A fauna ameaçada de extinção do Estado do Rio de Janeiro
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- Adelina Carla Regueira Aires
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1 A fauna ameaçada de extinção do Estado do Rio de Janeiro Organizadores Helena de Godoy Bergallo, Carlos Frederico Duarte da Rocha, Maria Alice dos Santos Alves & Monique Van Sluys Rio de Janeiro 2000
2 Introdução As listas de fauna ameaçada: as discrepâncias regionais e a importância e significado de listas Helena de Godoy Bergallo, Carlos Frederico Duarte da Rocha, Monique Van Sluys & Maria Alice dos Santos Alves orno resultado da elevada e intensa degradação dos ecossistemas causada pelo homem, muitas espécies do planeta vêm sendo perdidas, muitas delas antes mesmo de serem conhecidas. Se, para qualquer país, a perda desse patrimônio natural constitui elevado prejuízo, imaginemos o significado dessa perda para um país como o Brasil, dentro de cujas fronteiras encontra-se um dos maiores valores de biodiversidade do planeta. Essa perda de espécies e ameaça de extinção de outras nas últimas décadas têm resultado na preocupação em promover um conhecimento do status das espécies da fauna brasileira e, recentemente (Bemardes et al., 1990),levou ao estabelecimento da mais recente lista da fauna brasileira ameaçada de extinção. Contudo, fica fácil perceber que, para um país de dimensões continentais como o Brasil, em que ocorre uma variada gama de ecossistemas, o resultado é o de que encontramos acentuadas discrepâncias regionais em termos dos principais ambientes existentes, dos níveis locais de degradação, do nível de conhecimento científico sobre a biologia, da distribuição e da ocorrência das espécies e do grau de risco de extinção das populações locais. Como conseqüência, uma lista geral de espécies ameaçadas para o Brasil fortemente corre o risco de não contemplar tais discrepâncias regionais, enquanto, por outro lado, tende a incluir, predominantemente, as espécies das regiões onde mais se concentra o conhecimento científico sobre a fauna. Por esta razão, a análise 11
3 do status da fauna, quando realizado a nível mais regional (por exemplo, Estados ou, o que poderia ser mais útil, por principais ecossistemas), pode permitir conclusões mais consistentes além de, em conjunto com as de outras regiões, promover um melhor conhecimento sobre a situação real da fauna brasileira. Essa noção tem apontado durante esta última década para a importância dos Estados da União avaliarem o status da fauna ocorrente no interior de suas divisas e gerarem a lista daquelas espécies em risco de extinção no Estado. O IBAMA, sensível a este problema, tem estimulado os Estados a produzirem suas listas, como uma forma de lapidar e ampliar a lista geral da fauna brasileira. Alguns Estados como Minas Gerais, Paraná e São Paulo, recentemente realizaram tal avaliação e produziram suas listas, disponibilizando-as em publicação no Diário Oficial daqueles Estados e por meio de publicações. Estes Estados deram um importante passo para promover a proteção e a conservação de sua fauna. A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu artigo 258, do capítulo VIII, sobre o Meio Ambiente, incumbe ao Poder Público "proteger e preservar a flora e a fauna, as espécies ameaça das de extinção, as vulneráveis e raras, vedadas as práticas que submetam os animais à crueldade, por ação direta do homem sobre os mesmos". Mas, para que isso de fato ocorra, é necessário definir quais são as espécies que se encontram ameaçadas de extinção e que, por esse motivo, mereçam proteção especial. O Estado do Rio de Janeiro, como todos os demais Estados da União, necessita de uma lista de espécies ameaçadas, de forma a facilitar um melhor controle e proteção de nossa fauna, pelos órgãos competentes. O Setor de Ecologia do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, da UERJ,coordenou, ao longo de 1997,a elaboração da lista oficial da fauna ameaçada do Estado. Um processo como este só possui consistência se realizado sob procedimento criteriosamente científico. Para a realização do avanço deste tipo de conhecimento, é fundamental a participação de especialistas que detêm a informação científica sobre cada grupo animal, e dos órgãos de política, gerenciamento e controle ambiental do Estado, uma integração indispensável que priorizamos obter, de forma a garantir um resultado consistente. Embora simples, metodologicamente, as listas de espécies ameaçadas esbarram em algumas limitações que precisamos continuamente discutir e resolver para futuras revisões. Para definir o status de conservação das espécies dependemos, primeiro, que inventários faunísticos estejam disponíveis. Isto claramente constitui uma das limitações das listas de espécies ameaçadas uma vez que apenas as espécies já descritas e conhecidas da ciência podem ser listadas (Diamond, 1987; Mace, 1994; Harding, 1996).Segundo, que o status taxonômico das espécies seja conhecido e, terceiro, que haja. informações biossistemáticas das espécies. Para a maioria dos grupos animais faltam 12
4 estas informações científicas e esta ausência de informações constitui outra importante limitação para a geração de listas de espécies uma vez que aquelas menos conhecidas, taxonômica ou biologicamente, tenderiam a ser ignoradas (Harding, 1996). Estas limitações poderiam, portanto, afetar o processo em termos da contribuição para a estratégia de conservação da biodiversidade. Partindo dos inventários faunísticos presentemente disponíveis e do atual nível de conhecimento sobre o status taxonômico das espécies conhecidas, trabalhamos com uma limitação muito séria, que é o desconhecimento de informações biológicas sobre a maioria das espécies. Não pretendemos, e nem foi o nosso objetivo, resolver esta limitação. Essa limitação só se reduzirá na medida em que haja um incremento acentuado no investimento na produção de informação sobre a biologia das espécies brasileiras. Contudo, devemos sucessivamente desenvolver metodologias adequadas, menos dispendiosas, tanto em termos de tempo quanto de recursos financeiros, que nos forneçam as informações necessárias sobre a biologia, de forma a determinarmos o status das espécies. Por outro lado, novas espécies têm sido descobertas. em grande quantidade, aumentando não somente o número daquelas atualmente conhecidas, mas também o número estimado de espécies que estão por serem descobertas. É preciso então ter em mente que uma lista de espécies ameaça das pode deixar uma impressão errônea de que todas as espécies já são conhecidas ou de que já detemos o conhecimento sobre seu status de conservação. Especialmente frente à intensa degradação de hábitats e à exponencial perda de espécies, pode-se perceber que não há tempo para aguardar até que estas informações possam estar disponíveis, para então se iniciar gestões para a conservação de hábitats e/ou de espécies. Assim, o importante não é deixar de avançar no processo mas sim, durante sua realização, apontar e relacionar as limitações (e.g. os táxons não incluídos na avaliação, os grupos para os quais são esperadas intensas descobertas taxonômicas, grupos taxonômicos sem revisão recente ou sem conhecimento sobre o status de conservação e necessitando especialistas, Hardíng. 1996) e, como solução parcial, trabalhar com elas, estabeleci das e esclarecidas, para que o processo possa ser lapidado em listas ou análises posteriores. Sabemos que as espécies carismáticas são ícones de conservação, mas, sem dúvida, muitas outras, não tão carismáticas, foram preservadas porque tiveram a sorte de estar à sombra daquelas espécies. É importante ressaltar que a extinção de uma espécie protegida por lei é tão negativa quanto a extinção de uma espécie desprotegida legalmente (Magnusson, 1993). Mas o que está acontecendo com aquelas espécies que ainda sequer são conhecidas cientificamente? Isto mais uma vez reforça a importância do investimento na produção de inventários e de informações sobre a biologia das 13
5 espécies. À medida que o conhecimento sobre as espécies seja disponibilizado, elas podem ter seu status de conservação conhecido, porém, mais uma vez, não devem constituir impedimento para atuarmos na conservação da biodiversidade já conhecida. O processo de análise do status de conservação da fauna do Estado do Rio de Janeiro, como um todo, envolveu, em uma primeira etapa, 58 especialistas e 61, em uma etapa final. Na etapa final de análise do processo de conhecimento do status de conservação das espécies do nosso Estado, o Setor de Ecologia da VER}, com o apoio da FAPERJ, Sr2jVERJ e CEPUER}, organizou o Workshop sobre a Fauna Ameaçada do Estado do Rio de Janeiro, durante três dias (9 a 11 de dezembro de 1997). Participaram desta etapa final, 61 pesquisadores de 18 instituições (dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Distrito Federal) que receberam informações sobre as espécies candidatas, com base nas listas resultantes da etapa inicial, referências bibliográficas e listagens dos pontos de distribuição. Os grupos temáticos, após análise detalhada espécie a espécie, indicaram o status atual de conservação das espécies e registraram aquelas consideradas ameaçadas, a categoria de ameaça, os critérios utilizados para inclusão na lista e as medidas propostas para a proteção da espécie. A lista final foi então constituída com base nas informações registradas nas fichas técnicas sobre as espécies consideradas ameaçadas pelos especialistas. O resultado geral deste processo foi a elaboração da Lista Oficial da Fauna Ameaçada do Estado do Rio de Janeiro, que foi publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, de 5 de junho de O Estado deu um importante passo para a conservação de sua fauna. Contudo, os resultados da lista não são nada animadores, pois foram consideradas ameaçadas de extinção nada menos do que 257 espécies da fauna do nosso Estado. Das espécies ameaçadas, 43 (16,7 %) são invertebrados terrestres, dentre estes destacam-se 36 espécies de borboletas e mariposas e 4 espécies de libélula; 28 (10,9 %) espécies de invertebrados aquáticos, como camarões, caranguejos e moluscos; 48 (18,7 %) espécies de peixes, sendo 39 de água doce e 9 de água salgada; 4 (1,6 %) espécies de sapos e pererecas; 9 (3,5 %) espécies de répteis, sendo 1 lagarto, 2 cobras, 1 jacaré e 5 tartarugas; 82 (31,9 %) espécies de aves e 43 (16,7 %) espécies de mamíferos (Bergallo et al., 1999). A maior ameaça às espécies se deve, principalmente, à destruição do hábitat, embora para algumas espécies o comércio e a caça sejam também importantes ameaças à sua sobrevivência (Bergallo et al., 1999). O Estado do Rio de Janeiro é coberto principalmente por mata atlântica e este é hoje um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta. Da época do descobrimento até o momento restam apenas 8% de sua cobertura original, que cobria toda a faixa litoral do Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. Os animais que aí vivem necessitam, muitas vezes, de áreas contínuas preservadas e muitas espé- 14
6 cies animais já se encontram extintas. Os resultados encontrados também mostram o efeito negativo que a remoção dos ambientes de floresta tem para a fauna, reduzindo fortemente a oportunidade de vida para espécies arborícolas, como pode ser visto pelo elevado número de espécies de aves e de mamíferos em risco de extinção. O Estado do Rio de Janeiro, de forma similar a vários outros Estados brasileiros, vem sofrendo, nos últimos séculos, intensa devastação de suas áreas florestadas. A elaboração de uma lista com uma avaliação detalhada do status atual da fauna do Estado constitui-se em importante instrumento de ação para políticas de conservação que podem ser desenvolvidas pelo poder público. O que estamos apresentando neste livro, como resultado destes anos de trabalho de pesquisa e do Workshop final, consideramos ainda embrionário, mas constitui um importante passo para tentarmos solucionar os diversos problemas e limitações levantados. A experiência e a colaboração de todos os especialistas que contribuíram nesse processo sem dúvida aumentou muito O conhecimento sobre a situação das espécies do Estado do Rio de Janeiro, permitindo que, pelo menos as conhecidas de estarem em risco e seus ecossistemas, possam ser conservados. 15
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