Padrões comportamentais do barbo Ibérico Barbus bocagei num protótipo experimental de uma passagem para peixes por bacias sucessivas
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1 Padrões comportamentais do barbo Ibérico Barbus bocagei num protótipo experimental de uma passagem para peixes por bacias sucessivas Ana T. SILVA Eng.ª Florestal, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda Lisboa, , Adolfo C. FRANCO Eng.º Agrónomo, Direcção Geral dos Recursos Florestais, Avª Cristóstomo 26-28, Lisboa, , José M. SANTOS Eng.º Florestal, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda Lisboa, , Maria T. FERREIRA Biologa, Professora Associada do Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda Lisboa, , António N. PINHEIRO Eng.º Civil, Professor Associado do Departamento de Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, Avª Rovisco Pais, Lisboa, , José F. MELO Eng.º Civil, Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Avª do Brasil 11, Lisboa, , Jorge BOCHECHAS Eng.º Silvicultor, Mestre em Hidráulica e Recursos Hídricos, Direcção Geral dos Recursos Florestais, Avª Cristóstomo 28, Lisboa, , jorge.bochechas@dgf.min-agricultura.pt RESUMO O conhecimento e compreensão dos padrões comportamentais do barbo ibérico, Barbus bocagei, durante a utilização de uma escada para peixes são escassos. Neste trabalho foi estudado o comportamento desta espécie em resposta a diferentes condições hidráulicas num protótipo experimental, à escala real, de uma passagem para peixes (PPP) por bacias sucessivas dotada de descarregadores de superfície e orifícios de fundo. Foram ensaiados 45 espécimes de Barbus bocagei com dimensões compreendidas entre os 1 e 3 cm. Os exemplares/indivíduos foram submetidos a um conjunto de testes, caracterizados por quatro condições hidráulicas diferentes: dois tipos de padrão de escoamento jacto mergulhante ou semiafogado e duas aberturas de descarregador de superfície (2 e 3 cm), perfazendo um total de 12 ensaios. A selecção dos orifícios de fundo em detrimento dos descarregadores de superfície foi claramente evidente em todos os ensaios. Condições de semi-afogamento e uma abertura do descarregador de superfície de 3 cm demonstraram ser eficazes para a passagem de barbos com as características estudadas. Os resultados obtidos evidenciam que os dimensionamentos e configuração da passagem, parecem ser adequados para esta espécie migradora. Sugerem também que o comportamento do barbo ibérico numa PPP por bacias sucessivas é independente das suas dimensões e fase de vida sendo direccionado/orientado para a minimização de dispêndio de energia requerida para as suas deslocações. A utilização de protótipos experimentais desempenha um importante papel no desenvolvimento de critérios de dimensionamento para PPP e para a identificação de hipóteses e soluções a implantar em situações reais. Palavras-chave: ecohidráulica, PPP por bacias sucessivas, protótipo experimental, ciprinídeos ibéricos 1
2 1 INTRODUÇÃO A construção de barragens e açudes tem demonstrado ter um impacto sobre as comunidades piscícolas nos rios maior do que qualquer outra actividade humana (Petts, 1984, in Nicola et al. 1996). Este tipo de estruturas, apresentam-se como obstruções físicas ao processo migratório, pois bloqueiam essas movimentações (paredão das barragens), e/ou em alguns casos criam elevados níveis de turbulência e de velocidade, superiores aos suportados pelos peixes. Os impactes provocados pela construção destas obras hidráulicas podem ser vários, tais como: impedimento e atrasos das migrações e de outros tipos de deslocações; alterações na qualidade, quantidade e acessibilidade de habitats que desempenham um importante papel para a sustentabilidade das populações piscícolas, aumento do risco de predação a montante e a jusante, variação do regime natural de escoamento que pode mascarar determinados sinais ambientais importantes para estimular a migração dos peixes (Mallen Cooper, 1995). Este tipo de alterações no sistema aquático, pode modificar as capacidades fisiológicas dos peixes, e consequentemente alterar os seus comportamentos migratórios. A extinção de espécies de grande importância económica, começou assim a suscitar o interesse pelo desenvolvimento de dispositivos de transposição, designados por passagens para peixes (PPP), na tentativa de mitigar esses danos. Uma passagem para peixes (PPP) é um sistema hidráulico complexo que consiste em atrair os peixes a um determinado ponto a jusante do obstáculo, induzindo-os ou fazendo-os passar para montante através de um caminho com água ou capturando-os num tanque ou estrutura similar, sendo posteriormente transferidos para montante (Larinier, 22a). As passagens para peixes podem ser divididas em três grupos (FAO/DVWK 22): passagens tradicionais, passagens naturalizadas e passagens especiais. Dentro das passagens tradicionais enquadram-se as designadas PPP por bacias sucessivas. Este tipo de PPP é o mais comum em Portugal (8%). O princípio geral de uma passagem de bacias sucessivas consiste em dividir a altura a transpor em várias quedas mais pequenas formando uma série de bacias. As bacias apresentam uma dupla funcionalidade: por um lado oferecem áreas de descanso para os peixes e por outro, asseguram uma adequada dissipação da energia da água. A passagem de água entre bacias é efectuada por um ou mais descarregadores de superfície, por escoamento através de orifícios submersos ou por fendas verticais. O tipos de PPP por bacias sucessivas mais comuns e que têm sido alvo de diversos estudos, são aquelas em que a passagem da água é feita ou por descarregadores de superfície e/ou orifícios de fundo (pool passes), ou por fendas verticais (vertical-slot passes). Uma PPP por bacias sucessivas do tipo pool passes, consiste num canal de betão, ao longo do qual são dispostas paredes de separação em betão ou madeira, com aberturas em lados alternados no topo (descarregadores) e no fundo (orifícios submersos) (Santos, 24). Este tipo de passagens é geralmente usado para transpor obstáculos de pequena a média dimensão (Guiny et al, 23), sendo a sua utilização bastante frequente em aproveitamentos hidroeléctricos (Linlokken, 1993; Borghetti et al.1994; Jensen e Aass, 1995). No entanto apresenta como desvantagem de utilização, o facto de ter um risco considerável de obstrução, nomeadamente nos orifícios de fundo, por folhas, ramos e outros materiais de pequena dimensão; assim como ser muito sensível às variações de nível de água a montante. Os principais parâmetros de uma passagem de bacias sucessivas são as dimensões das bacias e as características geométricas das paredes de separação entre estas (dimensões dos descarregadores, fendas e orifícios). Estas características geométricas, em função dos níveis de água a montante e a jusante do dispositivo, determinam o comportamento hidráulico da passagem ou seja, o 2
3 respectivo caudal, a diferença de nível da água entre duas bacias consecutivas e o padrão de escoamento entre bacias (Larinier, 22b). Estas alterações nas condições de escoamento condicionam as deslocações dos peixes para montante. Se os níveis de velocidade forem muito elevados, excedendo a velocidade crítica admissível às suas movimentações, os peixes poderão não conseguir ultrapassar esses níveis de corrente, sendo impossível a sua passagem para montante. A configuração e dimensões das PPP, influenciam as características de escoamento no interior da passagem, actuando sobre a capacidade dos peixes para utilizarem a mesma. A ocorrência de grandes níveis de turbulência, remoinhos e zonas de escoamento circular, podem exercer um efeito negativo na passagem dos peixes para montante (Kim, 1994; Kim e Kim, 1994). É deste modo evidente que, a realização de estudos hidráulicos em passagens para peixes, é muito importante, pois permite estimar este tipo de fenómenos de escoamento (Hirose e Nakamura, 1991), sendo possível determinar os valores ideais de dimensionamento das PPP. Existe uma grande diversidade de PPP por bacias sucessivas, diferenciando-se pelas diferentes dimensões das bacias, tipos de interligações e desnível entre estas. O comprimento das bacias pode variar entre,5m e 1m, e as profundidades de água entre,5m e mais de 2m. O caudal de dimensionamento pode variar entre umas escassas dezenas de l s -1 e vários m3 s -1 ; o declive pode apresentar valores entre os 5% e os 2% variando na maior parte dos casos entre 1 e 12% (Larinier, 1998; Clay, 1995). Relativamente ao volume das bacias, este é determinado a partir do valor máximo da potência hidráulica dissipada nas mesmas, que limita a turbulência. Os valores máximos recomendados são de 2 W m -3 para os salmonídeos e menos de W m -3 para pequenas espécies e juvenis (Larinier, 1998) Associado ao dimensionamento das PPP por bacias, o padrão de escoamento dos descarregadores de superfície, de jacto mergulhante ou semi-afogado, é também um dos aspectos mais importantes, e que depende das características das espécies piscícolas alvo. Para os ciprinídeos é aconselhável uma situação de jacto semi-afogado, com uma diferença entre bacias de,15m e,25m, para minimizar a energia requerida para passar pelos descarregadores de superfície. Os critérios de dimensionamento são baseados nas capacidades natatórias, no comportamento das espécies envolvidas e nas experiências de campo. Deste modo os valores máximos admissíveis para uma PPP construída com vista à passagem de espécies salmonicolas são diferentes dos admissíveis para as espécies ciprinicolas. Estas últimas apresentam uma menor capacidade natatória e de salto, pelo que as dimensões suportáveis pelas mesmas são inferiores às aceitáveis pelos salmonídeos. No nosso país, não foi feita qualquer tentativa para resolver o problema da livre circulação dos peixes, numa base científica de experimentação e demonstração. Assim, quando se começou a tomar consciência das implicações da construção de obstáculos intransponíveis nos cursos de água, optou-se pela importação de modelos de dispositivos que, embora tendo demonstrado eficácia nas condições e para as espécies para as quais tinham sido originalmente projectados, nada garantia que o mesmo viesse a ocorrer com as espécies e cursos de água portugueses. A instalação de PPP com dimensionamentos inadequados para as espécies Ibéricas é um dos factores que tem contribuído para a ineficácia destes dispositivos em Portugal (Pinheiro e Ferreira, 21). É necessário determinar os valores óptimos de dimensionamento e funcionamento hidráulicos adequados às espécies que habitam os rios portugueses, assim como a criação de um modelo optimizado de passagens, adequado às condições existentes no nosso país. 3
4 2 OBJECTIVOS Este trabalho teve como objectivo, estudar o comportamento do barbo Ibérico (Barbus bocagei) em resposta a diferentes condições hidráulicas, num protótipo experimental de uma passagem para peixes por bacias sucessivas. Pretendeu-se deste modo melhorar e aperfeiçoar o conhecimento até agora existente sobre o comportamento de uma das espécies ciprinícolas mais comuns nos cursos de água portugueses, face ao tipo de dispositivo de transposição dominante no nosso país. 3 MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Unidade de demonstração Os ensaios foram realizados num protótipo experimental de uma passagem para peixes por bacias sucessivas à escala real, instalada no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) no pavilhão de ensaios do Núcleo de Recursos Hídricos. Esta estrutura é constituída por um canal metálico (1m x 1m x 1,2m), dotado de paredes laterais de vidro acrílico, um tanque a montante e um a jusante com 4m 2 e 12m 2 de área respectivamente (Figura 1) A secção longitudinal do canal estava dividida em 6 bacias através de septos metálicos, dotados de um descarregador de superfície (,3m x,2m e,3m x,3m) e um orifício de fundo (,2m x,2m). O alinhamento dos septos foi estabelecido de modo a permitir uma configuração em zig-zag entre dois tipos descarregadores consecutivos. O canal foi posicionado com um declive de 8,7%. Esta configuração associada aos caudais a utilizar permitiu um desnível entre bacias de 16 cm assegurando igualmente uma energia dissipada nunca superior a Wm 3. As paredes laterais de vidro acrílico do canal juntamente com a janela de observação existente no tanque de jusante têm como finalidade permitir uma boa observação do comportamento dos peixes ao longo de toda a extensão do canal e na zona de atracção do tanque de jusante. Estas observações foram complementadas por gravação de vídeo, tendo sido utilizadas duas câmaras de vídeo (modelo Panasonic, AG-672A), uma direccionada para o orifício de fundo do 1º septo (jusante) e a segunda posicionada para o descarregador de superfície do 2º septo. Figura 1 Protótipo experimental da passagem para peixes por bacias sucessivas 3.2 Ensaios experimentais Os espécimes foram capturados no rio Sorraia (SE de Portugal) através de pesca eléctrica (aparelho Sarel, WFC_HV 4-6V e 3-5A) entre os dias 26 e 28 de Abril de 25. Os exemplares capturados (n=45) foram posteriormente divididos em três grupos com 15 indivíduos (A, B e C) e colocados em 3 tanques onde permaneceram previamente durante 3 dias para aclimatação às novas condições. Durante o período em que decorreram os ensaios, os 4
5 espécimes/indivíduos foram mantidos em condições de arejamento e de ensombramento (rede de ensombramento) e alimentados com asticot (larva de díptero) tendo sido periodicamente medidos e pesados. As dimensões médias dos peixes de cada grupo eram semelhantes (A.- 18,65 cm, 65,7g; B 22,6 cm, 88,47g; C- 19,69 cm, 72,33g). Cada grupo foi submetido a um conjunto de ensaios caracterizados por 4 diferentes condições hidráulicas, combinações entre duas dimensões dos descarregadores de superfície (,3x,2m e,3x,3m) e dois regimes de caudal (Q1- situação de não afogamento, Q2 - situação de afogamento parcial 5%). Para todos os ensaios as dimensões dos orifícios de fundo foram constantes (,2x,2m). No total foram realizados 12 ensaios (Quadro 1) Quadro 1 Caracterização dos ensaios realizados: código do ensaio, grupo ensaiado, caudal (Q), largura do descarregador de superfície (b) data, temperatura média da água (Tágua), temperatura atmosférica (Tatm) e padrão de escoamento Cód. Padrão de Grupo Q (l/s) b (cm) Data ensaio Tágua (ºC) Tatm (ºC) escoamento 1 B 7,25 2 M Não afogado 2 C 7,9 2 T ,55 Não afogado 3 A 7,63 2 M ,33 Não afogado 4 B 93, 2 T ,77 Semi-afogado 5 C 9,3 2 M ,6 5% Afogamento 6 A 9,38 2 T ,9 5% Afogamento 7 B 98,2 3 M ,9 Semi-afogado 8 C 83, 3 T ,21 Semi-afogado 9 A 83,18 3 M ,91 Semi-afogado 1 B 15,5 3 T ,27 5% Afogamento 11 C 18,35 3 M ,18 5% Afogamento 12 A 18,33 3 T ,83 5% Afogamento [1] (M) manhã e (T) tarde Os ensaios decorreram entre os dias 28 de Abril e 4 de Maio de 25 e foram realizados em diferentes períodos do dia, manhã (9: - 14:) e fim da tarde (16: 21:), tendo cada um a duração de 5 horas. Durante cada ensaio foram registados todos os movimentos de passagem (para montante e jusante) tendo sido igualmente anotada a hora e minuto a que estes ocorreram bem como o local de passagem seleccionado (descarregador de superfície ou orifício de fundo). A cada 15 minutos decorridos foi efectuada a contagem do número de indivíduos em cada bacia. Paralelamente, foi monitorizada a qualidade da água através da utilização de um sistema multiparamétrico modelo QUANTA da marca HIDROLAB. As leituras dos parâmetros físico-químicos da água (ph, conductividade eléctrica, oxigénio dissolvido e temperatura da água) e da temperatura atmosférica foram efectuados de 3 em 3 minutos. 5
6 4 RESULTADOS 4.1 Padrões de utilização do canal A capacidade dos peixes para atravessarem o canal foi diferente entre os vários ensaios, variando com as alterações dos parâmetros hidráulicos (Quadro 2), no entanto foi observada a ocorrência de alguns padrões comportamentais. Quadro 2 Quadro resumo do número de passagens totais, pelo descarregador de superfície (d.s) e pelo orifício de fundo (o.f). b (cm) Padrão de Nº de passagens no Nº de passagens Nº de passagens escoamento total no d.s no o.f Afogado Não afogado =1814 =367 =1447 Afogado Não afogado =2525 =672 =1853 Os resultados evidenciam uma nítida diferença nos números de passagens observados para as duas situações de aberturas de descarregador de superfície. O maior número de passagens ocorreu nos ensaios caracterizados por uma abertura de descarregador de superfície de 3cm onde os níveis de afogamento estavam presentes. No entanto esta diferença não se revelou estatisticamente significativa (teste de Mann-Whitney, Z=-1,21; P <,5). Foi observada uma maior intensidade de deslocações dos peixes durante a tarde (16:-21:h). Contudo essa situação não se reflectiu de forma significativa no número de passagens observadas entre os dois períodos do dia. O número máximo de passagens foi alcançado durante o ensaio onde foi registado o maior valor médio da temperatura atmosférica (26,55 ºC), no entanto não foi encontrada nenhuma relação entre o número de passagens e esta variável ambiental (correlação de Spearman, r= -.6;P <,5). Foi registado um elevado número de subidas principalmente nos ensaios realizados com aberturas de descarregador de 3cm em condições de não afogamento. No entanto para a mesma condição o número de passagens para jusante foi muito elevado, o que à partida pode ter reflectido um insucesso considerável nas tentativas de deslocação para montante. Por conseguinte para a mesma abertura de descarregador de superfície mas em situações de semi-afogamento, o número de descidas não foi tão elevado tendo reflectido provavelmente um maior sucesso na deslocação para montante (Figura 2). Observou-se que os movimentos para jusante resultaram do arrastamento dos peixes pela corrente devido às condições de cansaço que atingiam ao tentarem resistir à corrente e velocidade existentes nas bacias. Esta situação era facilmente documentada ao fim de aproximadamente duas horas e meia. O elevado numero de tentativas de subidas e descidas em condições de não afogamento poderão ser consequência do fenómeno referido. 6
7 15 15 n subidas 5 n descidas tempo (min) b=2; n afog b=2;afog b=3;n afog b=3;afog tempo (min) b=2; n afog b=2;afog b=3;n afog b=3;afog (a) (b) Figura 2 Número de passagens para montante(a) e para jusante (b) em função do tempo e do caudal 4.2 Comparação entre a selecção dos dois locais de passagem Os resultados evidenciaram uma nítida preferência pela utilização dos orifícios de fundo em detrimento do descarregador de superfície em condições de não afogamento (teste de Mann-Whitney, Z=-3,52; P <,5) (Figura 3). No entanto esta diferença não foi muito acentuada para as situações de semi-afogamento, demonstrando que para esta situação a capacidade dos peixes para utilizarem o descarregador de superfície foi maior. Este resultado evidencia uma maior dificuldade para os peixes em utilizarem o descarregador de superfície como local de passagem em situações de não afogamento, pois a energia requerida para esse efeito pode ser consideravelmente superior. n de passagens ensaios descarregador de superficie orificio de fundo Figura 3 Número de passagens (n) ocorridas nos 12ensaios no descarregador de superfície (d.s) e no orifício de fundo (o.f) A selecção do local de passagem foi diferente entre ensaios e nos próprios ensaios. O número de passagens pelo orifício de fundo atingiu o valor máximo condições de não afogamento e abertura de descarregador de superfície de 3cm (Figura 4a). Este resultado reflecte a diminuta utilização do descarregador de superfície em situações de não afogamento e consequente acréscimo de passagens pelo orifício de fundo. Ao longo de cada ensaio a intensidade de utilização do orifício de fundo foi diferente tendo sido sempre, com maior ou menor intensidade, uma alternativa em todos os ensaios. 7
8 O número de passagens através dos descarregadores de superfície foi superior nos ensaios onde a abertura do mesmo foi de 3cm e em situações de semi-afogamento. (Figura 4b) nº de passagem por o.f ensaios o.f1 of2 of3 of4 o.f5 (a) nº depassagens por d.s ensaios d.s1 d.s2 d.s3 d.s4 d.s5 (b) Figura 4 Distribuição do número de passagens realizadas pelos 5 orificios (a) e 5 descarregadores de superfície (b), em cada um dos ensaios 4.3 Tempos de entrada Os tempos de entrada na 1ª bacia variaram entre ensaios, sendo semelhantes nos ensaios que se realizaram sob as mesmas condições hidráulicas. No entanto os primeiros peixes a entrarem no canal utilizaram sempre o orifício de fundo, existindo diferenças significativas entre o tempo mínimo de entrada por este local quando comparado com o descarregador de superfície (teste de Mann-Whitney, Z=3,46; P <,5) (Figuras 5). 8
9 Tempo (min) ensaios Q (l/s) Tempo (min) ensaios Q (l/s) (a) (b) Figura 5 Tempo mínimo requerido para a entrada na primeira bacia pelo orifício de fundo (a) e pelo descarregador de superfície (b), para cada um dos ensaios, e variação do caudal (Q). O tempo mínimo de entrada pelo orifício de fundo variou entre os e 35 minutos, enquanto que o tempo mínimo para a primeira passagem pelo descarregador de superfície variou entre 25 e 185 minutos. Os tempos observados para o orifício de fundo foram menores para as situações de não afogamento e uma abertura de descarregador de superfície de 2cm. No entanto não foi encontrada nenhuma relação entre estes tempos e o caudal (correlação de Spearman, r=,17; P <,5), ou entre os mesmos e a abertura do descarregador de superfície (correlação de Spearman, r=-,3; P <,5). Os tempos de entrada pelo descarregador de superfície foram mais homogéneos entre os vários ensaios, no entanto para situações de semi-afogamento os tempos requeridos foram menores. Em relação a este tipo de local de transposição, verificou-se a existência de uma relação entre os tempos de entrada e o caudal (correlação de Spearman, r=-,6; P <,5) corroborando as ideias concebidas por alguns autores onde em situações de semi-afogamento os peixes apresentam uma maior facilidade em transporem o descarregador de superfície devido ao decréscimo de energia requerida para este processo. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A configuração hidráulica do protótipo experimental simulou as condições existentes mais frequentes nas passagens para peixes tradicionais. Esta configuração demonstrou ser relativamente eficiente para a passagem de espécimes de barbos com dimensões compreendidas entre os 1 e 3cm. No entanto estas condições poderiam ser mais eficientes para exemplares de maiores dimensões, pois em algumas situações os espécimes apresentaram grandes dificuldades para enfrentar as velocidades existentes. A maior eficácia de passagem obtida para uma maior abertura de descarregador de superfície e para situações de semi-afogamento evidencia a fraca capacidade de salto dos barbos, que ao realizarem os seus movimentos para montante nestas condições, conseguem minimizar a energia dispendida neste processo. A preferência de utilização dos orifícios de fundo em detrimento dos descarregadores de superfície, apresenta-se como uma outra estratégia adoptada pelos mesmos para alcançar a mesma finalidade. O aumento do número de passagens pelo descarregador de superfície nas situações de semi-afogamento está deste modo relacionado com o decréscimo energético requerido para a passagem pelo mesmo. 9
10 A optimização energética dos peixes aquando das suas movimentações para montante, parece direcciona-los a utilizarem o orifício de fundo para entrar no canal, reflectindo-se através da diferença entre o período de tempo decorrido para entrar no canal pelo orifício de fundo ou pelo descarregador de superfície. O estímulo ao processo migratório encontra-se reflectido nos resultados obtidos, onde dois dos principais estímulos externos (caudal e temperatura da água) revelaram ter alguma influência na movimentação dos peixes para montante. Com efeito, a intensificação observada das deslocações durante a tarde reflecte este facto, pois a elevação de temperatura atmosférica e consequentemente da temperatura da água parecem ter incentivado a ocorrência desses movimentos. Os resultados obtidos evidenciaram que os dimensionamentos e configuração da passagem, parecem ser adequados para esta espécie migradora. A utilização de protótipos experimentais (sistemas de pequena escala) pode assim desempenhar um importante papel como opção para o desenvolvimento de critérios de dimensionamento para PPP e para a identificação de hipóteses e soluções a implantar em situações reais. O desenvolvimento de estudos relacionados com o dimensionamento de PPP, é por conseguinte extremamente importante pois permite compreender o comportamento dos peixes face aos vários fenómenos hidráulicos com que podem ser confrontados, em situação real. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BORGHETTI J.R.; NOGUEIRA, V.G.; BORGHETTI, N.B.; CANZI, C. - The fish ladder at Itaipu binominal hydroelectric complex on the Paraná River. Regul. Rivers, 9, 1994, CLAY, C.H. - Design of Fishways and Other Fish Facilities, 2 nd edn. Lewis Publishers, Boca Raton, 1995, Florida. FAO/DVWK - Fish Passes Design, Dimensions and monitoring. FAO, Rome, 22. GUINY, E.; ARMSTRONG, J.D.; ERVINE, D.A. Preferences of mature male brown trout and Atlantic salmon parr for orifice and weir fish pass entrances matched for peak velocities and turbulence. Ecol. Freshw. Fish, 12, 23, HIROSE, T., NAKAMURA, N. -. Design of fishway. Sankaido, Tokyo, 1991, 376 JENSEN, A.J.; AASS, P.- Migration of a fast-growing population of brown trout (Salmo trutta L.) through a fish ladder in relation to water flow and water temperature. Regul. Rivers, 1, 1995, KIM, J.H. - Analysis of hydraulics characteristics and upstream migration of fish by the shape of fishway septum: Proc Conf. Kor. Soc. Civil. Eng. KSCE 2, 1994, KIM, J.H., KIM, C.- Study on hydraulic characteristics for upstream migration of fish in pool-weir fishway. J. KAHS 27, 2, 1994, LARINIER, M. -. Upstream and downstream fish passage experience in France. In Fish Migration and Fish Bypasses. Eds: M.Jungwirth; S. Schumtz; S. Weiss, Vienna (Austria), 1998,
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