Aposentadoria espontânea e contrato de trabalho

Transcrição

1 Aposentadoria espontânea e contrato de trabalho Tese apresentada ao 47º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho - Editora Ltr Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva Mestre e Doutora em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. Professora de Direito do Trabalho, aprovada em concurso público de provas e títulos, da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro FND/UFRJ. Advogada trabalhista Machado Silva Consultoria Jurídica. Os efeitos da aposentadoria espontânea sobre o contrato de trabalho contam com uma ampla bibliografia e jurisprudência, que indicam sua importância no panorama das relações laborais. Diante de recente decisão do Supremo Tribunal Federal 1 os intérpretes vêm renovando seus posicionamentos à luz da declaração da inconstitucionalidade dos 1º e 2º do artigo 453 da CLT, introduzidos pela Medida Provisória 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97, bem como do cancelamento, em 25/10/2006, da Orientação Jurisprudencial 177 da SDI do TST que afirmava ser tal modalidade de aposentadoria causa de extinção do contrato de trabalho, ainda que mantida a relação de emprego, sendo inviável considerar a integralidade do tempo de serviço para fins de apuração da base de cálculo para cálculo da indenização pela despedida sem justa causa (40% do FGTS). Neste contexto, justifica-se uma incursão na matéria, fixando como parâmetros normativos para tanto as seguintes regras: - A previsão estabelecida na Lei 8.213, de 24 de julho de Plano de Benefício da Previdência Social no sentido de ser devida aposentadoria na data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 dias após ou na data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego (Art. 49, a e b ), revogando o regime anteriormente estabelecido no artigo 10 da Lei 5.890/73 que condicionava a concessão da aposentadoria à data do desligamento do empregado. - O artigo 453 da CLT que afirma serem computados no tempo de serviço do empregado quando readmitido, os períodos, ainda que não contínuos, em que tiver 1 Ver Ações diretas de inconstitucionalidade nºs e , Supremo Tribunal Federal ( 1

2 trabalhado anteriormente na empresa, salvo se houver sido despedido por falta grave, recebido indenização legal ou se aposentado espontaneamente, com a redação que lhe foi dada pela Lei 6.204, de 29 de abril de o Estatuto do Idoso, (Lei ) que em seu artigo 26 afirma: o idoso tem direito ao exercício de atividade profissional. Além de tal delimitação legislativa é imprescindível uma análise da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, ainda que perfunctória. A resposta constitucional e ecos da decisão do Supremo Tribunal Federal Embora o parágrafo 1º do art. 453 da CLT se aplicasse a situações específicas dos empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista, e o 2º afrontasse o princípio da isonomia, a decisão de 11/10/2006 do STF - na ADI n em que foi Relator o Ministro Carlos Britto - afirmou a inconstitucionalidade por motivos mais amplos que o mero debate sobre os efeitos da aposentadoria. Tendo sido vencidos os substanciais argumentos do Ministro Marco Aurélio no sentido da razoabilidade do preceito legal no contexto de um mercado de trabalho em que há demanda por empregos e ampla oferta de mão-de-obra, motivo pelo qual se justificaria a edição de regras voltadas a desestimular as aposentadorias consideradas precoces, o Supremo Tribunal Federal afirmou a autonomia do exercício dos direitos previdenciários em face do contrato de trabalho e da diferenciação entre as relações jurídicas que se estabelecem entre empregado e empregador e entre segurado do Sistema Geral e autarquia previdenciária. E o que nos parece ser mais relevante: afirmou ser inconstitucional regra jurídica que institua modalidade de despedida arbitrária ou sem justa causa, sem indenização correspondente, seguindo no rumo de buscar ampliar as potencialidades interpretativas do princípio constitucional da proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa (CF, art. 7º, I). Mas não são apenas regras estatais que violam preceitos de proteção ao trabalho e de garantia previdenciária passíveis de controle de constitucionalidade. Também as interpretações e julgados em desconformidade com as garantias constitucionais de proteção contra a despedida arbitrária incidem em inconstitucionalidade, sendo certo que existem decisões do Excelso pretório que buscam dar ao caput do artigo 453 da CLT interpretação conforme a Constituição. 2

3 Neste sentido é a decisão do RE em que o Ministro Relator Sepúlveda Pertence afirmou constituir ofensa ao inciso I do artigo 7º (CF) a interpretação dada por acórdão do Tribunal Superior do Trabalho ao artigo 453, pois a Constituição protege os trabalhadores contra a despedida arbitrária. A locução readmissão inserida no artigo 453 visa apenas regular as situações nas quais houve um afastamento do trabalhador da empresa após a extinção do contrato por uma das modalidades legais típicas, e posteriormente, ocorreu sua recontratação. Mas tal locução não implica em afirmar que a extinção do contrato seja uma resultante natural da aposentadoria espontânea. A relação de emprego é um dado da realidade e se há permanência da prestação laboral há continuidade de uma única relação jurídica. 2 Se uma das partes deseja encerrá-la deve emitir declaração de vontade consistente em (pré-)avisar a outra da despedida ou da demissão. Não há que se presumir uma extinção quando a lei não a estabelece de modo expresso, sendo certo que se sobrevier uma regra infraconstitucional neste sentido poderá vir a ser considerada inconstitucional. Ademais, além destes marcos normativos e jurisprudenciais é importante acrescentar à análise estritamente juslaboral, o regramento inovador estabelecido pela Lei O Estatuto do Idoso O Estatuto do Idoso contém um capítulo sobre o direito ao trabalho e à profissionalização das pessoas com mais de 60 anos, preceituando ser vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, para a admissão em qualquer trabalho ou emprego, inclusive para concursos (ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir) (art. 27), e fixa a idade como critério positivo de desempate em concursos públicos. Por outro lado estabelece ser dever do poder público a preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, o que deve ser feito com antecedência mínima de 1 ano, bem como deve estabelecer estímulos às empresas privadas para admissão de idosos ao trabalho. 3 2 Neste sentido, ver a excelente ementa de decisão da 3ª Turma do TRT da 4ª Região: A interpretação antiga do art. 453 da CLT perde sentido na medida em que a única justificativa para o rompimento necessário do contrato de empregado era previdenciária e não laboral. Na verdade, ainda que o empregador possa ter razões para não desejar a continuidade de um trabalhador que tenha se aposentado (talvez sob o pretexto de que sua motivação para trabalhar tenha diminuído), não se pode valorizar tais razões ao ponto de equiparar a aposentadoria espontânea a uma verdadeira justa causa para despedida, negando-se aos trabalhadores parte de sues direitos rescisórios. Não ocorre a pretendida extinção do contrato de trabalho com o advento da aposentadoria. ( RO 3ª T Rel. Juiz Luiz Alberto de Vargas DOERS ). 3 O Estatuto do Idoso, em conseqüência, estabelece como crimes puníveis com reclusão (6 meses a 1 ano e multa) obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo de idade (Art. 100, inciso I, da Lei /2003), e ainda negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho (Art. 100, inciso II, da Lei /2003). 3

4 Tal estatuto, instituído pela Lei , de 1º de outubro de 2003, também assegura em seu artigo 26 que o idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, observando que devem ser respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas. Assim, a idade, por si só, não pode ser causa para a negação ao direito de exercício da atividade profissional. Ou seja, além das garantias de acesso ao trabalho e de vedação à discriminação em razão da idade, o idoso tem assegurado seu direito a exercer suas atividades profissionais já adquiridas, e, em decorrência, ascender a uma determinada idade não pode ser motivo para a ruptura do vínculo empregatício, por si só. Deste modo, se a aposentadoria espontânea é um direito que se obtém em virtude da idade, e se todos aqueles com mais de 60 anos estão protegidos pelo estatuto do idoso, que lhes garante a continuidade do exercício de suas atividades, então podemos concluir que estão derrogadas todas as disposições que consideram que a aposentadoria seja uma causa natural de extinção do contrato de trabalho. 4 A interpretação conforme a Constituição do artigo 453 da CLT Apesar da clareza do cenário constitucional, a leitura de alguns ensaios publicados nos periódicos especializados nos últimos meses e a advertência de Arion Sayão Romita 5 indicam que ainda haverá polêmica e muito trabalho a ser feito para dar proeminência à interpretação conforme a Constituição e assegurar a primazia da proteção contra a despedida arbitrária. Neste sentido é preocupante que se reproduza um cenário como o do período entre 1998 e 2006, em que apesar de se ter uma liminar do Supremo suspendendo a eficácia dos parágrafos do art. 453 da CLT, persistiu o TST julgando desconsiderando tal decisão, tendo inclusive editado a OJ-SDI 177. Vale 4 E mais, abre-se espaço para discutir a abrogação do artigo 51 da Lei 8.213, que estabelece a possibilidade do empregador requerer a aposentadoria do empregado que atinja 65 anos, se mulher, ou 70 anos, se homem, compulsoriamente, como forma de obter a extinção do vínculo de emprego através de uma modalidade de aposentadoria compulsória do regime geral de previdência. 5 Arion Sayão Romita: É possível que, mesmo após as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal nas ações diretas de inconstitucionalidade, a corrente que via na concessão da aposentadoria causa de extinção do vínculo empregatício reafirme sua posição, com suporte na parte final do art. 453 da CLT (...ou se aposentado espontaneamente ). Esta posição, contudo, parece indefensável, ante os peremptórios termos em que o Supremo Tribunal situou a questão. A aposentadoria não constitui causa de automática extinção do contrato de trabalho. Uma vez concedida a aposentadoria, o empregado pode permanecer em atividade, auferindo simultaneamente o salário (devido em razão do exercício do emprego) e o benefício previdenciário (resultante da obtenção da aposentadoria). Prossegue o jurista concluindo como decorrência que não há mais lugar para o entendimento de que a indenização de 40% incida apenas sobre o período posterior à aposentadoria com o que concordamos. Aposentadoria espontânea do empregado: efeitos sobre o contrato de trabalho. In Revista Jurídica. Brasília, v. 8, n. 83, p.01-11, fev./mar., Disponível em < Acesso em 19 de maio de

5 relembrar que as decisões em Ações Diretas de Inconstitucionalidade produzem, nos termos do art. 102 da CF, eficácia contra todos. 6 E no que diz respeito ao artigo 453 da CLT sua permanência como texto não implica em afirmar a possibilidade de ser interpretado em contradição com o princípio da proteção à garantia de emprego. É irrefutável, como observa Paulo Bonavides, a tese de Marshall de que todas as leis se devem aplicar em harmonia com a Constituição (in harmony with the Constitution) sendo que o método de interpretação conforme a Constituição é hoje talvez o mais idôneo na hermenêutica das Constituições; pelo menos o que melhor se amolda a solver problemas. Prossegue o nosso constitucionalista maior: Uma norma pode admitir várias interpretações. Destas algumas conduzem ao reconhecimento da inconstitucionalidade, outras porém, constem tomá-la por compatível com a Constituição. O intérprete, adotando o método ora proposto, há de inclinar-se por esta última saída ou via de solução. 7 Ao prestigiar a unidade do ordenamento jurídico, a tarefa que se impõe ao jurista é privilegiar a interpretação que possibilite extrair a máxima efetividade aos direitos fundamentais da cidadania, no caso, tanto à aposentadoria espontânea e a usufruir dos direitos previdenciários, quanto da garantia contra a despedida arbitrária, que lhe assegura maior segurança no emprego. Portanto, a aposentadoria espontânea, à luz do artigo 453 da CF interpretado conforme a Constituição, não implica em extinção do contrato do trabalho, e sendo única a relação de emprego tal unicidade deve ser considerada para todos os efeitos legais, inclusive para fins de preservação das estabilidades adquiridas anteriormente e da apuração dos direitos rescisórios. 6 A respeito ver o ensinamento do Ministro Eros Grau, no voto vista Rcl QO/SP-STF - Questão de ordem em reclamação constitucional: Ao referirmos a eficácia das decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, falamos da sua força, força da sua aplicação. A eficácia jurídica está relacionada à aplicação do direito, seja da norma abstrata geral, seja da norma de decisão. O que se está a dizer, quando o 2º do artigo 102 da Constituição do Brasil menciona a eficácia dessas decisões, é que elas produzem efeitos jurídicos em relação a todos, de sorte a prontamente afetar, ordenando-as, as condutas, as relações e as situações a que respeitem. Afetam não somente as partes na ação judicial, porém todos. Essas decisões estão abrangidas pela generalidade própria às leis. Note-se que esses efeitos resultam da incidência da decisão sobre todos, mercê do caráter de sua eficácia [= contra todos]. Daí que, em verdade, como a eficácia reflete a vinculação de todos pelos efeitos da decisão, o que o 2º do artigo 102 da Constituição do Brasil diz é que todos estão compulsoriamente afetados pelas conseqüências normativas das decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade. 7 Paulo Bonavides. A presunção de constitucionalidade das leis. In: Teoria Constitucional da democracia participativa. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p