Panorama Crítico #05 Abr/Mai 2010
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- Nelson Cruz Fialho
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1 Internacionalização dos 60 e dos 90: A Bienal Americana de Córdoba como contraponto à Bienal do Mercosul de Porto Alegre 1 Rodrigo Montero 2 Resumo Na década de 1960, Industrias Kaiser Argentina realiza na cidade de Córdoba, Argentina, três edições da Bienal Americana de Arte, com o objetivo de promover a Internacionalização da arte latinoamericana. Suas estratégias são a participação de críticos renomeados no campo internacional e um ambicioso projeto de itinerância. Estas propostas e estratégias servem de contraponto à autoproclamação da Bienal do Mercosul como maior evento de arte latino-americana no mundo. Palavras Chave: Arte latino-americana, Bienal Americana de Arte, Internacionalização, Bienal do Mercosul. Porto Alegre, RS O presente artigo foi desenvolvido na disciplina de Introdução à Museografia, ministrada pela Prof. Doutora Ana Maria Albani de Carvalho, no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no segundo semestre de Aluno de Graduação em História, Teoria e Crítica da Arte pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 Em meados da década passada, um grupo de influentes empresários gaúchos, com importantes contatos no poder público estadual e, em algum caso, nacional, se colocou em campanha para a realização, na capital do estado, de um evento que se tornasse o pólo difusor da arte latino-americana para o mundo (WULFF FETTER, 2008, p.20), visando abrir canais de legitimação dessa produção artística encarada como periférica em relação ao eixo EUA-Europa (Id). Hoje, a 14 anos da criação do Conselho da Fundação Bienal do Mercosul, recém finalizada a sétima edição da Bienal do Mercosul, a Fundação não tem reparos em declarar ter se consolidado no maior evento de arte latina americana no mundo. Com esta postura, a Bienal do Mercosul, acaba por tomar para si, quase que um lugar fundacional na região como patrona da arte latino-americana, fadada à consagração no campo internacional, e, desde esta posição, acaba desmerecendo, ou mesmo desconhecendo, instancias e empreendimentos que, décadas antes, também almejaram a ascensão da arte da região para o campo internacional. O desconhecimento destas iniciativas anteriores, ocorridas fora do território brasileiro, nos permite questionar o verdadeiro alcance das comunicações inter-periféricas que o evento propõe. Contudo, este desconhecimento afeta também parte importante do campo intelectual gaúcho, o que acaba limitando, também, qualquer tipo de contraposição ao modelo e às estratégias levadas adiante pela Fundação Bienal do Mercosul. Neste sentido, a intenção deste trabalho é poder apresentar o conjunto de eventos realizados na cidade de Córdoba na década de 1960, conhecidos como as Bienais Americanas de Arte, financiados e executados desde os escritórios argentinos e estadunidenses da extinta corporação Kaiser e, a partir desta, propor uma série de questionamentos a respeito do modelo e estratégias que conformam o programa da Bienal do Mercosul. Historicamente, a cidade de Buenos Aires ocupa uma excessiva centralidade em relação ao resto da Argentina. Esta centralidade manifesta-se, tanto em proporções demográficas quanto numa hegemonia econômica e cultural por sobre as demais cidades e províncias. Por tais motivos, ainda que outras cidades, em especial as situadas geograficamente na franja central do
3 país, se desenvolvessem como pólos econômicos e industriais, sempre manteriam uma posição periférica em relação à capital do país. Sendo assim, a cidade de Córdoba, embora tradicionalmente tivesse um papel importante no contexto político nacional, de que fosse a sede de uma das mais importantes universidades nacionais e que a província, como um todo, estivesse se conformando como um importante pólo industrial, no que se refere às artes visuais, até a década de 1960, nunca tinha sido marco de qualquer movimento de vanguarda ou iniciativa cultural, como sim o era Buenos Aires, ou até mesmo Rosário. É graças ao crescimento e à iniciativa de uma das suas indústrias que, entre 1962 e 1966, a cidade será palco das três edições da Bienal Americana de Artes. Assim, à presença que no país a cidade ocupava política e economicamente somava-se, agora, a intenção de tornar-se, também, um novo pólo cultural. Estabelecidas na cidade de Córdoba desde meados da década de 1950, as Indústrias Kaiser Argentina (IKA) seguiam o espírito do seu fundador, Henry Kaiser, a favor da contribuição da empresa para a melhoria e desenvolvimento das cidades onde esta se instalasse. Este espírito desenvolvimentista motivara a realização em Córdoba de uma série de projetos comunitários como a construção de vivendas populares, escolas, etc. Mas também, somara-se a estes a promoção de um plano cultural que começaria com salões regionais de arte e culminaria nas três edições das Bienais Americanas de Arte na década de Diferente dos exemplos de programas similares na Argentina e mesmo no Brasil, a iniciativa da Bienal Americana não parte de uma burguesia industrial de espírito modernizante local, mas estadunidense. Desde Oakland, Edgar F. Kaiser, presidente da companhia nos EUA, por meio da sua assistente administrativa Hal Babbitt, coordenaria junto com o presidente da empresa na Argentina, James McCloud, a realização do evento e as posteriores ações de promoção dentro dos Estados Unidos. O contexto político e cultural era propício para este tipo de empreitadas. Os Estados Unidos consolidavam na Europa seus movimentos plásticos, estendendo sua hegemonia econômica e militar para o plano simbólico e cultural. Para muitos, esta transferência de poder significava a oportunidade de
4 consolidar também novos centros internacionais, como Buenos Aires ou São Paulo, e se entregaram a programas e iniciativas para a internacionalização da arte nacional ou regional. De fato, a proclama por um futuro com presença no cenário mundial não era só uma miragem das burguesias modernizantes nacionais. Como explica Andrea Giunta (GIUNTA, 2008), o momento político do fim da década de 50 também contribuiu para que, desde o norte, baixassem mensagens que alimentaram as expectativas de êxito mais do que nunca. Os temores norte-americanos de que o resto da região sucumbisse à ameaça comunista obrigaram o país a colocar suas relações com o resto do continente como prioridade na sua agenda internacional que, no campo simbólico e cultural, estariam marcadas por um súbito interesse pelo intercambio cultural e a promoção da aproximação entre instituições culturais dos EUA e a América Latina O programa da Bienal Americana, definido por Giunta como de caráter Internacionalista interamericanista (Id, p. 204), ambicionava, principalmente, promover uma comunicação para fora, e sonhava integrar num só evento, em pé de igualdade, todas as manifestações artísticas do continente, incluídas as dos Estados Unidos. Como explica a autora, a diferença do que acontecia em São Paulo com as Bienais e em Buenos Aires com o Instituto Torcuato DiTella (ITDT), o empreendimento não buscava ser um espaço para a atualização do campo artístico nacional, nem de atualização nem de confrontação da arte aqui realizada com as vanguardas européias e/ou norte-americanas. De espírito integracionista, a Bienal Americana de Artes, trinta anos antes da criação do Conselho da Fundação Bienal do Mercosul, tinha por objetivo tornar-se um espaço de legitimação e um ponto de partida para a promoção de arte da América Latina no campo internacional. Ao longo prazo, sua meta era abranger, gradualmente, toda a arte produzida no continente americano, iniciando com a exibição de arte produzida na Argentina e seus países limítrofes para passar a compreender a produção de toda América do Sul, primeiro, e continuar crescendo até poder apresentar-se como uma Bienal que condensara toda a arte produzida deste a Terra do Fogo até o Canadá. Na sua organização, a Bienal Americana de Arte seguiria modelo da Bienal de Veneza, com representações nacionais e a confecção de prêmios.
5 Não seria um espaço de vanguarda nem de promoção de novos artistas, como o era seu rival direto, o ITDT, senão que, pelo contrário, buscaria ser um espaço de institucionalização internacional de uma arte já consolidada dentro das fronteiras nacionais e regionais. Porém, a genealogia da empresa implicaria um viés ideológico em sintonia com os modelos integracionistas e ideológicos articulados desde os EUA e desde a OEA, cujo chefe da Divisão de Artes Visuais, José Gomes Sicre teria um importante papel na assessoria da bienal, assim como seria parte do júri da primeira e da segunda edição. Tanto para Sicre quanto para o resto dos organizadores, a Bienal Americana devia contribuir para a união do continente americano para fechar as fileiras perante a ameaça comunista (Id, p. 201). O crescimento e o poder econômico de IKA podiam sustentar a realização de um evento de grande magnitude, que não só estaria limitado às exibições em Córdoba, senão que a estratégia de internacionalização também incluía a circulação de seleções de obras por diferentes cidades dos Estados Unidos. Contudo, a grandiosidade da iniciativa não garantiria a legitimação internacional de uma arte, nem de uma cidade (e nem um pais) que, no conjunto, ocupavam um lugar periférico e ignorado pelo centro. Se nem o local geográfico legitimava as obras nem as obras legitimavam o evento, a legitimação tão anelada deveria ser fornecida por outros agentes. A estratégia que viria a solucionar o impasse seria a participação de críticos e teóricos renomeados no campo internacional na organização, nos júris e/ou na seleção de obras para as exibições itinerantes. Independente das modificações nas regras de seleção, organização e da estrutura dos júris ao longo das edições, sempre foi central a participação de reconhecidos representantes da Europa e dos Estados Unidos, especialmente na segunda (1964) e na terceira Bienal (1966). Neste sentido, a rede de influencias da empresa permitiria que Umbro Apollonio, diretor da sede permanente da Bienal de Veneza, participasse do júri como representante europeu na edição de 1964, como também permitiria que estivesse a cargo de Robert Wool, presidente da Fundação Interamericana para as Artes, Lawrens Allowey, diretor do Museu Guggenheim, e Paul Mills, diretor do Museu de Arte Moderno de Oakland, a seleção de 32 pinturas que,
6 finalizada a Bienal, circularia em exposições pelos Estados Unidos. Em 1966, Kaiser conseguira levar a Córdoba ao primeiro diretor do MoMA, na época diretor do Museu Judaico de Nova Iorque, Alfred Barr, que presidiria um júri em que também participaria Arnold Bode, o idealizador e executor da Dokumenta de Kassel. A situação política e social da Argentina desde 1966 e a econômica da empresa por esses anos, acabariam por dar um fim à história das Bienais Americanas de Arte de Córdoba após a terceira edição. O empreendimento nunca encontrara no Estado um parceiro que permitisse a sua continuidade. Trinta e um anos depois da última Bienal IKA, outra cidade, periferia na periferia, auto-assume a missão de integrar e promover a arte da América Latina. Internacionalização nos anos 60, globalização no fim do século XX, em ambos os casos a comunicação da periferia para o centro como foco. Se por um lado a primeira missão da Bienal do Mercosul, isto é, a proposta do seu curador Federico Morais, era criar uma nova escrita da Historia da Arte Latino- Americana desde um olhar não eurocêntrico (FIDELIS, 2005, pag. 47), por outro, o próprio curador afirma também a preocupação pela legitimação de nossa arte no plano internacional (Moraes apud id, pag. 50). Apesar de podermos catalogar às Bienais do Mercosul como uma iniciativa do novo século, conferindo-lhe um discurso acorde aos tempos de hoje, é constante a revisão histórica que se propõe em diferentes edições. Além da primeira bienal, na qual esse revisionismo era o eixo mesmo da proposta curatorial, a revisão retrospectiva em busca da identidade repete-se na quarta, quando sob o tema Arqueologia Contemporânea, se propôs traçar os vínculos entre as origens e a condição atual da arte latino-americana (Id, pag. 114). Também sempre foi constante a exposição de obras e artistas, não mais identificados com uma arte latino-americana contemporânea, senão muito mais próximos aos embates estéticos e ideológicos (estes últimos, talvez, ainda atuais) da modernidade, como são os casos das exposições de Roberto Matta, José Clemente Orozco, Amilcar de Castro, Jesús Soto, ou de artistas que, ainda sendo referência do que podemos chamar de uma arte contemporânea latino-americana, estão identificados com problemáticas das décadas de 1960 e 1970, como Leon Ferrari e Cildo Meireles.
7 Tanto em Porto Alegre quanto em Córdoba, Buenos Aires e São Paulo, o êxito na realização das iniciativas que buscaram atingir o reconhecimento do campo internacional se deveu sempre à iniciativa direta de setores econômicos e sociais poderosos e influentes. Da mesma forma que a mudança da cartilha política dos Estados Unidos na década de 60 ajudou o impulso da bienal de Córdoba, a expectativa pelo devir do Mercado Comum do Sul serviu como marco econômico e político para conseguir, em escala estadual e nacional, o apoio público necessário para levar a cabo a Bienal do Mercosul. Este apoio, traduzido em leis de incentivo fiscal, garante sua sobrevida, como exemplo podemos citar os surpreendentes incentivos fiscais federais e estaduais, que chegaram a superar o patamar de 90% do investimento na 6ª Bienal do Mercosul (6ª Bienal do Mercosul: Relatório de responsabilidade social, 2008). O fim da Bienal Americana de Arte pela falta de apóio público (como aconteceria um ano depois com o Centro de Artes Visuais do ITDT), não somente evidencia a falta de interesse do Estado pelas artes visuais na época, mas também levantam o interrogante: Qual a verdadeira disposição de investimento do empresariado gaúcho patrono do evento? Talvez, a interrupção das iniciativas sessentistas se deva, em parte, a esta falta de visão do setor privado da época de encontrar no Estado o parceiro que acabe sustentando economicamente a empreitada. Talvez as estratégias de promoção às artes latino-americanas deveriam ter dado lugar para a promoção do vasilhame e não tanto dos seus conteúdos. O que sim parece, é que, do programa de integração regional e promoção internacional que inserisse esta arte no campo internacional hegemônico como objetivava a Bienal Americana de Córdoba, se evoluiu para um evento que busca sua consolidação, e a de seus promotores, no circuito internacional como o expõe Bianca Knaak: A relevância das Bienais do Mercosul, (...), está hoje muito mais associada ao poder de inserção internacional desse evento e seus agentes do que à capacidade de promoção e crítica da arte latino-americana contemporânea (KNAAK, 2009, pag. 1495); Não por acaso, a própria Bienal do Mercosul se promove como o maior conjunto de eventos dedicados à arte latino-americana no mundo (6ª Bienal do Mercosul: Relatório de
8 Responsabilidade, 2008) (o destaque é meu). Um evento que, levantando a bandeira da periferia, anseia seu reconhecimento pelo centro. A priorização da autopromoção como mega-evento da Bienal do Mercosul, por sobre a comunicação de uma arte contemporânea latina, se corrobora quando levamos nossa atenção ao histórico dos projetos de itinerância, comparados com os delineados pela Bienal de Córdoba. Na década de 1960, IKA projetara uma série de exposições, pelos Estados Unidos, de um conjunto de obras apresentadas nas bienais e selecionadas por renomeadas autoridades do campo artístico internacional (os já citados Robert Wool, Lawrens Allowey, e Paul Mills), estratégia em sintonia com os seus objetivos programáticos. Nestas quase duas décadas de Bienais em Porto Alegre, a fundação bienal se encarregou de organizar exposições itinerantes após os eventos na segunda (1999), terceira (2001), quarta (2003) e sexta (2007) edições. É difícil de entender como, o maior evento de arte latinoamericana do mundo parece quase não encontrar espaços para exibições itinerantes fora da região. Em 1999, parte da amostra viajou para São Paulo e Caxias do Sul (esta última cidade localizada a só 131km da capital gaúcha) e só atravessou as fronteiras para Buenos Aires e Córdoba. Financiada desde Porto Alegre, a Fundação Bienal declara cumprir o papel de dar visibilidade à arte Latino-americana (FIDELIS, 2005, p. 88), exibindo em Buenos Aires não um conjunto internacional, mas a obra de Julio Le Parc, um argentino, já consagrado internacionalmente, nascido na década de Fidelis aclara que esta mesma exibição de Le Parc esteve em Córdoba e São Paulo, contudo, esperar que dar visibilidade à arte da região seja exibir, no seu próprio país de origem, a obra de um expoente da arte cinética e geométrica dos anos sessenta, que em 1958 se radicara em Paris e cujas obras formam parte de coleções de, pelo menos, quinze países, como as do MoMA de Nova Iorque e da Tate Gallery de Londres (web site oficial do artista), é profundamente questionável. Dois anos depois, na terceira Bienal, visando melhor atingir as metas previstas de dar visibilidade à produção latino-americana de maneira mais ampla (Id, pag. 105), a fundação levou doze artistas para Brasília (cabe aqui destacar que Fidelis não detalha quais foram estes artistas). Em 2003 o Rio de Janeiro recebeu a exposição de Roberto Matta e São Paulo a de José
9 Clemente Orozco, novamente, a itinerância ficou restrita ao território nacional e à arte moderna. Tanto estas últimas, como no caso de Le Parc, as exibições acabam tendo mais um caráter histórico do que de comunicação e promoção internacional da arte contemporânea. Se as exibições das Bienais Americanas também eram de artistas já consagrados, pelo menos estes eram artistas contemporâneos da época. Só em 2007, na sexta edição, se superaram, finalmente, as barreiras do cone sul (ou melhor, as barreiras Brasileiras e Argentinas), quando a exposição de Jorge Macchi foi exibida nos Estados Unidos e na Espanha, porém, não podemos assumir que a exibição monográfica de um único artista, já consagrado internacionalmente, forneça qualquer tipo de panorama da produção da América Latina. De fato, seleções de obras para exposições coletivas, que brindassem uma paisagem da produção latino-americana, só foram realizadas em Caxias do Sul (1999) e Brasília (2001), além disso, a própria Fundação Bienal declara ter financiado algumas destas itinerâncias. Isto levanta o interrogante sobre o real interesse do circuito internacional, e mesmo o regional, por albergar este tipo de exibições. Neste sentido, a visibilidade da arte latino-americana fica restrita ao território brasileiro, o que não é nada censurável, mas dista, e muito, da autopromoção como evento de ressonância global que a Fundação Bienal do Mercosul faz de si mesma. A ambição e autopromoção como o maior evento do tipo (6ª Bienal do Mercosul: Relatório de responsabilidade social, 2008), que acaba adjudicando o papel de promover a integração e promoção da arte do continente, inibe a oportunidade de gerar verdadeiros diálogos desde e para as margens. A história oficial da Bienal do Mercosul cita unicamente como antecedentes da iniciativa uma série de simpósios e conferencias realizadas em Porto Alegre e ao falido intento de institucionalização da Bienal Latino-Americana de São Paulo, ignorando assim não só a existência de outras instancias similares anteriores, mas também suas contemporâneas, como as Bienais de Cuenca, Equador, ou de Havana que, com vinte e cinco anos de existência, já propusera um olhar periférico das produções periféricas. A Bienal do Mercosul, ainda que curatorialmente se declare periférica, no lugar de estabelecer
10 diálogos transversais, subscreve ao discurso hegemônico, e acaba repetindo uma estratégia de consolidação baseada na ignorância (para não dizer negação) de outras instâncias. Neste sentido, parece que o discurso e as ações destoam entre si. Promove um discurso transversal e, museográficamente, separa e exibe as produções da Bolivia e o Paraguay na Usina do gasômetro enquanto que reserva o cais do porto às representações do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Chile e do México (na 4ª Bienal, 2003), repetindo no plano simbólico as mesmas disparidades existentes regionalmente nos planos econômicos e sociais. Acredito que as breves informações aqui vertidas sobre a iniciativa de Kaisser tenham permitido tecer novos questionamentos, proporcionando novos elementos aos debates a respeito de ações promovidas desde a Fundação Bienal do Mercosul, mas desde um olhar histórico ultrapassando as fronteiras em que a própria fundação baseia e consolida seu lugar. Reconhecer a existência, há décadas, de iniciativas e eventos que visavam a integração, promoção e legitimação da arte produzida nas margens do campo hegemônico e das suas estratégias reiteradas hoje em dia, assim como também, assumir que debates que giravam em torno da identidade e até existência de uma Arte Latino americana, acontecem desde finais dos anos 60, em tons muito similares, para não dizer idênticos, aos apresentados em diversas edições pela Bienal do Mercosul, permitem questionar sua postura fundacional perante a inserção destas questões no campo da região e no global, e, até, seu messianismo de colocar-se como centro da difusão para o mundo da arte latino-americana, para reformular-se seu papel a partir da sua importante contribuição: a inserção da arte brasileira numa história da arte latino-americana.
11 Referencias Bibliográficas BUENO, Maria Lúcia. Artes Plásticas no Século XXI: Modernidade e Globalização. Imprensa Oficial, Fapesp. Cap. 3, p Fidelis, G. Uma História Concisa da Bienal do Mercosul. Porto Alegre: Fundação Bienal do Mercosul, GIUNTA, Andrea. Estrategias de internacionalización. In:. Vanguardia Internacionalismo y política: Arte Argentino en los años sesenta. Buenos Aires: Siglo XXI, Cap. 6, p KNAAK, B. Para uma História da maior mostra de arte da América Latina: Afirmações transversais, curadorias, projetos e oportunidades. In: 18º ENCONTRO DA ANPAP, set. 2009, Salvador, BA. Anais p Disponível em: Acesso em: 10 nov Wulff Letter, B. Mapas dentro de Mapas: Estratégias de articulação entre o local, o regional e o global na Bienal do Mercosul f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, PUC-RS, Porto Alegre, ª Bienal do Mercosul: Relatório de Responsabilidade Social. Porto Alegre: Fundação Bienal do Mercosul, 2008.
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