Ictiofauna da Estação Ecológica do Tapacurá

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1 Ictiofauna da Estação Ecológica do Tapacurá Ana Carla Asfora El-Deir 1, Karina Maria de Souza Silva 2, Carolina Alves Collier 3, Miguel Santana de Almeida Neto 4, Heiko Brunken 5, William Severi 6 1 Professora Adjunta da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Biologia, Área de Zoologia, Laboratório de Ecologia de Peixes (anacarlaeldeir@gmail.com) 2 Bióloga do Laboratório de Ecologia de Peixes, Departamento de Biologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco (karinnahanna24@gmail.com) 3 Discente do Programa de Pós-graduação em Ecologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco (carol.collier@hotmail.com) 4 Discente do Programa de Pós-graduação em Ecologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco (almeidaneto.ms@hotmail.com) 5 Professor da Hochschule Bremen - University of Applied Sciences (heiko.brunken@hs-bremen.de) 6 Professor Associado da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Pesca e Aquicultura, Laboratório de Ictiologia (wseveri@gmail.com) RESUMO Neste capítulo, é apresentada uma lista de espécies de peixes capturadas na Estação Ecológica do Tapacurá (EET), em São Lourenço da Mata, no estado de Pernambuco (nordeste do Brasil). Foram coletadas amostras de peixes em três áreas dentro da EET (áreas central e de borda do lago Tapacurá, e em córrego do rio Tapacurá) que servirão de base para um conhecimento das espécies ocorrentes nesta região para auxiliar em sua conservação e a elaboração de um plano de manejo. Foram registradas 15 espécies, distribuídas em 10 famílias: Cichlidae (4), Characidae (3), Callichthyidae (1), Curimatidae (1) Erythrinidae (1), Gymnotidae (1), Osphronemidae (1). Poeciliidae (1), Sciaenidae (1) e Synbranchidae (1). Foi verificada a presença de indivíduos jovens e adultos nestas populações, o que indica que algumas espécies podem estar utilizando estes locais como parte do seu ciclo de vida nestes locais. Neste sentido, consideram-se estes ambientes de grande importância para a conservação e manejo da ictiofauna. Palavras chave: Peixes, Conservação, Manejo INTRODUÇÃO A região neotropical abriga a mais diversificada ictiofauna de água doce do mundo (REIS et al., 2003). Vários autores relataram a escassez de estudos taxonômicos dos peixes dessa região (ROSA et al., 2003; ROSA e GROTH, 2004; MENEZES et al.,

2 2007), em particular da região nordeste do Brasil, destacando que a composição não está bem definida devido a questionamentos quanto ao status taxonômico de muitas espécies. Entre os vários biomas existentes nesta região destaca-se a Mata Atlântica, considerado como um dos que possui maior biodiversidade no mundo, apresentando alta incidência de endemismo além de grande número de espécies de animais. Sobre a fauna de peixes, este ecossistema possui uma elevada riqueza que está intimamente associada à floresta que lhe proporciona proteção e alimento. Também se destaca que o número de espécies de peixes endêmicas corresponde a 38%, demonstrando alto grau de endemismo, resultante do processo de evolução das espécies nesta área isolada das demais bacias hidrográficas brasileiras (WILSON, 1997; MMA, 2000). O estado de Pernambuco possui 70 unidades de conservação que objetivam assegurar a preservação e proteção da biodiversidade. Porém, considera-se que estas não são suficientes para manutenção dos processos ecológicos (UCHÔA NETO e SILVA, 2002). Pouco se conhece da flora e fauna destas áreas, o que dificulta o desenvolvimento de medidas para preservação da sua biota. Entre estas unidades de conservação, inclui-se a Estação Ecológica de Tapacurá (EET), localizada no município de São Lourenço da Mata, no leste do estado de Pernambuco, tendo sido instituída em 1987 (AZEVEDO Jr., 1990). A EET destaca-se pela presença do Lago Tapacurá, originado do represamento do rio Tapacurá, um afluente do rio Capibaribe (COÊLHO, 1979). Nenhum levantamento da ictiofauna foi realizado neste lago até o presente momento. Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi inventariar a ictiofauna da Estação Ecológica de Tapacurá, a fim de subsidiar futuros planos de conservação e manejo. METODOLOGIA A Estação Ecológica de Tapacurá (EET) está localizada no município de São Lourenço da Mata (8º03 S e 35 10'W), na região metropolitana de Recife-Pernambuco. A EET é um remanescente de Mata Atlântica composto por três fragmentos: Mata do Toró, Mata do Alto da Buchada e Mata do Camucim (COELHO, 1979). Estes fragmentos encontram-se no entorno do Lago Tapacurá, resultante do barramento do rio Tapacurá, construído em 1973 (AZEVEDO Jr. et al., 1990).

3 O lago Tapacurá abastece a Região Metropolitana do Recife, sendo um de seus maiores contribuintes de água. Esse reservatório vem sofrendo intensa ação antrópica, especialmente pelo despejo de poluentes líquidos urbanos, apresentando características eutróficas (CPRH, 2004). As coletas de peixes foram efetuadas em três pontos na Estação Ecológica de Tapacurá: áreas central e de borda do lago Tapacurá, e em córrego do rio Tapacurá sendo as duas primeiras em ambientes denominados lênticos permanentes e a última em ambiente lótico permanente. Para a captura dos indivíduos, foram utilizados como apetrechos de pesca: puçá, rede de arrasto (5 mm de malha entre nós adjacentes) e redes de espera (malhas de 30 e 35 mm entre nós adjacentes) sendo este as redes de espera, aplicadas apenas na área central do lago Tapacurá. Os espécimes foram coletados no período de setembro de 2010 a janeiro de 2011, foram fixados em solução de formol a 4%, separados por amostra e acondicionados em bombonas plásticas para seu transporte ao Laboratório de Ecologia de Peixes da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Em laboratório, foram contabilizados o número de raios e espinhos das nadadeiras, de escamas da linha lateral, de dentes e de rastros branquiais, que auxiliaram na identificação taxonômica. A identificação baseou-se em Ihering (1931), Gery (1977), Kullander (1983), Britski et al. (1988), Pavanelli (1999), Reis et al. (2003) e Kullander e Ferreira (2006). O comprimento padrão (CP) dos indivíduos foi mensurado para diferenciar jovens e adultos, baseando-se no comprimento de primeira maturação (L50) das espécies registrado na literatura (VAZZOLER, 1996). RESULTADOS E DISCUSSÃO Durante o período de estudo foram coletados 1229 indivíduos pertencentes a 6 ordens, 10 famílias e 15 espécies incluindo os táxons Cichla spp. e Poecilia spp. (apêndice). Perciformes e Characiformes foram as ordens mais representativas, com 6 e 5 espécies, respectivamente, seguidas de Gymnotiformes, Cyprinodontiformes, Siluriformes e Synbranchiformes, que apresentaram apenas uma espécie cada uma. A seguir é apresentada uma listagem dos táxons capturados na Estação Ecológica de Tapacurá, atualizada segundo Reis et al. (2003) e Buckup et al. (2007). Classe Actinopterygii Superordem Ostariophysi

4 Ordem Characiformes Família Curimatidae Steindachnerina elegans (Steindachner, 1874) Família Characidae Incertae sedis em Characidae Astyanax lacustris (Lütken, 1875) Astyanax fasciatus (Cuvier, 1819) Astyanax spp. Subfamília Cheirodontinae Serrapinnus piaba (Lütken, 1875) Família Erythrinidae Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) Ordem Siluriformes Família Callichthyidae Callichthys callichthys (Linnaeus, 1758) Ordem Gymnotiformes Família Gymnotidae Gymnotus carapo Linnaeus, 1758 Superordem Atherinomorpha Ordem Cyprinodontiformes Família Poeciliidae Poecilia spp. Ordem Synbranchiformes Família Synbranchidae Synbranchus marmoratus Bloch, 1795 Superordem Percomorpha Ordem Perciformes Família Sciaenidae Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840) Família Cichlidae Cichla spp. Cichlasoma cf. orientale Kullander, 1983 Crenicichla lepidota Heckel, 1840 Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824)

5 Família Osphronemidae Betta splendens Regan, 1910 A alta representatividade da ordem Characiformes corrobora com outros levantamentos que incluem o estado de Pernambuco (BARBOSA e SOARES, 2009; ROSA e GROTH, 2004; LUZ et al., 2009; SILVA FILHO et al., no prelo), sendo esta ordem considerada por Lowe-McConell (1999) como a mais rica e mais abundante em diversos ambientes da região neotropical. Characidae foi a família responsável pela maior riqueza encontrada, apontada como a maior e mais complexa dentre os Characiformes, apresentando uma grande variedade de hábitos alimentares e habitats explorados (BRITSKI et al., 1988). De acordo com Dala-Corte et al. (2009), a ordem Perciformes também constitui uma das mais representativas nos rios, especialmente em açudes. A maior representatividade encontrada no presente estudo deve-se principalmente aos Cichlidae (4 espécies). A grande ocorrência desta família pode estar relacionada ao investimento no cuidado com a prole, apontado como o maior dentre as famílias de teleósteos (KEENLEYSIDE, 1991). Além disso, outras características apresentadas por essa família, como comportamento agressivo e tamanho reduzido, também são estratégias que auxiliam numa maior sobrevivência (LODGE, 1993; HOLWAY e SUAREZ, 1999; RUENSINK, 2005). Destaca-se que, entre as 15 espécies capturadas, duas são introduzidas: o tucunaré (Cichla spp.) e a pescada do Piauí (Plagioscion squamosissimus), ambas originárias da bacia amazônica. No reservatório de Duas Unas, em Pernambuco, Silva Filho et al. (no prelo) também verificaram a ocorrência destas espécies alóctones. Segundo Willadino et al. (1999), a maioria das espécies ocorrentes em açudes pernambucanos são oriundas de outras bacias brasileiras, como o tucunaré e a pescada. A exemplo de outras bacias hidrográficas brasileiras, a ocorrência de espécies introduzidas é devida aos programas de peixamento e ao escape de tanques de piscicultura (SATO e SAMPAIO, 2005; AGOSTINHO et al., 2007). Atividades de aquariofilia também têm contribuído para a disseminação de espécies exóticas, tendo possivelmente sido responsável pela introdução do beta no Lago Tapacurá. Quanto ao tamanho dos espécimes capturados, foram registrados representantes de pequeno, médio e grande porte, segundo classificação de Vieira et al. (2005) com predominância de espécies de pequeno porte (Tabela 1). Neste grupo, estão incluídas as

6 espécies com comprimento padrão menor do que 15 cm, como as piabas, beta e o curimatá. Em geral, as espécies que possuem pequeno porte são forrageiras e compõem a base da cadeia trófica, servindo de alimento para peixes piscívoros. As espécies de médio (15 a 25 cm) e grande (>25 cm) porte incluem espécies piscívoras do topo da cadeia trófica, como o tucunaré, a traíra e a pescada (LUZ et al., 2009), que atuam no controle das populações forrageiras, algumas das quais explotadas. Tabela 1. Lista dos táxons coletados na Estação Ecológica de Tapacurá com seus nomes comuns, amplitude de comprimento padrão (CP) e porte: pequeno (P), médio (M) ou grande (G). Nome comum Amplitude CP Porte Taxa (mm) Astyanax fasciatus Piaba-do-rabo-vermelho P Astyanax lacustris Piaba-do-rabo-amarelo P Astyanax spp. Piaba P Betta splendens Beta P Callichthys callichthys Cascudo M Cichla spp. Tucunaré G Cichlasoma cf. orientale Cará 134 P Crenicichla lepidota Jacundá M Geophagus brasiliensis Beré G Gymnotus carapo Sarapó 295 G Hoplias malabaricus Traíra G Plagioscion squamosissimus Pescada G Poecilia spp. Guaru P Serrapinnus piaba Piaba P Steindachnerina elegans Curimatá P Synbranchus marmoratus Muçum G No presente estudo, foram utilizadas foram utilizadas redes de espera apenas com as malhas de 30 e 35 mm, o que possibilitou a captura de espécies de médio e grande porte, como Cichla spp., Geophagus brasiliensis, Gymnotus carapo, Hoplias malabaricus, Plagioscion squamosissimus e Synbranchus marmoratus. A rede de espera constitui um apetrecho mais seletivo quanto ao tamanho dos peixes capturados, ou seja,

7 uma malha de determinada abertura tende a capturar peixes dentro de uma amplitude de comprimento limitada (ALVES, 2007). A utilização de outros apetrechos, como rede de arrasto e puçá, possibilitou a captura de indivíduos com menor porte. A avaliação do comprimento padrão das espécies, associada ao L50 encontrado na literatura, permitiu identificar a presença de populações compostas por indivíduos jovens e adultos, o que indica que as mesmas podem estar realizando seu ciclo de vida no local. Indivíduos jovens das piabas Astyanax fasciatus e A. lacustris foram capturadas nos ambientes lênticos na borda do lago de Tapacurá e no córrego do rio Tapacurá. O jacundá (Crenicichla lepidota) e o cascudo (Callichthys callichthys) foram representados por indivíduos jovens e adultos, capturados nos ambientes lêntico na borda do lago e lótico no córrego. Deve-se ressaltar que C. callichthys foi a única espécie que foi capturada apenas na área lótica. Geophagus brasiliensis, Gymnotus carapo, Hoplias malabaricus e Plagioscion squamosissimus foram representados apenas por espécimes adultos. Alguns representantes de famílias encontradas na EET, como a piaba Astyanax fasciatus (Characidae), estão entre as espécies utilizadas como bioindicadoras ambientais. Schulz e Martins Jr, (2001) recomendam a utilização de Astyanax fasciatus para estudos de biomonitoramento, pois com a poluição da água em determinado ecossistema, observa-se uma diminuição significativa dos parâmetros reprodutivos da espécie, tais como relação gonadosomática e diâmetro médio de ovócitos. Estas espécies bioindicadoras são de suma importância nos estudos de ambientes inseridos em Unidades de Conservação, pois propiciam um excelente cenário do ecossistema estudado inclusive porque são espécies da base da teia alimentar. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES A Ictiofauna inventariada no presente trabalho teve um caráter preliminar, sendo necessários levantamentos adicionais mais intensos explorando os diferentes biótopos, da Estação Ecológica de Tapacurá em diferentes momentos do ano. Junto aos estudos de levantamento da ictiofauna, que auxiliam na avaliação do estado de conservação das espécies, recomendam-se pesquisas sobre a ecologia das espécies mais relevantes na EET quais fornecerão o embasamento necessário para verificar os possíveis impactos ocorridos neste ecossistema aquático tão importante e tão pouco estudado.

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11 APÊNDICE Ictiofauna registrada na Estação Ecológica do Tapacurá: Astyanax fasciatus (Cuvier, 1819) (A); Astyanax lacustris (Linnaeus, 1758) (B); Serrapinnus piaba (Lütken, 1875) (C); Steindachnerina elegans (Steindachner, 1874) (D); Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) (E); Poecilia spp. (F); Gymnotus carapo (Linneaus, 1758) (G); Cichla spp. (H); Cichlasoma sanctifranciscense Kullander, 1983 (I); Crenicichla lepidota Heckel, 1840 (J); Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) (K); Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840) (L); Callichthys callichthys (Hancock, 1828) (M); Synbranchus marmoratus Bloch, 1795 (N); Betta splendens (Regan, 1910) (O).