante a performance lingüística do aluno, sem considerá-lo como indivíduo, impondo métodos rígidos de aprendizagem. Para o autor, o que sabemos sobre os processos de ensino-aprendizagem de línguas nos leva a acreditar que não existe a melhor maneira para aprender uma língua, e, além disso, os aprendizes adotam diferentes estratégias de aprendizagem, trocando-as de tempo em tempo, portanto, o aluno como indivíduo também deve ser levado em conta. No entanto, abordagens mais recentes tendem a concentrar o foco nos desejos e sentimentos do aluno como indivíduo, negligenciando os outros dois aspectos, o que, segundo Cunnigsworth (1984), não é o ideal, tendo em vista que as atividades de aprendizagem, mesmo que sejam bastante interessantes e envolventes, de nada valem se não apresentarem e praticarem a língua alvo de forma sistemática e compreensiva, de tal forma que os conteúdos possam ser assimilados pelo aluno. Diante do exposto, entendo que um equilíbrio entre língua, processos de aprendizagem e aprendiz, parece ser de extrema importância na elaboração ou escolha de um livro didático. Assim sendo, no meu entender, o livro didático deve, entre outras coisas: 1. Causar impacto no aluno, ou seja, atrair sua curiosidade, interesse e atenção, por meio de tópicos de interessantes ou incomuns, pelo uso de diferentes tipos de texto extraídos de diferentes fontes, atividades inesperadas, apresentação atraente (uso de cores, espaços em branco, fotografias, etc.), conteúdo com referências locais, entre outros; 2. Ajudar o aluno a se sentir confortável e relaxado, por meio, por exemplo, de materiais que relacionem o mundo do livro com o mundo do aprendiz, que contenham textos e ilustrações que dizem respeito à sua cultura, que contenham muitos espaços em branco, em vez de diferentes atividades espremidas em uma única página, que contenham linguagem em uso; entre outros; 3. Ajudar o aprendiz a desenvolver autoconfiança, engajando-o em tarefas que sejam estimulantes, problemáticas, mas que sejam também realizáveis; 297
4. Ser percebidos como relevantes e úteis pelo aprendiz; 5. Requerer e facilitar o auto-investimento; 6. Ser compatíveis com o nível lingüístico do aluno; 7. Atrair a atenção do aprendiz para as questões relativas às características da língua; 8. Criar possibilidades para que o aluno use a língua-alvo com propósitos comunicativos; 9. Levar em conta que o ensino-aprendizagem de uma língua é um processo gradual; 10. Levar em consideração que os alunos têm diferentes estilos de aprendizagem (visual, auditory, kinaesthetic, studial, experiential, analytic, global, dependent, independent); 11. Levar em consideração as diferentes atitudes afetivas dos alunos, como motivações, emoções, etc.; 12. Permitir um período de silêncio no início das instruções das atividades didáticas; 13. Maximizar o potencial de aprendizagem, encorajando o envolvimento intelectual, artístico e emocional, os quais estimulam ambos os lados do cérebro; 14. Propiciar oportunidades para feedback. Ramos (2006), por sua vez, reúne em uma lista compacta, uma série de critérios para avaliação de materiais didáticos, a qual utilizei para análise comparativa de dois livros didáticos, Focus on Grammar (Basic) e New English File (Elementry), para uma universidade particular do estado de São Paulo (Oliveira, 2006). São eles: 1. Público-alvo 2. Objetivos da unidade / do livro / do curso 3. Visões de linguagem 4. Visões de ensino-aprendizagem 5. O que os materiais contêm em termos de: 298
a. Conteúdo: conhecimento sistêmico, textual, etc. b. Textos: gêneros, autenticidade, assunto, informações não-verbais, etc. c. Atividades: objetivos, instruções, tipos, etc. 6. Como o material é explorado? a. O que se quer que os alunos façam? b. O que se quer que o professor faça? 7. O material atinge os objetivos propostos? Diagnóstico final (interpretação do material) Os critérios a seguir, com base em Ur (2008), Littlewood (2008) e Dias (2008), foram utilizados por professores de uma faculdade pública do estado de São Paulo, em 2011, a pedido da própria instituição, para auxiliar na escolha do livro didático a ser adotado. Quadro 1. Aspectos gerais e autonomia PARTE 1: ASPECTOS GERAIS E AUTONOMIA Sim Parc. Não As atividades para o desenvolvimento da competência comunicativa em LE encontram-se articuladas em torno de um tema. O tema explorado é adequado ao público alvo. Há preocupação em desenvolver e/ou expandir o conhecimento de aspectos sócio-culturais dos países da língua alvo. O assunto de cada uma das unidades permite o trabalho interdisciplinar. As atividades de aprendizagem são diversas o suficiente para motivar os interesses do público-alvo. A unidade incentiva o relacionamento com o meio virtual, especialmente a Internet, visando à complementação e expansão da aprendizagem. A unidade incentiva a colaboração entre pares por meio de ferramentas do meio virtual como, por exemplo, e-mails, fóruns, listas de discussão, homepages etc. A bibliografia inclui indicações de fitas de vídeo, CDs, programas de TV, vídeo clipes, softwares, livros, jornais, revistas, sites da web etc. Quadro 2. Compreensão e escrita PARTE 2: COMPREENSÃO ESCRITA Sim Parc. Não O desenvolvimento do processo de leitura é interativo? (relações leitor-texto-contexto) Uso de diferentes estratégias (metacognitivas, cognitivas, afetivas e sociais). O livro apresenta diversidade de gêneros textuais com funções sociais variadas (artigos, biografias, perfis, anúncios, reportagens, etc.) O processo de compreensão envolve atividades de pré-leitura, de compreensão geral, de pontos 299
principais e de compreensão detalhada e atividades de pós-leitura. Incentivo ao aluno para trocar e/ou compartilhar pontos de vistas em relação ao texto de leitura. Quadro 3. Produção escrita PARTE 3: PRODUÇÃO ESCRITA Sim Parc. Não Escrever é um processo interativo (relações autor-texto-contexto). A produção textual é um processo colaborativo. As atividades propostas para a produção escrita são precedidas do estágio de pré-escrita (ler para gerar ideias, discussões sobre o tópico da tarefa de escrita, entendimento das condições para a produção textual, incluindo considerações sobre o gênero que será produzido). As atividades propostas para a produção escrita envolvem os seguintes estágios: pré-escrita, planejamento, rascunhos e versões diferentes, revisões dos colegas, re-escritas, apoio do professor, versão final, publicações ). Atividades de pós-escrita incluem reflexões sobre os textos que acabaram de ser produzidos, incluindo discussões sobre os gêneros, textos e seus contextos, a organização interna dos textos e os aspectos léxico-gramaticais. Quadro 4. Compreensão oral PARTE 4: COMPREENSÃO ORAL Sim Parc. Não Ouvir é um processo interativo (relações ouvinte-texto-contexto). Uso de diferentes estratégias (metacognitivas, cognitivas, afetivas e sociais). Diversidade de gêneros textuais com funções sociais variadas (entrevistas, conversas do dia-a-dia para propósitos diferentes, documentários, palestras, desenhos animados etc.) O processo de compreensão envolve atividades de pré-escuta, de compreensão geral, de pontos principais e de compreensão detalhada e atividades de pós-escuta. Incentivo a resumos da informação lida em tabelas, listas, esboços, mapas conceituais etc. Reflexão sobre as condições de produção do texto de compreensão oral nas atividades de pósescuta. Quadro 5. Produção oral PARTE 5: PRODUÇÃO ORAL Sim Parc. Não Falar é um processo interativo (relações ouvinte-falante-texto-contexto). Uso de diferentes estratégias (metacognitivas, cognitivas, afetivas e sociais). Diversidade de gêneros textuais com funções sociais variadas (entrevistas, conversas do dia-a-dia para propósitos diferentes, documentários, palestras, desenhos animados etc.) Diversidade de atividades de produção para fins comunicativos diversos ( role plays, entrevistas, debate, conversa guiada, conversa livre etc.). 300
Desenvolvimento da pronúncia na língua alvo. Reflexão sobre as condições de produção do texto de compreensão oral nas atividades de pósescuta. Considerações finais Apesar da grande variedade de material disponível no mercado, parece difícil encontrar um livro didático cujo conteúdo e atividades se encaixem perfeitamente com as necessidades dos nossos alunos e com as exigências dos cursos nos quais atuamos como docentes, tendo em vista que cada situação de ensino-aprendizagem é única e depende de fatores como a dinâmica da classe, as pessoas envolvidas, o conteúdo programático, a disponibilidade de recursos, as expectativas e motivações dos aprendizes, entre outros. Mesmo assim, muitas vezes, somos obrigados a adotar determinados livros por imposição da instituição de ensino, e, para não ficarmos reféns dos rígidos programas que podem também acabar nos engessando, me parece fundamental que o professor saiba avaliar, escolher, modificar, complementar, ou até mesmo elaborar livros didáticos, levando em conta suas concepções de linguagem e de ensino-aprendizagem, os objetivos do curso, a realidade da instituição de ensino (estrutura física da escola, recursos disponíveis, entre outros), as necessidades e expectativas dos alunos e as necessidades da situação-alvo. Referências CUNNINGSWORTH, A. Checklist of Evaluation Criteria. In: Evaluation and Selecting EFL Teaching Materials. London: Heineman, 1984. DIAS, R. Um instrumento de avaliação para as atividades de leitura no livro didático (LD) de língua estrangeira (LE) no contexto da educação básica. Moara. UFPA, Belém, 2008. GRAVES, K. Designing Language Courses: A guide for teachers. Boston: Heinle & Heinle, 2000. LITTLEWOOD, W. Communicative Languagem Teaching. UK: Cambridge, 2008. OLIVEIRA, S.T. Avaliação comparativa de livro didático: Focus on Grammar (Basic) X New English File (Elementary). Encontros: Estudos Acadêmicos, Santa Cruz do Rio Pardo, n. 7, p.91-105, 2006. 301
RAMOS, R.C.G. Avaliação e Preparação de Material Didático para Contextos Presencial e Digital. Disciplina oferecida no primeiro semestre de 2006 no Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem PUCS, 2006. RICHARDS, J.C. The role of textbooks in a language program. New Routs April, 2002. Disal, 2002. UR, P. A Course in Language Teaching. Practice and Theory. UK: Cambridge, 2008. Para citar este artigo: OLIVEIRA, Sílvio Tadeu de. Avaliando livros didáticos de língua inglesa. In: VIII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2011. Anais... UENP Universidade Estadual do Norte do Paraná Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2011. ISSN 18089216. p. 294 302. 302