Keliene M. Amaral, Adilson R. Gonçalves, Júlio C. Santos. Universidade de São Paulo/Escola de Engenharia de Lorena.
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1 Obtenção de membranas filtrantes de acetato de celulose a partir de bagaço de cana-de-açúcar: avaliação de diferentes opções de branqueamento da polpa celulósica Keliene M. Amaral, Adilson R. Gonçalves, Júlio C. Santos Universidade de São Paulo/Escola de Engenharia de Lorena jsant200@usp.br Resumo Neste trabalho, bagaço de cana-de-açúcar foi submetido a etapas de pré-tratamento ácido, deslignificação alcalina e branqueamento, visando-se à posterior acetilação da celulose para obtenção de membranas de acetato de celulose. Duas opções de branqueamento foram avaliadas: empregando apenas hipoclorito de sódio ou empregando peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio em sequencia. O bagaço in natura e o material obtido após cada etapa foi caracterizado com relação ao teor de lignina insolúvel, além de terem sido realizadas análises de espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (FTIR). As membranas obtidas foram micrografadas empregando microscopia eletrônica de varredura (MEV). O branqueamento com uma sequencia de peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio mostrou-se mais efetivo na remoção da lignina do bagaço, o que pode explicar um melhor aspecto da membrana obtida neste caso, a qual foi comparativamente mais homogênea e menos quebradiça. A remoção de lignina foi comprovada pela análise por FTIR, sendo que o as micrografias indicaram a presença de material não dissolvidos nas membranas, o que pode explicar seu aspecto heterogêneo. Palavras-chave: membrana de acetato de celulose, bagaço de cana-de-açúcar, branqueamento da celulose Abstract In this work, acid pre-treatment, alkaline delignification and bleaching were carried out in sugarcane bagasse aiming at the acetylation of cellulose to obtain cellulose acetate membranes. Two bleaching options were evaluated: the first method was only based on sodium hypochlorite, while the second was a sequence of hydrogen peroxide and then sodium hypochlorite. The raw bagasse and the material produced in each experimental step were characterized with respect to its percentage of insoluble lignin, with also an analysis of infrared spectroscopy Fourier transform (FTIR) carried out in them. The produced membranes were analyzed by Scanning Electron Microscopy (SEM). The data showed the bleaching sequence of hydrogen peroxide and sodium hypochlorite was more effective in removing the lignin from the pulp, which may explain why the membranes obtained from the bleaching sequence were comparatively more homogeneous and less brittle. Furthermore, the lignin removal was confirmed by FTIR analysis, and the SEM data indicated the presence of undissolved material in the membranes, which may explain its heterogeneous appearance. Keywords: cellulose acetate membranes, sugarcane bagasse, pulp bleaching
2 Introdução O bagaço de cana-de-açúcar é subproduto da moagem desta planta produzido em grande quantidade pela indústria sucroalcooleira no Brasil. De acordo com o Ministério da Agricultura (2014), a produção de cana-deaçúcar no Brasil referente à safra 2012/2013 foi de cerca de 589 milhões de toneladas. Considerando-se a proporção indicada por Procknor (2000), esta produção corresponde à atual geração anual de mais de 157 milhões de toneladas de bagaço de cana-de-açúcar no país. As próprias usinas utilizam a maior parte deste bagaço, cerca de 90%, como fonte energética em substituição ao óleo combustível no processo de aquecimento das caldeiras e para a geração de energia elétrica, parte da qual é vendida a terceiros (CORTEZ, 2010; CONAB, 2011). Existem, entretanto, usos não energéticos para o bagaço da cana, alguns deles já viabilizados comercialmente. Como exemplos pode-se citar seu emprego como matéria-prima na indústria de papel e papelão, fabricação de aglomerados, material alternativo na construção civil, produção de biomassa microbiana, forragem para agricultura e enzimas, entre outras (PANDEY et al., 2000; LOH et al., 2013). Mesmo assim há ainda um excedente deste resíduo que não é utilizado, causando sérios problemas de estocagem e poluição ambiental. Desta forma, o estudo de alternativas para o aproveitamento deste material é importante e a produção de membranas de acetato de celulose pode ser uma alternativa interessante. O acetato de celulose é um dos derivados de celulose de grande importância comercial, devido a sua larga aplicação em fibras, plásticos, filmes fotográficos, filtros para cigarros, dentre outros (EDGAR et al., 2001; STEINMEIR, 2004). Dentre as aplicações para o acetato de celulose, na sua forma trissubstituída, está a produção de membranas que podem ser utilizadas em processos de separação. Entre as variáveis que interferem na destas membranas, pode-se destacar a presença de lignina na celulose oriunda da biomassa e que será submetida à acetilação. Desta forma, considerando-se que tratamento de deslignificação deve ser complementado por etapas de branqueamento, foram avaliadas, no presente trabalho, duas opções: branqueamento apenas com hipoclorito de sódio e aplicando-se uma sequencia de peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio. O bagaço foi caracterizado após cada etapa de seu tratamento e a influencia de cada opção de branqueamento na qualidade da membrana foi avaliada. Objetivos Teve-se como propósito a obtenção de membranas de acetato de celulose a partir da celulose de bagaço de cana-de-açúcar submetido a pré-tratamento com ácido sulfúrico, deslignificação alcalina e diferentes opções de branqueamento: empregando apenas hipoclorito de sódio e aplicando-se uma sequencia de peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio. Materiais e Métodos O bagaço de cana de açúcar foi adquirido da Usina São Francisco, da cidade de Sertãozinho - SP. O material foi seco ao sol até que atingisse um teor de umidade de cerca de 10% para evitar contaminação microbiana durante a estocagem no laboratório. Em seguida, foi moído em um moinho de martelo marca Benedetti, modelo Dupla 270 (Moinho Benedetti Ltda., Pinhal- SP), até a passagem de mais de 90% das partículas em uma peneira padrão Tyler 10 MESH (abertura 1,65 mm). Para o pré-tratamento ácido, 100g (massa seca) de bagaço in natura e solução de H2SO4 10% (v/v) foram misturados, obtendo-se uma suspensão com consistência de 10% (m/v). A reação foi realizada a 100ºC, sob agitação mecânica, por um tempo de 40 min. Ao final da reação, o material foi lavado com água destilada, até a água de lavagem atingir ph neutro. O material resultante foi seco ao ar. Para a deslignificação alcalina, o material pré-tratado com ácido sulfúrico foi misturado a uma solução de NaOH 5% (m/v), sob uma consistência de 10% (m/v). A reação foi realizada em banho térmico, ajustado à temperatura de 100ºC, sob agitação mecânica, por 1 h. Ao final da reação, o material foi lavado com água destilada, até a água de lavagem atingir ph neutro. O material resultante foi seco ao ar. O branqueamento do material deslignificado foi feito por tratamento com hipoclorito de sódio ou em uma sequencia de tratamento com peróxido de hidrogênio e hipoclorito. Para esta última opção, fez-se também, antes do branqueamento com peróxido, uma quelação prévia do material com EDTA.
3 Quelação: o material foi misturado com EDTA, em uma proporção 0,5% (mquelante/mpolpa), e à mistura foi adicionada água destilada a 70 C para ajustar a consistência da massa em 10% (m/v). A mistura reacional foi colocada em banho termostatizado a 70ºC por 1h. Terminada a reação, a polpa foi lavada com água destilada, previamente aquecida, até o líquido filtrado não conter coloração, e foi posteriormente seca ao ar. Branqueamento com peróxido de hidrogênio: a polpa deslignificada e submetida à quelação foi misturada a uma solução H2O2 5% (v/v) até uma consistência 5% (m/v), sendo adicionados 10 ml de NaOH 5% (m/v). A mistura foi adicionada a bolsas de polipropileno mergulhadas em banho térmico ajustado à temperatura de 70ºC, e a reação foi realizada por um tempo de 45min. Ao final da reação, o material foi lavado com água destilada, até o filtrado sair límpido. A polpa resultante foi seca ao ar. Branqueamento com hipoclorito de sódio: a polpa deslignificada submetido ou não à quelação e branqueamento com peróxido de hidrogênio, foi misturada a uma solução de NaClO comercial 1% (m/m), até uma consistência 10% (m/v). A reação foi realizada a 70ºC, sob agitação mecânica, durante 1 h. O material resultante foi posteriormente lavado até o filtrado sair límpido. A polpa resultante foi seca ao ar. Para a obtenção do acetato de celulose, empregou-se metodologia de Muñiz et al. (2008), sendo utilizados 84 ml de ácido acético, 28,2 ml de anidrido acético e 0,68 ml de ácido sulfúrico. As membranas foram produzidas utilizando-se o processo de inversão de fases descrito por Meireles (2007). Para a determinação da quantidade de lignina insolúvel, empregou-se metodologia descrita por Gouveia et. al. (2009), na qual para cada amostra de 2g (massa seca) foram adicionados 10 ml de uma solução H2SO4 72% (v/v). A espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) foi realizada em aparelho FTIR 8400 Shimadzu, por Reflectância Difusa (DRIFT). Para a Microscopia eletrônica de varredura (MEV), empregou-se o microscópio JEOL modelo JSM 5800LV, com uma voltagem de aceleração de 10 kv. Resultados Diversas etapas de tratamento químico foram realizadas no bagaço de cana-de-açúcar, visandose à obtenção da celulose, a qual foi então transformada em acetato de celulose. Duas opções de branqueamento foram avaliadas: usando-se apenas hipoclorito de sódio e usando-se uma sequencia de peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio. Para esta última opção fez-se, antes do uso de peróxido, uma etapa da quelação do material. Esta foi realizada com a adição de EDTA o qual, por ter uma intensa nuvem eletrônica, consegue complexar os íons metálicos presentes. Esta etapa é importante uma vez que que esses íons metálicos causam uma decomposição catalítica do peróxido de hidrogênio. Foi medido o percentual de lignina insolúvel do bagaço de cana-de-açúcar in natura, do bagaço prétratado com ácido sulfúrico (H2SO4), da polpa deslignificada com soda (NaOH), da polpa branqueada somente com hipoclorito de sódio (NaClO) e também da polpa branqueada com peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio. Os resultados são mostrados na Tabela 1. Tabela 1. Percentual de lignina para o bagaço de cana-de-açúcar in natura e após cada etapa de tratamento Amostra Teor de lignina insolúvel (%)* Bagaço in natura 23,70 ± 0,64 Bagaço pré-tratado com 26,09 ± 0,61 H2SO4 Polpa deslignificada com 22,99 ± 1,94 NaOH Polpa branqueada com 13,36 ± 1,60 NaClO Polpa branqueada com 9,69 ± 0,41 H2O2 e NaClO *valor médio ± desvio padrão Conforme pode ser observado, na etapa de tratamento ácido, a lignina apresentou um pequeno aumento em seu percentual no material. Isto pode ser atribuído ao fato de que, nesta etapa, ocorre uma maior solubilização das hemiceluloses, devido às reações de hidrólise sofridas por este composto em meio ácido e devido à sua característica majoritariamente amorfa (HARRISON et al., 2013). Com relação à deslignificação alcalina, comparando-se a polpa deslignificada à amostra pós-tratamento ácido, foi possível observar que houve uma pequena diminuição do teor de lignina insolúvel na amostra, de cerca de 3%. Pode-se observar
4 também que o pré-tratamento com uma sequência de peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio resultou em maior remoção da lignina em comparação ao uso apenas de hipoclorito. A remoção de lignina pôde ser confirmada pela análise de FTIR (Figura 1). O gráfico de infravermelho comparando as polpas branqueadas mostra que houve a remoção de lignina, pois no espectro da celulose branqueada a intensidade dos picos característicos desta fração do material a 1600 cm -1 (decrescendo das bandas fortes da região de 1750 cm -1, que corresponde à ligação C=O característica do estiramento carbonila de éster) foi baixa. Ao mesmo tempo foi possível observação, nos espectros, de um pico a 3400 cm -1, resultado da exposição dos grupamentos OH presentes nos anéis de glicose da cadeia de celulose. Todos os espectros apresentaram picos em torno de 1100 cm -1, correspondente à vibração da ligação C-O-C do anel piranosídico e picos na região de 900 cm -1, que representa a ligação β(1-4) que une os monômeros de glicose. Há também picos relacionados com os grupamentos CH2 (1400 cm -1 ), característicos de carboidratos e com os grupamentos C-C e C-O da estrutura da celulose (1300 cm -1 ). Figura 1 Espectroscopia no infravermelho da polpa branqueada apenas com hipoclorito de sódio e com uma sequência de peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio As membranas produzidas, no entanto, apresentaram-se quebradiças e heterogêneas. Isto pode ser devido à presença de material particulado, correspondente a fragmentos não dissolvidos durante a síntese das membranas (figura 2). Entre as membranas obtidas, no entanto, a produzida a partir de acetato de celulose obtido a partir da acetilação da polpa branqueada com peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio foi a que apresentou menor quantidade de material particulado, sendo comparativamente mais homogênea. a b Figura 2 Microscopia Eletrônica de Varredura (ampliação de 1000 vezes) da membrana: a. produzida com o triacetato de celulose obtido a partir da acetilação da polpa branqueada apenas com hipoclorito de sódio, e b. produzida com o triacetato de celulose obtido a partir da acetilação da polpa branqueada com peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio
5 Conclusões O branqueamento com uma sequencia de peróxido de hidrogênio e hipoclorito de sódio mostrou-se mais efetivo na remoção da lignina do bagaço, o que pode explicar o aspecto da membrana obtida neste caso, a qual foi comparativamente mais homogênea e menos quebradiça. A remoção de lignina foi comprovada pela análise por FTIR, sendo que o as micrografias indicaram a presença de material não dissolvido nas membranas, o que pode explicar seu aspecto heterogêneo. Referências Bibliográficas CONAB. A Geração Termoelétrica com a Queima do Bagaço de Cana-de-Açúcar no Brasil: Análise do Desempenho da Safra CONAB, Disponível em: < >. Acesso em: 13 jan CORTEZ, L. A. B. Bioetanol de cana-de-açúcar: P&D para produtividade e sustentabilidade. São Paulo: Blucher, p.992. ISBN: EDGAR, K. J. et al. Advance in cellulose ester performance and application. Progress, Polymer Science, 26, p GOUVEIA, E. R. et al. Validação de metodologia para a caracterização química de bagaço de cana-deaçúcar. Química Nova, p.1-4. HARRISON, M. D. et al. Effect of pretreatment on saccharification of sugar cane bagasse by complex and simple enzyme mixtures. v.148. Bioresource Technology, p LOH, Y. R. et al. Sugarcane bagasse The future composite material: A literature review. Resources, Conservation and Recycling, 75, p MEIRELES. C. S. Síntese e caracterização de membranas de acetato de celulose, obtido do bagaço de cana-de-açúcar, e blendas de acetato de celulose com poliestireno de copos plásticos descartados, p. Dissertação (Mestrado). Instituto de Química Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia/MG, MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Acompanhamento da Produção Sucroalcooleira. Disponível em: < Acesso em: 13 jan MUÑIZ, G. et al. Chapter 71. Filter development from low cost materials for arsenic removal from water. In: Natural Arsenic in Groundwaters of Latin America. Interdisciplinary Book series: Arsenic in the Environment. Volume 1. CRC Press/Balkema, p ISSN: PANDEY, A.; SOCOOL, C. R.; NIGAM, P.; SOCOOL, V. Biotechnological potential of agro-industrial residues: sugarcane bagasse. Bioresource Technology, 74, p PROCKNOR, C. Subprodutos: o bagaço. STAB, Açúcar, Álcool e Subprodutos. v. 18 (4), p. 14, STEINMEIR, H. Acetate manufacturing, process and technology. Macromolecular Symposium, 2004.
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