POSSIBILIDADE DE PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL A PARTIR DE INICIATIVA POPULAR
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1 POSSIBILIDADE DE PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL A PARTIR DE INICIATIVA POPULAR Autores: Gustavo Pazio Prado dos Santos (UEPG) gustaon@hotmail.com Jamil Rodrigues de Siqueira Junior (UEPG) jamil_junior95@yahoo.com.br Orientadora: Prof. Mestre Regina Fátima Wolochn (UEPG) Resumo: O sistema jurídico brasileiro valoriza a observância do princípio fundamental da soberania popular. O trabalho, então, faz uma análise do art. 60 da Constituição Brasileira, no que se refere ao seu parágrafo 4º, examinando o rol de legitimados para a propositura de emendas constitucionais e refletindo sobre a possibilidade de inserir entre os mesmos a iniciativa popular, haja vista que tal proposta não fere o leque de objeções trazidas pelo aludido artigo em relação aos temas que se caracterizam pela impossibilidade de reforma. Palavras-chave: Constituição, Soberania popular, Reforma, Legitimação. Introdução: Entre as várias limitações impostas ao poder constituído a serem observadas no momento de reforma constitucional, uma delas está relacionada à iniciativa de proposta de emenda. Não se admitiu expressamente a legitimação popular, todavia, mister se faz analisar a ordem constitucional pátria para se verificar a efetiva possibilidade ou não da iniciativa do povo nos projetos de emenda constitucional. Visto, assim, que o povo não foi incluído no rol de legitimados, este estudo se faz de extrema importância para que, após uma análise sistemática e teleológica da ordem constitucional vigente, possa-se afirmar pela possibilidade ou não de PEC popular. Objetivos: Analisar de modo conjuntural e sistemático o texto constitucional no que esse dispõe nos aspectos da participação popular na atividade legiferante, e, principalmente, investigar um dos instrumentos de tutela desse direito, qual seja a iniciativa popular. Trazer posicionamentos doutrinários sobre o tema, bem como comparar aspectos do instituto nos próprios Estados-membros da Federação brasileira, e em outros Estados democráticos. Técnicas de pesquisa:
2 O método utilizado na abordagem do nosso tema foi preponderantemente o indutivo, partindo de considerações particulares e chegando a uma conclusão geral. Utilizamos como técnica de pesquisa a documentação indireta, privilegiando a pesquisa bibliográfica e documental escrita (respectivamente, doutrina e legislação). Resultados: A Constituição Federal contempla a iniciativa popular como um dos mecanismos de participação do cidadão no processo legislativo (CF, art. 14, III). Trata-se de direito político, consubstanciado, em âmbito federal, pela apresentação de projetos de Lei à Câmara dos Deputados, subscrito no mínimo por um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco unidades federativas, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. O Texto Constitucional prevê ainda a utilização de iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, por meio da manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado (CF, art. 29, XIII). Aos Estados, por sua vez, preferiu o constituinte limitar-se a dizer que lei complementar disporá sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual (CF, art. 27, 4º). Segundo Pedro Lenza, a iniciativa popular caracteriza-se como uma forma direta de exercício do poder (que emana do povo art. 1º, parágrafo único), sem o intermédio de representantes, através de apresentação de projeto de lei, dando-se início ao processo legislativo de formação da lei. Para se ter a dimensão do instituto na esfera estadual, das 27 Unidades Federativas, 16 delas, logo, mais da metade, incluem em suas Constituições a forma declarada e expressa de iniciativa popular para encaminhamento de PECs. A título de ilustração, a Constituição do Estado de São Paulo regulamenta a matéria em seu art. 24, 3º, trazendo diversas regras. Já na esfera municipal, um exemplo é a Lei Orgânica do Município de São Paulo, a qual também admite o encaminhamento de emendas por iniciativa popular (art. 5º, 1º, II). Na esteira, agora, das análises no campo do direito comparado, tratando-se de democracia participativa, não há como não fazer considerações sobre as normas da Constituição Suíça. As leis helvéticas preveem a iniciativa popular em todos os níveis da Federação. No âmbito federal, a iniciativa popular serve à adição ou revogação de normas constitucionais. O Texto Constitucional prevê, ainda, a possibilidade de o eleitorado proceder à sua revisão parcial ou total. Observamos, também, que nos EUA, cuja tradição democrática ainda resta amadurecida, a exemplo da Suíça, a iniciativa popular também pode dar início ao processo de revisão constitucional, com a diferença de que, enquanto nesta existe previsão na Constituição Federal, no sistema jurídico americano encontra-se positivada em somente dezessete Constituições estaduais. Outras constituições da América do Sul, como a uruguaia, a peruana, a paraguaia e a venezuelana, permitem a reforma
3 constitucional por meio da iniciativa popular. Também as constituições da Espanha e Áustria admitem a iniciativa popular em matéria constitucional. Voltando o foco para o Brasil, o tema da reforma constitucional por meio das emendas é tratado, em nosso país, no art. 60 da CF/88, que estabelece em seu escopo limitações formais no que tange aos legitimados para a sua proposição, assim como ao quórum deliberativo e, em seu parágrafo 4º, estabelece as limitações materiais. Esta última destaca-se por sua fundamental importância em relação à proteção das cláusulas-pétreas, das quais se destacam os direitos e garantias individuais, sem os quais não seria possível lograr com o objetivo de uma sociedade livre e justa. Nota-se, portanto, o rol taxativo de legitimados constantes nos incisos I, II e III do aludido artigo, sendo que qualquer proposta de emenda constitucional elaborada por outra pessoa que não o Presidente da República, 1/3, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou então mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, com manifestação da maioria relativa dos seus membros, será considerada uma proposta eivada de vício material, sendo substancialmente considerada inconstitucional. Nesse ínterim, não seria possível, então, a proposta de uma emenda constitucional por iniciativa popular. Os principais argumentos que corroboram com tal constatação são que, primeiro, inobserva-se previsão constitucional para tanto, e segundo, que o anseio popular estaria resguardado por seus representantes eleitos democraticamente por meio do voto direto, secreto, universal e periódico. Ademais, a iniciativa popular, no cenário constitucional atual, somente poderá ser exercida não com relação às emendas constitucionais, mas sim no que concerne à apresentação de iniciativas de leis complementares e ordinárias à Câmara dos Deputados, consoante o disposto no art. 61, 2º da CF/88. Em consonância com o art. 61 da CF/88, a iniciativa popular poderá ser exercida com a apresentação à Câmara dos Deputados de propostas de Lei com, no mínimo, subscrição de um por cento do eleitorado nacional e, se não bastasse, distribuído por pelo menos cinco estados, com não menos de três décimos dos eleitores de cada um deles. Ora, tais condições para a efetivação da vontade da iniciativa popular a torna extremamente dificultosa, haja vista que o Brasil possui cidadãos aptos a elegerem seus representantes. A subordinação de tal participação à quantidade de subscritos em conformidade com os parâmetros eleitorais demonstra, de certa forma, que o poder constituinte alude à iniciativa popular como uma mera formalidade democrática, mas não vislumbra seu efetivo exercício. Ademais, tal entrave poderia ser dirimido se fossem empreendidas maiores discussões em relação à inserção da iniciativa popular no rol de legitimados para a propositura de emendas constitucionais, fato que culminaria, caso proposto, a alteração dos parâmetros para a propositura dos aludidos projetos de lei na Câmara dos Deputados.
4 Ainda que prospere no entendimento jurídico doutrinário e jurisprudencial a impossibilidade de inserir a iniciativa popular para propor emendas constitucionais, ao se analisar axiológica e literalmente o texto constitucional, percebe-se a plausibilidade de tal inserção. Em relação aos limites materiais da reforma por emenda, a iniciativa popular não se enquadra na violação de nenhuma das cláusulas-pétreas protegidas como núcleo fundamental constitucional, haja vista que não fere a forma federativa de Estado, nem a separação de poderes, tampouco o voto direto, secreto, universal e periódico e os direitos e garantias individuais, mas pelo contrário, corrobora e fortalece os mesmos uma vez que se aproxima dos objetivos e elementos subsidiadores do Estado Democrático de Direito. As garantias fundamentais do indivíduo, principalmente no que concerne aos seus direitos políticos, aproximar-se-iam, na hipótese de se conceber a iniciativa popular para a propositura de emendas constitucionais, de uma democracia deliberativa, que mais se aproxima do leque garantista e democrático característico da CF/88. A exclusão da iniciativa popular em matéria constitucional restringe sensivelmente o alcance do instituto e, mais do que isso, o alcance do princípio da soberania popular. Como afirma José Álvaro Moisés, (...) essa impossibilidade restringe a eficácia do princípio da soberania popular uma vez que a participação, ademais das eleições, só intervém para produzir efeitos no plano da legislação ordinária (o que certamente não é irrelevante). (...) Trata-se, portanto, apesar da novidade, de concepção bastante restritiva do modelo que envolve a legislação direta (...). Não é demais lembrar que algumas das mais importantes modificações da Constituição suíça operaram-se a partir das iniciativas populares. Na Itália o referendo sobre o divórcio foi desencadeado por iniciativa popular. Fábio Comparato, por exemplo, entende cabível a iniciativa popular em matéria constitucional. Segundo o autor, a Constituição não estabelece nenhuma exclusividade de iniciativa para desencadear-se o processo de revisão constitucional previsto no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: Parece razoável, portanto, entender-se que ele pode ser instaurado mediante proposta de qualquer das pessoas ou entidade anunciadas no artigo 61, como se tratasse de iniciativa em matéria de legislação complementar ou ordinária. Caso houvesse recusa do Congresso em receber o projeto de iniciativa popular, alegando falta de complementação do artigo 61, 2º, diz Comparato que caberia mandado de injunção para superar a resistência. Ao contrário, a Constituição, no momento em que estabeleceu mecanismos de participação direta, se limitou à enunciação de postulados básicos, uma vez que em relação aos três mecanismos
5 de participação direta previstos na Carta Magna, apenas a iniciativa popular teve a inserção de um mínimo de aplicabilidade concreta. Discussão: Da análise dos mecanismos de participação direta, além de incorporarem direitos fundamentais, trazem consigo a ideia fundante de qualquer sociedade política, qual seja, a soberania de seus membros e a capacidade destes em influenciar de forma eficaz e periódica os rumos do Estado. Isto significa que o exercício da soberania popular direta se encontra em posição no mínimo equipolente à sua manifestação através de representantes e, portanto, qualquer limitação ao princípio deve estar expressa no texto constitucional. Ora, para que se pudesse dizer, com lógica certeza, que o povo se autolimitou no exercício da soberania, abrindo mão do poder de exercê-la diretamente, ou que, tendo admitido, em princípio, o exercício direto do poder soberano, pretendeu fazê-lo apenas em casos especiais e taxativos, seria preciso que a Constituição que é a manifestação originária da soberania o declarasse, explicitamente. Havendo o Poder Constituinte Originário elevado o princípio da Soberania Popular como verdadeiro super-princípio do regime jurídico brasileiro, bem como sua instrumentalização parcial através da iniciativa popular (apresentação de leis complementares e ordinárias), qualquer limitação intencionando a exclusão de emendas à Constituição pelo referido instituto, dependeria de vedação expressa. Como esta não existe, deve-se concluir que toda e qualquer reforma da Constituição pode ser ratificada como também iniciada pelo voto popular. Canotilho, analisando a Constituição de Portugal, observa que ''a iniciativa popular é um procedimento democrático que consiste em facultar ao povo (a uma porcentagem de eleitores ou a um certo número de eleitores) a iniciativa de uma proposta tendente à adopção de uma norma constitucional ou legislativa''. Parece uma teoria interessante de se pensar, partindo-se de uma interpretação sistemática ou estrutural do Texto Constitucional, nos termos do art. 1º, parágrafo único, da CF/88, de certo que a titularidade do poder pertence ao povo, e que a soberania popular é exercida pelo referendo, pelo plebiscito e também pela iniciativa popular. Considerações finais: Por fim, conclui-se que, se por um lado, o constituinte originário adotou a soberania popular como um super-princípio diretor das decisões políticas do Estado brasileiro, por outro, isso não significa que a população tenha legitimidade para tamanha responsabilidade, ou seja, propor emendas à Lei Maior, que causam grande impacto sobre todos os indivíduos independentemente do seu aspecto social. A soberania popular não pode se tornar abrigo para teorias maximalistas e totalitaristas que
6 tentam radicalizar e usurpar os princípios da democracia representativa, por mais que essa possua defeitos. Cabe ainda muita discussão sobre o tema, não sendo o intuito deste trabalho apresentar uma conclusão definitiva, até porque seria impossível abrigar todas as opiniões acerca de tão polêmico conteúdo. E é importante salientar que apenas o amadurecimento político da população e da democracia brasileira serão capazes de fornecer mais solidez à defesa da ideia de propostas de emenda à Constituição por iniciativa popular. Referências Bibliográficas: BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. A Cidadania Ativa: Referendo, Plebiscito e Iniciativa Popular. São Paulo: Ática, BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. rev., e atual. de acordo com a emenda a Emenda Constitucional n. 70/ São Paulo: Saraiva, CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático. São Paulo: Brasiliense, Constituições Estrangeiras. Brasília: Senado Federal, 1988, vols. 4 e 5. Constituições Políticas de Diversos Países. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1975.
7 FERNANDES, Florestan. O uso da iniciativa popular. In: A Constituição Inacabada: Vias Históricas e Dignificado Político, São Paulo: Estação Liberdade, FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38. ed., re v. e atual. São Paulo: Saraiva, Lei n de 18 de novembro de LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2012.
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