PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito nº , da Comarca de São Paulo, em que é recorrente JONNY LUIZ AMERICO SOARES PINTO, é recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E JAIME FERREIRA MENINO. São Paulo, 20 de setembro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Recurso em sentido estrito Comarca: São Paulo Recorrente: Jonny Luiz Américo Soares Pinto Recorrido: Ministério Público VOTO Nº Recurso em sentido estrito. Homicídio na direção de veículo automotor. Decisão de reconhecimento da incompetência da Vara comum com determinação de remessa para a Vara do Júri. Insurgência defensiva. Alegação de não ser possível o reconhecimento da incompetência antes do interrogatório. Improcedência do alegado. Inteligência do art. 109 do CPP. Incompetência que pode ser reconhecida a qualquer tempo. Acusado que dirigia em alta velocidade, efetuando manobras arriscadas, inclusive cavalo de pau em avenida movimentada. Situação que extrapola a simples quebra do dever de cuidado. Recurso improvido. Trata-se de recurso em sentido estrito, interposto por JONNY LUIZ AMÉRICO SOARES PINTO contra a decisão de fls. 183/185, proferida em 20/01/2016 pela MM. Juíza de Direito, Dra. Fernanda Afonso de Almeida, da 19ª Vara Criminal da Capital, que reconheceu a incompetência para processamento do feito e determinou a distribuição dos autos a uma das Varas do Tribunal do Júri. Sustenta o recorrente ser o processo nulo por ausência de interrogatório do réu. No mérito, alega ausência de animus necandi (fls. 188/199). O recurso foi respondido (fls. 201/203), a Recurso Em Sentido Estrito nº

3 decisão foi mantida por seus próprios fundamentos e a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do reclamo (fls. 207/209). Razão não assiste ao recorrente. Ao contrário do quanto sustenta o acusado, inexiste qualquer previsão legal impeditiva do reconhecimento da incompetência antes da colheita da prova oral. Em verdade, a previsão existente no art. 109 do Código de Processo Penal é justamente a oposta: Art Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do artigo anterior. O magistrado está autorizado a reconhecer sua incompetência a qualquer tempo, seja antes ou depois de formada a relação jurídica triangular, ou mesmo após a instrução processual, ou ainda durante o inquérito policial ao apreciar, por exemplo, alguma representação formulada pelo delegado. Assim, não se há falar em inadequação do momento processual utilizado pelo magistrado para reconhecimento de sua incompetência. Recurso Em Sentido Estrito nº

4 Anote-se ainda, não se cuidar de hipótese de competência relativa, mas sim de competência absoluta, posto tratar-se de competência fixada pela matéria. Sobre tal espécie de competência já nos manifestamos: Chama-se absoluta a hipótese de fixação da competência que não admite prorrogação, isto é, deve o processo ser remetido ao juiz natural determinado por normas constitucionais ou processuais penais, sob pena de nulidade do feito. Encaixam-se nesse perfil a competência em razão da matéria (ex.: federal ou estadual; cível ou criminal; matéria criminal geral ou especializada, como o júri etc.) e a competência em razão da prerrogativa de função (ex.: julgamento de juiz de direito deve ser feito pelo Tribunal de Justiça; julgamento de Governador deve ser feito pelo Superior Tribunal de Justiça etc.). (Código de Processo Penal Comentado, Forense, 15ª ed., p ) No caso em tela, cuidando-se de competência pela natureza especializada da Vara do Júri, por certo poderia, e deveria, o magistrado reconhecê-la ex officio, tal Recurso Em Sentido Estrito nº

5 como o fez. Assim, resta rejeitada a preliminar. No mais, verifico que a descrição fática constante da denúncia efetivamente indica hipótese de crime doloso contra a vida, ao menos na situação de dolo eventual. Segundo consta, em 1º/06/2010, por volta das 2h15min, o acusado conduzia o veículo Citröen/C4 Pallas, em companhia das vítimas Patrícia e Juliana, dirigindo-se a uma festa. Quando trafegava pela Av. Alcântara Machado, o recorrente perdeu a controle sobre o veículo, colidindo com a traseira de um caminhão que se encontrava parado aguardando a abertura do semáforo. Consta também, ter o recorrente conduzido o automóvel de forma temerária, ultrapassando semáforos vermelhos, imprimindo elevada velocidade e, inclusive, realizando manobra conhecida como cavalo de pau. Em razão da colisão, Patrícia sofreu traumatismo crânio-encefálico, causa efetiva de sua morte; enquanto Juliana sofreu lesão corporal de natureza grave. Juliana, a vítima sobrevivente, em ambas as oportunidades nas quais foi ouvida foi bastante enfática ao afirmar estar o recorrente conduzindo seu automóvel de forma arriscada e perigosa. Em suas palavras, o acusado dirigia como um delinquente, como um louco, cortando todos os carros em alta velocidade, e ainda como se estivesse em um jogo de videogame. Disse que antes da colisão havia pedido diversas Recurso Em Sentido Estrito nº

6 vezes para o recorrente reduzir a velocidade ou parar o automóvel, porém não foi atendida. Relatou que, considerando a forma como o réu dirigia, já era possível prever a ocorrência de um desastre. Destacou, ainda, ter o réu desobedecido sinais de parada e, antes de colidir com o caminhão, havia cortado diversos outros carros, motivo pelo qual o condutor, possivelmente, não viu o caminhão parado no semáforo vermelho. Também antes da colisão, em um retorno, realizou manobra conhecida como cavalo de pau. A vítima Patrícia encontrava-se no banco do passageiro, utilizando o cinto de segurança, enquanto a depoente estava no banco traseiro. A testemunha Lilian, policial militar que atendeu a ocorrência não se recordou do ocorrido. Como se verifica da narrativa apresentada na exordial acusatória e da versão apresentada por Juliana, a conduta do réu extrapolou os limites da mera culpa em sentido stricto, não se havendo falar em simples quebra de dever objetivo de cuidado. Do quanto se pode extrair, o resultado morte era previsível, tendo o réu, ao menos, assumido o risco de sua ocorrência. Note-se que a condução temerária não se deu em local deserto, ao contrário, foi praticada em avenida de grande movimentação nesta Capital, a conhecida Radial Leste, na qual, mesmo durante a madrugada, existe constante tráfego de veículos. Entendo, portanto, por correta a decisão a Recurso Em Sentido Estrito nº

7 quo ao reconhecer a competência do Tribunal do Júri para apreciação do feito. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao presente recurso em sentido estrito, mantendo-se, na íntegra, a r. decisão atacada. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Recurso Em Sentido Estrito nº