qualquer outra disciplina curricular) não pode ser feita sem a discussão da escola na qual esse ensino acontece, e ambas as discussões necessitam
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- Denílson Caldas
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1 Introdução Este livro dirige-se aos professores de Geografia do Ensino Fundamental e Médio e aos estudantes dos cursos de licenciatura de Geografia, futuros professores. Aqueles que estão voltados para o ensino têm um cacoete, o de iniciar qualquer conversa buscando responder uma questão: de que estamos tratando? Assim, começaremos falando do ensino da Geografia, mas de uma Geografia que, como um dos campos do conhecimento humano, é uma produção social. Isso significa ter a preocupação com os objetos de análise produzidos pela Geografia. Significa, também, considerar o sujeito que integra essa produção e se dispor a conhecê-la. Para que serve um conhecimento que não se dissemina socialmente? Este livro procura, desde o início, apontar para uma relação inevitável e uma condição essencial. Julga-se que esse é o duplo foco necessário cujo ponto de vista deve ser observado nos vários espaços educativos no qual o ensino da Geografia possa ser desenvolvido. Dentre esses espaços, foi eleita a Escola Básica, em especial ao Ensino Fundamental. A reflexão sobre o ensino de Geografia (e de
2 8 qualquer outra disciplina curricular) não pode ser feita sem a discussão da escola na qual esse ensino acontece, e ambas as discussões necessitam fincar suas bases nas questões gerais da educação no país. Daí considerou-se ser importante traçar um quadro, a fim de contextualizar a escola e o ensino de Geografia. Pode-se, assim, entender também o porquê de ter sido eleita a Escola Básica como o espaço por excelência das reflexões sobre as práticas educacionais integrantes do ensino de Geografia. Um primeiro dado indissociável é que a Escola Básica existe como um lugar de aprendizagem enquanto um direito inquestionável. Por um dever constitucional, essa escola precisa cumprir determinadas obrigações. A Lei n /96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (l d b) determinou a elaboração de um Plano Nacional de Educação (p n e), o que foi feito em O p n e coloca que, no prazo de 10 anos, o país deve realizar: i erradicação do analfabetismo; ii universalização do atendimento escolar; iii melhoria da qualidade do ensino; iv formação para o trabalho; e v promoção humanística, científica e tecnológica do país (art. 214). Muitos dirão: a lei, ora... a lei! Porém, cumpri-la não é simplesmente um ato legal, é principalmente uma prática democrática constitucional. Coloca-se em dúvida vários dos itens legais, e eles merecem ser ainda discutidos, como o foram por ocasião da elaboração da l d b, quando, nos anos de 1980 e 1990, reuníamo-nos através das entidades representativas nos Fóruns Locais e no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Entretanto, entende-se que qualquer pessoa aberta para as questões sociais e educacionais do país defende inquestionavelmente aqueles itens definidos pelo p n e. O Censo Escolar de 2004 apontou a existência de 2,5 milhões de professores lecionando nas escolas brasileiras de Educação Básica. Esta tinha, então, alunos, dos quais cursando escolas públicas (88%). Estavam matriculados no Ensino Fundamental
3 estudantes, sendo nas redes públicas, o que corresponde a 89,1% e, no Ensino Médio, estudantes, dos quais nas redes públicas, ou seja, 88,8% (Fonte In e p/mec). Convém destacar que, atualmente, aproximadamente 97% dos jovens das faixas etárias correspondentes ao Ensino Fundamental estão matriculados nesse nível de ensino, significando que pelo menos o acesso está praticamente universalizado no Brasil. Sem dúvida, ter acesso à escola é ter um direito conquistado. Sabemos das diversas políticas públicas que contribuem para explicar esse quadro, a exemplo da concessão da Bolsa Escola federal (atualmente incorporada na Bolsa Família) a alunos de famílias com renda financeira muito baixa. Assim, também, foi estabelecido o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental Fundef (transformado em 2006 no Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico Fundeb), que repassa verbas aos municípios e estados de acordo com o número de alunos matriculados nas escolas de suas respectivas redes de ensino. São políticas que, dessa maneira, têm aumentado o acesso e permanência dos alunos nas escolas do Ensino Fundamental. Os dados oficiais indicam que, cada vez mais, a defasagem idade-série está diminuindo. Quer dizer, os alunos estão freqüentando as séries/ciclos correspondentes à sua idade cronológica, indicando que a repetência escolar e a evasão/expulsão, apesar de ainda muito significativas, estão diminuindo. Os dados oficiais apontam que a organização por séries prevalece (cerca de 80% dos sistemas de ensino), permanecendo com as práticas tradicionais de avaliação e promoção/retenção. Porém, é importante destacar que algumas reformas em diversos sistemas de ensino, ao adotarem a organização curricular por ciclos de aprendizagem, acabaram também implantando, na prática, a promoção automática que subjaz nas denominações oficiais como progressão continuada, por exemplo. Porém, não basta apenas passar pela escola, uma vez que se torna inquietante a qualidade do ensino desenvolvido em uma grande 9
4 10 parte das escolas públicas. Abrigando mais de 48 milhões de estudantes, elas equivalem ou superam as populações de muitos países. Surge, então, a seguinte questão: como é possível que os estudantes possam continuar freqüentando escolas públicas nas quais, em geral, lhes estão subtraídos os direitos de uma aprendizagem com desenvolvimento cognitivo e crescimento existencial? O quadro geral é que, para grande parte dos jovens em idade escolar matriculados na Escola Básica, o ensino-aprendizagem tem apresentado resultados preocupantes. Vários caminhos levam a essa conclusão. Para começar, pode-se citar os resultados das avaliações nacionais e internacionais. Esses resultados podem ser evidenciados comparativamente em nível internacional, através dos dados do p i s a (Program for International Student Assessment). E, também, através dos dados nacionais fornecidos pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ene m) e pelo Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Básico (s a e b), sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (In e p). Os dados das avaliações oficiais muitas vezes são questionados por vários profissionais e educadores. Contudo, trabalhar, freqüentar e vivenciar a escola pública nos leva a dar crédito, ainda que em termos relativos, às avaliações de origem institucional oficial. Temos a obrigação de reproduzir a grave informação do m e c de que o s a e b, por meio de sua série histórica comparável de 1995 a 2001, evidencia quedas nas médias gerais de proficiência nas duas áreas de conhecimento [Português e Matemática] avaliadas nos resultados gerais para o Brasil, as regiões e as unidades.
5 11 Distribuição de alunos nos estágios de construção de competências. Língua Portuguesa Ensino Fundamental, 4ª série, 2001 Brasil. Estágio Competências/habilidades População % Muito crítico Crítico Intermediário Adequado Avançado Não desenvolveram habilidades de leitura. Não foram alfabetizados adequadamente. Não conseguem responder aos itens da prova. Não são leitores competentes, lêem de forma truncada, apenas frases simples. Começando a desenvolver as habilidades de leitura, mas ainda aquém do nível exigido para a 4ª série. São leitores com nível de compreensão de textos adequado à 4ª série. São leitores com habilidades consolidadas, algumas com nível além do esperado para a 4ª série , , , , ,4 Total Fonte: m e c /i n e p/d a e b (adap.). É possível verificar na tabela que os alunos da 4ª série do Ensino Fundamental em estágios de aprendizagem muito crítico, crítico e intermediário totalizam 95,2%. As características das competências/ habilidades desses três estágios, descritas na tabela, tornam essas informações mais preocupantes ainda. Os estágios de aprendizagem denominados muito crítico, crítico e intermediário indicam que os alunos mostram características insuficientes à aprendizagem necessária para o nível de escolaridade que está sendo avaliado. Tal quadro tem repercussões no ensino de Geografia e de outras disciplinas, cujas características estão relacionadas à aquisição e ao desenvolvimento (ou não) de algumas competências/habilidades específicas pelos alunos, intimamente relacionadas à alfabetização e ao letramento competentes no idioma nacional. Embora seja do conhecimento geral, esses dados preocupantes são expostos aqui ainda mais porque o desempenho em Língua Portuguesa é uma situação que se repete em outros níveis de ensi-
6 12 no e no desempenho em Matemática. Os dados constam no item Anexo 1. De um modo geral, esses dados são demonstrativos de que se, de um lado, quantitativamente o acesso à escolarização obrigatória tem acontecido, por outro lado, a qualidade da aprendizagem é precária, sendo a sua efetiva conquista um grande desafio a todos os interessados em educação no Brasil. Ao discutir o papel e a importância do conhecimento geográfico para a formação do jovem brasileiro, o objetivo é mostrar que o ensino de Geografia encontra-se no interior dessas preocupações voltadas para a qualidade do ensino. As milhares de pessoas que freqüentam a Escola Básica constituem um imenso potencial de energia humana que pode integrar uma alquimia para produzir uma humanidade mais justa e, para ser redundante, para realizar uma humanidade mais humana. Seguindo a trajetória de análise e utilizando a expressão de um filósofo de vanguarda da esquerda, István Mézáros (Mézáros, 2005: 62) trata-se de um imenso contingente humano que pode participar da realização de uma ordem metabólica social para a transformação do mundo. Até mesmo do ponto de vista de uma racionalidade capitalista, podemos afirmar que é muito capital humano desperdiçado. O presente livro é uma tentativa de pensar esse conjunto complexo de questões sob o ângulo do ensino da Geografia no Ensino Básico. Foi nesse quadro que se permitiu (re)colocá-lo sob o foco dos desafios, possibilidades, limites e lacunas com os quais nos defrontamos. Essa trajetória ensejou o privilégio de compartilhar o trabalho de muitos profissionais do ensino de Geografia, cujas experiências bem-sucedidas permitimo-nos citar, pela contribuição que significam. A necessidade dessa apresentação inicial tem a finalidade precípua de fazer referências aos temas que serão desdobrados neste texto. Tais referências resultam de situações praticadas sobre as quais temo nos debruçado, em um processo de reflexão que se tece no fazer.
7 Ao longo desses anos, foram colhidos depoimentos e preocupações de professores e alunos de cursos de Geografia. Eles reiteram muitas das questões em discussão no presente texto. Trata-se de uma contingência da trajetória do pensamento e das práticas que se vão entrelaçando num processo contraditório. Temos diante de nós uma realidade tecida na contradição que, ao descortinar os problemas irresolvidos, acentua ainda mais a necessidade de discuti-los. É nesse cenário que nos colocamos, na situação de que nos cabe contribuir para a busca de algumas perspectivas, mediante a discussão de alguns temas do ensino da Geografia, do ensino e da educação. 13
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