Alfabetismo / Analfabetismo funcional no Brasil e o PNLD
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- Marina Carlos Caldeira
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1 1 Alfabetismo / Analfabetismo funcional no Brasil e o PNLD Quando comecei a lecionar, há exatos 50 anos, convivíamos com uma vergonhosa taxa de analfabetismo na casa de 35%, considerando a população com mais de 15 anos de idade. E isso com um aparente salto quantitativo por conta do famigerado MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), instituído pelos governos militares e sustentado por uma metodologia que deturpava os conceitos de alfabetização de adultos de Paulo Freire. Naquela época, a UNESCO considerava alfabetizada a pessoa capaz de ler e escrever uma frase simples, relacionada a questões do cotidiano. As taxas de analfabetismo no Brasil, segundo os dados dos censos demográficos do IBGE: ,6% ,7% ,7% ,9% ,7% ,6% ,6% ,3% O significado de analfabetismo/alfabetismo funcional Na década de 1980, coincidindo com o que se convencionou chamar de Terceira Revolução Industrial (ou Revolução Tecnológica-Informacional), a UNESCO introduziu o conceito de alfabetismo/analfabetismo funcional. José Morais, em seu livro A arte de ler (Editora Unesp), assim define o termo: O analfabetismo ou iletrismo funcional é a incapacidade real de ler e escrever o material necessário ao trabalho e à vida de cidadão, apesar da passagem pela escola e até a obtenção de certificados. No Brasil, o Instituto Paulo Montenegro (IPM), braço social do IBOPE, tem se dedicado a fazer periódicos levantamentos sobre os indicadores do alfabetismo funcional (o IPM trabalha com o conceito de alfabetismo funcional), que é assim
2 2 definido: é considerada alfabetizada funcional a pessoa capaz de utilizar a leitura e escrita e habilidades matemáticas para fazer frente às demandas de seu contexto social e utilizá-las para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida. ( Hoje, embora o país ainda conviva com alta taxa de analfabetos (para abrir mão do adjetivo, precisaríamos no mínimo atingir os 3%), o mais preocupante são os índices relacionados ao alfabetismo/analfabetismo funcional. Para uma melhor compreensão, reproduzimos o quadro dos levantamentos realizados pelo IPM entre 2001 e 2011: INAF Brasil Instituto Paulo Montenegro. Como se observa, as taxas de analfabetos caíram de forma regular ao longo da década, sendo que as diferenças entre esse levantamento e os dados dos censos do IBGE decorrem da metodologia: enquanto o IBGE considera toda a população com mais de 15 anos de idade, o IPM restringe a sua pesquisa à faixa de 15 a 64 anos. Na mesma proporção, percebe-se uma diminuição nas taxas de alfabetismo rudimentar e uma melhora mais significativa nas porcentagens que avaliam o alfabetismo básico. No entanto, na principal qualificação, a de alfabetizados plenos, pode-se dizer que foi uma década perdida: inicia-se com 26%, cai para 25%, sobe para 28% e termina nos mesmos 26% iniciais. Em maio de 2016, o IPM, em parceira com a Ação Educativa, publica o Indicador de alfabetismo funcional - INAF estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho, apresentando uma alteração nos níveis de alfabetismo/analfabetismo funcional; os quatro níveis até então considerados são substituídos por outros cinco níveis, sendo que dois caracterizam o analfabetismo funcional e três, o alfabetismo funcional: Analfabetos Funcionais Analfabeto - Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de telefone, preços etc.); Rudimentar - Corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares (como um anúncio ou um bilhete), ler e escrever números usuais e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica;
3 3 Funcionalmente Alfabetizados Elementar - As pessoas classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente alfabetizadas, pois já leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências, resolvem problemas envolvendo operações na ordem dos milhares, resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de operações e compreendem gráficos ou tabelas simples, em contextos usuais. Mostram, no entanto, limitações quando as operações requeridas envolvem maior número de elementos, etapas ou relações; Intermediário Localizam informações em diversos tipos de texto, resolvem problemas envolvendo percentagem ou proporções ou que requerem critérios de seleção de informações, elaboração e controle de etapas sucessivas para sua solução. As pessoas classificadas nesse nível interpretam e elaboram sínteses de textos diversos e reconhecem figuras de linguagem; no entanto, têm dificuldades para perceber e opinar sobre o posicionamento do autor de um texto. Proficientes - Classificadas neste nível estão as pessoas cujas habilidades não mais impõem restrições para compreender e interpretar textos em situações usuais: leem textos de maior complexidade, analisando e relacionando suas partes, comparam e avaliam informações e distinguem fato de opinião. Quanto à matemática, interpretam tabelas e gráficos com mais de duas variáveis, compreendendo elementos como escala, tendências e projeções. Considerando esses novos parâmetros e a faixa etária de 15 a 64 anos, os dados de 2015 divulgados pelo INAF são os seguintes: Analfabeto... 4% Rudimentar... 23% Elementar... 42% Intermediário... 23% Proficiente... 8% Comparando com os dados de 2011, percebe-se que a taxa de analfabetos continua caindo (de 6% para 4%), mas aumentou a quantidade de alfabetizados rudimentares (de 21% para 23%), o que é muito preocupante e levanta questões sobre a efetividade plena do processo de alfabetização. Considerando os números do antigo nível básico (47%) e os do atual nível elementar (42%), é possível concluir que há uma semelhança de critérios de definição entre eles. E a maior diferença fica exatamente com o que era considerado alfabetizado pleno (26% em 2011) e o que se considera proficiente na nova classificação (8%), o que significa que a maior parte dos alfabetizados plenos foi para a categoria de intermediários. Esses números são preocupantes porque o que se busca, obviamente, é o alfabetizado proficiente; mesmo somando os proficientes com os intermediários, chegamos a 31%, um número baixo, muito baixo! 2015: O NexoJornal publicou um didático quadro comparando os dados de 2001 a
4 4 Disponível em Acesso em 06 ago Como se observa visualmente, a oposição alfabetizados/analfabetos funcionais se mantém inalterada entre 2009 e Se atentarmos a um dado mais seletivo do INAF, pulamos do campo da preocupação para o campo da absoluta indignação. Considerando apenas a parcela da população que concluiu a educação superior, temos os seguintes indicadores: Elementar... 32% Intermediário... 42% Proficiente... 22% Sim!!! A soma das porcentagens não fecha, dá 96. Ocorre que, segundo o INAF, 4% dos que concluíram o ensino superior estão no nível rudimentar!!!!
5 5 O alfabetismo funcional e o PNLD Para todas as pessoas que trabalham com educação, esses números são inadmissíveis e levantam vários questionamentos, vários temas que exigem uma reflexão mais apurada. Um deles, em particular, é a efetiva contribuição do PNLD, no modelo atual que se estende desde 1996, para a melhoria da qualidade de ensino. Não há como ser contra um programa que se dispõe a entregar um livro didático de cada disciplina a cada aluno da escola pública brasileira, principalmente considerando que o livro didático pode ser o único livro que uma parcela da população terá ao longo de toda sua vida. Obviamente, todos esperávamos avanços significativos na formação dos alunos, com uma visível melhora em todos os números decorrentes de avaliações, e que atingissem o nível proficiente, ou seja, não se está falando de elevados conhecimentos linguísticos ou matemáticos: estamos falando, segundo a definição do IPM, de pessoas com habilidades de compreender e interpretar textos em situações usuais: leem textos de maior complexidade, analisando e relacionando suas partes, comparam e avaliam informações e distinguem fato de opinião. Quanto à matemática, interpretam tabelas e gráficos com mais de duas variáveis, compreendendo elementos como escala, tendências e projeções. Habilidades essas fundamentais para a plena cidadania. E não é o que tem ocorrido, como explicitam os indicadores do IPM. Então podemos concluir que já passou da hora de discutirmos seriamente o PNLD: Passados 20 anos de programa (o que significa que as primeiras gerações de alunos que receberam livros do PNLD e que continuaram seus estudos já se formaram no ensino superior), por que os indicadores não melhoraram? Os critérios da avaliação dos livros didáticos têm sido adequados? Por que até hoje não houve a avaliação do programa? Como todos os educadores envolvidos são a favor de avaliações, por que nunca houve a avaliação da avaliação? Os livros são adequados à formação do professorado da escola pública? Os livros são adequados às diferentes realidades do alunado? Apenas entregar o livro na mão dos alunos é suficiente? Esperar que apenas a assessoria pedagógica que acompanha os livros didáticos vai contribuir decisivamente na formação do professor da escola pública é transferir um problema do Estado para o livro didático? Etc., etc. etc. O que não podemos é continuar patinando e convivendo com esses indicadores absolutamente vergonhosos.
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