Presente, passado e futuro

Transcrição

1 Presente, passado e futuro O tempo é percebido em três fases: passado, presente e futuro. Essa dinâmica conduz a nossa evolução. O ideal é sempre poder dizer que hoje sou melhor do que ontem, e amanhã serei ainda melhor. Essa dinâmica permite, além disso, a existência do sistema de causa-efeito no mundo. Dessa maneira, é possível existir a justiça: tudo o que eu faço hoje terá uma conseqüência no futuro. D us garante que a conseqüência por qualquer ato de qualquer pessoa será justa, seja nesse mundo ou no mundo futuro. Por isso existe o tempo presente, quando o fato é consumado, e o futuro, quando haverá a conseqüência. Por sua vez, o passado só existe quando ainda está armazenado na memória de alguém. Se não tivéssemos memória, o passado simplesmente não existiria, nem faria sentido. Ele só existe para que possamos nos lembrar dele e aprender alguma coisa com isso. É certo que a Teshuvá, o arrependimento sincero, faz com que as pessoas se transformem em outro indivíduo, e os seus atos negativos do passado já não terão qualquer validade. É como se o seu erro jamais tivesse existido. Portanto, em alguns casos, o seu passado pode chegar a deixar de existir. A função do tempo Agora que sabemos decifrar melhor o que é o tempo, vejamos para quê serve essa ferramenta tão poderosa e como podemos utilizá-la da melhor forma. O tempo é uma condição necessária para que exista o esforço. Imagine um aluno que precisa realizar um exame de redação em sua escola. Do que ele precisa? Obviamente de uma caneta, uma folha, a sua mão, o seu cérebro e conhecimento. Além disso, ele precisa de tempo para desenvolver esse conhecimento, filtrar o que é importante colocar na sua redação de acordo com o tema proposto, organizar suas idéias e transformar aquilo que está no mundo das idéias em algo concreto, ou seja, escrever a sua redação. Sem o tempo não seria possível passar por todo esse processo, e ele não se esforçaria; se não fosse assim, a professora poderia lhe entregar uma redação pronta e tudo o que ele precisaria fazer seria devolvê-la. Da mesma forma, D us poderia ter entregado ao homem diretamente a sua

2 recompensa, sem lhe dar o tempo, ou a vida neste mundo, para esforçar-se e fazer por merecê-la. Uma outra função do tempo é testar a confiança do homem em D us. Ele quer que as pessoas esperem, tenham esperança e confiança Nele. Os atos de esperar e ter paciência fazem parte do ideal do homem. Uma das mitsvot mais importantes para os Judeus é esperar a Redenção, e se esforçar para que ela chegue o mais rapidamente possível. Se o tempo não existisse, os Judeus não poderiam ter o mérito de esperar e, assim, desenvolver a qualidade da paciência e da confiança em D us. Quando esperamos por algo, damos muito mais valor a ele. A paciência de aguardar é uma prova de amor. Dando mais valor ao tempo e ao espaço O desafio do homem é saber utilizar o tempo da melhor maneira possível. O primeiro passo para isso é saber que a vida tem um fim, e que ele não é distante. A grande maioria das pessoas vive sem pensar nisto, como se suas vidas fossem eternas. Por isso, procuram juntar enormes somas em dinheiro e se preparar o máximo possível para viverem muito bem e se acomodarem neste mundo. No entanto, sabemos que existe um limite para essa vida. Quanto mais velha é uma pessoa, mais ela percebe como a vida é curta. Uma criança tem a ilusão de que a sua vida jamais acabará, pois a morte está muito distante dela. Porém, alguns anos mais tarde, a pessoa começa a perceber que o tempo realmente passa e que é impossível segurá-lo. Um adolescente olha para uma pessoa de 27 anos, casada, com dois filhos, imaginando que essa idade é tão distante para ele, que nem vale à pena se preocupar com ela. No entanto, a idade chega, e muito mais rapidamente do que se imagina. O mesmo acontece com uma pessoa de 30 anos que não se preocupa com o fato de um dia chegar aos 70. Com o passar de todo esse tempo, o fim começa a se aproximar; a pessoa se vê obrigada a pensar sobre os valores e a utilidade da vida e o que deve fazer com ela. O perigo é que essas questões podem chegar tarde demais e já não haver mais tempo de fazer muita coisa. É como se a pessoa tivesse jogado fora o bem mais valioso que alguém já pode ter lhe dado: o tempo. O segundo passo é perceber o valor do tempo. Um famoso exercício para isso é o seguinte: Imagine que alguém lhe anuncie que amanhã será depositado na sua conta US$ ,00

3 dólares. No entanto, a cada segundo que passar, você terá direito a menos um dólar se não gastá-lo, ou seja, no final do dia, se você ficar parado(a), perderá todo esse dinheiro. O que você faria? Imagino que acordaria à meia-noite e iria correndo para o Shopping Center a fim de comprar de tudo o que mais gosta e só descansaria à meia-noite do dia seguinte. Verdade? Pois eu tenho uma ótima notícia para lhe dar: Você acaba de ser premiado(a) com um prêmio muito melhor do que esse! Amanhã o seu dia terá segundos. Acredite, cada um deles vale muito mais do que um dólar; com este dinheiro você pode comprar, digamos, duas Coca-Colas, ao passo que, com um segundo, você pode se arrepender de todo o mal que já fez na vida, de todos prejuízos morais que já causou a outras pessoas, e lhes demonstrar isso por meio de um pedido de desculpas. Mais do que isso, você pode apagar tudo o que há de negativo do seu passado, e transformar-se em uma nova pessoa. Pode ainda doar dinheiro para uma escola que estava prestes a fechar por falta de condições financeiras. Desta escola poderá sair um grande gênio que revolucionará a Medicina do mundo inteiro, salvando, quem sabe, milhares de vidas; ou ainda, um grande Rabino capaz de influenciar milhares de famílias, que passarão a ter uma vida repleta de sentido e felicidade. Melhor do que tudo: com esse segundo, você não comprará duas Coca-Colas, mas poderá construir um mundo melhor, aproximando-o do seu estado ideal. Em nossas mentes, um ato tem a duração de um instante. No entanto, se colocar os óculos especiais, você verá que um ato de bondade é, na realidade, eterno. No próximo mundo, quando não haverá mais limites materiais, você verá que o ato que praticou em apenas um segundo lhe acompanhará por toda a Eternidade, isso porque ele fará parte de você. Neste mundo temos a impressão de que os aspectos físicos são eternos e os atos, temporários. Por exemplo, muitos crêem que uma pinta na testa faz parte da pessoa, e é isso que a acompanha para sempre. No entanto, se pensarmos mais profundamente, perceberemos que obviamente essa pinta um dia deixará de existir, uma vez que os vermes irão devorá-la depois que essa pessoa morrer. Por outro lado, um ato fica carimbado na alma, a sua verdadeira essência, para sempre. Com isso, fica claro o valor do tempo. No entanto, se não o preenchemos, ele acaba evaporando e não valendo nada. Uma pessoa pode ter morrido com 20 anos e, mesmo assim, ter vivido mais do que outra que faleceu aos 90. Tudo depende de como o tempo foi preenchido.

4 Quando a Torá relata a morte de uma pessoa justa, ela usa os termos...e fulano veio em seus dias. Isso significa que, no final da sua vida, esta pessoa estava lá, presente, e carregou consigo toda a sua experiência, até o último dia; não perdeu o sorriso da infância, a inocência, e nem o ativismo da juventude. Assim, chegou à reta final com tudo o que adquiriu durante a vida. É isso que a constituiu como pessoa; por isso, estava presente. Não perdeu nada, nem mesmo a vontade de viver. Por isso, o sábio não se entristece nem teme envelhecer. Por outro lado, há pessoas que não estão presentes no final da própria vida. Deixaram tudo o que aprenderam e viveram para trás. Chegaram à reta final carregando apenas o seu corpo e algumas poucas experiências. O resto foi largado ao tempo. O VALOR DO DINHEIRO Durante a minha vida conheci pessoas e culturas muito diferentes. Com certeza, na aparência, o que mais diferencia as pessoas e o que mais as distancia é o seu nível de riqueza. No Nordeste Brasileiro, onde nasci, a pobreza é muito grande. Em contrapartida, é incrível a riqueza que existe em cidades desenvolvidas como Nova York. Mas o interessante foi notar que quando passamos a conversar com pessoas de diversos níveis sociais, percebemos que nem sempre o dinheiro define o que a ela é. Conheci gente que não tinha o que comer, mas de notável sabedoria. Por outro lado, encontrei pessoas que não sabiam mais onde gastar o seu dinheiro, porém o seu interior era vazio. Apesar disso, quando bem utilizados, os bens materiais de uma pessoa podem ser mais uma ferramenta poderosa para permitir que ela alcance os seus objetivos. Mas afinal, para que serve o dinheiro? Por que as pessoas precisam possuir bens? E para que trabalhar para isso? Por que existe tanta desigualdade social no mundo? Vale a pena ser rico? O dinheiro traz felicidade? Essas perguntas são temas dos principais debates do mundo moderno. Na grande maioria dos Países democráticos os partidos políticos se distinguem segundo suas posições econômicas. É muito raro encontrar um País no qual os principais focos de debate são temas como educação, segurança, etc. Na grande maioria, a diferença entre a direita e a esquerda é a posição quanto ao modelo econômico a ser adotado.

5 As questões filosóficas individuais também entram nesse debate. Quando alguém quer definir o seu estilo de vida, o que ele se pergunta? Na maioria das vezes ele questiona, se vale a pena trabalhar muito para ser rico ou manter a simplicidade. É óbvio que, na grande maioria das vezes, a pessoa opta por tentar ficar mais rica. Por que, por outro lado, quase não se encontra na Torá uma recomendação sobre modelos econômicos ideais, ou sobre se as pessoas devem ser ricas ou pobres, como acontece em outras religiões? A resposta é simples. A mecânica do dinheiro, segundo a Torá, é muito diferente do que se acredita ser no mundo contemporâneo. Para nós o dinheiro não é um fim, um objetivo de vida, mas um meio para que possamos alcançar o nosso verdadeiro objetivo. Assim como o tempo, D us nos concede bens materiais para que possamos cumprir a nossa missão. Assim como podemos desperdiçar o tempo nos ocupando de coisas inúteis, podemos gastar o dinheiro com coisas fúteis e, assim, perdermos a chance de fazer algo que nos foi concedido como tarefa por meio deste dinheiro. Na realidade, a questão acerca da validade de ser rico ou não é um debate falso. Não somos nós que decidimos isso, mas D us. Cabe a nós utilizar essa condição da melhor maneira possível. Podemos comparar essa dinâmica a um jogo de futebol. Imagine que você foi convocado para uma partida muito importante na posição de centroavante. No que você vai se concentrar? Se você é um bom jogador, com certeza fará de tudo para marcar o maior número de gols possível, sem se preocupar muito com a qualidade do gramado ou da camisa, com o clima, ou com a iluminação. Você sabe que a sua tarefa é, dadas as condições de jogo, jogar o melhor que pode. No nosso exemplo, podemos comparar as condições de jogo com os bens materiais de uma pessoa. Ela não deve ter como foco central da sua vida a busca permanente pela maximização do seu patrimônio, mas sim a melhor maneira de utilizá-lo para ser bem-sucedido na sua missão, assim como a missão do centroavante é marcar os gols. Dessa maneira, podemos dizer que quem concentra os esforços da sua vida na acumulação de capital está tão errado quanto aquele que quer apenas jogar em um estádio com um bom gramado, em condições favoráveis de pressão e temperatura, e com uma camisa desenvolvida com tecnologia de ponta para absorver toda a sua transpiração, mas não faz nada de útil para ajudar o seu time.

6 Portanto, não se deve viver pelo dinheiro. Muitos reclamam por serem pobres demais e outros, até por serem ricos demais. Porém, como vimos, esta é uma falsa preocupação. Quando alguém percebe o quanto deve se esforçar para efetuar as suas tarefas verdadeiras, suas preocupações econômicas tornam-se secundárias. Quais exemplos podemos dar sobre como utilizar o dinheiro da melhor maneira possível? Fazer caridade, investir em projetos sociais, garantir a educação dos filhos, comprar e consumir comida casher, comprar pratos bonitos para serem utilizados em honra ao Shabat, etc. Na realidade, quase tudo o que normalmente se faz com o dinheiro pode ser investido para o bem, se a intenção for boa. Por exemplo, a compra de roupas bonitas, que poderia ser vista como um desperdício de dinheiro com futilidades, pode se transformar em uma grande mitsvá se você utilizá-las para se apresentar diante dos seus pais e, assim, honrá-los, ou para utilizar no Shabat v e dar importância ao dia. Nesse sentido, assim como cada segundo, cada dólar pode valer a eternidade, dependendo como for utilizado. Confiança em D us Apesar de a Torá não recomendar uma preocupação excessiva na relação ao dinheiro, devese, mesmo assim, esforçar-se para ganhar o seu sustento por meio do trabalho. Na verdade, é D us que proporciona para o homem tudo o que ele necessita em termos materiais; mas para dificultar a sua tarefa e possibilitar a conquista pelo próprio esforço, Ele se oculta e abre espaço para o ser humano trabalhar com as suas próprias mãos. No entanto, o resultado do trabalho, aquilo que se ganha, depende exclusivamente do que D us prevê como ideal para cada indivíduo. O mais rico não é necessariamente o mais inteligente ou aquele que se esforça mais, mas quem necessita de mais dinheiro para cumprir a sua missão. Aquilo que, em muitos casos, acreditamos tratar-se de injustiça o fato de pessoas que não se esforçam possuírem muito dinheiro em detrimento de outros que lutam muito é, na realidade, a maneira como D us dá a cada um o que esse precisa para o seu teste individual no mundo. Deve-se, portanto, saber que o seu nível de riqueza é decidido exclusivamente por D us e não é obra do acaso. Ciente disso, você não tem mais por que se preocupar tanto com a sua

7 situação financeira atual ou futura, porque o que você vier a ganhar será sempre o ideal, decidido por D us. Se você ganhasse um valor maior ou menor, isso não seria bom para você. Confiar nisso é muito positivo e nos dá uma grande tranqüilidade. A maioria das pessoas vive preocupada com o que ocorrerá no dia seguinte, e não conseguem pensar em mais nada. Ter confiança de que D us sempre lhe dará o suficiente permitirá viver uma vida tranqüila e ter espaço para pensar em problemas reais. Infelizmente, conhecemos muitas pessoas que decidiram fazer das suas vidas uma busca incessante por dinheiro. Basta uma pequena decisão na juventude, a de fazer do objetivo de vida a maior acumulação possível de capital, e pronto, toda a sua vida poderá ser passada em vão. Tudo o que esta pessoa fez foi perseguir bens materiais, porém, no final de sua vida, o que lhe restou de tudo o que consumiu? Apenas os seus 70 e poucos quilos; todo o resto se esvaiu. Este indivíduo desviou o objetivo de sua vida e desperdiçou todo o seu tempo. Mas não é apenas a preocupação com dinheiro que pode desviar a nossa atenção dos nossos verdadeiros objetivos. Qualquer meta traçada erroneamente pode significar a perda de toda uma vida. Seja esse objetivo acumular dinheiro, viajar para o maior número possível de Países, ou ser um grande roqueiro, por exemplo, faz com que a pessoa não se interesse mais por outros aspectos da vida, inclusive aqueles que D us lhe traçou como a sua missão. Se estivermos conscientes de que o quanto iremos ganhar depende da vontade de D us, que o modo como iremos nos conduzir para ganhar esse dinheiro depende apenas de nós, que esse é o verdadeiro objetivo de vida e o teste pelo qual estamos passando, concluiremos, com facilidade, que ser honesto é mais importante do que fazer de tudo para buscar maximizar os lucros. O significado da riqueza e da pobreza Você se considera uma pessoa rica? Provavelmente, para responder a essa pergunta, o seu primeiro impulso será analisar o tamanho da sua casa, o número de carros que a sua família tem na garagem, e a sua conta bancária. Mas, na realidade, o grau de riqueza de uma pessoa é medido não pelo o que ela possui, mas pelo que falta para ela. Assim, quanto menos bens faltam para alguém, mais rico ele é. No entanto, o quanto falta para cada um não é um dado

8 que podemos medir matematicamente, pois está no íntimo de cada um. Como já sabemos, D us é o responsável por definir a renda de cada pessoa, fornecendo o que ela precisa na medida certa. Portanto, não falta nada para ninguém. Se, por outro lado, alguém sentir que merecia mais, ou está insatisfeito com sua renda, então, aí sim, podemos colocá-lo na categoria das pessoas menos ricas. Todos conhecem o ensinamento do Pirkê Avot, o Tratado de Ética do Talmud, que afirma que o rico é aquele que está satisfeito com o que tem. Podemos observar o exemplo de duas pessoas que entram em um centro de assistência para pedir ajuda financeira. Uma chega de carro; ela saiu da sua casa com o intuito de pedir ajuda para comprar um carro novo, pois o seu já está lhe causando muitos problemas. A outra chega a pé; saiu de uma favela a fim de pedir um burro para ajudá-la a transportar as suas mercadorias. Na visão corrente de riqueza, o primeiro é mais rico, porque tem um padrão de vida melhor; mas na realidade, o segundo é o mais rico, porque lhe falta apenas um burro, enquanto o primeiro necessita de um carro. Estar satisfeito com o que se tem em termos materiais é uma grande virtude e traz muita felicidade. A própria definição de felicidade é estar satisfeito com a vida e com o que lhe cabe.