FEMPAR FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ ALINE FERNANDES ALVES DOS ANJOS



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Transcrição:

FEMPAR FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ ALINE FERNANDES ALVES DOS ANJOS ARTIGO 13 DO CDC: A RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE PELO FATO DO PRODUTO CURITIBA 2009

ALINE FERNANDES ALVES DOS ANJOS ARTIGO 13 DO CDC: A RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE PELO FATO DO PRODUTO Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Ministério Público Estado Democrático de Direito, na área de concentração em Direito do Consumidor, Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil - UniBrasil. Orientador: Profª. Ms. Alessandra Neusa Sambugaro de Matos CURITIBA 2009

TERMO DE APROVAÇÃO ALINE FERNANDES ALVES DOS ANJOS Artigo 13 do CDC: A responsabilidade do comerciante pelo fato do produto Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista no curso de Pós-Graduação em Ministério Público - Estado Democrático de Direito, Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil UniBrasil, examinada pelo Professor Orientador Ms. Alessandra Neusa Sambugaro de Matos. Prof. Ms. Alessandra Neusa Sambugaro de Matos. Orientador Curitiba, 30 de maio de 2009

SUMÁRIO INTRODUÇÃO...1 1. RESPONSABILIDADE CIVIL:...2 1.1 CONCEITO:...2 1.2 NATUREZA JURÍDICA:...4 1.3 ELEMENTOS:...5 1.3.1 Dano:...6 1.3.2 Ação:...7 1.3.3 Nexo de causalidade:...9 2. ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL:...9 2.1 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E AQUILIANA:...10 2.1.1 Responsabilidade contratual:...10 2.1.2 Responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana:...10 2.2 RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA:...11 2.2.1 Responsabilidade Subjetiva:...11 2.2.2 Responsabilidade objetiva:...14 3. A PROTEÇÃO CONFERIDA AO CONSUMIDOR:...16 3.1 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO DO CONSUMIDOR:...16 3.2 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR:...18 3.2.1 Conceito de consumidor:...21 3.2.2 Conceito de fornecedor:...25 3.2.3 Conceito de produto e serviço:...28 3.2.4 Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço:...29 3.2.5 Responsabilidade pelo vício do produto e do serviço:...34 4. RESPONSABILIDADE DO COMERCIANTE PELO FATO DO PRODUTO:...38 4.1 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA OU SUBSIDIÁRIA?...39 4.2 QUANDO O FABRICANTE, CONSTRUTOR, PRODUTOR OU IMPORTADOR NÃO PUDEREM SER IDENTIFICADOS:42 4.3 SE O PRODUTO FOR FORNECIDO SEM INDENTIFICAÇÃO DO FABRICANTE, PRODUTOR, CONSTRUTOR OU IMPORTADOR:...43 4.4 CONSERVAÇÃO INADEQUADA DOS PRODUTOS PERECÍVEIS:...44 CONCLUSÃO...46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...48 ii

RESUMO Em um Estado Democrático de Direito onde se verifica uma situação de hipossuficiência do consumidor dentro das relações de consumo, fez-se necessário editar uma legislação para a sua defesa. Assim, em 11 de setembro de 1.990, foi editado o Código de Defesa do Consumidor. Neste trabalho, são abordadas as diversas espécies de responsabilidade civil previstas pelo direito comum, e o motivo pelo qual este direito foi insuficiente para regular as relações de consumo. Outrossim, são analisadas as espécies de responsabilidade civil adotadas pelo Código de Defesa do Consumidor para atingir a finalidade para a qual fora editado, qual seja, a proteção do consumidor. Analisa-se especificamente a espécie de responsabilidade adotada pelo legislador com relação ao comerciante, quando tratar-se de defeito no produto ou acidente de consumo, bem como as hipóteses em que este deve ser responsabilizado. iii

1 INTRODUÇÃO A Revolução Francesa, juntamente com seu modo de produção em massa, trouxe consigo uma nova forma de relação jurídica, na qual se encontravam de um lado os fornecedores e de outro os consumidores. No início, aplicava-se à estas relações o direito comum, ou seja, o direito civil da mesma maneira em que este era aplicado quando se tratava de relações contratuais entre particulares. Com a evolução da sociedade, percebeu-se que o direito civil não dava conta de regular as relações de consumo, haja vista a flagrante situação de desigualdade em que se encontrava o consumidor. Assim, em 11 de setembro de 1.990 foi editada no Brasil a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) que trouxe consigo mecanismos inéditos para a proteção do consumidor e para a efetivação desta proteção. O Código de Defesa do Consumidor previu, entre outros institutos, novas formas de responsabilidade civil a serem aplicadas nas relações consumeristas, aplicando-se, em regra, a responsabilidade objetiva quando o fornecedor ofereça produtos ou forneça serviços defeituosos ao consumidor. Assim, ao consumidor basta comprovar a ocorrência do dano e o nexo de causalidade, prescindindo, portanto, da comprovação de culpa do fornecedor. O legislador conferiu ao comerciante um tratamento diferenciado quanto à sua responsabilização, prevendo, no artigo 13 do Código, as hipóteses em que este deve ser responsabilizado, que são quando os demais fornecedores não possam ser identificados, quando o produto for fornecido sem a identificação dos demais fornecedores e quando houver, pelo comerciante, uma falha na conservação dos produtos perecíveis. Salienta-se, no entanto, que o tratamento diferenciado conferido ao comerciante pelo legislador não pode, em nenhum momento, ser analisado como um privilégio concedido a este, visto que ele está sujeito às mesmas regras a que estão sujeitos os demais fornecedores e que as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor devem sempre ser interpretadas de maneira que a lei cumpra seus objetivos principais que são a proteção do consumidor e a facilitação no reparo de danos sofridos por este.

2 1. RESPONSABILIDADE CIVIL: Inicialmente, necessário se faz conceituar o instituto da Responsabilidade Civil latu sensu, bem como analisar sua natureza jurídica e enumerar seus elementos e suas espécies, para que se possa fazer uma análise aprofundada do tema em discussão e vir a diferenciar o instituto previsto para os casos em geral e o instituto visto especificamente no Código de Defesa do Consumidor. 1.1 CONCEITO: O vocábulo responsabilidade pode ser entendido a priori como a obrigação de restituir ou ressarcir por um dano causado ou um bem sacrificado. Rui Stoco o define da seguinte maneira: A noção de responsabilidade pode ser exaurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém de seus atos danosos. 1 Conforme leciona Silvio de Salvo Venosa 2, toda atividade que causa prejuízo a outrem gera o dever de indenizar, e utiliza-se o termo responsabilidade em toda situação em que uma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato ou negócio danoso. Desta forma, o instituto da Responsabilidade Civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar. Desta feita, Maria Helena Diniz conceitua o instituto: Poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva) ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). Definição esta que guarda, em sua estrutura, a idéia da culpa quando se cogita da existência de ilícito e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa 3. Ainda, Para Silvio Rodrigues: 1 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 119. 2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 13. 3 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 7, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 36.

3 A responsabilidade civil vem definida por SAVATIER como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. Realmente o problema em foco é o de saber se o prejuízo experimentado pela vítima deve ou não ser reparado por quem o causou. Se a resposta for afirmativa, cumpre indagar em que condições e de que maneira será tal prejuízo reparado. Esse é o campo que a teoria da responsabilidade civil procura cobrir. 4 No mesmo sentido, Alexandre Agra Belmonte leciona que Responsabilidade civil é o dever garantido por lei, obrigação ou contrato, de reparar, no campo civil, o dano causado por ato próprio do agente ou por pessoa, animal, coisa ou atividade sob a sua tutela, lesivo a bem jurídico ou patrimonial de outrem 5. Muito embora trate-se de uma divisão meramente didática, cumpre informar que a maior parte dos doutrinadores, dentre eles Carlos Roberto Gonçalves, incluem o instituto da Responsabilidade Civil no Direito Obrigacional, por possuir como principal conseqüência da prática de um ato ilícito a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano, obrigação de natureza pessoal que se resolve em perdas e danos 6. Importa, ainda, salientar que o instituto da Responsabilidade Civil não foi sempre presente no ordenamento jurídico, conforme preconiza Carlos Roberto Gonçalves 7. Em Roma, por exemplo, não se distinguia responsabilidade civil e responsabilidade penal. Ambas, inclusive a compensação pecuniária, não passavam de uma pena imposta ao causador do dano. A Lex Aquilia iniciou uma distinção: não obstante a responsabilidade continuasse sendo penal, a indenização pecuniário pasou a ser a única forma de sanção nos casos de atos lesivos criminosos. Conclui-se, portanto, que Responsabilidade Civil é a obrigação da Pessoa Física ou Jurídica de reparar o dano causado por uma conduta que viola um dever jurídico de não lesionar implícito ou expresso em lei. 8 4 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Volume 4, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 06. 5 BELMONTE, Alexandre Agra. Instituições Civis no Direito do Trabalho Parte Geral, Obrigações, Responsabilidade Civil e Contratos. 2º ed. Atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 254. 6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 6ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 04. 7 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 15. 8 STOCO, Rui. Op. cit. p. 120.

4 1.2 NATUREZA JURÍDICA: Conforme mencionado, o instituto da Responsabilidade Civil decorre, em regra, da violação da ordem jurídica. No entanto, a Responsabilidade Penal também decorre desta violação, razão pela qual se faz necessário diferenciar os institutos. De acordo com Silvio Rodrigues 9, em ambos os casos ocorre infração de um dever por parte do agente. No caso do crime, o qual acarreta a Responsabilidade Penal, o agente infringe uma norma de direito público e seu comportamento perturba a ordem social. Desta feita, seu ato provoca uma reação do ordenamento jurídico, o qual não pode se compadecer com uma atitude desta ordem. Representa-se a reação da sociedade pela pena, e neste caso, não importa se a vítima teve ou não prejuízo. No caso de ilícito civil, no entanto, o interesse lesado não é o interesse público, mas sim o privado. Se o procedimento do agente, não obstante possa não ter infringido uma norma de ordem pública, houver causado dano a alguma pessoa, aquele possui o dever de repará-lo. A reação da sociedade, neste caso, é representada pela indenização a ser exigida pela vítima do agente causador do dano. Entretanto, como se trata de matéria de interesse apenas do prejudicado, se este sofrer o prejuízo e se mantiver inerte, nenhuma conseqüência existirá para o agente causador do dano. É possível que o ato ilícito, por sua gravidade e conseqüências, repercuta tanto na ordem civil quanto na penal, constituindo crime ou contravenção e acarretando prejuízo a terceiro. Neste caso, será aplicada a pena ao delinqüente e acolher-se-á o pedido de indenização formulado pela vítima, ou seja, haverá tanto a Responsabilidade Penal quanto a Responsabilidade Civil. O Código Civil de 2002, em seu artigo 186, estabeleceu a cláusula geral de responsabilidade civil baseada no ato ilícito. De acordo com esta teoria, onde houver dano ou prejuízo, é a Responsabilidade Civil que deve embasar a pretensão de ressarcimento por parte de quem sofreu com o prejuízo do evento. Sobre este aspecto leciona Sebastião Geraldo de Oliveira: 9 RODRIGUES, Sílvio. Op. cit. p. 6.

5 Onde houver dano ou prejuízo, a responsabilidade civil é chamada para fundamentar a pretensão de ressarcimento por parte daquele que sofreu as conseqüências do infortúnio. É, por isso, instrumento de manutenção da harmonia social, na medida em que socorre o que foi lesado, utilizando do patrimônio do causador do dano para a restauração do equilíbrio rompido. Com isso, além de corrigir o desvio de conduta, amparando a vítima do prejuízo, serve para desestimular o violador potencial, o qual pode antever e até mensurar o peso da reposição que seu ato ou omissão poderá acarretar. 10 O ato ilícito é fonte de obrigações, e, conforme leciona Orlando Gomes, a lei impõe a quem o pratica o dever de reparar o dano resultante. (...) Em sua sanção externa, a sanção civil apresenta-se como uma relação obrigacional. Praticado o ato, nasce, para o agente a obrigação de indenizar a vítima, tendo por objeto prestação de ressarcimento. 11 Desta feita, constitui-se uma relação obrigacional na medida em que o agente causador do dano é o devedor, e a vítima é o credor, como se efetivamente houvesse um contrato entre ambos. Obviamente, tal contrato não existe e a semelhança é meramente aparente, haja vista que quem pratica o ato ilícito não contrai voluntariamente a obrigação assim como quem contrata. No mesmo sentido leciona Carlos Roberto Gonçalves: Ato ilícito é, portanto, fonte de obrigação: a indenizar ou ressarcir o prejuízo causado (CC, art. 927). É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem. 12 Assim, a determinação judicial para o pagamento de determinada indenização é a aplicação da sanção referente à prática de um ato ilícito, e o Código Civil relaciona o ato ilícito como uma fonte de obrigação de indenizar os danos causados à vítima. 1.3 ELEMENTOS: Do artigo 186 do Código Civil de 2002 extraem-se os elementos essenciais ao instituto da Responsabilidade Civil, verbis: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 10 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Proteção Jurídica À Saúde do Trabalhador. 2ª ed. rev., amp. e atual. São Paulo: LTr, 1998, p. 209. 11 GOMES, Orlando. Obrigações. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 254. 12 GONÇALVES, Carlos Roberto e AZEVEDO, Antônio Junqueira (Coord). Comentários ao Código Civil: parte especial. Vol. 11, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 282.

6 Da análise do artigo citado, verifica-se que para que possa se caracterizar a Responsabilidade Civil, é necessária a existência dos seguintes elementos: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, dano moral ou patrimonial suportado pela vítima e nexo causal entre o dano e a ação ou omissão. Passemos, portanto, à análise aprofundada de cada um desses elementos. 1.3.1 Dano: Dano é o prejuízo causado pelo agente a bem jurídico de outrem. Não há como haver responsabilidade sem que tenha havido prejuízo. Neste sentido, Maria Helena Diniz afirma que só haverá responsabilidade civil se houver dano, visto que este é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, eis que não pode haver ação de indenização sem a ocorrência de prejuízo. 13 Ainda no mesmo sentido, Silvio Rodrigues, citado por Rui Stoco, afirma que é princípio geral do direito aquele que impõe a quem causa dano a outrem, o dever de repará-lo 14. Desta feita, conclui-se que, mesmo ocorrendo a violação de um bem jurídico, mesmo havendo culpa ou dolo por parte do infrator, se não houver prejuízo, não será devida nenhuma indenização. Conforme expõe Carlos Roberto Gonçalves, inexistindo dano há óbice para a pretensão de reparação, pois não há objeto 15. Dano pode, portanto, se conceituado como (...) o prejuízo causado a bem jurídico de determinado sujeito do direito, por ação ou omissão imputável a outrem. 16 O dano caracteriza-se pela diminuição patrimonial experimentada por alguém, e pode atingir elementos de cunho pecuniário e moral. Pode ser, portanto, patrimonial ou extrapatrimonial. O dano patrimonial é a lesão concreta que afeta um interesse relativo a um patrimônio da vítima; consiste na perda ou deterioração total ou parcial dos bens materiais 13 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 58. 14 STOCO, Rui. Op. cit. p. 123. 15 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade... p. 546. 16 BELMONTE, Alexandre Agra. Op. cit. p. 254.

7 que lhe pertencem, e é passível de avaliação pecuniária. 17 O dano patrimonial é, portanto, avaliado em dinheiro, sendo, no entanto, em algumas hipóteses, desnecessária tal avaliação, quando for possível o retorno do objeto ao status quo ante, por meio de reconstituição natural. O dano patrimonial inclui em seu conceito o dano emergente e os lucros cessantes, sendo aquele definido como a efetiva diminuição do patrimônio experimentada pela vítima; e este como o lucro que a vítima deixou de auferir em virtude do evento danoso. O dano extrapatrimonial ou moral é aquele que afeta os interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica. Silvio de Salvo Venosa o conceitua da seguinte maneira: Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui também é necessário o critério objetivo do homem médio, o bonus pater famílias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal. 18 Assim, o dano moral é aquele que atinge o ofendido sem atingir seu patrimônio. É lesão que afeta, sobretudo, os direitos da personalidade protegidos Constitucionalmente, como a honra, a intimidade e a imagem, por exemplo. Há que se ter cuidado, no entanto, quando da fixação do quantum indenizatório para a vítima, para que a indenização não constitua fonte de riqueza, gerando enriquecimento ilícito. Em outras palavras, a vítima não pode, após a ocorrência do evento danoso, obter benefícios com a indenização que a deixem em estado melhor do que o que se encontrava anteriormente. 1.3.2 Ação: 17 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p. 64. 18 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit. p. 47.

8 Ação pode ser conceituada como o ato humano, comissivo ou omissivo, lícito ou ilícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado 19. O dano pode ser causado por uma ação ou omissão do agente, ou seja, este, quando por um agir ou por um deixar de agir, infringir um dever legal, contratual ou social e gerar dano a outrem, deverá repará-lo. Assim, conforme expõe Silvio Rodrigues, a responsabilidade deriva de fato próprio, comissivo ou de abstenção do agente que deixa de tomar uma atitude que deveria tomar. 20 Assim, a ação é um facere, enquanto a omissão é um non facere, ambas sendo espécies do gênero conduta humana, que geram o dever de indenizar quando causam prejuízo à ordem jurídica de outrem. Ainda, a ação pode ser voluntária ou involuntária, sendo apenas a ação voluntária passível de responsabilização, eis que estão excluídos os atos praticados sob coação absoluta, efeito de hipnose, ataque epilético, sonambulismo, em estado de inconsciência ou praticados por provocação de atos invencíveis, como tempestades, naufrágios, inundações, por exemplo. Cumpre salientar que a conduta voluntária é aquela controlável pela vontade à qual se imputa o fato 21. A ação, comissiva ou omissiva, pode, também, se apresentar como um ato lícito ou ilícito. A responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa; e a responsabilidade sem culpa, na idéia de risco. A regra básica é que a obrigação de indenizar pela prática de um ato ilícito advém da culpa. O ato ilícito ocorre quando a ação praticada pelo agente contrariar dever geral previsto no ordenamento jurídico (responsabilidade extracontratual) ou quando não cumprir com obrigação assumida (responsabilidade contratual). O dever de reparar, pode, no entanto, existir mesmo para aquele que age em conformidade com a lei, hipótese em que a responsabilidade migra da idéia de culpa para a idéia de risco. O Código Civil prevê em seus artigos 927, parágrafo único e 931, casos de responsabilidade por ato lícito, e nos artigos 186, 927 e 389, casos 19 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 39. 20 RODRIGUES, Sílvio. Op. cit. p. 19. 21 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 40.

9 de responsabilidade por ato ilícito. Assim, verifica-se que a obrigação de reparar pode decorrer de uma determinação legal, sem que a pessoa obrigada a reparar tenha cometido qualquer ato ilícito. 1.3.3 Nexo de causalidade: A Responsabilidade Civil não existe sem que haja vínculo entre o dano e a ação. A este liame entre a conduta do agente e o dano dá-se o nome de Nexo de Causalidade, o qual é definido da seguinte forma por Maria Helena Diniz: O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se nexo causal, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência. 22 Assim, parafraseando Silvio Rodrigues, para que haja obrigação de reparar, se faz necessária prova da existência de uma relação de causa e efeito entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano sofrido pela vítima. Se a vítima sofrer o dano, mas este na resultar do comportamento ou da atitude do réu, o pedido de indenização formulado por aquela merece ser julgado improcedente 23. Existem situações em que não há, em regra, como se responsabilizar o agente causador do dano. Estas situações constituem os motivos excludentes do nexo causal e são as seguintes: culpa exclusiva da vítima, culpa concorrente, culpa comum, culpa de terceiro e força maior ou caso fortuito. Nestes casos, em regra, não há como responsabilizar o causador do dano. No entanto, há exceções, as quais serão analisadas oportunamente. 2. ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL: 22 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 100. 23 RODRIGUES, Sílvio. Op. cit. p. 18.

10 2.1 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E AQUILIANA: 2.1.1 Responsabilidade contratual: A existência de um contrato, como se sabe, estabelece direitos e deveres para os contratantes. Isto, pois, o contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, que decorre da conjugação de duas ou mais declarações de vontade coincidentes ou concordantes. Conforme preconiza Maria Helena Diniz: Todo contrato requer o acordo de vontades das partes contratantes ou o consentimento, que não constitui somente um requisito de validade, mas também um pressuposto de sua existência, de tal sorte que sem o mútuo consenso, expresso ou tácito, não haverá qualquer vínculo contratual. 24 A responsabilidade contratual resulta de um ilícito contratual, ou seja, do inadimplemento ou mora no cumprimento de qualquer obrigação decorrente do contrato. É a infração de um dever estabelecido pela vontade dos próprios contratantes, decorrendo, assim, de uma obrigação pré-existente. A responsabilidade contratual decorre, portanto, do prejuízo causado por uma pessoa a outra por descumprimento de obrigação contratual. Presume-se a existência de culpa quando da ocorrência de inexecução previsível e evitável da obrigação decorrente do contrato. No entanto, permite-se excepcionalmente que, por meio de cláusula expressa, um dos contratantes assuma o risco da força maior ou do caso fortuito. É possível, ainda, a estipulação de cláusula para reduzir ou excluir a indenização, desde que não seja contrária à ordem pública e aos bons costumes. Com o inadimplemento contratual, a responsabilidade é gerada não pelo dever contratual, mas sim pela obrigação de reparar que surge em substituição à obrigação contratual no todo ou em parte. Conclui-se, portanto, que a inexecução do contrato é, como o próprio contrato, uma fonte de obrigações. 2.1.2 Responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana: 24 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 41.

11 A responsabilidade extracontratual ou aquiliana decorre de um dano causado a outrem que não tenha relação com um contrato pré-existente, ou seja, decorre de lesão a um direito subjetivo ou da prática de um ato ilícito, sem que haja nenhum vínculo contratual entre lesado e lesante 25. Silvio Rodrigues explicita que: Na hipótese de responsabilidade contratual, antes de a obrigação de indenizar emergir, existe, entre o inadimplemento e seu co-contratante, um vínculo jurídico derivado da convenção; na hipótese da responsabilidade aquiliana, nenhum liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar. 26 Assim, enquanto na hipótese de responsabilidade contratual é necessário um vínculo jurídico derivado do contrato entre o contratante e o inadimplemento, na responsabilidade aquiliana não há qualquer vínculo jurídico entre o agente causador do dano e a vítima do evento. Esta modalidade de responsabilidade decorre, em regra, da idéia de culpa, devendo, portanto, ser demonstrado que o agente agiu com negligencia, imprudência ou imperícia para obter a reparação do dano. Pode, no entanto, em raras hipóteses, basear-se da idéia de risco, quando caracterizar-se-á a responsabilidade objetiva. Assim, com relação ao seu fundamento, a responsabilidade aquiliana pode ser subjetiva, se fundada na idéia de culpa, ou objetiva, quando fundada na idéia de risco. Com relação ao agente, a responsabilidade aquiliana pode ser direta ou simples, se decorre de ato da própria pessoa imputada, que responde por ato próprio, ou indireta ou complexa, quando resulta de ato de terceiro com o qual o agente possui vínculo legal de responsabilidade de fato de animal ou de coisa inanimada sob sua guarda. 2.2 RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA: 2.2.1 Responsabilidade Subjetiva: 25 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 159. 26 RODRIGUES, Sílvio. Op. cit. p. 09.

12 A responsabilidade subjetiva caracteriza-se quando encontra seu fundamento na culpa ou dolo, por ação ou omissão lesiva a determinada pessoa. Necessário se faz a prova culpa para poder pleitear pela indenização. Conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves: Diz-se, pois, ser subjetiva a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. 27 Inicialmente, nosso ordenamento jurídico adotou como regra a responsabilidade civil objetiva, ou seja, o dever de ressarcir surgiria da prática de atos ilícitos praticados pelo agente que atuou com culpa. Era, portanto, considerada como uma forma de reprovação da conduta praticada pelo indivíduo causador do dano. Não havendo culpa, em regra, não haveria qualquer responsabilidade. 28 No entanto, conforme será exposto em capítulo a diante, jurisprudência e doutrina verificaram que a responsabilidade civil subjetiva, fundada na culpa, não dava resposta segura e solução a todos os casos, conforme expõe Rui Stoco: A jurisprudência, e com ela a doutrina, convenceram-se de que a responsabilidade civil fundada na culpa tradicional não satisfaz a não dá resposta segura à solução de numerosos casos. A exigência de provar a vítima o erro de conduta do agente deixa o lesado sem reparação, em grande número de casos. 29 Silvio Rodrigues 30 dispõe que a responsabilidade subjetiva não é necessariamente uma nova espécie de responsabilidade civil, mas sim uma outra maneira de encarar o dever de indenizar, assim como a responsabilidade objetiva, que será analisada em capítulo posterior. Aquela funda-se na idéia de culpa, enquanto esta fundamenta-se na teoria do risco. Na responsabilidade subjetiva, é imprescindível a comprovação da culpa do agente causador do dano para que haja dever de indenizar. Assim, a responsabilidade é subjetiva pois depende do comportamento do sujeito. Para que se possa compreender a idéia de responsabilidade civil subjetiva, é necessário fazer uma análise dos conceitos de dolo e culpa. 27 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade... p. 17/18. 28 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 47. 29 STOCO, Rui. Op. cit. p. 150. 30 RODRIGUES, Sílvio. Op. cit. p. 11.

13 A culpa pode ser entendida de duas maneiras: latu sensu e strictu sensu. Quando entendida da primeira maneira, ou seja, em sentido amplo, é a violação de um dever jurídico, imputável a alguém em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela 31. Conforme ensina Rui Stoco: A culpa, em sentido amplo, tanto pode ser a expressão da consciência e vontade dirigidas a um fim perseguido e querido, embora ilícito, como o descumprimento de um dever de cuidado ou de diligência em razão de açodamento, de desídia ou de imperfeição técnica, ainda que sem intenção de prejudicar. 32 Quando analisada em sentido amplo, a culpa compreende o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico e a culpa strictu sensu, que é a negligência, imprudência ou a imperícia, sem nenhuma intenção de violar qualquer dever, conforme explana Silvio de Salvo Venosa: alheio 34. A culpa civil em sentido amplo abrange não somente o ato ou conduta intencional, o dolo (delito, na ordem semântica e histórica romana), mas também os atos ou condutas eivados de negligência, imprudência ou imperícia, qual seja, a culpa em sentido estrito (quase-delito). 33 A culpa strictu sensu, por sua vez, é a simples negligência com relação ao direito A culpa, quando configurada, pode produzir efeitos ou não. Ainda, pode ou não produzir efeito material. Quando os efeitos passam do plano moral para o plano material, configura-se o ato ilícito, e é somente esta hipótese que interessa para efeitos de responsabilidade civil. Assim, somente com a repercussão do ato ilícito no patrimônio de outrem é que se concretiza efetivamente a responsabilidade civil. Para que se possa concluir se houve ou não culpa strictu sensu por parte do agente causador do dano é necessário comparar o seu comportamento com o do homem médio. Se desta comparação resultar que o dano derivou de imprudência, negligência ou imperícia do agente do dano, não qual não incorreria o homem médio, caracteriza-se a culpa 35. 31 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 46. 32 STOCO, Rui. Op. cit. p. 134. 33 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p. 33. 34 DIAS, José de Aguiar. Op. cit. p. 108. 35 RODRIGUES, Sílvio. Op. cit. p. 11.

14 Com relação ao dolo, somente a título de diferenciação, cabe informar seu conceito nos aspectos penal e civil. Em âmbito penal, o crime doloso ocorre quando o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Subdivide-se, portanto, em duas espécies: dolo direito e indireto. O dolo direto ocorre quando o resultado ocorrido no mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção do agente. O dolo indireto, por sua vez, pode ser alternativo, quando o agente quer um ou outro dos resultados possíveis de sua ação, ou eventual, quando o agente prevê o resultado como possível e o admite apenas como conseqüência de sua conduta, embora não queira propriamente atingi-lo 36. O dolo, em âmbito civil, é conceituado como o artifício utilizado para induzir alguém à prática de um ato que o prejudica e aproveita ao agente ou a terceiro. Pode ser principal ou essencial e acidental. O dolo principal ou essencial caracteriza-se como a causa eficiente do ato, sua única razão, o que origina o ato e que sem ele, não teria sido concluído. O dolo acidental é o que leva a vítima a realizar o ato, porém, em condições mais onerosas ou menos vantajosas 37. Para que se configure o dolo na esfera civil, basta verificar se o agente agiu consciente de que seu comportamento poderia ser lesivo, abandonando-se, desta maneira, a idéia de animus nocendi, ou seja, ânimo, vontade de prejudicar. Por fim, a responsabilidade civil subjetiva está prevista no artigo 186 do Código Civil. 2.2.2 Responsabilidade objetiva: Conforme explicitado, o esquema clássico da responsabilidade civil estava fundado na idéia de culpa em sentido amplo, ou seja, conforme o que preconiza o artigo 186 do Código Civil. Assim, o dano somente era indenizável quando o agente agia com negligência, imprudência, imperícia ou dolo. Tal fato justifica-se pois a moral convencional queria salvaguardar a liberdade de agir dos homens e somente responsabilizá-los quando houvesse uma conduta culpável. 36 STOCO, Rui. Op. cit. p. 144. 37 STOCO, Rui. Op. cit. p. 144.

15 No entanto, conforme expõe Rui Stoco: (...) uma sociedade civil cada vez mais reivindicante reclamava mecanismos normativos capazes de assegurar o ressarcimento dos danos, se necessário fosse, mediante sacrifício do pressuposto da culpa. A obrigação de indenizar sem culpa surgiu no bojo dessas idéias renovadoras por duas razões: a) a consideração de que certas atividades do homem criam um risco especial para outros homens, e que b) o exercício de determinados direitos deve implicar ressarcimento dos danos causados. 38 A responsabilidade objetiva caracteriza-se, portanto, como aquela na qual a atitude culposa ou dolosa do agente tem menor relevância, visto que é necessário tão somente que exista o nexo de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente. Havendo estes elementos, surge o dever de indenizar a vítima pelo dano sofrido, tendo o agente agido com ou sem culpa. Neste sentido ensina Silvio de Salvo Venosa: Na responsabilidade objetiva, como regra geral, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou da culpa. Desse modo, para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da prova de culpa. 39 A responsabilidade civil objetiva funda-se na teoria do risco, que é a teoria segundo a qual todo aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros é obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento não sejam eivados de culpa. Uma vez verificado que existe relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito à indenização 40. A responsabilidade civil objetiva encontra-se prevista no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, e apresenta uma tendência de os legisladores pátrios aplicarem a teoria do risco nos casos necessários, nos quais o risco gera um dever de reparação por parte do agente, recaindo sobre este a responsabilidade objetiva independentemente de existência de culpa. Pela doutrina da responsabilidade objetiva, ao invés de avaliar se há a presença de todos elementos apontados como essenciais para a responsabilização do agente (culpa, dano e nexo de causalidade), analisa-se somente o dano e a autoria do evento danoso. 38 STOCO, Rui. Op. cit. p. 150. 39 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p. 26. 40 RODRIGUES, Silvio. Op. cit. p. 11.

16 Assim, o que importa para gerar o dever de indenizar é a ocorrência do fato e a ocorrência do dano decorrente deste fato. Silvio de Salvo Venosa expõe, ainda, a respeito da teoria do risco, que: A explicação dessa teoria objetiva justifica-se também sob o título risco profissional. O dever de indenizar decorre de uma atividade laborativa. É o rótulo que explica a responsabilidade objetiva nos acidentes do trabalho. Outros lembram do risco excepcional: o dever de indenizar surge de atividade que acarreta excepcional risco, como é o caso da transmissão de energia elétrica, exploração de energia nuclear, transporte de explosivos etc. sob a denominação risco criado, o agente deve indenizar quando, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo. Esse, aliás, deve ser o denominador para o juiz definir a atividade de risco no caso concreto segundo o art. 927, parágrafo único, qual seja, a criação de um perigo para terceiros em geral. 41 Em suma, para que haja o dever de indenizar em decorrência da responsabilidade objetiva, é necessário avaliar se existem os elementos da responsabilidade subjetiva, quais sejam, a ação ou omissão por parte do agente, o dano e o nexo de causalidade entre aqueles e este, prescindindo de comprovação a existência de culpa, a qual pode estar presente, no entanto, sua falta não impede a existência do dever de indenizar. 3. A PROTEÇÃO CONFERIDA AO CONSUMIDOR: 3.1 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO DO CONSUMIDOR: O Código de Defesa do Consumidor foi editado em 11 (onze) de setembro de 1990, para regular as relações de consumo. Cumpre salientar que é uma lei tardia, ou seja, atrasada em proteção ao consumidor, na medida em que passou-se o século inteiro aplicando a lei civil às relações de consumo. Com a Revolução Industrial e a Revolução Tecnológica, a sociedade se alterou visto que surgiram diversas questões relacionadas às relações de consumo, tais como a introdução de produtos defeituosos no mercado, as práticas comerciais abusivas, a sofisticação dos produtos, o desenvolvimento do crédito e o aumento da eficácia da publicidade e do marketing. 42 41 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p. 26. 42 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade Civil do Fornecedor Pelo Fato do Produto no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 19.

17 Surgiu a sociedade de massa, que era a produção homogeneizada, em série, que possibilitava ma diminuição profunda nos custos e aumento da oferta, atingindo uma camada mais larga de pessoas. Conforme preceitua Luiz Antônio Rizzatto Nunes: Dentre as várias características deste modelo, destaca-se uma que interessa: nele a produção é planejada unilateralmente pelo fabricante no seu gabinete, isto é, o produtor pensa e decide fazer uma larga oferta de produtos e serviços para serem adquiridos pelo maior número possível de pessoas. A idéia é ter um custo inicial para fabricar um único produto, e depois reproduzi-lo em série. 43 Com estes fatos acentuou-se o desequilíbrio entre fornecedores e consumidores, bem como assentou-se a necessidade de criação de mecanismos de proteção aos consumidores pela diminuição do mercado de concorrência, com o surgimento de monopólios e oligopólios que enfraqueciam ainda mais o consumidor dentro das relações de consumo; e pela inadequação do direito civil, visto que o ideal liberal ia de encontro à idéia de proteção do consumidor. Nos anos cinqüenta e sessenta, ocorreu um grande desenvolvimento econômico que, por sua vez, acentuou o desequilíbrio entre consumidores e fornecedores, passando aqueles a serem considerados um problema social. Nesta mesma época, o Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, reconheceu alguns direitos ao consumidor, como direito à segurança, à informação, à escolha e a ser ouvido. Outrossim, foram criados mecanismos de proteção à defesa dos consumidores. A partir de então, o consumidor começa a defender os seus interesses individuais e comuns ou difusos contra os abusos dos fornecedores utilizando-se, dentre outras maneiras, de transmissões radiofônicas e televisivas e debates públicos. Assim, converteuse o movimento em uma força, num grupo de pressão que os fornecedores não mais puderam ignorar. Desta feita, o aparecimento dos organismos de defesa dos consumidores resultou da iniciativa privada (autotutela) e do impulso oficial. 44 Portanto, o direito do consumidor e sua defesa surgiram em decorrência de sua situação de desigualdade perante o fornecedor de produtos ou serviços e da incapacidade de proteção daqueles pela lei civil. 43 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 04. 44 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Op. cit. p. 21.

18 3.2 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: A proteção ao consumidor, devido à sua importância, encontra-se prevista constitucionalmente no artigo 5º, XXXII. Assim, esta merece ser efetivada de todas as maneiras possíveis, por meio do Código de Defesa do Consumidor ou de quaisquer outras leis editadas para este fim, conforme explana Cláudia Lima Marques: O art. 7. do CDC é uma interface permeável do CDC com o sistema geral do direito civil. É uma cláusula de abertura deste microssistema, que não deseja ser exaustivo. O mandamento constitucional de proteção do consumidor (art. 5., XXXII, da CF/1988) deve ser cumprido por todo o sistema, em diálogo de fontes, e não somente através do Código de Defesa do Consumidor, mandado elaborar pelo art. 48 do ADCT. O chamado direito do consumidor tem muitas fontes legislativas, tantas quantas assegurarem as leis ordinárias, os tratados, os princípios gerais e os costumes. Em resumo, sempre que uma outra lei assegure algum direito (não um dever!) para o consumidor, esta lei pode se somar ao CDC, ser incorporada na tutela especial, ser recebida pelo microssistema do CDC e ter a mesma preferência no trato das relações de consumo que o CDC. 45 A Responsabilidade Civil e uma maneira de efetivar esta proteção. Conforme mencionado em capítulo anterior, a regra, no direito privado, era a responsabilidade subjetiva, ou seja, baseada na culpa e que deriva do ato ilícito extracontratual. Para ela, todo aquele que causar dano a outrem, por dolo ou culpa, ou seja, por culpa lau sensu, deve reparar o dano. No entanto, esta regra, mostrou-se insuficiente no âmbito do direito privado, sendo necessária a adoção, em algumas situações, da responsabilidade objetiva. Mostrouse inadequada também no campo das relações de consumo, pela dificuldade na demonstração da culpa do fornecedor, haja vista a dificuldade do acesso aos elementos de prova, e pela inviabilidade de acionar o vendedor ou o prestador de serviço. Embora insuficiente, antes do advento do Código de Defesa do Consumidor, era a regra do direito privado que regia as relações de consumo, ou seja, a responsabilidade do fabricante, produtor ou comerciante era regida pelo artigo 159 do Código Civil de 1916 45 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 185.

19 (atual artigo 186 do Código Civil de 2002). Havia ainda, ao consumidor, o ônus de provar a culpa subjetiva do demandado. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, em atenção a todas as dificuldades do consumidor para a responsabilização do causador do dano, foi consagrada a responsabilidade objetiva do fornecedor. A consagração da responsabilidade objetiva ocorreu também em virtude do fato de que atualmente vive-se em uma sociedade de produção e de consumo em massa, responsável pela despersonalização ou desindividualização das relações entre produtores, comerciantes, e prestadores de serviços, em um pólo, e compradores e usuários do serviço, no outro 46. O que embasa atualmente toda a teoria da responsabilidade do Código de Defesa do Consumidor é a teoria do risco, ou seja, pode-se pleitear a atuação do Estado antes que o dano ocorra. Inicialmente, somente poder-se-ia pleitear uma atitude do fornecedor nos casos de vício redibitório. No entanto, este conceito não é mais válido haja vista que para que se possa enquadrar o consumidor nesta categoria, sequer é necessário haver relação contratual. Cláudia Lima Marques afirma que se a definição de responsabilidade objetiva fosse simplesmente aquela que prescinde de comprovação de culpa, poder-se-ia concluir que o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor segue a teoria objetiva, visto que ressalta a responsabilidade de determinados fornecedores independentemente da existência de culpa 47. Há, inclusive, julgados no sentido de que a responsabilidade civil dos fornecedores é objetiva, vebis: RELAÇÃO DE CONSUMO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. COMPRA DE PASSAGEM AÉREA ON LINE. INDISPONIBILIDADE TEMPORÁRIA DO SERVIÇIO. COBRANÇA EM DUPLICIDADE. RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO. POSSIBILIDADE. I. O art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. II. O risco esperado de uma operação de pagamento via doc. on line é a indisponibilidade temporária do sistema. Evidentemente, o transtorno advindo dessa situação não enseja qualquer responsabilidade. Ocorre que, in casu, não se verificou a indisponibilidade temporária, mas sim um defeito no sistema de serviço on line da companhia, uma vez que as quantias a serem pagas foram registradas e debitadas na conta corrente do autor que, por sua vez, já tinha efetuado o mesmo pagamento diretamente na 46 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade... p. 279. 47 MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit. p. 223.

20 agência da demandada. III. A legislação consumerista, diferentemente do Código Civil, não exige a prova de que o pagamento tenha ocorrido por erro, bastando, para a devolução dos valores em dobro, que o consumidor tenha sido cobrado em quantia indevida. Entendendo a companhia aérea que está sendo prejudicada, tem ressalvado o seu direito de regresso contra o banco com o qual mantém relação jurídica. SENTENÇA MANTIDA. PROVIMENTO AO RECURSO NEGADO. (TJRS; RC 71001480466; Canoas; Terceira Turma Recursal Cível; Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti; Julg. 26/02/2008; DOERS 04/03/2008; Pág. 92) (grifos nossos) REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. INCLUSÃO INDEVIDA DO NOME DO CONSUMIDOR EM CADASTRO DE DEVEDORES. REPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. Na relação de consumo a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é objetiva, independente de culpa (arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor). O quantum da reparação por danos morais deve ser fixado com razoabilidade, considerando-se a extensão do dano, o grau de culpa do agente, a situação financeira dos envolvidos, de forma a desestimular a prática de novas condutas ilícitas. (TJDF; AC 2005.07.1.021302-4; Ac. 292363; Primeira Turma Cível; Rel. Des. Natanael Caetano; DJU 15/01/2008; Pág. 736) (grifos nossos) Em suma, a responsabilidade civil dos fornecedores, de acordo com as normas do Sistema de Defesa e de Proteção ao Consumidor não deriva da prática de ato culposo do agente causador do dano, ou seja, a verificação da conduta do agente não é determinante para a sua responsabilização. Destaca-se que no Código de Defesa do Consumidor há duas grandes teorias acerca da responsabilidade civil: uma que se preocupa com a saúde do consumidor, e outra que se preocupa com sua ordem econômica. Ainda, não mais se considera a distinção entre responsabilidade civil contratual e extracontratual, pois é suficiente demonstrar que há relação de consumo para caracterização da responsabilidade civil. Quando se trata de responsabilidade para fins de proteger a saúde do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor utiliza o vocábulo defeito do produto ou serviço. Quando quer-se proteger sua ordem econômica, utiliza-se o vocábulo vício do produto ou serviço. Tal diferenciação dá origem a dois tipos diversos de responsabilidade: a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, e a responsabilidade pelo vício do produto ou serviço, conforme estabelece Carlos Roberto Gonçalves: Duas são as espécies de responsabilidade civil reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor: a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço e a responsabilidade por vícios do produto ou do serviço. Tanto uma como outra são de natureza objetiva, prescindindo do elemento culpa para que haja o dever de o fornecedor indenizar, exceção feita aos profissionais liberais, cuja responsabilidade pessoal continua sendo de natureza subjetiva (art. 14, 4º). A primeira é derivada de danos do produto ou serviço, também chamados de

21 acidentes de consumo (extrínseca). A segunda, relativa ao vício do produto ou serviço (intrínseca), tem sistema assemelhado ao dos vícios redibitórios, ou seja, quando o defeito torna a coisa imprópria ou inadequada para o uso a que se destina, há o dever de indenizar. Para efeito de indenização, é considerado fato do produto todo e qualquer acidente provocado por produto ou serviço que causar dano ao consumidor, sendo equiparadas a este todas as vítimas do evento (art. 17). 48 Maiores diferenciações serão feitas em item a seguir, cumprindo informar por ora que tanto a responsabilidade por fato do produto ou serviço quanto a responsabilidade pelo vício do produto ou serviço são de natureza objetiva, visto que não é necessário que exista o elemento culpa para que exista o dever de o fornecedor reparar o dano. Inicialmente, cumpre-nos conceituar os vocábulos consumidor, fornecedor e produto ou serviço para que, após, possam sem devidamente explicitadas as diferentes modalidade de responsabilidade civil previstas no Código de Defesa do Consumidor. 3.2.1 Conceito de consumidor: O legislador, ao promulgar o Código de Defesa do Consumidor, coloca, em seu artigo 2º, que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Verifica-se, portanto, que tanto a pessoa natural quanto a pessoa jurídica podem ser consideradas consumidores. Além das pessoas jurídicas, deve-se inserir neste conceito as entidades com personificação anômala, ou seja, os entes despersonalizados como o condomínio, a massa falida e o espólio por exemplo 49. O conceito previsto no artigo 2º, caput do Código de Defesa do Consumidor é o de consumidor strictu sensu, e para enquadrar-se neste conceito, não é necessário que tenha havido pagamento pelo produto ou serviço. A respeito do conceito previsto no artigo 2º, João Batista Almeida leciona: Hoje no Brasil, no entanto, já existe uma conceituação legal do consumidor, que foi dada pelo tão festejado Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11-9-1990). Diz o art. 2º que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, incluindo-se, também, por equiparação, a a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (art. 2º, parágrafo único). 50 48 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade... p. 280. 49 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. cit. p. 156. 50 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 84.