Repertórios acadêmicos básicos para pessoas com necessidades especiais
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- Júlio Isaac Tavares Gorjão
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1 ISSN X Temas em Psicologia da SBP 2003, Vol. 11, no 2, Repertórios acadêmicos básicos para pessoas com necessidades especiais Rosana Rossit e Giovana Zuliani Universidade Federal de São Carlos Resumo Os comportamentos acadêmicos básicos de leitura, escrita e matemática, imprescindíveis na vida diária, nem sempre são adquiridos e mantidos satisfatoriamente, por pessoas com necessidades especiais incluídas na rede regular de ensino. O paradigma de equivalência de estímulos, em seus aspectos teórico-práticos, tem se constituído em um importante recurso na análise e ensino de comportamentos acadêmicos complexos, já que seria inviável ensinar diretamente todas as relações entre os componentes de leitura, escrita e matemática visto sua complexidade e infinitas combinações possíveis. Por este motivo, a equivalência de estímulos fornece possibilidades de aplicação relevantes. Aqui há exemplos de estudos que aliam a aplicabilidade da equivalência de estímulos ao ensino informatizado, realizados através do programa computacional educativo Mestre. Os resultados mostram a eficácia do ensino, visto a aquisição de habilidades em tempo reduzido. Contudo, ainda há muito que se investigar com relação ao processo de ensinoaprendizagem de comportamentos básicos para pessoas com necessidades especiais. Palavras chave: equivalência de estímulos, educação especial, repertórios acadêmicos, necessidades especiais, ensino informatizado. Basic academic repertoires for people with special needs Abstract Basic academic repertoires of reading, writing, and mathematics, essential in the daily life, not always are acquired and kept satisfactorily in the regular education with people with special needs. The stimulus equivalence paradigm in its theoretical and practical aspects constituted an important feature in the analysis and training of complex academic behavior, since it would not be feasible to teach directly all the stimuli relationships involved in reading, writing, and mathematics due to the complex and infinite possible combinations among stimuli. For this reason, the stimulus equivalence paradigm provides excellent possibilities of application. Here, there is an example of a study that aimed at the applicability of stimulus equivalence to computerized teaching, carried through the educative program Mestreâ. The results show the effectiveness of teaching with such a procedure, given acquisition of the necessary abilities in reduced time. However, there is still many variables left that need to be investigated with regard to teaching-learning of basic behaviors for the person with special needs. Key words: stimulus equivalence, special education, academic repertoires, special needs, computerized teaching. Pensar uma sociedade inclusiva é pensar uma sociedade justa e democrática, que inclua a todos, sem discriminação, e a cada um, com suas diferenças, independentemente de sexo, idade, religião, origem étnica, raça, deficiência; uma sociedade não apenas aberta e acessível a todos os grupos, mas que estimula a participação; uma sociedade que acolhe e aprecia a diversidade da experiência humana; uma sociedade cuja meta principal é oferecer oportunidades iguais para que todos desenvolvam seu potencial. Trabalho apresentado no curso Ensino de repertórios acadêmicos básicos para pessoas com necessidades especiais na XXXII reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Florianópolis-SC,outubro de Apoio financeiro: FAPESP e CAPES Endereço para correspondência: R. Bolívia, 260. Parque Estância Suiça. CEP: São Carlos SP. rorossit@hotmail.com.
2 115 Repertórios acadêmicos e pessoas com necessidades especiais A situação atual de atendimento às necessidades escolares da criança brasileira é responsável pelos altos índices de dificuldades de aprendizagem e evasão no ensino fundamental. É natural que as pessoas sejam diferentes entre si e que apresentem necessidades especiais em seu comportamento e/ou em áreas de sua atuação, assim como em um ou outro aspecto do desenvolvimento físico, social, cognitivo, linguagem, cultural pois, como seres humanos constróem, pouco a pouco, na medida do possível, suas condições de adaptação ao meio. A diversidade no meio social e, especialmente no ambiente escolar, é fator determinante do enriquecimento através das trocas, dos intercâmbios intelectuais, sociais e culturais. Acredita-se que a formação dos educadores, o aprimoramento da qualidade do ensino regular e o acréscimo de princípios educacionais válidos para todos os alunos resultarão naturalmente na inclusão escolar das pessoas com necessidades especiais. Em conseqüência desta inclusão, torna-se necessária uma modalidade de ensino especializado ao aluno e dedicado à pesquisa e ao desenvolvimento de novas maneiras de se ensinar, adequadas à heterogeneidade e compatíveis com a proposta da educação para todos. O tema da inclusão, que vem sendo discutido e estudado nos últimos anos, prevê mudanças e transformação não somente na estrutura da escola, mas também, e principalmente, na formação e capacitação dos profissionais que irão atuar neste processo. Assim, a modernização da escola requer o aprimoramento dos conhecimentos e das práticas pedagógicas para que o atendimento educacional possa ser oferecido a todos, principalmente àqueles que a- presentam necessidades especiais. A inclusão precisa ter como pressuposto a integração social e acadêmica da criança, com esforços que remetam a reformas nos métodos educacionais para minimizar o risco de fracasso e evasão. Estas reformas precisam contar com o apoio de toda a sociedade, da escola e dos educadores na busca de métodos efetivos para garantir a inclusão. Conforme definido no documento Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica (Parecer CNE/CEB 17/2001), considera-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional, apresentarem: (a) dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; ou àquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; (b) dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis e (c) altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e novos repertórios comportamentais. Desta forma, justifica-se a necessidade de se oferecer aos profissionais interessados, a oportunidade de aprimorar seus conhecimentos acerca das pessoas com necessidades educacionais especiais, instrumentalizando-os para poderem avaliar, questionar e implementar propostas educacionais. A capacitação é fundamental para o sucesso da inclusão das pessoas com necessidades especiais. Os educadores, sendo os responsáveis diretos pelo processo de ensino-aprendizagem, deverão estar aptos a atender a todos os alunos - normais e/ou deficientes - de modo a criar condições para que todos aprendam e se desenvolvam. É comum no ambiente educacional atribuir-se ao aluno e às suas características individuais (déficit de atenção, falta de prontidão, baixo desempenho acadêmico, problemas comportamentais) a responsabilidade pela falha na aprendizagem. O que é real, no entanto, é que o aluno está sob a responsabilidade direta do e- ducador e, se não aprende, não é somente porque não sabe, não consegue, é deficiente, ou possui atraso em áreas do seu desenvolvimento, mas é porque o educador pode não estar utilizando métodos e técnicas apropriadas para o ensino, ou ainda, não conhecem estes métodos porque não tiveram a oportunidade de receber formação para o ensino de conteúdos específicos. Parece haver no ambiente escolar uma descrença quanto à capacidade de aprendizagem das pessoas com necessidades especiais para executar tarefas complexas. Uma forte razão para isso parece ser a falta de conhecimento de como fazer, a ausência de sistema-
3 116 R. Rossit e G. Zuliani tização dos procedimentos de ensino, a escassez de pesquisas aplicadas que explicitem sobre o que ensinar e como ensinar. Observa-se que, em geral, o educador implementa uma diversidade de recursos simultaneamente e, quando a aprendizagem ocorre, ele não tem clareza de qual deles foi o responsável pela mudança no repertório do aluno. Ainda, quando a aprendizagem não ocorre, o educador fica impossibilitado de identificar com exatidão onde e porque ela não aconteceu, elaborando falsas hipóteses a respeito da não aprendizagem (Rossit, 2002). Um possível caminho de busca destes métodos pode ser evidenciado pela literatura baseada na Análise Experimental do Comportamento (AEC). A AEC tem se constituído em uma das abordagens mais bem sucedidas no que diz respeito à produção de conhecimentos sobre aprendizagem e à proposição de procedimentos específicos de ensino para indivíduos ditos normais, indivíduos com atraso no desenvolvimento e com problemas de aprendizagem (Carmo, 1997; Barros, 2001). A AEC traz em seu bojo teórico inúmeras contribuições, dentre elas está o paradigma de equivalência de estímulos. Este tem sido considerado importante pela análise do comportamento por seu potencial de compreensão do comportamento humano complexo, principalmente a compreensão do simbolismo e da linguagem e por suas aplicabilidades práticas. Sidman (1971) procurou demonstrar que relações equivalentes entre estímulos auditivos e visuais são pré-requisitos suficientes para a emergência de leitura com compreensão. Para estudar a emergência de novas relações condicionais, ensinou a um jovem portador de microcefalia, através de tarefas de escolha de a- cordo com o modelo, as relações entre palavras ditadas e palavras impressas. Este jovem já apresentava em seu repertório, relações entre palavras ditadas e figuras e nomeação de figuras. Em função do ensino, ele foi capaz de emparelhar as palavras impressas com as figuras correspondentes e ler oralmente essas palavras. Desde então, a aplicabilidade do paradigma de equivalência no desenvolvimento de repertórios lingüísticos e no ensino de habilidades a- cadêmicas tem recebido grande atenção por parte dos analistas do comportamento (Spradlin, Cotter, Stevens e Friedman, 1974; Stoddard, Bradley e McIlvane, 1987; Matos e d Oliveira, 1992; Stromer, Mackay e Stoddard, 1992; de Rose, Souza e Hanna, 1996; Matos, Hübner e Peres, 1997; Goyos, 2000; Goyos e Freire, 2000; Souza, 2000). Sidman (1971) considerou que as relações ensinadas entre palavra ditada e palavra impressa correspondiam à leitura receptiva e que as relações entre palavra impressa e palavra falada pelo sujeito correspondiam à leitura expressiva oral. Os testes de equivalência, das palavras impressas e figuras e vice-versa correspondiam ao teste de leitura com compreensão. Assim, abriram-se novas perspectivas para a análise de habilidades de leitura sob o enfoque da análise comportamental. A maneira utilizada pelos estudos sobre equivalência de estímulos para instalar repertórios acadêmicos acontece através do ensino de discriminações condicionais (Green e Saunders, 1998). O procedimento utilizado para instalação de discriminações condicionais é o de escolha de acordo com o modelo (matching-to-sample, ou MTS), um procedimento padrão em que um estímulo modelo é apresentado inicialmente, seguido da apresentação de estímulos de comparação. Para cada estímulo modelo, um estímulo de comparação é designado como positivo ou discriminativo para reforço (S+) e os outros são apresentados como negativos (S-), que podem ser designados como positivos para outros estímulosmodelo em outras tentativas. O requisito é que o participante discrimine inicialmente entre os estímulos modelo apresentados, sucessivamente, ao longo das tentativas e dentre os estímulos de comparação apresentados, simultaneamente, em cada tentativa. Se o participante se comporta de acordo com as contingências, infere-se que as discriminações condicionais foram aprendidas e que a relação condicional foi estabelecida entre cada estímulo modelo e seu estímulo de comparação correspondente. Desta maneira, os estímulos condicional e discriminativo são relacionados através das conseqüências, daí o termo relação condicional. Para verificar se as relações estabelecidas em procedimentos de escolha de acordo com o modelo estabelecem novas relações
4 117 Repertórios acadêmicos e pessoas com necessidades especiais condicionais além daquelas específicas do treino 1 e, também, se há o estabelecimento de pré-requisitos para que os estímulos se relacionem, é preciso que alguns testes independentes sejam realizados. As propriedades e testes comportamentais correspondentes que determinam se uma relação condicional é uma relação de equivalência são de reflexividade, simetria e transitividade. De acordo com o paradigma de equivalência, estas relações se desenvolvem sem que haja treino adicional entre os conjuntos de estímulos (Sidman e Tailby, 1982). A propriedade de reflexividade se constata através da relação de identidade generalizada ou da relação condicional que cada estímulo mantém consigo mesmo. Simetria é a bidirecionalidade das relações condicionais, isto é, se o estímulo A se relaciona condicionalmente com B (AB), invertendo-se as posições, o estímulo B deverá se relacionar com o estímulo A (BA). Para avaliar a terceira propriedade, de transitividade, é necessário o ensino de duas relações condicionais, de tal forma que cada relação tenha um estímulo comum, isto é, se AB e BC, então testes de transitividade devem evidenciar que o estímulo A relaciona-se com estímulo C (AC) sem qualquer treino explícito. Transitividade e simetria podem ser testadas simultaneamente em testes combinados. Se as relações treinadas forem positivas para os testes das propriedades de equivalência, elas denotam que os estímulos envolvidos podem se constituir numa classe de estímulos equivalentes, um conjunto de estímulos em que todos mantêm as mesmas relações entre si (Green e Saunders, 1998). Dube, McDonald, Mclvane e Mackay (1991) investigaram uma variação do MTS, chamado de escolha de acordo com o modelo com resposta construída (CRMTS). O procedimento de CRMTS consiste na apresentação de um estímulo modelo frente ao qual o participante responde escolhendo as letras de um conjunto, apresentadas como estímulos de comparação, que compostas conjuntamente formarão o estímulo modelo apresentado. No estudo de Dube e cols. (1991), dois jovens deficientes - 1. Entende-se por treinos as etapas do procedimento de ensino que antecedem a aplicação dos testes para verificação das relações emergentes de acordo com o paradigma de equivalência de estímulos. mentais aprenderam, através do procedimento de CRMTS, a identificar palavras através de soletração e incorporaram estas palavras para expansão de seus repertórios. Tentativas de treino em CRMTS foram programadas tendo como estímulos letras, figuras e palavras impressas. Como resultado, ambos os participantes completaram as tentativas, demonstrando aquisição de repertórios de leitura e generalização para palavras novas. Outra contribuição do estudo foi apontar a eficiência do uso de computadores, mostrando o potencial de implementação de métodos e técnicas para instalação de repertórios em leitura e escrita. Uma importante característica de equivalência de estímulos é a economia de ensino que proporciona. Uma vez ensinadas duas discriminações condicionais, é possível a obtenção de, pelo menos, quatro relações emergentes de discriminação condicional. Supondo que foram ensinadas as relações AB e BC, pode-se obter as relações BA, CB (simetria), e AC e CA (transitividade e equivalência), sem contabilizar as de reflexividade. É também possível estender economicamente as classes de equivalência já estabelecidas. Para tanto, não é necessário que cada novo membro seja associado, através de discriminações condicionais, a cada membro pertencente à classe já formada. Se um novo conjunto de estímulos (D) for acrescentado à classe já formada, outras relações condicionais (ex.: AD, DA, BD, DB, CD, DC) podem emergir sem que haja treino direto das novas relações. Stromer, e cols. (1992) avançaram na perspectiva do uso dos métodos baseados no paradigma da equivalência e propuseram a introdução da nova tarefa, o CRMTS, para o ensino da resposta de construção de anagramas, semelhante conceitualmente à escrita. Quando, portanto, a relação entre a palavra impressa como estímulo-modelo, relacionava-se com ela mesma através do CRMTS, esta relação correspondia à cópia, habilidade acadêmica bastante conhecida e utilizada frequentemente em sala de aula. Quando a relação entre a palavra ditada correspondia à palavra impressa através do CRMTS, esta relação correspondia à de ditado, também muito utilizada e conhecida no ensino fundamental. Ainda, quando a relação entre a figura correspondente relacionava-se à palavra
5 118 R. Rossit e G. Zuliani impressa através do CRMTS, tratava-se de u- ma relação de escrita com compreensão, caso se tratasse também de uma relação testada. S- tromer e cols. (1992) introduziram a possibilidade de relações envolvendo soletração manuscrita e soletração oral. Além disso, esses autores propuseram o uso de um diagrama com os conjuntos de estímulos e de respostas envolvidos em tarefas de MTS e de CRMTS para analisar o repertório básico para o ensino de habilidades acadêmicas. Através dessa rede, o educador pode avaliar o repertório inicial do aluno, identificar as relações que necessitam ser ensinadas e analisar quais relações poderão emergir do ensino direto de algumas dessas relações. Para integrar o modelo de rede de relações condicionais em sala de aula, educadores podem utilizar conjuntos de letras, palavras impressas, palavras ditadas e figuras, ensinados num pacote integrado, desenvolvendo um currículo suplementar, facilitando a aquisição de repertórios em leitura e escrita. Para desenvolvimento destes repertórios, relações como cópia e ditado são geralmente exploradas pelos educadores. No entanto, estas relações não são ensinadas relacionadas umas às outras, de maneira a promover a aquisição de outros repertórios, como sugere o modelo de rede de relações condicionais. Com relação à construção do conhecimento matemático, estes repertórios parecem estar presentes bem antes da criança entrar na escola, o que pode ser evidenciado a partir do desempenho em atividades que requerem esses conceitos, como no caso de contar nos dedos da mão a quantidade correspondente à idade ou o uso da contagem nas brincadeiras infantis. Essa construção e aquisição continuam tanto no ensino formal, oferecido pela escola, como no ensino informal, que ocorre no ambiente natural da criança. Contudo, pessoas com necessidades especiais podem passar pelo período de escolarização sem alcançar o domínio das habilidades matemáticas básicas e podem chegar à idade adulta sem os pré-requisitos para desempenhar de forma independente diversas atividades da vida diária. Tarefas aparentemente menos complexas, como contagem, podem ser aprendidas de forma inapropriada, ou mesmo, não serem aprendidas. O domínio de habilidades provenientes dos sistemas convencionais como, por exemplo, contagem, noção de quantidade, medidas de volume, comprimento e peso, reconhecimento das horas, fazer pagamentos e oferecer troco, pode proporcionar graus variados de sucesso ou fracasso de desempenho na escola e na comunidade (Rossit, Goyos, Araujo e Nascimento, 2001). O uso de recursos adicionais e comprovadamente eficazes de ensino, como os procedimentos baseados no paradigma de equivalência, pode facilitar o desenvolvimento de repertórios essenciais para a vida acadêmica e sucesso escolar das crianças com necessidades especiais incluídas na rede de ensino regular. O modelo de rede de relações sugerido por Stromer e cols. (1992) para o ensino de habilidades acadêmicas pode beneficiar o ensino destas crianças quando realizado por educadores leigos. Acredita-se que o ensino diferenciado faz-se necessário por conta das demandas escolares advindas do processo de inclusão de portadores de necessidades especiais. Estas pessoas, de certa forma, precisam se adaptar a uma rotina previamente estabelecida no contexto escolar e ainda pouco voltada às suas necessidades. Um estudo que aliou o uso dos métodos baseados no paradigma da equivalência de estímulos para ensino de habilidades acadêmicas de leitura e escrita ao treinamento de educadores leigos é o de Zuliani (2003). Neste estudo, procurou-se verificar se mães de crianças portadoras de deficiência mental poderiam ensinar tais habilidades a seus filhos, desenvolvendo nestes, as habilidades acadêmicas ausentes em seu repertório. Participaram do estudo quatro mães e seus respectivos filhos, deficientes mentais, que freqüentavam a sala de recursos de uma escola pública municipal, além de salas regulares de 1 a a 4 a séries. Foram levantadas dificuldades específicas de aprendizagem em leitura e escrita como grafia incorreta, dígrafos, morfemas e fonemas. As palavras escolhidas para as tarefas foram aquelas que não faziam parte do repertório do participante, ou seja, que não lia nem escrevia, verificadas através de pré-testes de ditado com escrita manuscrita (AF), do qual fizeram parte 140 palavras indicadas pelas
6 119 Repertórios acadêmicos e pessoas com necessidades especiais Educadoras: palavra ditada - figura (AB) e figura - palavra impressa (BC). As áreas problemáticas no repertório acadêmico dos participantes foram aquelas que envolviam escrita e leitura com compreensão. Baseando-se nos dados iniciais, as mães foram instruídas coletivamente para ensinar as relações de cópia (CD palavra impressa - conjunto de letras) e escrita (AD palavra ditada - conjunto de letras), através do procedimento de CRMTS para realizarem, posteriormente, os treinos em casa. Cada sessão de treino foi composta de três palavras, sendo duas conhecidas e uma desconhecida do participante. Quando uma palavra era composta corretamente de acordo com o critério de 100% de acertos nas relações CD e AD, era substituída por outra desconhecida e assim sucessivamente, até que houvesse um conjunto de dez palavras treinadas. Os testes foram aplicados pela experimentadora, na escola, com o uso do computador. As relações testadas foram AB (palavra ditada - figura), BC (figura - palavra impressa), AC (palavra ditada - palavra impressa), CE (palavra impressa - palavra falada pelo participante) e BE (figura - palavra falada pelo participante). Os resultados de cada participante durante os treinos em casa foram bastante satisfatórios, indicando que o uso destes métodos pode ser feito por pessoas especialmente capacitadas para este fim. No entanto, durante os testes, os participantes não apresentaram emergência dos repertórios esperados, nem generalização para outras palavras, porém, variáveis intervenientes podem ter interferido nestes resultados, como número reduzido de apresentação de cada palavra durante os treinos, latência entre treinos e testes para cada palavra, sessões acontecendo em casa sem observação e palavras com dificuldades da língua estão sendo analisadas. Na aplicação do paradigma para o ensino de habilidades acadêmicas relacionadas aos conceitos matemáticos, o estudo de Rossit e cols. (2001) teve como objetivo desenvolver e avaliar um currículo para o ensino de habilidades matemáticas - manuseio de dinheiro - a jovens com deficiência mental. O ensino de habilidades de manuseio de dinheiro envolve diversos componentes, que variam em grau de complexidade, os quais precisam ser ensinados e relacionados entre si: nome dos numerais, numerais impressos, nome de moedas e notas, combinações entre notas e moedas, preço impresso, nomeação de valores monetários, operações matemáticas básicas para efetuar pagamentos e receber trocos. Para tanto, torna-se necessário estruturar uma seqüência de tentativas para o ensino destas relações. O primeiro estudo proposto teve como objetivo ensinar simultânea e funcionalmente as relações entre numerais ditados e impressos e entre valor monetário ditado e figura de moedas para jovens com deficiência mental. O segundo estudo avaliou se o ensino das relações condicionais entre componentes numéricos e numerais impressos poderia facilitar a construção de respostas monetárias utilizando moedas. O que se pretendeu verificar é se além de aprender a relação entre estímulos compostos (componentes) e um estímulo único (numeral impresso), o participante poderia transferir a estratégia da adição para moedas e em relação inversa à ensinada, ou seja, construir os componentes de um valor monetário tendo um estímulo único como modelo (valor ditado, figura de moeda, ou moeda real). Participaram dez indivíduos com deficiência mental com idade variando de 12 a 32 anos e clientes de uma escola de educação especial em São Carlos (SP). O estudo começou com o treino em tarefas de escolha de acordo com o modelo simultâneo de identidade com numerais impressos 1, 5, 10, 25, 50 e 100 apresentado em preto em oposição ao fundo azul como estímulo. Todas as tentativas foram apresentadas por um computador, o qual também registrava e salvava os resultados. Depois de aprendida as relações de identidade, os participantes foram ensinados a selecionar numerais impressos na presença dos numerais ditados. Nesta fase os numerais foram também 1, 5, 10, 25, 50 e 100. Depois do critério de 90% de seleções corretas ter sido alcançado, os participantes foram ensinados a selecionar figuras de moedas na presença de valores ditados. Com a obtenção do critério, os participantes foram introduzidos em testes combinados para verificar a emergência das relações de equivalência. Nesta fase particular, os participantes tinham que selecionar moedas na presença de numerais impressos e selecionar
7 120 R. Rossit e G. Zuliani numerais impressos na presença de moedas. Em seguida, foi introduzida uma modificação do procedimento de escolha de acordo com o modelo, na qual a tarefa requeria que os participantes selecionassem um numeral impresso (ex: 5) na presença do mesmo valor quebrado em componentes de menor valor e intercalados com o sinal da adição (ex: ) como modelo. Finalmente, os participantes foram submetidos aos testes de escolha de acordo com o modelo com construção de respostas sobre a mesa, nos quais a figura de uma moeda e o valor ditado da moeda foram apresentados como modelo e moedas reais foram apresentadas como um conjunto de comparações. Os resultados destes estudos mostraram que participantes com deficiência mental formaram classes extensas de estímulos equivalentes derivadas de treinos anteriores, as quais foram generalizadas para valores não treinados e situação simulada de compra. Além disso, é importante salientar que é possível estender ainda mais essas classes por meio do acréscimo de novos estímulos às classes já existentes. O ensino de habilidades acadêmicas de leitura, escrita e matemática pode ser otimizado através do uso de recursos informatizados como computadores e programas educativos. O programa utilizado nos estudos de Zuliani (2003) e Rossit (2001 e 2002) foi o Mestre (Goyos e Almeida, 1994) que permite a apresentação de estímulos auditivos e visuais, a inserção de tarefas complementares, registro automático em arquivos de respostas do participante e apresentação de um relatório completo da sessão. Algumas vantagens têm sido identificadas para a utilização de procedimentos informatizados, como a precisão, a eficiência na programação, no registro automático das respostas e na impressão imediata dos resultados, o que facilita a análise e interpretação dos dados e eliminação de variáveis intervenientes, permitindo que o aluno fique sob a influência quase estrita do conteúdo da tarefa. Nesse sentido, a informatização do ensino, aliada à tecnologia comportamental desenvolvida em estudos de equivalência de estímulos, pode agilizar o processo de ensino-aprendizagem, aumentar a confiabilidade dos dados, controlar otimamente as contingências, de forma a ensinar exatamente o planejado e, ainda, potencializar a instalação de repertórios básicos em populações de indivíduos com alta demanda, como a de pessoas com necessidades especiais. Uma contribuição desta reflexão foi contextualizar a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais e evidenciar a importância da busca de métodos efetivos de ensino como os baseados no paradigma de equivalência de estímulos, mostrando a aplicabilidade prática e a possibilidade da utilização destes métodos por pessoas que não têm um conhecimento aprofundado em análise comportamental. A meta principal deste texto foi oferecer um conteúdo básico que dê subsídios para a implementação de propostas de ensino que sejam efetivas para o aprendizado de pessoas com necessidades especiais. Referências bibliográficas Barros, R. S. (2001). Uma introdução ao tema da análise do comportamento aplicada. Em R. M. E. Figueiredo (Org.), Ensino de leitura, escrita e conceitos matemáticos. Belém: FIDESA/UNAMA. Carmo, J. S. (1997). Aquisição do conceito de número em crianças pré.escolares através do ensino de relações condicionais e generalização. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará. De Rose, J. C.; de Souza, D. G. e Hanna, E. S. (1996). Teaching reading and spelling: exclusion and stimulus equivalence. Journal of Applied Behavior Analysis, 29, Dube, W.; McDonald, S. J.; McIlvane, W. J. e Mackay, H. A. (1991). Constructedresponse matching to sample and spelling instruction. Journal of Applied Behavior Analysis, 24, Goyos, C. e Almeida, J. C. B. (1994). Mestre (Versão 1.0). [Computer software]. São Carlos, SP: Mestre Software ( Glade/1252) Goyos, C. (2000). Equivalence class formation via common reinfores among preschool children. The Psychological Record, 50,
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