Ameloblastoma acantomatoso canino: aspecto clínico-diagnóstico e manejo terapêutico

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1 Ameloblastoma acantomatoso canino: aspecto clínico-diagnóstico e manejo terapêutico Canine acanthomatous ameloblastoma: clinical diagnosis and therapeutic management aspect FILGUEIRA, K. D. 1* ; RODRIGUES, R. T. G. A. 1 ; FERREIRA, M. B. 1 ; CARDOSO, I. R. S. 1 1 UFERSA * kilder@ufersa.edu.br Palavras-chave: neoformações, cavidade oral, Canis familiaris. Revisão da literatura As neoplasias orais possuem grande importância na rotina clínico-patológica veterinária, uma vez que representam cerca de 6% de todos os tumores que acometem os cães, sendo o quarto local mais frequente (ROZA, 2004; GOMES et al., 2009). A cavidade oral constitui-se em uma estrutura complexa, formada por diferentes tipos de tecidos, sendo que cada um pode originar uma variedade de tipos de neoplasias, com distinção em relação à incidência, comportamento biológico e prognóstico (ROZA et al., 2004). Dessa forma, os tumores orais contam com uma enorme variedade de tipos histológicos e atualmente, é consensual a sua classificação, de acordo com o tipo de tecido embrionário que lhes dá origem, sejam oriundos de estruturas não odontogênicas ou odontogênicas (REQUICHA, 2010). Os tumores odontogênicos são neoplasias da cavidade oral incomuns em cães, com origem relacionada aos tecidos bucais epiteliais e mesenquimatosos durante a odontogênese. Apesar de raros, o conhecimento dessas proliferações é importante na elaboração das listas de diagnósticos diferenciais (REQUICHA, 2010). O ameloblastoma acantomatoso é um tumor odontogênico já relatado em cães, originário de elementos epiteliais residuais do desenvolvimento do dente e podendo ter surgimento intraósseo ou no epitélio gengival (GOMES JÚNIOR et 167

2 al., 2013). É subclassificado como não indutivo, pela incapacidade de desencadear uma reação estromal (ROZA, 2004). O ameloblastoma acantomatoso ou periférico, antigamente denominado de epúlides acantomatoso ou adamantinoma, equivale a um tumor epitelial oral infiltrativo (VENTURINI, 2006; OGILVIE e MOORE, 2008). Possui baixa frequência, variando de 1% a 5% das neoformações bucais caninas (VENTURINI, 2006; GOMES et al., 2009). Caracteriza-se por ser expansível e de progressão lenta, mas pode apresentar um período de latência seguido de rápido desenvolvimento (GOMES JÚNIOR et al., 2013). Todavia há um potencial para agressividade local, com risco de invasão e lise óssea, porém sem ocorrência de metástase à distância (WITHROW et al., 2013). Verifica-se a existência de poucos registros detalhados sobre esta enfermidade na literatura, onde o relato da mesma, no que diz a respeito da abordagem clinica, diagnóstico e procedimento realizado podem ser uteis na contribuição de informações e esclarecimento sobre o restabelecimento da qualidade de vida do paciente (GOMES JÚNIOR et al., 2013). Logo, o presente trabalho objetivou a descrição dos principais pontos relacionados ao ameloblastoma acantomatoso oral em um paciente canino. Relato do caso Uma cadela, raça Poodle, com cinco anos de idade, possuía lesão bucal. A alteração era recidivante, com ocorrência pela primeira vez há um ano. A anormalidade atualmente exibia tempo de evolução de um mês, com velocidade de crescimento lenta. Executouse a avaliação física da paciente, onde a mesma demonstrava normalidade dos parâmetros vitais. Porém, na semiologia da cavidade oral, havia um nódulo gengival na porção rostral da mandíbula esquerda, com protrusão bucal e eversão do lábio inferior. A neoformação era macia, séssil, irregular e aderida a planos profundos. Não ocorriam alterações em outros sítios anatômicos intra ou extraorais. Ocorria doença periodontal. Solicitou-se hemograma completo, bioquímica sérica (renal e hepática), radiografias do crânio e citologia aspirativa da região acometida. A hematologia e bioquímica não revelaram anormalidades. A imaginologia elucidou áreas de descontinuidade óssea e reação periosteal. A inspeção citológica sugeriu um quadro de neoplasia epitelial. Optou-se, inicialmente, em realizar tratamento periodontal. Transcorridos sete dias de tal procedimento, executou-se biopsia excisional, com adoção da técnica cirúrgica de mandibulectomia rostral bilateral, e o material foi destinado para histopatologia. Esse 168

3 último exame elucidou que o epitélio gengival exibia hiperplasia irregular e espongiose leve. Atingindo todo o cório existia multiplicação de tecido conjuntivo fibroso maduro bem diferenciado. Observava-se também difusão de epitélio compatível com o odontogênico, formando ilhas e trabéculas coalescentes por entre a propagação mesenquimal e que atingiam toda a amostra. Não se evidenciavam sinais de atipia nuclear. A amostra descalcificada revelava infiltração em tecido ósseo adjacente pelo epitélio proliferado. O quadro histopatológico foi compatível com ameloblastoma acantomatoso. A cadela apresentou uma excelente recuperação pós-operatória (com analgesia apropriada associada a cuidados gerais relacionados à alimentação e manejo da ferida cirúrgica) e não exibindo sequelas decorrentes do procedimento cirúrgico efetuado. Realizou-se seguimento da cadela, onde não foi verificado o retorno da formação oral. O tutor foi orientado para a realização de métodos para prevenção do surgimento de placa/cálculo dentário. Discussão A higiene oral escassa pode ser um fator predisponente para o ameloblastoma acantomatoso (OGILVIE e MOORE, 2008). Nesse sentido, a moléstia do periodonto possuiu a probabilidade de relacionar-se com o ameloblastoma em evidência. No caso em questão, a execução do tratamento periodontal, previamente a mandibulectomia, foi essencial no sentido de proporcionar a redução da carga de bactérias bucais, minimizar o risco de disseminação hematogena das mesmas e consequentemente prevenir a infecção de órgãos e/ou estruturas endógenas. Assim, justificou-se a transmissão das recomendações ao tutor em relação às medidas profiláticas para reduzir o acúmulo de placa bacteriana e/ou cálculos dentários. A predisposição por gênero ou porte do animal não é evidenciada para o ameloblastoma canino, onde a média de idade para o aparecimento da lesão equivale a oito anos (WITHROW et al., 2013). O local de maior acometimento é a mandíbula rostral (sendo comum a é comum a disposição ao redor aos dentes caninos), demonstrando-se macroscopicamente como uma massa de coloração rosa, aspecto esponjoso e de couve-flor, com consistência macia (ROZA, 2004; OGILVIE e MOORE, 2008). Podem existir áreas de ulceração ou cobertura por membrana mucosa intacta (WITHROW et al., 2013). A velocidade de crescimento é lenta (OGILVIE e MOORE, 2008). No presente relato, as características epidemiológicas e clínicas observadas foram similares com descrições prévias do 169

4 ameloblastoma acantomatoso canino. A frequência de envolvimento do osso alveolar oscila de 80% a 100%, com produção de intensa osteólise (WITHROW et al., 2013). O estudo radiográfico da região onde se encontra a neoplasia não determina exatamente seus limites, contudo, sua interpretação em conjunto com os achados do exame clínico é imprescindível para a abordagem cirúrgica correta, determinando as áreas de secção cirúrgica (GOMES JÚNIOR et al., 2013). Logo, no trabalho em discussão, a obtenção de imagens radiológicas orais tornou-se de extrema validade no sentido de auxiliar o planejamento cirúrgico. Não é comum em animais registro de linfonodos regionais metastáticos ou disseminação a distância, secundariamente ao ameloblastoma acantomatoso (WITHROW et al., 2013). Tal citação fundamentou a ausência de solicitação de imaginologia da cavidade torácica e abdominal para o animal descrito. A citologia poderá possibilitar o diagnóstico de algumas neoplasias orais, mas na maior parte das lesões neoplásicas bucais é necessária a execução de biópsias (seguida de exame histopatológico) para a correta identificação morfológica do tumor (REQUICHA, 2010). Na paciente em estudo, a citologia foi útil apenas como uma forma de triagem diagnóstica. A distinção para o ameloblastoma acantomatoso incluem tumores benignos e malignos, bem como outros processos não neoplásicos bucais, citando-se alguns, como o papiloma, melanoma, tumor venéreo transmissível extragenital, carcinoma de células escamosas, fibrossarcoma, linfoma, mastocitoma, plasmocitoma extramedular, fibroma odontogênico periférico, odontoma, cisto dentígero, complexo granuloma eosinofílico, tecido cicatricial exuberante, doenças das glândulas salivares, abscessos, corpos estranhos encapsulados, hiperplasia gengival, osteíte, osteomielite e osteopatia craniomandibular (ROZA, 2004; REQUICHA, 2010). Dessa forma, na cadela em questão, a histopatologia despontou como o exame complementar que permitiu o diagnóstico definitivo e a diferenciação com outros processos proliferativos orais. A opção mais adequada para o tratamento do paciente é a mandibulectomia rostral bilateral, devendo ser realizada com margem de três centímetros (GOMES JÚNIOR et al., 2013). Contudo, a recorrência pós-operatória pode ocorrer em 11% (WITHROW et al., 2013). No caso relatado, a recidiva inicial da proliferação possivelmente foi relacionada à escolha de uma técnica cirúrgica inapropriada. Nesse sentido, mediante a anamnese da paciente, associada à apresentação macroscópica e achados radiográfico-citológicos, justificou-se a adoção de um procedimento cirúrgico mais radical, no sentido de evitar novamente o surgimento do processo em evidência. O prognóstico em neoplasias odontogênicas é excelente quando 170

5 efetuada adequada extirpação cirúrgica, não existindo necessidade de outro procedimento cirúrgico ou quimioterapia adicional (GOMES JÚNIOR et al., 2013). Tal situação foi condizente com o presente relato. Considerações finais O ameloblastoma acantomatoso deve ser incluído no grande diagnóstico diferencial para as diversas lesões proliferativas orais caninas Referências GOMES, C.; OLIVEIRA, L. O.; ELIZEIRE, M. B.; OLIVEIRA, M. B.; OLIVEIRA, R. T.; CONTESINI, E. A. Avaliação epidemiológica de cães com neoplasias orais atendidos no Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ciência Animal Brasileira, v. 10, p , GOMES JUNIOR, D. C.; COSTA NETO, J. M.; SILVA, A. E.; MARTINS FILHO, E. F.; CARNEIRO, R. L.; MORAES, V. J.; RIBEIRO, L. R.; SILVA, W. M. Ameloblastoma mandibular rostral em um cão. Semina: Ciências Agrárias, v. 34, p , OGILVIE, G. K.; MOORE, A. S. Manejo del paciente canino oncológico guía práctica para la atención compasiva. Buenos Aires: Inter-Médica, p REQUIICHA, J. F. M. F. Neoplasias da cavidade oral do cão - estudo retrospectivo f. Dissertação (Mestrado Medicina Veterinária) Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias, Departamento de Ciências Veterinárias da Universidade de Trás-os- Montes e Alto Douro, Vila Real-Trás-os-Montes e Alto Douro, ROZA, M. R. Odontologia em pequenos animais. Rio de Janeiro: LF livros, p VENTURINI, M. A. F. A. Estudo retrospectivo de 3055 animais atendidos no ODONTOVET (Centro Odontológico Veterinário) durante 44 meses f. 171

6 Dissertação (Mestrado em Clínica Cirúrgica Veterinária) Programa de Pós-Graduação em Clínica Cirúrgica Veterinária, Universidade de São Paulo, São Paulo, WITHROW, S. J.; VAIL, D. M.; PAGE, R. L. Withrow & MacEwen s Small animal clinical oncology. 5.ed. St Louis: Elsevier, p