«Rumo a um novo paradigma de segurança alimentar mundial, garante do desenvolvimento individual e colectivo»
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- Stella Álvaro Anjos
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1 «Rumo a um novo paradigma de segurança alimentar mundial, garante do desenvolvimento individual e colectivo» Benoît Miribel, Presidente da ACF 1 -França PROBLEMÁTICA Nenhum ser humano tem hipóteses de se desenvolver, física e intelectualmente, sem dispor de alimentação de qualidade e em quantidade. Podemos falar de uma sociedade desenvolvida quando as pessoas não conseguem satisfazer as suas necessidades alimentares? Nesta ligação direta entre desenvolvimento individual e desenvolvimento coletivo, verifica-se uma forte correlação entre a classificação dos países que apresentam um índice de «desenvolvimento humano» baixo e aqueles que têm uma fraca capacidade de autossuficiência alimentar. Em geral, ninguém morre à fome nos países ditos «desenvolvidos», salvo casos isolados relacionados com outros problemas sociais. Em contrapartida, continuam a morrer pessoas, em particular crianças com idade inferior a 5 anos, nos países supostamente «em desenvolvimento», onde ainda cerca de mil milhões de seres humanos conhecem a fome. Os meios de comunicação social dão conta dos milhões de dólares que são, desde há décadas e ao abrigo da ajuda internacional, encaminhados anualmente para países com dificuldades alimentares. A maioria dos nossos concidadãos nem percebe as razões do insucesso desta ajuda internacional que não consegue debelar a fome e a malnutrição. Serão as necessidades alimentares intransponíveis? Ou teremos de rever a nossa forma de abordar a segurança alimentar para garantir um desenvolvimento global e não discriminatório? 1 Organização «Action contre la faim» Acção contra a fome Action Against Hunger 1
2 PONTO DE SITUAÇÃO Segundo estimativas das Nações Unidas, existem cerca de mil milhões de pessoas subalimentadas no mundo inteiro. Entre elas, 55 milhões de crianças sofrem de malnutrição aguda. Anualmente, morrem 10 a 12 mil crianças subnutridas. A nível mundial, dois terços das pessoas subalimentadas encontram-se em sete países, sendo que mais de 40% vivem na Índia e na China. A proporção de pessoas subalimentadas continua a ser particularmente alta na África Subsaariana, tendo-se cifrado em 30% da população no ano de Que caminhos deve a agricultura percorrer para assegurar a nutrição da população mundial? Beneficiando quem? Paradoxalmente, hoje, os adultos mais afetados pela subalimentação são sobretudo pequenos agricultores. DESAFIOS Está demonstrado que a ajuda alimentar internacional não resolve a necessidade de desenvolver capacidades agrícolas locais nos países com carências alimentares. Apenas constitui um meio limitado de dar resposta a situações de crise. Aliás, conhecem-se os efeitos perversos da ajuda alimentar, desde o potencial desmantelamento das capacidades locais à criação de laços de dependência. A ajuda alimentar regrediu de forma acentuada nos últimos anos, favorecendo outro tipo de programas, porventura mais adequados. África continua a ser o único continente onde os rendimentos agrícolas não evoluíram desde Essa situação não constitui uma fatalidade pois a adubação das terras, a utilização de sementes certificadas, bem como o desenvolvimento da irrigação, fomentarão o crescimento dos rendimentos agrícolas. Numerosos países desenvolvidos ou emergentes encontram-se na dependência do mercado alimentar internacional para a 2
3 sua subsistência. Perante o potencial disponível no continente africano, esses países dependentes, investem na aquisição externa de terras para conter a sua própria vulnerabilidade alimentar. Esse processo crescente, quer em África, quer na Ásia do Sueste, designado por «land grabing», pode levar a um problema de repartição dos recursos agrícolas disponíveis. Será que, daqui por uns anos, no continente africano, nos vamos deparar com pessoas famintas junto a terras cultivadas e detidas por estrangeiros? Verifica-se uma disparidade crescente na atividade agrícola: por um lado, milhões de pequenos agricultores que tentam sobreviver e, por outro, alguns milhares de grandes indústrias agrícolas com poderio financeiro. Como gerir e regular imperativos, muitas vezes divergentes, de ambos esses mundos de que tanto precisamos para o nosso futuro? Em que modelo de desenvolvimento teremos de apostar para alimentar 9 mil milhões de pessoas em 2050? Por ora, não fomos capazes de dar de comer a toda a gente quando tínhamos suficiente disponibilidade alimentar para o fazer. Resta saber se será possível alimentar mais pessoas perante os condicionalismos crescentes dos nossos recursos. As inúmeras declarações e cimeiras internacionais surgidas desde a última crise alimentar, em 2008, conferiram uma maior eficácia às políticas de segurança alimentar e alívio da fome, assim como nas respostas a criar. Na Cimeira do G20, de 2009, em Aquila, acordou-se dedicar 22 mil milhões de USD à segurança alimentar, não obstante, apenas 25% dessa verba foi gasta até hoje. O G8, no seu último encontro, em Julho de 2011, em Cannes, abordou apenas o tema da regulação da volatilidade dos preços, ficando claramente aquém das expectativas. Numerosos atores apelam a uma alteração de paradigma: a nutrição, a agricultura e a segurança alimentar devem, doravante, constar das políticas de desenvolvimento sustentável e dos esforços de erradicação da pobreza. Sob o prisma do desenvolvimento sustentável, cabe-nos escolher qual o paradigma de «segurança alimentar e desenvolvimento» a adotar. 3
4 RECOMENDAÇÕES Para duplicar a produção de cereais até 2050, impõem-se três condições: apoiar os pequenos agricultores, proteger as áreas de cultivo ameaçadas e melhorar os rendimentos agrícolas. De igual modo, compete-nos apoiar o setor agro ecológico, bem como explorações de pequena dimensão, as pescas e a pastorícia, promovendo programas participativos de investigação e de formação, de modo a incentivar os «produtores de géneros alimentícios», de menor escala, a produzir alimentos sãos e nutritivos, em quantidade suficiente. É necessário promover sistemas alimentares e de campesinato orientados para as comunidades locais e ligados ao controlo das terras, água e biodiversidade da respetiva região. Tal como é importante limitar e pôr cobro ao desperdício registado na cadeia alimentar, (estimado em cerca de 30% da produção alimentar mundial), seja por condições indevidas, má gestão dos stocks e perdas nos transportes, seja através da revisão das datas de validade e gestão de quotas. Importa também gerir, num quadro internacional transparente, as reservas alimentares mundiais para regular a oferta e a procura, tanto a nível local (regional e nacional), como internacional. É necessário apoiar os países mais pobres a implementar políticas de estabilização dos preços dos cereais. Esses países devem, ainda, contar com apoio internacional, visando dar maior ênfase aos programas de «redução dos riscos de catástrofes». Faltam meios financeiros, estimados em 12 mil milhões de USD por ano, para salvar a vida a 10 mil crianças com idade inferior a 5 anos que morrem, diariamente, devido à malnutrição. É ainda necessário garantir «redes sociais de segurança» para pessoas mais expostas ao risco, no caso de deflagrar uma crise alimentar. No plano internacional acabam de ser criadas numerosas iniciativas de alcance mundial para sentar à volta da mesa todos os atores envolvidos nesta aposta: «Segurança 4
5 alimentar e Desenvolvimento». Temos de promover esta causa junto dos nossos concidadãos, bem como dos responsáveis políticos. Só assim conseguiremos criar um novo paradigma conducente à segurança alimentar mundial, garantindo um desenvolvimento harmonioso do Homem e da Natureza. Não podemos fugir, é nossa obrigação! Nessa perspectiva, esta iniciativa da Fundação Gulbenkian, que visa abordar os vários desafios da segurança alimentar, além de louvável, deveria ser incentivada noutros países europeus, fazendo com que os nossos concidadãos passem a ser portadores desse novo paradigma de que tanto carecemos nos dias de hoje. trad. Fr>>Pt: PatriciaRoman-6mai12 5
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