RISCOS DO USO DO FLÚOR SISTÊMICO - REVISÃO DE LITERATURA

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Transcrição:

RISCOS DO USO DO FLÚOR SISTÊMICO - REVISÃO DE LITERATURA Patricia Aleixo dos Santos Domingos 1, Hérica Adad Ricci-Donato 1, Ana Karla Ferreira Decaro Russi 1 1 Departamento de Ciências Biológicas e de Saúde, Universidade de Araraquara - UNIARA, Brasil AUTOR CORRESPONDENTE: patricmat572@gmail.com RESUMO O presente estudo tem como objetivo revisar a literatura pertinente aos aspectos da toxicidade sistêmica do flúor e apresentar casos relatados na literatura de intoxicação pelo uso indiscriminado deste elemento. O flúor por ser uma substância farmacologicamente ativa, deve ter seu uso racionalizado. No Brasil, a fluoretação das águas teve início em 1985 e em 1988 aos dentifrícios. Os primeiros efeitos do uso do flúor foram relatados devido a fluoretação das águas de abastecimento público e o uso indiscriminado desse elemento. Estes efeitos vão desde sintomas gastrointestinais até morte súbita. O flúor pode acumular nos tecidos cerebrais afetando a memória e aprendizagem, em tecidos ósseos causando fluorose óssea e tecidos moles causando toxicidade metabólica estrutural e funcional outros órgãos estão suscetíveis ao flúor como miocárdio, fígado, rim, testículo e ovário. Nas crianças, os efeitos relacionados a exposição do flúor envolvem redução da capacidade cognitiva e do Quociente de Inteligência (QI). Fluoreto também está relacionado as disfunções da glândula tireoide. O flúor na Odontologia apresenta-se como importante substância de utilização nos métodos preventivos da doença cárie. O uso do flúor sistêmico, embora também possa mostrar eficácia na prevenção da cárie dental, tem se apresentado como fator de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde envolvendo o Sistema Nervoso Central, sistema esquelético e tireóide. Sugere-se buscar o equilíbrio entre as pesquisas e as medidas de larga abrangência para prevenção de doenças, visto que os benefícios oferecidos para determinadas condições de saúde na população devem ser ponderados com os malefícios de seus possíveis efeitos adversos. PALAVRAS-CHAVE: Flúor. Odontologia. Intoxicação por flúor. http://dx.doi.org/10.19177/jrd.v6e4201886-90 INTRODUÇÃO O efeito benéfico do flúor (F) no controle da cárie dentária foi descoberto casualmente nas primeiras décadas do século XX e desde então, este íon vem sendo um grande aliado na prevenção desta doença na Odontologia. Sua introdução na Odontologia ocorreu de forma curiosa, pois através de seus efeitos deletérios na aparência do esmalte dental, a fluorose dental, é que houve o interesse inicial e, posteriormente, a descoberta de seus benefícios anticárie. Muitas razões colaboram para o seu uso, como o baixo custo, eficácia, e ampla variedade de métodos pelos quais ele pode ser utilizados. 15 De acordo com as recomendações do relatório do Centro de Controle de Prevenção de Doenças

dos Estados Unidos (Center for Disease Control and Prevention CDC), a fluoretação das águas é destacada como a maneira mais segura, efetiva e econômica de prevenção de cárie dentária, abrangendo toda a população, e por isso é considerada como uma entre as dez medidas de maior impacto em saúde pública. 15 Todavia, como qualquer substância farmacologicamente ativa, seu uso deve ser racionalizado, visando maximizar seus efeitos benéficos e minimizar seus efeitos adversos. A exposição à elevadas quantidades de flúor (F) pode provocar reações adversas, de intensidade e forma de manifestação dose-dependentes, tais como fluorose dentária, até a fluorose esquelética e mesmo a morte em situações extrema. 20 Deste modo, o estudo tem como objetivo revisar a literatura pertinente aos aspectos da toxicidade sistêmica do flúor e apresentar casos relatados na literatura de intoxicação pelo uso indiscriminado deste elemento. DISCUSSÃO O flúor é o 17 elemento em ordem de abundância, com ampla distribuição na crosta terrestre e presente no solo, água, ar, animais e vegetais. O homem consome flúor pela ingestão de vegetais, bebidas, como chá preto e animais como camarão e peixe. A quantidade de flúor ingerida na dieta é difícil de ser estabelecida, em função das variações individuais, regionais e culturais na alimentação e da industrialização dos alimentos. 4 Apesar da maior parte do flúor ser incorporado por tecidos mineralizados, baixas concentrações desse elemento são capazes de alterar o metabolismo e a atividade enzimática nos tecidos moles, funcionando como um potente inibidor de muitas enzimas. 17,20 Os primeiros efeitos do uso dos fluoretos na prevenção da doença cárie foram descobertos devido à ingestão de água fluoretada. Observou-se que, em regiões com água fluoretada havia um menor número de dentes com lesões de cárie, sugerindo que o fluoreto era incorporado ao esmalte dental. 13 A adição de flúor às águas de abastecimento público, como estratégia de saúde pública para prevenir a cárie dentária, teve início com três estudospilotos em 1945 nos Estados Unidos e no Canadá. 15,18 O consumo ideal preconizado é de 0,05 a 0,07 mg/kg por dia de flúor. Lima e Cury 12 (2001) afirmam que esta concentração depende da temperatura ambiental e, para a maioria das regiões brasileiras, é de 0,7ppmF (mg F/L), tolerando o mínimo de 0,6ppmF e o máximo de 0,8ppmF. Assim, a concentração acima de 0,6 garantiria os benefícios de redução de cárie, mas seria relevante não superar 0,8 para manter graus aceitáveis de fluorose dental. Fluorose dental é uma deficiência na mineralização do esmalte devido à ingestão diária de fluoreto durante o desenvolvimento dental. Essa condição faz com que o controle operacional da água de abastecimento seja indispensável, sendo executado pela empresa de saneamento de cada município e assegurando a qualidade da água fornecida ao consumidor, como exigida pela legislação. 5,19 De acordo com Couto et al. 7 (2016), a cárie dental é uma doença infectocontagiosa de caráter crônico, multifatorial e transmissível, constituindo um grande problema de saúde pública mundial. Um fator importante que deve ser levado em consideração é que ela pode ser prevenida e controlada. 11 A cariologia se desenvolveu explicando o enorme impacto dos três principais fatores etiológicos da doença cárie: microrganismo, substrato e hospedeiro. Primeiro, o papel da nutrição, considerando que esta poderia tornar o dente mais susceptível ao ataque cariogênico, como é o caso da forte correlação entre o consumo de açúcar nas populações e a experiência de cárie dentária. O segundo fator seria o papel dos microrganismos, estabelecendo a cárie dentária como doença infecciosa e transmissível, associada principalmente ao Estreptococos mutans. Terceiro, a susceptibilidade do hospedeiro, onde entra o papel do flúor na água de abastecimento para ação sistêmica durante a formação dentária. 3 O flúor tem papel fundamental na prevenção e controle das cáries dentárias em crianças e adultos e seu efeito é dependente da dose e do tempo de exposição. No Brasil, o flúor foi incorporado à água de abastecimento público desde 1985 e aos dentifrícios em 1988. Após ingestão, o flúor é absorvido pelo trato gastrintestinal e, atingindo a corrente sanguínea retorna à cavidade bucal através dos vasos sanguíneos, da secreção salivar e dos líquidos bucais. Na forma tópica, atua diretamente na superfície dentária, como é o caso dos cremes dentais, soluções para bochecho, géis e vernizes. Outras formas de administração de flúor são os suplementos ou complementos dietéticos, que são prescritos pelo médico à gestante. Parte desse flúor absorvido acaba sendo distribuído via placenta ao feto. A presença de flúor em concentrações abaixo de 1 ppm (0,7 ppm - presente na água), no meio bucal reduz 87

significativamente a perda mineral causada pelos ácidos bacterianos. O flúor no esmalte substitui grupos hidroxilas formando a apatita fluorada que é mais resistente à ação dos ácidos que a hidroxiapatita. Na forma ionizada, altas concentrações de fluoretos podem atuar no metabolismo bacteriano, inibindo a produção de ácido e a síntese de polissacarídeos. O flúor, por ser substância farmacologicamente ativa, deve ter seu uso racionalizado em termos de benefícios e toxicidade. Nos últimos anos tem-se observado aumento significativo da exposição da população às diversas fontes de flúor, tais como dentifrícios e água de abastecimento público, o que pode ocasionar intoxicação crônica. 4 A toxicidade do fluoreto ingerido por via oral depende principalmente da fração desse fluoreto que é absorvido no trato gastrointestinal, mas também deve ser considerada a quantidade de fluoreto excretada pela urina. Assim, a eliminação do fluoreto circulante depende da função renal e o ph da urina influencia na excreção renal do fluoreto, pois quando o ph da urina está ácido, o fluoreto é reabsorvido nos túbulos renais e retorna para o sangue mantendo o nível metabólico alto. Assim, acidose respiratória ou metabólica pode agravar a fluorose quando da ingestão de fluoreto durante a formação dos dentes. Quando altas quantidades de fluoreto são ingeridas, podem ocorrer desde sintomas gastrointestinais, como náuseas, vômitos e diarreia, até parada cardiorrespiratória e morte. Tendo em vista acidentes fatais quando pessoas foram submetidas a doses de fluoreto menores que as chamadas de dose certamente letal e seguramente tolerada, o parâmetro hoje aceito é chamado de dose provavelmente tóxica (DPT) a qual corresponde a dose de ingestão de 5,0 mg F/kg de peso corpóreo da vítima. 8 Quando quantidades pequenas de fluoreto são ingeridas diariamente durante a formação dos dentes, estes estão sujeitos ao fenômeno de fluorose dental. 8 A fluorose dental é uma deficiência na mineralização do esmalte causada pela ingestão regular de fluoreto durante o período de desenvolvimento dental. Essa deficiência dentária é o efeito tóxico mais comum da intoxicação crônica pelo flúor, sendo resultante da incorporação de diversas fontes de flúor. De acordo com Fujibayashi 9 (2011), a fluorose é caracterizada pela hipomineralização do esmalte dentário resultante da retenção de proteínas (amelogenina) na matriz do esmalte durante a fase inicial da mineralização. Quanto mais acentuado for o grau de fluorose, mais opaco e até amarelocastanho ficará o esmalte. Isto depende da quantidade de flúor ingerido, da exposição e do estágio da amelogênese durante o período de exposição. 4 No Brasil, existem registros de fluorose endêmica devido à presença de altos níveis de fluoreto nas águas. Em regiões onde as concentrações de fluoreto na água se apresentam extremamente altas, a população exposta pode desenvolver alterações dentárias e esqueléticas. Embora a fluoretação das águas de abastecimento seja praticada em muitos lugares, na esperança de reduzir a incidência de cárie dentária, não há preocupação constante com a possibilidade da exposição ao flúor poder vir a causar efeitos tóxicos. Produtos químicos podem, no entanto, causar lesão cerebral permanente em níveis baixos de exposição que teriam efeito adverso pouco ou nenhum em um adulto. O cérebro humano em desenvolvimento é muito mais susceptível a lesões causadas por substâncias tóxicas do que o cérebro maduro, e os danos sofridos, provavelmente sejam de natureza permanente como as grandes janelas de vulnerabilidade de desenvolvimento ocorrem no útero e durante a infância e primeira infância. Estudos de laboratório (Mullenix et al., 1995; Chioca et al., 2008 apud Choi, 2014) têm demonstrado que o sistema nervoso central (SNC) pode ser vulnerável a exposição do flúor, uma vez que este elemento se acumula nos tecidos cerebrais e pode afetar o hipocampo que é o processador central da memória e aprendizagem, alterando suas funções. Tem efeitos potenciais sobre o desenvolvimento neurológico em crianças que foram estudadas. 6,16 O flúor pode atravessar a membrana celular e introduzir tecidos moles, induzindo, assim, a toxicidade metabólica, estrutural e funcional. Danos causados por fluorose crônica têm sido relatados em muitos tecidos, incluindo miocárdio, fígado, rim, testículos, ovário e os tecidos cerebrais. Os efeitos neurotóxicos do flúor no cérebro incluem stress oxidativo, diminuição nos receptores de acetilcolina nicotínicos e alterações histopatológicas. Nas crianças, os efeitos mais comumente relatados de exposição ao flúor envolvem reduções na capacidade cognitiva e do Quociente de Inteligência (QI). O flúor tem sido muito conhecido como uma neurotoxina, com efeitos específicos no cérebro em desenvolvimento. Fluoreto também foi associado a lesões na função da tireoide e alterar a formação neuronal no feto em desenvolvimento, resultando em alterações irreversíveis no cérebro fetal. Estudos como o de Jiang 10 (2014) com 88

animais obtiveram resultados semelhantes, sugerindo que o fluoreto pode prejudicar a aprendizagem e memória, além de induzida anormalidade comportamental. Assim, os pesquisadores têm dedicado muita atenção aos efeitos adversos do flúor sobre o sistema nervoso central. Os baixos níveis de utilização de glucose estão ligados às alterações neurodegenerativas que incluem atrofia cerebral, degeneração neuronal aguda e edema intersticial neuronal, os quais podem ser possíveis razões para a neurotoxicidade sobre o desenvolvimento observado nos ratos expostos ao flúor. Estas descobertas podem indicar o mecanismo pelo qual o flúor induz neurotoxicidade. 10 De acordo com Medeiros 14 (2014), a fluorose óssea é caracterizada pela diminuição do número de osteoclastos, espessamento de osso cortical, diminuição de elementos medulares e arranjo irregular de condrócitos. Após exposição crônica aos compostos de fluoreto, a densidade do osso aumenta e é formado tecido ósseo subperiosteal, ocorrendo calcificação de ligamentos. Exposição profissional a fluoretos foi registrado, pela primeira vez em trabalhadores de fundição em processamento de fluorita (CaF2) na indústria de aço. Esta patologia já esteve presente em um quarto dos trabalhadores em metalurgia de alumínio. O acúmulo de fluoretos no organismo é geralmente um processo de longo prazo. Desse modo, a fluorose óssea surge somente após anos de exposição, o que explica assim a maior incidência da doença em pessoas idosas. A prevalência de fluorose óssea nas pessoas com mais idade também é notável em outros estudos. 1 De acordo com Al-Hiyasat 2 (1995), o fluoreto de sódio administrado na água de beber a ratos durante 30 dias com doses médias de 22,6 mg/kg/dia causou efeitos fetotóxicos definitivos. Houve redução do número de fetos viáveis e um aumento do número de ratazanas grávidas com reabsorção bem como um aumento no número total de reabsorção. Houve também aumento significativo no peso dos órgãos maternos. Os ratos que haviam ingerido NaF mostraram aumento no peso dos ovários e no peso do útero e do rim. Os resultados indicam que a exposição de ratas ao NaF na água potável tem efeitos fetotóxicos adversos. Assim, sugere-se a reflexão da classe odontológica para com as formas de administração do flúor como método de prevenção da cárie, uma vez que aqueles de efeito sistêmico, de acordo com a literatura consultada, têm demonstrado complicações ao organismo dos indivíduos que o consomem. CONCLUSÃO Diante da literatura consultada, pôde-se concluir que: - O flúor na Odontologia apresenta-se como importante substância de utilização nos métodos preventivos da doença cárie; - O uso do flúor sistêmico, embora também possa mostrar eficácia na prevenção da cárie dental, tem se apresentado como fator de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde envolvendo o Sistema Nervoso Central, sistema esquelético e tireóide; - Sugere-se buscar o equilíbrio entre as pesquisas e as medidas de larga abrangência para prevenção de doenças, visto que os benefícios oferecidos para determinadas condições de saúde na população devem ser ponderados com os malefícios de seus possíveis efeitos adversos REFERÊNCIAS 1. Adriano MSPF et al. Fluorose óssea: conhecimento de uma população acerca da doença. Saúde Bucal. 2016; 5(1):125-30. 2. Al-Hiyasat AS et al. Reproductive Toxic Effects Of Ingestion Of Sodium Fluoride In Female Rats. Rev. Fluoride. 2000;33(2):79-84. 3. Biral AM et al. Cárie dentária e práticas alimentares entre crianças de creches do município de São Paulo. Rev. Nutrição. 2013; 26(1):37-48. 4. Buscariolo IA, Penha SS, Rocha RG. Intoxicação crônica por flúor. Prevalência de fluorose dentária em escolares. Rev. Ciênc. Farm. Básica Apl. 2006; 27(1) :83-7. 5. Catani BC et al. Relação entre níveis de fluoreto na água de abastecimento público e fluorose dental. Rev. Saúde Pública. 2007;.41(5):732-9. 6. Choi AL et al. Association of life exposure to fluoride and cognitive functions in Chinese children: A pilot study. Rev. Neurotoxicology e Teratology. 2014;47(2015):96-101. 7. Couto VES et al. A Influência Da Alimentação Na Cárie Dental. In: Mostra Científica da Farmácia; 2016; Quixadá. Anais da Mostra Científica da Farmácia. 89

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