O Caso Le Roy. Identificação e Histeria de Conversão
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- Judite Beppler Eger
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1 O Caso Le Roy Identificação e Histeria de Conversão Anna Maria Machado Russo Ciclo IV Quinta-feira - Manhã
2 Introdução A identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa. (Freud) Identificação é um processo psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa. (Laplanche e Pontalis) Derivada da palavra grega hystera (matriz, útero), a histeria é uma neurose* caracterizada por quadros clínicos variados. Sua originalidade reside no fato de que os conflitos psíquicos inconscientes se exprimem de maneira teatral e sob a forma de simbolizações, através de sintomas corporais paroxísticos (ataques ou convulsões de aparência epiléptica) ou duradouros (paralisias, contraturas, cegueira). As duas principais formas de histeria teorizadas por Sigmund Freud* foram a histeria de angústia, cujo sintoma central é a fobia*, e a histeria de conversão, onde se exprimem através do corpo representações sexuais recalcadas. ( Roudinesco) O Incidente Le Roy, uma pequena cidade no estado de Nova York, ficou mais conhecida depois que um incidente ocorreu em Janeiro de Alunas da Le Roy High School, adolescentes, começaram a apresentar sintomas, como tiques, movimentos involuntários, e expressões verbais incontroláveis. O diagnóstico variou entre causas fisicas, biológicas, psicológicas e até ambientais. A primeira a apresentar sintomas foi Katie Krautwurst, uma animadora de torcida,que, ao acordar de uma sesta, imediatamente percebeu que havia algo errado. Seu queixo se projetava para a frente incontrolavelmente e sua face se contraia em espasmos. Cerca de 10 dias depois, sua melhor amiga, e capitã do time de cheerleaders, Thera, acordou gaguejando, sua cabeça e braços se movendo sem controle. Duas semanas depois, Lydia Parker, apresentou os mesmos tiques e movimentos involuntários. Com o passar dos dias, o número de meninas que apresentava os sintomas aumentou, até que 18 adolescentes da mesma escola começaram a se contorcer, movimentar involuntariamente braços e pernas, e gaguejar. Eram aparentemente saudáveis, e havia outra circunstância intrigante: todas eram meninas, e todas pertenciam ao mesmo grupo de cheerleaders. Logo após o início dos sintomas, médicos, psiquiatras, ambientalistas e a população de Le Roy começaram a discutir a
3 causa, cada um sob sua própria perspectiva, sugerindo uma cura, bem como uma causa para o comportamento das garotas. As explicações variaram desde fatores ambientais, até causas intangíveis e abstratas, como perturbações fisiológicas e psíquicas. (Troiano) Ao ler sobre o assunto e assistir alguns vídeos das meninas que apresentavam os sintomas, fiquei interessada pela história e estou considerando possíveis causas. Este trabalho procura explicar, sob o ponto de vista psicanalítico, o que aconteceu com as adolescentes de Le Roy. Desenvolvimento As meninas de Le Roy tinham alguns pontos em comum que logo chamaram minha atenção: Todas pertenciam ao mesmo grupo de animadoras de torcida e, como grupo, são vulneráveis a sofrer problemas psicogênicos, pelo fato de constantemente viverem sob pressão para manter sua posição no time, que exigia forma física, desempenho e aparência perfeitas. Além disso, durante a adolescência, os jovens tem um forte desejo de pertencer ao grupo. Entre animadoras de torcida, este desejo é ainda mais intenso porque acreditam que tem que manter sua posição, portanto, além da pressão natural da adolescência, sofrem a pressão adicional de terem que viver de acordo com seu alto status social dentro da escola. Nas escolas norte-americanas este fato é muito valorizado. Principalmente Katie e Thera eram idealizadas na escola, e foram as primeiras a apresentar os sintomas. Acredito que outras garotas, como Lydia, por exemplo, que nunca estivera no topo da pirâmide social da escola, desenvolveu estes sintomas a fim de expressar esta necessidade de pertencer....não havendo qualquer investimento sexual do outro, o indivíduo pode todavia identificar-se com ele na medida em que ambos tem em comum um elemento (desejo de ser amado, por exemplo): por deslocamento, será noutro ponto que irá produzir-se a identificação (identificação histérica).(roudinesco) O relato do caso tem um fato curioso: quando Lydia precisou de uma cadeira de rodas, emprestou a de Thera, que era um modelo de perfeição. Portanto, emprestar a cadeira de rodas, a colocava no lugar da outra e preenchia seu desejo de ser admirada e aceita. (Troiano) Isto condiz perfeitamente com o terceiro tipo de identificação apontada por Freud, que acontece particularmente no contexto das comunidades afetivas. É essa forma de identificação que liga entre si os membros de uma coletividade. Ela é comandada pelo vínculo estabelecido entre cada indivíduo da coletividade e o condutor das massas. Esse vínculo é constituído pela instalação deste último na posição de ideal do eu por cada um dos participantes da comunidade. ( Elisabeth Roudinesco) Já começamos a adivinhar que o laço mútuo existente entre os membros de um grupo é da natureza de uma identificação desse tipo, baseada numa importante qualidade emocional comum, e podemos suspeitar que esta qualidade comum reside na natureza do laço com o líder. (Freud)
4 Além de pertencerem ao mesmo grupo, entre elas havia as que se destacavam por sua posição, beleza e desempenho, como Katie, por exemplo, a primeira a desenvolver os sintomas. Seus atributos a tornaram um modelo ideal para as outras meninas, seu Ideal do Ego. Inconscientemente, queriam ser como ela. E, inconscientemente, copiaram seus sintomas. Freud distinguiu três tipos de identificação, dos quais o segundo caso é o da identificação regressiva, discernível no sintoma histérico, uma de cujas modalidades de formação constitui-se da imitação não da pessoa, mas de um sintoma da pessoa amada Freud cita o exemplo de Dora (Ida Bauer), que imita a tosse do pai. Nesse caso, diz Freud, a identificação toma o lugar da escolha de objeto, a escolha de objeto regride para a identificação. (Roudinesco) O ideal do eu com que o eu se compara, ao qual ele aspira e cuja reivindicação ele se esforça por satisfazer, através de um aperfeiçoamento cada vez maior. Sem dúvida alguma,esclarece ainda Freud, esse ideal do eu é o precipitado da antiga representação parental, a expressão da admiração pela perfeição que a criança atribuía aos pais na época.(roudinesco) E além disso, mesmo dentro do mesmo grupo, há uma hierarquia, que faz com que as garotas do do alto da pirâmide, as mais belas, mais atléticas, sejam admiradas por sua posição, e as que se sentem na parte inferior da pirâmide, aspirem atingir aquele lugar privilegiado. Na minha opinião, quando as garotas da parte inferior da pirâmide notaram o que estava acontecendo com as do alto, Katie e Thera, seus ideais de ego, inconscientemente começaram a emular seu comportamento. É certo que os chamados fatos de imitação, de contágio mental, eram conhecidos de longa data, mas Freud vai mais longe explicando-os pela existência de um elemento inconsciente comum às pessoas em causa. (Laplanche e Pontalis) Adicionalmente, todas as adolescentes envolvidas tinham sofrido muitas experiências traumáticas durante a infância e adolescência, fases importantes na constituição do sujeito. Como lemos em Roudinesco, a este respeito : identificação... processo central pelo qual o sujeito se constitui e se transforma, assimilando ou se apropriando, em momentos-chave de sua evolução, dos aspectos, atributos ou traços dos seres humanos que o cercam. Estas experiências traumáticas, que descreverei a seguir, provocaram um conflito no núcleo do eu, sem que fôsse possível uma solução. Houve um excesso de energia, provocado pelo trauma, que foi recalcado. Esta carga se torna intolerável, e para desarticular o recalcamento, o excesso de energia passa de um estado primário... para o outro estado de carga constituído pelo sofrimento corporal. (Nazio) E também, a conversão, consiste na transformação de uma carga sexual excessiva num influxo nervoso igualmente excessivo, que, agindo como excitante ou como inibidor, provoca um sofrimento somático (Nazio).
5 A teoria da conversão continua, a nosso ver, extremamente atual...a origem da histeria é uma fantasia inconsciente, e não mais uma representação. E o que se converte é uma angústia fantasística, e não mais uma sobrecarga da representação. De fato, Freud considerou que já não era necessário, para explicar o aparecimento de um sintoma de conversão, descobrir um evento traumático real na história do paciente. (Nazio) Katie, a primeira a desenvolver os tiques, além de toda a pressão que sofria para manter sua posição de beleza e desempenho, enfrentava problemas em casa: sua mãe acabara de ser operada de um tumor no cérebro, uma das 13 cirurgias que sofrera nos últimos tempos, e além disso sofria de nevralgia do trigêmio, o que lhe causa uma dor alucinante no rosto. Thera sofria com uma relação estressante com seu pai biológico, com o qual não vivia. Outra adolescente era órfã e trocara de lar adotivo pouco antes do aparecimento dos sintomas. Outra ainda, estava praticamente vivendo na rua, depois que, juntamente com sua mãe, duas vezes desempregada no último ano, tinha sido obrigada a sair da casa de seu pai. Chelsea Dumars, de 19 anos, estava brigada com os pais e era mãe solteira. Enfim, das 18 adolescentes, nenhuma tinha relações estáveis com seus pais biológicos. Conclusão A meu ver, as adolescentes de Le Roy apresentaram um caso nítido de identificação que conduziu à histeria de conversão. A somatória de problemas familiares, pressões sociais e a fase vulnerável de seu desenvolvimento, contribuíram para desencadear os sintomas. A histeria na maioria das vezes ocorre num período crítico da vida de um sujeito, por exemplo na adolescência, ou por ocasião de algum acontecimento marcante. Segundo Nazio, geralmente estes distúrbios somáticos são passageiros, pois não resultam de nenhuma causa orgânica. Não tenho informações sobre nenhum tratamento na área da psicanálise, que tenha sido proposto às meninas, mas acredito que seria de extrema importância, pois: O sintoma de conversão desaparece ao assumir um valor simbólico produzido pela escuta do psicanalista. (Nazio) E, segundo Freud: Resolvemos os sintomas buscando sua significação psíquica.
6 Bibliografia Dicionário de Psicanálise Elisabeth Roudinesco e Michel Plon Vocabulário de Psicanálise Lapanche e Pontalis Beatriz Troiano Need to Belong: Deciphering the Situation in Le Roy A Histeria J. D. Nazio. Identificação, em Psicologia das Massas e Análise do Ego Sigmund Freud, Obras Completas, vol. XVIII What Happened to the Girls in Le Roy? The New Your Times Magazine, 11 de Março de 2012
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