ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL GABINETE DO GOVERNADOR

Transcrição

1 PARECER N.º SERVIDOR PORTADOR DE DISTÚRBIO DO SONO E CRISES PERSISTENTES DE ANSIEDADE QUE DEIXA DE COMPARECER AO TRABALHO NÃO MANIFESTA ANIMUS DE ABANDONAR, ESPECIALMENTE SE TEM RESPALDO EM PROVA DOCUMENTAL E ORAL, AFIRMANDO QUE SUAS CONDIÇÕES FÍSICO-PSÍQUICAS NÃO LHE PERMITEM LABORAR. INTELECÇÃO DO INCISO IV DO ART. 191 DA LEI COMPLEMENTAR N /94. ARQUIVAMENTO SUGERIDO. Vem a exame e parecer da Equipe de Revisão da Procuradoria de Probidade Administrativa e de Processo Administrativo Disciplinar o processo n /00.5, oriundo da Secretaria da Justiça e da Segurança, que se refere ao Processo Administrativo Disciplinar instaurado contra Ubiratã Carlos Braga, matrícula n , fotógrafo criminalístico lotado no Instituto Geral de Perícias, acoimado de abandono da função pública, a partir de O fato jurídico sígnico foi comunicado à direção do IGP em 09 de outubro de 2000, em razão do que se instaurou sindicância prévia, para averiguar a causa das ausências. Neste procedimento pré-processual, o então sindicado afirmou que esteve em licença para tratamento de saúde de fevereiro de 1998 até , sendo que neste período trabalhou alguns meses. Asseverou, por igual, que padece da doença denominada distúrbio do sono e ansiedade intensa. Essas enfermidades desestruturam a funcionalidade convencional da atividade laborativa dos pacientes, uma vez que o sono aparece na hora e na ocasião mais imprevisível, não permitindo o desempenho regular de qualquer atividade laborativa. No entanto, a psicóloga Josiane do Departamento de Perícia Médica e Saúde do Trabalhador disse-lhe que deveria retornar ao trabalho sob pena de sofrer sanções administrativas. Diante desta informação falou com seu terapeuta particular o Dr. Valter Daudt, que lhe forneceu um atestado circunstanciado, além de ter contatado com o DMEST, esclarecendo que o sindicado, devido às peculiaridades de seu quadro de saúde não poderia retornar ao trabalho. Nesta oportunidade, o psiquiatra Juarez Verba do DMEST teria dito que a situação do servidor seria reavaliada naquele órgão técnico (fl. 37). Juntou o sindicado o alentado laudo do Psiquiatra Valter Daudt (fls ), onde, se referindo em tom dialógico ao sindicado, menciona que suas faltas são devidas à persistência de seus sintomas da doença e não podem constituir uma ocorrência punível

2 administrativamente. Surpreendeu-me muito também, porque, em 14 de setembro, o Dr. Juarez me havia dito que seu caso seria reavaliado. Se seu caso seria reavaliado, isso significa que pelo menos para algumas pessoas no Departamento ou, pelo menos, ao Diretor, há uma dúvida razoável sobre sua capacidade ou incapacidade. Este médico noutro atestado, juntado a fls. 41, asserta categoricamente em letras garrafais que o seu assistido está impossibilitado ao trabalho desde o primeiro semestre de 1998 e que o tratamento técnico que os peritos do DMEST têm imprimido no exame funcional do paciente lhe tem prejudicado a terapia, razão porquê o signatário Dr. Daudt teria representado disciplinarmente junto ao CRM contra esses profissionais. A despeito desses documentos, a sindicância administrativa lobrigou a existência de infração funcional por abandono de função pública, ignorando o disposto no inciso I, do art. 248 da lei Complementar n /94, recomendando a instauração de processo administrativo-disciplinar, sugestão esta acolhida pelo Senhor Secretário Substituto da Pasta da Justiça e da Segurança, que editou a Portaria incoativa da perquirição disciplinar (fls. 71). Encaminhado o expediente a esta Procuradoria Geral do Estado, foi nesta especializada distribuído ao Procurador do Estado Dr. Luiz Felipe Targa, que, instalando os trabalhos em 21 de março de 2001, enquadrou o servidor nas cominações dos arts. 26 e 191, IV da Lei Complementar n /94 (fl. 82). Citado para comparecer em audiência de qualificação e interrogatório, à que se fez presente assistido pela Defensora Pública Dra. Maria Angélica Maio Zabaleta, dizendo que desde 1997 se submete a tratamento médico especializado tendo em vista sofrer de distúrbio do sono e problemas psíquicos associados e que, em agosto de 2000, foi chamado no Departamento de Perícia Médica e Saúde do Trabalhador, onde lhe sugeriram que voltasse ao trabalho ou se exonerasse, tendo retornado ao serviço em outubro de 2000, trabalhando por três semanas, não se sentindo em condições físico-psíquicas deixou de comparecer ao expediente e não recebe os seus vencimentos desde dezembro de 2000, vivendo à custa de auxílio dos amigos. O tratamento médico a que se submete permanentemente é gratuito. A defesa, por ocasião das alegações preliminares, arrolou 6 testemunhas entre elas duas médicas, um médico, uma psicóloga e duas colegas de trabalho, além de requerer perícia médico-psiquiátrica, formulando quesitos (fls ). A autoridade processante prescindiu da prova oral e formulou quesitos de ofício (fls ).

3 Realizada a colheita da prova oral, as testemunhas foram unânimes em confirmar que o indiciado deixava de comparecer ao serviço em razão de sua saúde e que, no trabalho, era um bom servidor, depoimento da médica Eliana Sarres Pessoa (fl. 106); a psicóloga Tecla Izabel Pinheiro faz idêntica afirmação (fl. 107). A médica Suzana Veiga Schönwald informou que o indiciado fora seu paciente nos anos de e que a natureza de sua doença determina que o sono apareça no momento mais incompatível com a vida regular, considerando que o seu quadro recomendaria uma readaptação do trabalho às condições peculiares de seu quadro de saúde (fl. 108). O médico Valter Marques Daudt (fl. 115) afirmou que o tratamento do sono impede que o indiciado se beneficie do tratamento medicamentoso indicado para a ansiedade e depressão; seu tratamento fica restrito a técnicas psicoterápicas e comportamentais. Presentemente, dada à intensidade de seus sintomas, agravados pela situação de tensão, o indiciado não tem condições de retornar ao trabalho (fl. 115). A funcionária pública municipal Izabel Oliveira de Campos relata o quadro de abulia em que vive o indiciado, pois quando ia à casa dele o encontrava prostrado, deitado na cama, sem se alimentar (fl. 116). A perícia formulada pelo DMEST relata que o paciente em março de 1998 solicitou a primeira licença médica, apresentando um quadro de Depressão neurótica (CID-300.4) e que submetido a uma avaliação em 27 de abril de 2001 e em 18 de maio de 2001, quando foi avaliado pela psiquiatria e pela psicologia com psicotestagem, o parecer conjunto entendeu que não havia naquele momento comprometimento de sua capacidade laboral por transtorno psíquico e, por outro lado, o laudo do exame polissonográfico traz um achado inespecífico e não é conclusivo (fls. 120), concluindo que, com base nos exames de 27 de abril e 18 de maio de 2001, o servidor possui condições psíquicas para o trabalho. Em alegações finais, a defesa examina a prova e sustenta a ausência de animus de abandonar (fl ). A autoridade processante, em relatório alentado, de feitura erudita, lastreada em jurisprudência sobre a natureza da volição do agente, conclui que, ainda que se possa dizer não ter havido de sua parte uma vontade absoluta de abandonar o cargo, ao deixar de comparecer em suas atividades profissionais habituais, assumiu o risco deliberado de cometer a infração administrativa. Sempre soube que, ao não trabalhar, poderia sofrer as conseqüências de sua atitude. Tanto que a Administração Pública, através de seus superiores hierárquicos, ressalte-se, mais uma vez, buscou solucionar o impasse, possibilitando-lhe uma flexibilidade de horário de trabalho, sem prejuízo do bom andamento do serviço. Possibilidade perfeitamente condizente com seu cargo de fotógrafo criminalístico. Citando a jurisprudência de fls. 137, à cuja leitura se reporta este parecerista.

4 Conclui que a atitude tomada pelo indiciado recomendaria a aplicação da pena demissória que, entretanto, comuta para a suspensão de 40 dias em nome do princípio da razoabilidade, conforme o art da Lei Complementar /94, bem como o autorizamento do art. 189, IV da mesma lei (fls ). É o relatório. Não há nulidade a sanear, eis que observado o devido processo legal e exercitado o contraditório. No mérito, com a devida vênia da douta autoridade processante, a verdade nem sempre coincide com os modelos sociais processantes, pois o ser humano é uma realidade única e irrepetível, sendo a questão largamente tratada pelos filósofos Heidegger em Ser e Tempo, bem como Gadamer em Verdade e Método. De modo que as classificações médico-psiquiátricas destinam-se aos casos mais genéricos, não contemplam as situações sui generis como a do presente caso, pois os técnicos estão em dessintonia quanto ao fato de o indiciado poder ou não trabalhar, em face das dificuldades que o afligem no plano psicológico. Por isso, este parecerista se inclina a reconhecer a ocorrência do inciso I do art. 248 da Lei Complementar n /94, recomendando a absolvição por ausência de animus de abandonar em razão de circunstância ligada a seu estado psíquico e, considerando que, até agora o indiciado não reassumiu a função à que está jungido no serviço público, tem-se que a punição de suspensão seria anódina. Por outro lado, considerando o quadro apresentado pelo servidor, é de cogitar-se de sua readaptação funcional, vis compulsiva consoante a previsão do art. 39 da Lei Complementar n /94, sugestão esta que se faz com supedâneo no 4 do art. 245 da lei citada. É o parecer.. José Hermílio Ribeiro Serpa Relator Dea Mara Ribeiro Lima.

5 Processo nº /00.5 Acolho as conclusões do PARECER nº , da Procuradoria de Probidade Administrativa e de Processo Administrativo- Disciplinar, de autoria do Procurador do Estado Doutor JOSÉ HERMÍLIO RIBEIRO SERPA. Submeta-se o expediente à deliberação do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado. Em 23 de abril de Paulo Peretti Torelly, Procurador-Geral do Estado.

6 Processo nº /00.5 Aprovo o PARECER nº , da Procuradoria-Geral do Estado, cujos fundamentos adoto para ABSOLVER o servidor UIBIRATÃ CARLOS BRAGA, Fotógrafo Criminalístico, matrícula nº , lotado na Instituto Geral de Perícia, da imputação objeto do Processo Administrativo-Disciplinar nº /00.5, instaurado para apurar falta funcional a ele atribuída. À Procuradoria-Geral do Estado para publicação e anotações de estilo. Após, à Secretaria da Justiça e da Segurança para ciência do interessado e demais providências pertinentes. PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 23 de abril de OLÍVIO DUTRA, GOVERNADOR DO ESTADO.