O JORNAL CORREIO MERCANTIL E A CIRCULAÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS NA BAHIA OITOCENTISTA



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O JORNAL CORREIO MERCANTIL E A CIRCULAÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS NA BAHIA OITOCENTISTA Nelson de Jesus Teixeira Júnior i Universidade do Estado da Bahia j-nelson2004@ig.com.br Palavras-chave: História; Educação; Livro. CONSIDERAÇÕES INICIAIS No Brasil oitocentista, o impresso, de modo geral, ainda era considerado um produto perigoso à permanência do controle português sobre a colônia brasileira, talvez porque esses periódicos possibilitavam um acesso rápido às informações, bem como a formação do olhar crítico sobre os portugueses. Por isso não apenas os jornais, as revistas e os livros, mas, principalmente as tipografias, não eram bem vistas pela coroa portuguesa. Isso tudo com o pretexto de que não era necessário e gerava muito gasto, conforme Marisa Lajolo e Regina Zilberman: Como a Inquisição portuguesa, na virada do século XVIII para o XIX, continuava tratando livros e escritos como elementos perniciosos, a imprensa permanecia proibida na América, O Estado impedia o desenvolvimento industrial que representava a instalação de tipografias no Novo Mundo, com alegações de ordem econômica: uma Provisão Real, datada de 6 de julho de 1747, motivada pelo estabelecimento de uma tipografia no Rio de Janeiro de propriedade de Antônio Isidoro da Fonseca, prestigiado editor lisboeta, obriga o industrial a recolher suas prensas e retornar ao Reino. (LAJOLO e ZILBERMAN, 2001, p. 52). Isso muda no Brasil a partir de 1821, incentivado pela chegada da família real em 1808, o que não significou resultar uma popularização dos livros publicados, mas, a chegada das tipografias vai dar fôlego, inicialmente aos jornais impressos e, juntamente com a tímida imprensa impressa, aos livros. O que afetará na criação de uma cultura livresca em algumas províncias, como será o caso da Bahia, província que estamos dando atenção nesse texto. O livro e o jornal estabeleceram, na Bahia do século XIX, uma relação bastante próxima em que, misturada aos acontecimentos citadinos, o primeiro tinha seu lugar cativo, principalmente nas seções de anúncios presentes no segundo. Tal associação atraía os mais

diferentes tipos de interessados, o que possibilitou aos negociantes de livros verem no jornal a possibilidade de apresentar e estender a circulação de livros novos e usados que já circulavam e/ou poderiam circular no oitocentos baiano. Nesse sentido, a presente proposta de estudo levanta a seguinte questão: Quais eram as sugestões de leitura, como os livros didáticos eram apresentados na seção de anúncios do Correio Mercantil, bem como representavam o universo livresco na Bahia oitocentista de 1838? Buscamos, com o problema acima, realizar um mapeamento livresco do ano de 1838 ii na província baiana, de modo que possamos ter uma visão, por meio do suporte jornal, quais livros didáticos, bem como suas respectivas temáticas, tomavam o cenário baiano do século XIX. Trata-se, pois, de um estudo sobre a imprensa Correio Mercantil datado do ano de 1838 e o livro, em que refletiremos sobre as referências que eram feitas a manuais didáticos, tendo em vista que tais obras representavam, a nosso ver, parte do espaço livresco da Bahia oitocentista. O CORREIO MERCANTIL E A BAHIA OITOCENTISTA Esse jornal impresso circulou pela Bahia no período de 1833 a 1856 na capital Salvador e cidades como Santo Amaro, Cachoeira, Nazaré e Jaguaripe; nesse estudo depositaremos atenção a algumas edições do ano de 1838 por entendermos que esse ano pode dar pistas iniciais, pois somente a análise de todos os impressos do Correio Mercantil garantiria uma visão mais ampla sobre a proposta de estudo em questão. Esse impresso pode ser considerado como testemunha de um tempo no espaço baiano do dezenove, tendo em vista que apresenta muitas situações típicas da época como informes de venda e compra de escravos, acontecimentos políticos, sociais e, principalmente, o assunto em questão: o anúncio de venda de livros que tomavam esse espaço citadino. Em suas reflexões feitas acerca do jornal impresso, Pedro Sousa possibilita pensar nas seções de anúncios como mais uma fonte de informação, tendo em vista que o leitor leva informes diferentes, por se tratar de negociações de produtos etc, ao jornal. Esse autor tece o seguinte comentário acerca das fontes de informações que o jornal se apropria: Toda e qualquer entidade que possua dados susceptíveis de ser usados pelo jornalista no seu exercício profissional pode ser considerada uma fonte de informação. (SOUSA, 2001, p. 62). Nesse

sentido, o jornal oitocentista o Correio Mercantil tinha através de seus anúncios uma rica fonte de informação, tendo em vista que esses informes eram trazidos de modo espontâneo por seus leitores negociantes e/ou consumidores. O jornal Correio Mercantil apresentava, em sua capa, a referência à Typografia do Correio Mercantil, de M. L. Velloso. Esse jornal era, conforme aparece na capa do mesmo, político, comercial e literário, possuindo como peculiaridade a referência a assuntos diversos, o que podemos compreender como impresso, também, de variedades. Sua periodicidade era diária, excetuando o dia de domingo, o que nos indica sobre a importância desse impresso no cenário baiano ao levar aos leitores parte daquilo que constituía o espaço e as pessoas: o cotidiano. Ana Martins e Tânia Luca afirmam o seguinte: (...) a história do Brasil e a história da imprensa caminham juntas, se auto-explicam, alimentam-se reciprocamente, integrando-se num imenso painel (MARTINS; LUCA, 2008, p. 8). Essa afirmação nos possibilita compreender a seção de anúncios do jornal como testemunha da história do livro no oitocentos baiano, dando evidências (ainda que sejam apresentadas como rastros iii de evidências) sobre as especificidades da circulação do livro (títulos, áreas, tradutores das obras, autores, valores, pontos de venda, etc.) no século XIX no Brasil. Já sobre a funcionalidade dos anúncios no jornal impresso, Laurentino Gomes indica que uma delas é a de possibilitar a observação sobre os aspectos sociais da sociedade oitocentista. Mesmo sendo uma observação sobre o Gazeta de Notícias, podemos pensar o mesmo sobre outros jornais como o Correio Mercantil. Segue a passagem em questão: A maneira mais divertida de observar a sofisticação dos hábitos da sociedade carioca é ler os anúncios publicados na Gazeta do Rio de Janeiro a partir de 1808. (GOMES, 2007, p.223). Acrescentamos outra funcionalidade desses anúncios, que era a de viabilizar o contato com os mais diversos bens simbólicos que ocupavam o espaço provinciano baiano, que era os livros que as pessoas usavam, bem como negociavam. O LIVRO DIDÁTICO NO CORREIO MERCANTIL DA BAHIA Na seção Annuncios do impresso Correio Mercantil do ano 1838, cujo título era Livros a vender na Typographia, o leitor baiano poderia encontrar os mais variados anúncios de livros. No anúncio abaixo notamos referência ao conteúdo do livro, o que indica

que as estratégias de apresentação são as mais variadas possíveis, tendo em vista que nesse espaço o que valia mesmo era garantir a atenção e interesse do consumidor. Segue a passagem em questão: Há para vender no Escriptorio do Correio Mercantil as seguintes obras, por preços mui commodos: Guia dos jurados, obra indispensável á qualquer Cidadão Brasileiro chamado á exercer as funções do Jury: Resumo da historia do Sr. D. Pedro d Alcantara (...) e muitas outras obras de politica, e literatura (CORREIO MERCANTIL, 1838, p. 4). Nesse caso acima, o conteúdo é apresentado antes, para, supostamente, selecionar de imediato o público interessado, que não seria qualquer leitor, mas o especializado no assunto ou o que pode e tem desejo de atuar como júri. Claro que todas essas estratégias comerciais não afastavam o leitor curioso, que poderia querer saber sobre o assunto em questão. A referência a outras obras de política e literatura convidava outros tipos de interessados, que são aqueles que optam por livros a serem usados no espaço de ensino escolar ou domiciliar. Os motivos da busca pelos anúncios de venda de livros eram os mais diversos possíveis, desde os que não liam, mas tinham interesse em manter uma biblioteca como forma de ostentar um poder intelectual, ainda que não correspondesse à realidade do seu dono, até os que tinham interesse pedagógico. Essa última possibilidade de busca é que terminava dando um caráter de circularidade desses impressos livrescos, até porque a educação era conduzida de modo variado, como indica Maria Xavier: Se havia os mestres particulares, que ensinavam em domicilio, também havia aqueles que criavam classes, os chamados regentes régios, de primeiras letras ou dos preparatórios (XAVIER, 2008, p. 183). Esse caráter autônomo do exercício docente provocava um fluxo ainda mais contínuo dos livros, tendo em vista que esses profissionais autônomos da educação precisavam ter um acervo variado de suas ferramentas, a saber, os livros. Em outro momento, no lugar cativo da seção de anúncios, nos deparamos com outro tipo de informe, agora mais direcionado para a educação infanto-juvenil, o que indica que os livros didáticos visavam tipos de formações distintas, tendo em vista que essa instrução, de acordo com o anúncio, era específico para crianças e jovens. Esse livro certamente possuía o teor moralista, isso, para que esses jovens se adequassem aos valores vigentes de bom comportamento, ainda mais por se tratar da autora Miss Edgeworth iv, que tinha muitos livros que circulavam pelo Brasil com temáticas iguais e diversas a essa. Logo abaixo encontra-se a passagem discutida:

Sahio á luz a Educação Familiar, ou Serie de Leitura para os meninos, desde a primeira idade até a adolescência por Miss Edgeworth, traduzida pelo Dr. Francisco de Paula Araujo e Almeida. Esta obra, a melhor que existe neste gênero, e a mais própria para os meninos de ambos os sexos, vende-se na loja de livros ao pelourinho (CORREIO MERCANTIL, 1838, p.? v ). No caso desse anúncio, trata-se de uma série que aponta para uma temática apresentada por outras coleções, entretanto o anúncio chama atenção para a possível atualização dessa série, o que indica que esse espaço de anúncio (pedagógico) servia, também, como forma de atualizar os leitores acerca dos conteúdos que tinham circulação constante. Além disso, por ser de temática já apresentada por outros manuais, supomos tratar-se de um best-seller que teria um lugar certo nos espaços escolares e/ou domiciliares. Outro ponto a ser observado pelo jornal é a indicação do tradutor, que era médico (de acordo às informações presentes no site da Sociedade Brasileira de História da Medicina), o que põe em questão a tradução (tendo em vista que o ato de traduzir pode ser visto, também, como uma forma de olhar particular sobre o texto...), já que bom comportamento e medicina tenham para quem que vê o comportamento diferente do padrão como uma espécie de anomalia relação estreita. A província da Bahia já apresentava um passado editorial forte e, mesmo sendo ultrapassado por outras províncias até o final do século XVIII, as consequências dessa fase repercutiram no começo do século XIX, basta perceber que na maior parte dos anúncios, lugar aberto para qualquer tipo de informe, os livros eram apresentados de modo contínuo, quase ininterrupto. Sobre essa fase editorial da Bahia, Laurence Hallewell afirma que: A primeira província a desenvolver sua própria atividade editorial foi a Bahia, cuja capital apenas deixara de ser a capital de todo o Brasil numa época ainda presente na memória (isto é, em 1763), e que continuaria sendo a segunda cidade do país até ser ultrapassada por São Paulo no fim do século (HALLEWELL, 1985, p. 57). Os desdobramentos dessa fase áurea da editoração livresca baiana beneficiam a muitos, inclusive ao próprio leitor, pois as obras tinham uma circulação mais contínua e diversificada, o que produz, por outro lado, o dinamismo pedagógico da educação. O espaço dado ao livro não era somente na seção de anúncios que envolvia livros usados e novos mas, também, na seção de leilão extraordinário, o que indica que esses impressos não tinham valor somente intelectual, mas, principalmente, comercial. Outro aspecto importante a ser observado é que o livro, como um objeto cultural, ocupava muitos

espaços do jornal, sendo apresentado, em diversos momentos, em lugares e seções diversas, nesse caso específico, no leilão. Segue a passagem retirada do jornal Correio Mercantil: O dono da casa de leilão do beco do Garapa, tem a honra de participar aos amadores das belas artes, e em geral ao respeitavel publico (...) livros instructivos; quadros diversos dos primeiros Authores (...) etc,. etc (CORREIO MERCANTIL, 1838, p.?). A forma como os livros instrutivos são apresentados assumem um lugar de apreciação que mais parece uma obra de arte plástica, tendo em vista que o uso das palavras belas artes sugerem, também, esse tipo de leitura. Essa forma de apresentação indica um lugar especial que alguns manuais didáticos deviam ter na vida de todos, principalmente na daqueles que querem ocupar um lugar de destaque social no espaço citadino oitocentista da Bahia. Apesar de Fernando Guedes fazer referência à condição da democratização do livro em Portugal, podemos nos apropriar de sua afirmação pensando na condição oitocentista do Brasil, especificamente a da Bahia. Afinal, o jornal realizava essa democratização desse impresso, bem como da apresentação de um quadro livresco que circulava pelo dezenove baiano, isso, ao levar em cada número do jornal os anúncios de livros que eram negociados em parte da Bahia. Segue a passagem em questão: O livro torna-se, pouco a pouco, democrático e essa democratização iria provocar o aparecimento de uma multiplicidade de editores, nem sempre convenientemente preparados para cumprir cabalmente a função que a profissão deles devia exigir (GUEDES, 2001, p. 37). Esse processo de editoração já era comum aqui no Brasil, o Correio Mercantil da Bahia, inclusive, apresentava em alguns de seus anúncios a informação de que o tema abordado já havia sido publicado antes, o que terminava dando indícios do aquecimento editorial na Bahia. A apresentação de dicionários nos anúncios já dá indícios de que, ainda que as obras que instruíssem o comportamento das crianças e mulheres fossem necessárias, os manuais de língua portuguesa e francesa tinham o seu devido lugar, posto que o uso apropriado da língua portuguesa e francesa apontavam para uma boa aprendizagem da pessoa, bem como garantia o status quo de quem a usava nos círculos que exigiam propriedade sobre essas línguas. Segue abaixo a passagem em discussão: Na rua direita da Misericordia, na loja do Sr. Jose Francisco Novais, e na casa nova do Sr. Sicupira, 2. Andar, e escriptorio de Lenoir Besuchet e

Puget, se vendem por preços commodos os seguintes livros Fonseca, Diccionario Francez e Portuguez; Guia da Conversação Portugueza e Franceza; Novo methodo Latino; Artes Latinas; Grammatica Franceza e Portugueza (CORREIO MERCANTIL, 1838, p. 3). Essa venda de materiais didáticos apresenta um pouco sobre o universo do livro no espaço baiano desse ano de 1838, o de que o mercado era bastante variado, o que possibilita compreender que o gosto pela leitura é eclético, mas direcionado, em sua grande parte, para a instrução técnica, escolar e/ou comportamental. A língua escrita e falada também possuía foco de atenção, nesse caso, nossa língua (portuguesa) e a da outro (francesa) que deveria ser usada pelos que buscavam um requinte de poder a mais. Em um espaço em que poucos liam e escreviam em sua própria língua e, ainda menos, na língua do outro, o dicionário tinha lugar cativo no espaço escolar e domiciliar, haja vista que alunos e professores buscavam o uso de uma escrita padrão, bem como compreensão dos textos na língua estrangeira. De acordo a Marcia Abreu, ao discorrer sobre o oitocentos, indica que: Os dicionários servem, portanto, a uma dupla finalidade: auxiliar a leitura (em português ou em latim) e favorecer a produção de textos (principalmente poesias) (ABREU, 2003, p. 244). Essa dupla funcionalidade do dicionário fazia desse manual algo fácil de ser vendido, talvez por isso se perceba com facilidade a apresentação do manual nos espaços de anúncios dos jornais, sem, no entanto, ser preciso indicar os nomes dos seus respectivos autores. A diversidade das temáticas dos livros em um único anúncio representava não somente a variedade que o livreiro tinha, mas, principalmente, a ideia de misturar várias e diferentes temáticas como forma de indicar a necessidade de se ler tudo e sobre tudo que circulava pelo espaço oitocentista baiano. Nessa circulação não podemos deixar de pensar nas residências e escolas, espaços de morada e uso dos livros. Segue abaixo a passagem em questão: Achão-se á venda os seguintes livros, nesta typografia Itinerario do Rio de Janeiro, ao Pará, e Maranhão, em 2 vol., com os seos competentes mapas (...) Recreação Moral (...) Obras completas de Camões (...) Memorias Históricas e Politicas da província da Bahia por Ignacio Accioli de Cerqueira (CORREIO MERCANTIL, 1838, p.?). Esse mapa nacional (possibilitado pelas referências dos diversos assuntos que os livros traziam) possibilita entender que o espaço geográfico brasileiro tinha seu lugar cativo na leitura escolar (ainda que de modo antecipado, visto que alguns estudos indicam que o ensino da Geografia na maior parte das escolas se dará a partir do final do dezenove) e/ou

domiciliar da Bahia oitocentista vi, o que possibilita entender que o ensino das áreas de geografia e história nessa província não se prendia à análise regional, mas, principalmente, a nacional. No século XIX os livros precisavam, bastante, do jornal, afinal era o suporte jornal impresso que possibilitava sua veiculação de modo mais abrangente, tendo em vista que o leitor do jornal tinha, ainda que de maneira apressada, acesso aos informes que apresentavam esses produtos culturais livrescos. O número 67 do ano de 1818 do Jornal "A Idade d Ouro do Brazil", periódico que circulou pela Bahia oitocentista, confirma isso ao apresentar uma lista de livros que eram vendidos no cenário do século XIX. Mesmo que o impresso apresentado aqui seja datado de 1818, já dá sugestões do que acontecia no período oitocentista de extrema vigilância antes da chegada da família real em 1808. CONSIDERAÇÕES FINAIS Roger Chartier possibilita compreender outras atividades que vão se juntando à do escritor e, nesse caso, chamamos atenção para a atividade do livreiro, o qual usava com mais intensidade, como percebemos antes, o espaço dos anúncios no jornal Correio Mercantil. As estratégias do livreiro variavam entre apresentar os títulos das obras, os assuntos, o autor, etc. E, em outros momentos, tudo isso simultaneamente. De acordo com o autor: (...) no século XIX, depois da revolução industrial da imprensa, a cultura escrita provocou: os papeis do autor, do editor, do tipográfico, do distribuidor, do livreiro, estavam então claramente separados (CHARTIER, 1998, p.16-17). Essas estratégias serviam não somente para indicar o que o livreiro possuía em seu recinto comercial, mas também, para fazer circular suas obras, afinal o espaço era pequeno para informar tudo, então, a compra de um título equivalia à entrada de outro título no espaço do anúncio. Logo, por meio dessas reflexões realizadas até aqui, compreendemos que a circulação de livros no espaço oitocentista da Bahia, especificamente no ano de 1838, era um tanto dinâmica. Assim, frente a essa análise, afirmamos que a maior importância dessa relação entre o livro e o jornal Correio Mercantil no oitocentos baiano é o de veicular os títulos de obras que eram lidos e que podiam ser negociados por professores e leitores diversos na coluna de anúncios presente nesse impresso. Nesse sentido, o jornal oitocentista serviu não

somente como suporte para muitas publicações, mas, principalmente, como testemunha da história do livro didático de parte do oitocentos baiano, ou melhor, um guia de leitura por meio do jornal. REFERÊNCIAS ABREU, Márcia. Os caminhos dos livros. São Paulo: Fapesp, 2003. CHARTIER, Roger. As aventuras do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Unesp, 1998. CORREIO MERCANTIL. Memoria.bn.br. 1838. Disponível em: < http://memoria.bn.br/docreader/docreader.aspx?bib=186244&pagfis=973&pesq=&esrc=s> Consultado: 20 de novembro de 2012. GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. GUEDES, Fernando. O livro como tema: história, cultura, indústria. Lisboa: Verbo, 2001. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: EDUSP, 1985. JORNAL IDADE DOURO. Caminhos do romance. Disponível em: < http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/>. Consultado: 20 de novembro de 2012. LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. O preço da leitura: leis e números por trás das letras. São Paulo, Ática, 2001. MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tânia Regina de. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. SOUSA, Pedro Jorge. Elementos de jornalismo impresso. Porto: Porto, 2001. XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. A educação na literatura do século XIX. Campinas-SP: Alínea, 2008. i É professor Assistente da Universidade do Estado da Bahia atuando na área de Letras, Estágio e Prática Pedagógica. ii Escolhemos o ano de 1838 por ser a primeira edição digitalizada que dispomos, o que nos fornece impressões iniciais sobre a proposta de estudo e, principalmente, por entendermos que o mapeamento de todos os anos que o impresso circulou se configura como uma pesquisa bastante extensa, o que excederia, e muito, o caráter de um artigo. Tal mapeamento poderá ser explorado por nós, posteriormente, no projeto de doutorado.

iii Compreendo a palavra rastro não como referência a uma distância da origem, até porque não defendemos essa ideia de origem. Antes, compreendo essa palavra como parte integrante desse processo histórico que é contínuo e aberto. iv De acordo ao blog educalendario, especificamente no texto intitulado de café filosófico, Maria Edgeworth (Miss Edgeworth) nasceu em 1767 no Oxfordshire, Inglaterra, e morreu em 1849, na Irlanda. Era novelista e descrevia os costumes das pessoas de sua época em seus livros. v A ausência da página deve-se à não visualização da versão digitalizada do jornal. vi No site do Brasil Escola consta a informação de que em 1837 a Geografia passou a ser ensinada nas escolas secundárias do Rio (D. Pedro II) e ao final do século XIX já constava no restante do país.