SERVIDOR POLICIAL ACUSADO DE UTILIZAÇÃO DE MOEDA FALSA. INTELECÇÃO DOS INCISOS XXXVIII E XLIII DO ART. 81 DA LEI

Transcrição

1 PARECER N.º SERVIDOR POLICIAL ACUSADO DE UTILIZAÇÃO DE MOEDA FALSA. A ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL POR INSUFICIÊNCIA DE PROVA NÃO VINCULA A DECISÃO ADMINISTRATIVA EM RAZÃO DA INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS QUANTO AO JUÍZO DE VALOR DOS BENS JURÍDICOS EM LIÇA. CONJUNTO PROBATÓRIO ALIADO AO PASSADO FUNCIONAL NÃO RECOMENDÁVEL INSTIGA A DECLARAR O SERVIDOR DESQUALIFICADO PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. INTELECÇÃO DOS INCISOS XXXVIII E XLIII DO ART. 81 DA LEI 7.366/80. Vem a exame e parecer da Equipe de revisão da Procuradoria de Probidade Administrativa e de Processo Administrativo-Disciplinar o processo n.º /99.0-PC, proveniente da Secretaria de Justiça e Segurança, que encarta o Processo Administrativo Disciplinar instaurado contra o Escrivão de Polícia JÚLIO CEZAR LOPES DA SILVA, matrícula n.º , por obra da

2 Resolução n.º , de 9 de maio de 2000, editada pelo Conselho Superior de Polícia à vista de Sindicância Administrativa realizada pela 12ª Região Policial, sediada em Santana do Livramento, onde o ora indiciado foi sindicado por derrame de moeda falsa. Segundo o apurado na investigação pré-processual supradescrita, no dia 3 de dezembro de 1996, a administrada Adriana Munhoz Alves compareceu no plantão da polícia civil de Santana do Livramento, informando que, na noite anterior, por volta das 24 horas, quando se encontrava no trailer localizado no bairro Cohab-Armour daquela cidade, juntamente com o esposo Gerson e um amigo, de alcunha Gigio, apareceu o indiciado Julio Cezar, conhecido por Ovelha, também amigo de Gigio, trafegando num carro Escort, cor preta, acompanhado de três mulheres, e começou a conversar com o tal Gigio. Como a comunicante Adriana precisasse trocar R$ 50,00 (cinqüenta reais), vez que desta quantia tomara emprestado R$ 20,00 da concunhada Sônia, seu marido Gerson perguntou ao policial se podia trocar a nota. De pronto, o policial pediu a uma mulher que estava a seu lado e deu cinco notas de R$ 10,00 (dez reais). No dia seguinte, quando Gerson e Adriana foram até a rodoviária comprar passagem de retorno a Santa Vitória do Palmar, foram surpreendidos com a informação do caixa de que as notas eram falsas. A partir deste fato, instaurou-se IP na Polícia Federal e, lateralmente, procedeu-se à realização de Sindicância Administrativa na órbita policial de que resultou a recomendação da abertura de PAD contra o indiciado, consoante o relatório de fls , recomendação esta placitada pelo Conselho Superior de Polícia, através da Resolução n.º já citada. Designada autoridade processante na pessoa do Delegado Airton Araújo Machado, foi realizada a instrução em observância aos preceitos do contraditório. A administrada Joyce Elisiane Ucha Rodrigues disse que, na noite do fato, estava no carro do indiciado, pois era amiga da namorada dele, Roseli, e fora convidada pelo casal a darem uma saída pela cidade, juntamente com outra moça, cujo nome desconhece, e que, no local apontado por Adriana, um rapaz pediu ao processado que trocasse uma nota de R$ 50,00 (cinqüenta reais), no que foi atendido por Júlio Cezar (fl. 389). Valcir Gomes Torres, vulgo Gigio, repete a versão da Joyce, com um detalhe, ou seja, que o indiciado pediu para a mulher que estava a seu lado no banco carona trocar a nota de R$ 50,00 (fl. 392), fato que discrepa da versão de 2

3 Joyce Elisiane, pois esta disse que estava no interior do carro, no banco atrás do carona, onde estava sentada a amiga e vizinha da depoente Roseli, namorada do indiciado, e afirma que foi o indiciado que realizou a troca da nota, tirando as notas de R$ 10,00 de uma pochete preta, presa à cintura dele, e percebeu que ele portava várias notas de dinheiro (fl. 390). A testemunha Gerson Menezes Alves, companheiro de Adriana, confirma que estava em Livramento no mês de dezembro de 1996 em férias, eis que trabalhava em Santa Vitória do Palmar e, precisando dinheiro para retornar, pediu emprestado R$ 20,00 à sua cunhada Sônia, e esta lhe alcançou R$ 50,00 para que trocasse naquela noite, tendo ido na casa de Valcir Gomes Torres, vulgo Gigio, porém este não tinha dinheiro em casa e prontificou-se a sair à rua, a fim de trocar a nota no trailer já falado, ocasião em que encontraram o indiciado dirigindo um Escort com três mulheres e, parando o carro, começou a conversar com Gigio. Desta circunstância se valeu o depoente para pedir ao indiciado que lhe trocasse a nota de R$ 50,00 (cinqüenta reais), tendo o indiciado retirado as notas de R$ 10,00 de uma pochete que utilizava (fl. 427). No interrogatório, o indiciado confirmou a troca das notas, porém disse que quem o fez foi uma das acompanhantes a quem ele dera carona naquela noite e atribui a acusação desfechada por Joyce de que trocara as notas, em razão de ressentimentos pessoais, visto que, por certo, Joyce mantivesse um interesse afetivo latente em relação a ele e, provavelmente, ficara magoada por ter ele ido à residência dela acompanhado da namorada Roseli para convidá-la a sair. Uma circunstância de seu interrogatório sinaliza um caminho para esclarecer a matéria, ocorre que, no momento do fato, o indiciado não estava mais lotado em Livramento, mas na DEFREC de Novo Hamburgo, e nesta cidade ocorrera uma grande apreensão de notas falsas e, por coincidência, as notas apreendidas em Santana do Livramento têm a mesma numeração das apreendidas em Novo Hamburgo, fato que o indiciado atribui à mera coincidência. Reconhece que o órgão que apreendeu as notas em Novo Hamburgo funciona no mesmo prédio onde trabalhava o interrogado. Disse que não fora treinado para reconhecer notas falsas; admitiu que está respondendo outro PAD por ter arrombado um cartório em Novo Hamburgo e se apossado de dinheiro que lá existia depositado, que está preso preventivamente por prática de homicídio e que já estivera preso em Livramento por estelionato e já respondeu processo em São Leopoldo por advocacia administrativa (fls ). Na esfera judicial, o juiz federal absolveu o indiciado por falta de prova, com supedâneo no inciso VI, do art. 386 do CPP (fl ). 3

4 Levado a julgamento, por maioria, vencidos os Conselheiros - Drs. Dorval Bráulio Marques e Roque Marino Pasternak, que acolheram a tese da insuficiência de prova, o egrégio Conselho Superior de Polícia decidiu pelo apenamento expulsivo, por entender a douta maioria estarem presentes as circunstâncias previstas no inciso XXXVIII do art. 81 da lei 7.366/80, que torna incompatível para o exercício da função de policial a conduta do indiciado. É o relatório. Não há nulidade a sanar, eis que obedecido o devido processo legal e asseguradas as garantias constitucionais do contraditório. No mérito. Com a devida vênia dos votos dissidentes, entendo que a decisão do egrégio Conselho Superior de Polícia está apropriada à espécie, porquanto o indiciado admite que estava no veículo em que ocorreu a troca da nota de R$ 50,00 (cinqüenta reais) por notas falsas, imputando o fato a uma acompanhante cujo nome desconhece. Duas testemunhas: Joyce e Gerson viram o indiciado retirar as notas de uma bolsa pochete. Apenas Valcir Gomes Torres, vulgo Gigio, confirma que foi uma moça quem fez a troca e esta moça estava ao lado do indiciado. Mas esta moça era Roseli, então namorada dele indiciado, o que dá no mesmo, pois é improvável que Roseli fosse uma falsária. Apenas estava segurando o dinheiro para o namorado. Há ainda de se acrescentar o fato de que o indiciado estava trabalhando em Novo Hamburgo, onde ocorria um surto de derrame de notas falsas, sendo parte delas apreendidas pela DEFREC de Novo Hamburgo e o indiciado já estava respondendo processo administrativo-disciplinar por arrombamento e subtração de valores de um cartório daquela Delegacia de Polícia, tudo isto com o plus de já ter respondido processo por peculato em Livramento, depois convertido em estelionato, pois o indiciado subtraíra uma cártula do talonário de uma conta de adiantamento do Delegado de Polícia daquela cidade, sendo-lhe, por este fato, infligido a pena de 90 dias de suspensão. Todo este quadro ilustra a inaptidão para o indiciado continuar exercendo a grave quão espinhosa função de policial que exige de seus agentes uma oblação aos valores da ética e moderação quanto aos apelos da cupidez que afeta a natureza humana. 4

5 Por isso, recomenda-se a aplicação da pena demissória ao indiciado por incursão no inciso XLIII do art. 81 da lei 7.366/80 e de conformidade com o autorizamento do art. 90 da mesma lei. É o parecer. Porto Alegre, 25 de novembro de José Hermílio Ribeiro Serpa, relator. Carla Maria Petersen Herrlein Voegeli Carlos César D Elia Cristine Madeira Mariano Leão Flávia Teresinha Garcia Gomes 5

6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO Processo nº /99.0 Acolho as conclusões do PARECER nº , da Procuradoria de Probidade Administrativa e de Processo Administrativo-Disciplinar, de autoria do Procurador do Estado Doutor JOSÉ HERMÍLIO RIBEIRO SERPA. Submeta-se o expediente à deliberação do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado. Em 30 de dezembro de Paulo Peretti Torelly, Procurador-Geral do Estado.

7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO Processo nº /99.0 Aprovo o PARECER nº , da Procuradoria-Geral do Estado, cujos fundamentos adoto para aplicar a pena de DEMISSÃO ao Escrivão de Polícia JÚLIO CEZAR LOPES DA SILVA, matrícula nº , da Secretaria da Justiça e da Segurança. À Procuradoria-Geral do Estado para as devidas anotações e publicação do ato. Após, à Secretaria da Justiça e da Segurança para as demais providências pertinentes. PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 30 de dezembro de OLÍVIO DUTRA, GOVERNADOR DO ESTADO.