AS CARREIRAS DE ESTADO
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- Carla Castelhano Osório
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1 AS CARREIRAS DE ESTADO Ultimamente, muito se tem falado sobre as Carreiras Típicas de Estado. Mas o que vem a ser exatamente uma Carreira Típica de Estado? Imaginemos um modelo mínimo de administração pública com apenas as atividades imprescindíveis, aquelas que são indelegáveis à iniciativa privada. Entre as atividades consideradas essenciais, destacam-se a fiscalização (trabalhista, saúde, meio ambiente etc), a segurança pública, a justiça e a arrecadação de tributos. As Carreiras de Estado são aquelas que exercem, precipuamente, as funções de punir e fiscalizar, dotadas de poder de polícia, atribuições relacionadas à expressão do poder estatal, e que não possuem, portanto, correspondência no setor privado. Integram o núcleo estratégico do Estado, requerendo, por isso, uma maior capacitação e responsabilidade dos seus servidores. Para atingir os seus fins, o Estado necessita dispor de servidores especializados, investidos de poderes distintos, capazes de alcançar e punir aqueles que infringem a ordem instituída. É o caso dos policiais, fiscais, auditores tributários, promotores e juízes. A partir da Emenda Constitucional nº 19/1998, substanciais mudanças foram criadas no âmbito da administração pública. A finalidade foi a de instituir tratamento diferenciado para determinadas carreiras, cuja atuação baliza o funcionamento, não só das instituições públicas, mas também da própria sociedade civil. Consciente de que o futuro das instituições públicas depende em larga medida da salvaguarda de algumas Carreiras de Estado, o legislador acrescentou o inciso XXII no art. 37 e deu uma nova redação ao inciso IV do art. 167, ambos da Constituição Federal (in verbis): Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:... XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de ) Art São vedados:... IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, 8º, bem como o disposto no 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de ) O inciso IV do art. 167, combinado com a parte final do inciso XXII do art. 37, assegura, excepcionalmente para as administrações tributárias, a vinculação de parte da receita dos impostos, como destinação orçamentária para a realização de suas atividades. É como se as administrações tributárias passassem a desfrutar de fonte orçamentária específica, destinada a cobrir parte do custeio da estrutura de fiscalização. O constituinte houve por bem garantir à federação, em todas as suas instâncias, uma administração tributária independente, não só no campo funcional, mas também no campo financeiro. Aliado ao fato de serem consideradas como atividades essenciais para o funcionamento do Estado, as administrações tributárias também terão os recursos prioritários para a realização de suas atividades. A decisão de conferir às administrações tributárias da União, Estados, Distrito Federal e Municípios o grau de atividade essencial ao funcionamento do Estado tornou-as diferenciadas em 1
2 relação às demais. A mudança veio a reforçar a proteção em torno do poder de polícia, especialmente concedido a servidor público estatutário, devidamente concursado e dotado de garantias capazes de minimizar os efeitos nefastos da política episódica dos governos. Diante da grande responsabilidade que esse servidor tem para com o Estado, o mínimo exigido é que possua um elevado grau de conhecimentos e que esteja permanentemente treinado e capacitado para assumir tal encargo. Ocorre certa confusão entre as expressões administração fazendária e administração tributária. A administração fazendária engloba todas as atividades do órgão, especialmente os relacionados à execução da gestão financeira (orçamento, contabilidade, pagamentos etc). A administração tributária tem como principal incumbência a constituição e a cobrança do crédito tributário. Em diversos entes da federação já existe a separação das atividades em duas secretarias distintas, uma tratando de finanças e a outra, de receitas. A administração fazendária não é considerada como atividade essencial ao funcionamento do Estado e não precisa estar organizada em cargos de carreira. Até o presente momento, ainda não foi editada a lei para regulamentar o art. 37, XVIII da Constituição Federal (in verbis): XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei; E os demais servidores do órgão de administração tributária também são considerados como integrantes de Carreira de Estado? Os servidores de apoio administrativo e operacional não podem ser considerados como integrantes de Carreira de Estado, ainda que venham a trabalhar diretamente na atividade-fim. Isso porque não é o órgão que exerce a atividade essencial ao funcionamento do Estado, mas sim a carreira de administração tributária. A área de apoio não exerce atividade de Estado, pois não têm poder decisório legalmente reconhecido, embora possa até mesmo ser considerada como essencial para o funcionamento da instituição. Um simples exemplo pode clarear a situação: Secretaria de Defesa Agropecuária e Sistema Único de Saúde (SUS) são dois órgãos distintos e integrantes da estrutura do Governo Federal. A Secretaria de Defesa Agropecuária tem poder de polícia, inclusive de aplicar multas, enquanto que os profissionais do SUS, não. Ou seja, a Secretaria de Defesa Agropecuária não pode ser terceirizada; os serviços de assistência médica, sim. A advocacia pública, por exemplo, não exerce atividade considerada típica de Estado, embora exerça função essencial à justiça. Função essencial à justiça e atividade típica de Estado não se confundem. A saúde é essencial à vida, mas nem por isso os médicos exercem uma atividade típica de Estado. As atividades típicas de Estado têm um caráter de exclusividade e poder de policia, sendo que a advocacia tem como função a assistência jurídica e esta não é privativa do Estado. A advocacia atua por representação e não tem as atribuições de fiscalizar, tributar e nem de punir. Isso não a faz menos importante, já que a assistência à saúde, a assistência educacional e a assistência social são também extremamente relevantes, mas não podem ter o poder de polícia. Mas o que vem a ser uma carreira? É a sucessão de cargos efetivos, estruturados em níveis e graus segundo sua natureza, complexidade e o grau de responsabilidade, de acordo com o plano definido por lei de cada ente federativo. (Art. 2º, inciso VII da ORIENTAÇÃO NORMATIVA MPS/SPS Nº 02, DE 31 DE MARÇO DE DOU DE 02/04/2009). 2
3 O Mestre Celso Bandeira de Mello 1 define cargos de carreira com sendo aqueles encartados em uma série de classes, escalonadas em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições. As classes constituem os degraus de acesso na carreira 2. No âmbito do Poder Executivo, geralmente os quadros de cargos de provimento efetivo são compostos, exclusivamente, de cargos isolados, em que pese a imprecisão terminológica utilizadas nas respectivas leis de criação, que usam a expressão plano de carreira, quando, na verdade, constituem apenas planos classificados de cargos já que não instituem nenhuma carreira. A carreira pode conter um único cargo, mas deve estar estruturada em níveis (classes) e graus (referências ou padrões). Para ascender às classes seguintes são exigidos requisitos diferenciados. Um exemplo prático: fica criada a carreira de auditoria tributária, composta pelo cargo de nível superior de Auditor-Fiscal da Receita Municipal, classes I, II e III, sendo que para a classe I são definidos os padrões 1,2,3,4; para a classe II, os padrões 5,6,7; para a classe III, os padrões 8, 9 e 10, conforme modelo a seguir: Padrão Classe R$ 1 XXXXXXXX 2 I XXXXXXXX 3 XXXXXXXX 4 XXXXXXXX 5 XXXXXXXX 6 II XXXXXXXX 7 XXXXXXXX 8 XXXXXXXX 9 III XXXXXXXX 10 XXXXXXXX O plano de carreira da Receita Federal do Brasil, constante do Anexo IV da Lei Federal nº , de 15 de julho de 2004, está estruturado dessa maneira. O ocupante de cargo em comissão ou o servidor efetivo de outra carreira poderá exercer a(s) chefia(s) do órgão de administração tributária? Com o objetivo de neutralizar as influências políticas e os abusos dos governos, transitórios por natureza, o legislador reservou para os ocupantes de certos cargos de provimento efetivo um tratamento especial. São três os elementos imprescindíveis para as Carreiras de Estado: acesso ao cargo somente através de concurso público específico, estabilidade qualificada (vitaliciedade para os juízes) e autonomia funcional. O cargo em comissão não presta concurso e nem sequer integra qualquer carreira, uma vez que é considerado de ocupação temporária, de livre nomeação e exoneração pelo governante de ocasião. Dessa forma, quando a Constituição Federal menciona que a administração tributária 1 Mello, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Malheiros. SP. 12ª edição, 2000, pg. 2 Meirelles. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros. SP. 28ª edição, pg
4 será exercida por servidores de carreira específica, nenhuma dúvida ainda paira sobre quem pode comandar o órgão. É possível que o ente federativo opte por não criar oficialmente a carreira da administração tributária em razão do princípio da discricionariedade do serviço público? A determinação do legislador constituinte é a de que as administrações tributárias (serão) exercidas por servidores de carreira específica. O verbo nuclear (subentendido) é o ser e não o poder, caso em que a criação ou não da carreira ficaria à mercê da vontade do administrador público. O texto também não menciona a necessidade de ser editada lei regulamentar, o que, portanto, torna-o auto aplicável. Já a expressão carreira específica significa uma exclusiva, sem levar em conta os parâmetros característicos estabelecidos para as demais carreiras de servidores públicos. Especialmente nesse item, a Constituição Federal autoriza expressamente a inovação nos critérios de criação do plano de carreira da administração tributária. O que pode acontecer caso a carreira específica da administração tributária não seja criada intencionalmente? Trata-se de uma arbitrariedade por omissão, hipótese em que o agente deixa de exercer o dever da boa escolha administrativa ou o exerce com inoperância parcial, inclusive por falta de prevenção ou precaução 3. O não cumprimento de uma determinação constitucional expressa, devido ao fato de o administrador público ter deixado de praticar os atos necessários para tanto, enseja a interposição de ação de inconstitucionalidade por omissão no Supremo Tribunal Federal (art. 103, 2º da CF). Quando se tratar de administração tributária municipal, a ação deverá ser proposta pela FENAFIM, entidade que possui representação em âmbito nacional. A Constituição Federal atribui ao Senado Federal a incumbência privativa de avaliar periodicamente o desempenho das administrações tributárias (art. 52, XV). O desempenho somente poderá ser analisado se cumpridos, cumulativamente, todos os mandamentos constitucionais, quais são: a) a implantação da estrutura tributária adequada, com recursos prioritários para a realização de suas atividades; b) a criação de carreira específica; c) atuação de forma integrada com outros órgãos de fiscalização, como estabelecido através de lei ou convênio. Existe o princípio da hermenêutica no direito, segundo o qual se deve interpretar restritivamente as normas que instituem exceções às regras gerais, visto que a exceção, por si só, é uma restrição que só deve valer para casos excepcionais. Ambas as normas da CF arts. 37, XXII e 167, IV constituem exceções à regra geral e como tais devem ser interpretadas restritivamente. Assim se entendem os dispositivos que favorecem algumas profissões, classes ou indivíduos e asseguram prerrogativas funcionais. O fim para o qual o dispositivo foi inserto no texto se sobrepõe a tudo. Não pode se admitir uma interpretação tão restrita que entrave a realização plena do escopo visado. Dentro da letra rigorosa do texto procura-se o objetivo da norma suprema; seja este atingido, será perfeita a interpretação. A interpretação deve ser feita de modo que permita que os meios atinjam os fins e que estes tenham relação com os motivos. O grande desafio das administrações tributárias, especialmente as municipais, é conseguir superar a resistência dos governos em relação à questão, seja por desinteresse ou negligência. Com a demora na implantação da carreira e na autonomia funcional da administração tributária, 3 Freitas, Juarez. Direito Fundamental à Boa Administração Pública. Malheiros. SP. 1ª edição. 2007, pg
5 quem mais perde é a sociedade, uma vez que um grande volume de recursos oriundos de impostos deixa de integrar o orçamento do próprio ente, prejudicando a execução das políticas públicas. Com mecanismos inteligentes de fiscalização, resultante de investimentos, a concorrência desleal e a sonegação serão mais bem combatidas pelos Fiscos. Em síntese, é preciso que seja aplicado o ensinamento do Professor Juarez Freitas 4 : na contramão das tendências hostis aos servidores públicos, há que se promover a incisiva valorização do vínculo instutucional e da autonomia das Carreiras de Estado, condição sine qua non para obter o exercício legítimo e eficaz da discricionariedade administrativa em consonância com o direito fundamental à boa administração pública. César Giffhorn Agente Fiscal da Receita Municipal GIFFHORN@smf.prefpoa.com.br 4 Freitas, Juarez. Direito Fundamental à Boa Administração Pública. Malheiros. SP. 1ª edição. 2007, pg
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