DESVIOS DA NR-10. Capa NR - 10
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- Ana Carolina Marinho Gonçalves
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1 40 DESVIOS DA NR-10 A norma trouxe melhorias à segurança do trabalho com eletricidade na indústria, mas equívocos de interpretação e falta de entendimento pleno do texto comprometem sua aplicação efetiva Por Ricardo Casarin A Norma Regulamentadora NR-10 Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade causou uma verdadeira revolução no que se refere à segurança do trabalho nas indústrias. Publicada em 2004, a norma estabelece os requisitos e condições visando a implementação de medidas de controle e sistemas preventivos, de forma a garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores que interagem em instalações elétricas e executam serviços com eletricidade. A determinação da obrigatoriedade da aplicação de diversas medidas, como o desenvolvimento dos trabalhadores por meio de cursos e treinamentos, utilização de equipamentos de proteção e implementação de processos de segurança, trouxe diversas melhorias ao segmento. Mas mesmo com todos os avanços, o cenário ainda não é tão favorável assim. Nove anos após sua publicação, a NR-10 sofre por interpretações equivocadas e a falta de conhecimento pleno sobre sua aplicação prática. Treinamentos insuficientes ou inadequados também contribuem para desvios. Isso ocorre principalmente em pequenas empresas. Enquanto as grandes indústrias contam com melhores recursos para a implementação, as menores encontram dificuldades, na maioria das vezes por conta de profissionais que não têm a capacitação necessária para aplicar a norma. A grande questão é que ainda falta entendimento pleno da NR-10, seja por parte de profissionais da área elétrica, seja de profissionais da área de segurança. Um dos motivos é o fato de não se tratar de uma norma de execução, que mostra como cada procedimento deve ser feito; é uma norma de gestão e responsabilidade que remete a outras normas técnicas, as quais devem ser consultadas no que diz respeito à aplicação técnica em relação à eletricidade, desde equipamentos, instalação, critério de construção até características de componentes. Outro problema que ocorre está ligado à conscientização sobre a importância da norma. Muitas vezes, a empresa conhece a necessidade da implementação da NR-10, mas só a cumpre por saber que existem fiscalização e multa, e não por conta da segurança dos trabalhadores e das instalações. Com isso, só praticam o mínimo exigido pela norma. AVANÇOS DA NR-10 A publicação da NR-10 contribuiu e continua contribuindo para grandes avanços em relação à segurança no trabalho com eletricidade nas indústrias. Entre estas melhorias, está a aplicação de vestimentas com proteção ao arco elétrico, o que aumentou sensivelmente a segurança e reduziu os acidentes graves. A norma também trouxe bons resultados à implantação do processo de desenergização, ou seja, a aplicação do conceito de bloqueio e travamento de fontes perigosas no caso, as fontes elétricas. Hoje em dia, este recurso é aplicado na grande maioria das indústrias. O engenheiro eletricista Aguinaldo Bizzo de Almeida entende
2 Aguinaldo Bizzo 41 que o País avançou fortemente no segmento industrial, principalmente devido às inovações tecnológicas que existem no setor elétrico. Hoje, existem painéis à prova de arco elétrico e relés de arco, que são tecnologias que podem ser adotadas em novos projetos e em instalações elétricas antigas, o que proporcionaria uma maior segurança aos usuários e às empresas, enfatiza. A publicação da NR-10 também trouxe maior conscientização a empresas e trabalhadores em relação à importância a segurança no trabalho. O engenheiro eletricista Rodrigo Batista Castor Marques considera que houve uma grande mudança de mentalidade neste sentido. Quando uma empresa efetua uma ampliação, ela chama um profissional para verificar se a instalação suporta a carga nova ou se terá de fazer alguma reforma. Antigamente, as pessoas faziam a ampliação, os fios se aqueciam demais, e depois nos chamavam para apagar o fogo, conta. O diretor executivo da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), Edson Martinho, também expressa que a NR-10 otimizou a forma como as empresas avaliam a segurança no quesito eletricidade e incluiu o tema eletricidade no pensamento da segurança. No entanto, ele faz certas ressalvas. Entendo que houve um avanço no quesito segurança no uso e trabalho com eletricidade, porém, ainda está distante de ser o ideal, destaca. Para o engenheiro eletricista e de segurança no trabalho, João José Barrico de Souza, a norma também vem trazendo melhorias, já que é uma solução de médio e longo prazo. Ele ressalta que a segurança nas instalações já é preconizada nas normas técnicas há muito tempo e o que a NR-10 fez foi trazer essas exigências como uma obrigatoriedade, fiscalizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Passados quase 10 anos desde o início de sua implantação, poderia, sim, haver um nível maior de adequação, mas estou certo de que as coisas caminham para um atendimento pleno da norma, declara.
3 Divulgação/Jaraguá Engenharia Instalações Industriais 42 PROBLEMAS DE INTERPRETAÇÃO Mesmo diante dos avanços existentes, as indústrias sofrem para aplicar a NR-10 em sua totalidade, uma vez que um dos principais motivos é a dificuldade de entendê-la e interpretá-la. O engenheiro eletricista, de produção e de segurança do trabalho, Joaquim Gomes Pereira, explica que uma das razões para estas dificuldades de interpretação da NR-10 está no fato de ela ter sido criada e desenvolvida de maneira tripartite. Ao mesmo tempo em que a norma tem uma grande credibilidade, por ter sido construída pelo estado, pelos trabalhadores e pelos empresários, ela também traz algumas dificuldades de interpretação em função de o texto ter sido elaborado por três mãos. Isso traz alguns itens muito genéricos, que acabam trazendo dificuldades de interpretação, relata o especialista, que foi coordenador do Grupo Técnico que elaborou e aprovou a NR-10. A falta de conhecimento dos profissionais faz com que a norma seja implementada nas indústrias de forma errônea, pois acabam sendo criados mitos e paradigmas que dificultam a sua correta implementação. O engenheiro eletricista Rodrigo Marques afirma que o texto da NR-10 é bastante generalista, e que por isso, muitas pessoas que não são especificamente da área elétrica têm dificuldade para entender as necessidades pontuais apresentadas pela norma. Quando se fala de prontuário das instalações elétricas, por exemplo, há certos documentos que não estão explícitos no texto, mas que são necessários, como uma análise de óleo de transformador. Se por desconhecimento, essa análise de óleo de transformador não for realizada, quem garante que aquele transformador estará operando em condições seguras?, questiona. O engenheiro João Barrico afirma que desvios de interpretação ocorrem pelo fato de o texto da norma ser muito aberto e admitir diferentes soluções de acordo com cada circunstância, mediante análise de risco. Desvios que podem ocorrer, e de fato, ocorrem, são por conta de interpretações. Acredito que manter esse tema sempre em pauta, como está ocorrendo neste instante, é uma das formas de se melhorar o nível de aderência aos requisitos normativos, avalia. Para o diretor executivo da Abracopel, Edson Martinho, o grande problema na interpretação do texto da NR-10 está mais na preocupação com a fiscalização do que com a própria segurança. A maioria das empresas está preocupada com a fiscalização e com a forma como o auditor fiscal avaliará a condição de segurança estabelecida, ao passo que deveria estar preocupada em garantir a segurança, e, com isto, se preocupar com o funcionário e não com a fiscalização, expõe. O engenheiro eletricista Aguinaldo Bizzo conta que o principal risco em relação à má interpretação da NR-10 não diz respeito a choque elétrico, mas à proteção a arco elétrico. Aproximadamente 80% dos acidentes de origem elétrica que ocorrem nas indústrias são por queimadura de arco elétrico. As medidas de controle estão sendo adotadas erroneamente, pontua. Ele ainda destaca que há necessidade de se realizar um programa de segurança de proteção ao arco elétrico, no qual é feita a análise de risco eficiente, estudo de coordenação e seletividade e o cálculo do nível de energia incidente da forma correta. O
4 43 Na prática, os treinamentos de reciclagem da NR-10 não estão sendo bem administrados, mas sim, realizados de maneira genérica, e, muitas vezes, fogem ao teor da atividade da empresa Joaquim Gomes Pereira, engenheiro eletricista, de produção e de segurança do trabalho que está ocorrendo em algumas empresas é que o cálculo está sendo feito de forma equivocada, chegando a valores que estão abaixo da realidade laboral das empresas, explana. Priorizar os custos e não a segurança é um dos grandes problemas detectados em certas indústrias, que deveriam, primeiramente, pensar na construção de instalações elétricas mais seguras. Contudo, visando a minimização de gastos, muitas vezes opta-se por instalações elétricas que não atendam a devida tecnologia, utilizando-se a mais barata. Isso é um grande problema, porque a ideia da NR-10 é que se faça uma instalação elétrica segura, minimizando a exposição do trabalhador a riscos elétricos, justifica Bizzo. Além de oferecer tais perigos, problemas relacionados a instalações elétricas causam também paradas de produção, acarretando prejuízos financeiros à empresa. MÃO DE OBRA E TREINAMENTO Outro grande obstáculo para a correta aplicação da NR-10 nas indústrias é a falta de qualificação da mão de obra para o trabalho com eletricidade. Existe muita demanda de profissionais da área elétrica, mas não existe um número suficiente de pessoas com experiência. A falta de profissionais habilitados e qualificados e com formação adequada é um grande empecilho. Da mesma forma, há pessoas muito capazes, recém-formadas, mas que não possuem experiência em gestão da questão elétrica afirma Aguinaldo Bizzo. De acordo com a NR-10, só é considerado trabalhador qualificado aquele que comprovar a conclusão de curso específico na área elétrica reconhecido pelo Sistema Oficial de Ensino. A norma também obriga a realização de um curso de reciclagem a cada dois anos. Com essas exigências, muitas escolas de ensino profissionalizante incluíram em seus currículos os itens constantes do treinamento da NR-10. É inegável que isso surtiu um efeito benéfico, como destaca Joaquim Gomes Pereira. Foi altamente positivo o fato de a norma trazer uma carga horária e um conteúdo programático relacionado à segurança das instalações elétricas e ter voltado a atenção das escolas de ensino profissionalizante e ensino superior ao tema, ressalta. Apesar desse avanço, a formação profissional ainda tem problemas e os cursos de treinamento e reciclagem da NR-10 muitas vezes são ministrados de forma inadequada. Na opinião de Bizzo, a formação universitária do engenheiro eletricista é muita acadêmica e não dá tanta ênfase à aplicabilidade da NR-10 e de outras normas técnicas. As pessoas têm formação acadêmica e há uma dificuldade muito grande na hora de se integrar no processo produtivo e entender a aplicação da norma. O ensino não retrata a realidade das empresas. O engenheiro se forma e se depara com uma situação laboral, na qual ele tem que se desenvolver trabalhando, esclarece. Em relação aos treinamentos de reciclagem da NR-10, existem críticas quanto ao conteúdo e à carga horária. Os cursos são, muitas vezes, ministrados por pessoas que não têm competência adequada e por instituições escolares que veem o treinamento
5 44 SXC.hu SERVIÇOS DE CONSULTORIA Existem empresas e profissionais que prestam serviços de consultoria para indústrias que desejam realizar a adequação à NR-10. Nesse nicho de mercado, há empresas e profissionais preparados, mas também há aqueles que não atendem a norma em sua totalidade. Muitas indústrias que buscam esse tipo de serviço acabam não conseguindo solucionar seus problemas e continuam vulneráveis. O grande problema que vejo nesta terceirização ou contratação de consultoria é a falha no critério de escolha que, na maioria das vezes, leva em conta o valor e não a qualidade do serviço. Isto também se aplica aos cursos, que são escolhidos, em muitos casos, pelo preço, pois se acredita que todos ensinem o mesmo conteúdo, avalia Edson Martinho. Rodrigo Marques, que presta esse tipo de serviço de consultoria, acredita que os problemas ocorram por falta de conhecimento técnico, tanto da equipe de vendas das empresas de consultoria quanto do comprador, no caso, as indústrias. Muitas vezes, o comprador não sabe o que está comprando, o vendedor não tem certeza daquilo que está vendendo, e nós, como profissionais atuantes, ficamos no meio do caminho, diapenas como um grande negócio. O objetivo primário, que deveria ser a qualificação do profissional, acaba não sendo alcançado. Na prática, esses treinamentos não estão sendo bem administrados, mas sim, realizados de maneira genérica, e, muitas vezes, fogem ao teor da atividade da empresa, e, portanto, daquilo que o Ministério do Trabalho gostaria que fosse praticado, destaca Joaquim. Rodrigo Marques aponta que a norma não deixa explícita qual deve ser a carga horária dos cursos, o que faz com que algumas empresas optem por um período insuficiente. O prazo de dois anos exigido é válido, mas o período do curso, 16 ou até mesmo oito horas de reciclagem, é um tempo irrisório face às necessidades dos profissionais, conta. Observa-se que falta que as instituições de ensino e formação de mão de obra imponham os ensinamentos de segurança nas instalações como parte fundamental de seus cursos, mesmo porque os treinamentos da NR-10 foram estabelecidos como uma medida emergencial. Não podemos permitir que a deficiência continue a ser produzida, e o reparo, que é o treinamento básico de NR-10, seja tomado como solução definitiva. É desejável que os treinados recebam o conhecimento das normas principalmente quanto à segurança das instalações e práticas de trabalho seguro, de forma que, ao iniciar suas atividades profissionais, recebam da empresa o treinamento apenas de integração nas instalações elétricas, como se fosse uma reciclagem, explica Barrico. Aguinaldo Bizzo acredita que as indústrias deveriam investir na capacitação interna de seus profissionais, mas reconhece que a falta de mão de obra qualificada no mercado compromete esse processo. A empresa gastará com a formação de um funcionário por um ou dois anos, que depois, irá para outra empresa. A procura por profissionais qualificados é grande, exemplifica.
6 46 zendo ou tentando mostrar a necessidade dos serviços, explica. Para ele, nas empresas maiores, a facilidade de atuação é mais frequente, porque o engenheiro consultor consegue falar de igual para igual com os engenheiros e técnicos de segurança que fazem parte do quadro das empresas. Nas empresas menores, que não contam com esses profissionais, já fica mais difícil convencer o próprio dono sobre a necessidade da aplicação efetiva da NR-10. Aguinaldo Bizzo aponta que algumas consultorias são feitas por engenheiros eletricistas que focam o trabalho apenas nas instalações elétricas e não conhecem a parte de gestão de segurança no trabalho. Ou então, são empresas de segurança no trabalho que não conhecem a norma técnica com propriedade. Um dos maiores erros é cometido ao estruturar o prontuário das instalações elétricas. Algumas empresas entendem que fazer o prontuário é apenas adequar documentação técnica das instalações, e não é só isso. A norma tem a parte de gestão e segurança com o trabalho com eletricidade, exemplifica Bizzo. Todo serviço deve estar sob responsabilidade de profissionais habilitados e que respondam pelas ações executadas. Existem empresas adequando a NR-10 a pessoas que não têm habilitação plena para atendê-la. FISCALIZAÇÃO A falta de fiscalização é outro fator que impede um cenário mais avançado na aplicação da NR-10 nas indústrias. Esse problema decorre de um número insuficiente de auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego. Quando a norma foi editada, em 2004, o Brasil tinha uma população economicamente ativa de cerca de 60 milhões de trabalhadores, e o Ministério do Trabalho, aproximadamente quatro mil auditores fiscais. Hoje, nós temos uma população economicamente ativa na ordem de 95 milhões e auditores fiscais em atividade explica Joaquim. A fiscalização foi mais presente nos anos iniciais da norma e depois acabou perdendo força. Nos dois primeiros anos, quando houve o prazo de adaptação, e mais uns dois anos depois, a fiscalização foi bastante forte. Infelizmente, hoje, ela não se mostra tão eficaz, salienta. Para João Barrico, a fiscalização é uma das formas de se alavancar a adequação, mas ele acredita que a educação e conscientização sejam recursos muito mais eficientes. Por parte das indústrias, em especial as grandes e médias, entendo que agora deveriam focar em um programa permanente de conscientização e conhecimento geral para todos os colaboradores, isto é, um programa de segurança elétrico que acabaria proporcionando uma melhoria continuada de instalações e do uso da eletricidade, sugere. COMISSÃO PERMANENTE Para tratar de todas essas questões e dificuldades de interpretação, existe a Comissão Permanente Nacional de Segurança e Energia Elétrica (CPNSEE), que tem o objetivo de acompanhar a implantação da NR-10 e propor alterações e adequações. A CPNSEE possui três subcomissões. Uma delas trata de capacitação, buscando uma definição mais precisa sobre as competências e conteúdo programático de reciclagem dos cursos de NR-10. Outro grupo trata do trabalho individual, e um terceiro aborda vestimentas FR antichamas. Uma quarta subcomissão, tratando de sinalização, será criada. Aguinaldo Bizzo afirma que não está prevista uma revisão da NR-10, mas sim, a atuação da CPNSEE. Eu acredito que em 2014 nós já tenhamos algumas questões publicadas, para finalizar alguns processos que queremos encerrar em relação à capacitação e vestimentas FR, antecipa. Entre outras novidades na norma, as empresas obrigatoriamente terão que calcular o nível de energia incidente e definir o limite de aproximação segura (LAS) para arco elétrico. A distância de segurança que estabelecemos na NR-10 somente vale para choque elétrico; para o arco elétrico, há a necessidade da definição de outro limite, que obrigatoriamente deverá estar calculado, inserido e sinalizado nos painéis, por exemplo, definindo qual é o grau de risco existente, detalha Bizzo.
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