Sobre o Entorno da Casa das Minas Jeje do Maranhão 1

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1 Sobre o Entorno da Casa das Minas Jeje do Maranhão 1 Sergio F. Ferretti 2 A Casa Grande das Minas Jeje localiza-se há mais de cento e cinqüenta anos na Rua de São Pantaleão, número 857 3, esquina do Beco das Minas, a uma quadra da Casa de Nagô, que está localizada na Rua das Crioulas. As duas casas são amigas, se visitam e se ajudam. Existe a informação oral de que uma ajudou a fundar a outra e que se uma fechar, a que sobreviver ajudará a cuidar das coisas da outra. Vodunsis das duas casas, quando podem, assistem rituais na casa vizinha e quando há comida de obrigação sempre mandam uma bandeja para os da outra casa. Os rituais e a língua dos cânticos e outros detalhes litúrgicos, são diferentes, mas existe uma longa tradição de ajuda mútua e cooperação entre estas duas casas de tambor de mina mais tradicionais e antigas do Maranhão. Na rua de São Pantaleão, duas quadras adiante da Casa das Minas, situa-se a imponente Igreja de São Pantaleão, que data de fins do Século XVIII e inícios do XIX, segundo informações do Dicionário de César Marques 4 e do Livro dos Monumentos Históricos do Maranhão 5. É uma igreja antiga e curiosa, com imagens de santos pouco conhecidos como Santo Onofre e Santa Severa. Desde 1829 e por cerca de um século, nela funcionou a Roda ou Casa dos Expostos 6. Próximo a esta igreja ficava o Cemitério dos Ingleses, também citado por César Marques e que funcionou durante o século XIX, sendo destruído na primeira metade do século XX e que é ainda é lembrado por algumas das atuais dançantes da casa, como dona Maria Celeste Santos, hoje com 76 anos. Depois da igreja de São Pantaleão, vindo na direção da Casa das Minas, encontramos a famosa Rua das Cajazeiras, cujo nome deriva provavelmente, da existência no passado, de algumas exemplares desta imponente árvore frutífera, como 1 Texto a ser incluído no Processo 1464T00 (sobre o Tombamento da Casa das Minas) pelo IPHAN. 2 Dr. em Ciências - Antropologia Social pela USP, Professor Adjunto IV da UFMA. 3 Em documentos antigos aparece com outros números como MARQUES, Augusto César. Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro, Ed. Fon-Fon e Seleta, 1970 (Original 1870). 5 BRASIL, Min. Interior. F. Projeto Rondon. Monumentos Históricos do Maranhão. São Luís, SIOGE, Conta-se que uma das antigas chefes da Casa das Minas, dona Leocádia, que faleceu em 1970, entregou sua primeira filha, Maria de Lourdes, para ser criada na Roda da Igreja de São Pantaleão. Maria de Lourdes, ainda vive e tem mais de oitenta anos.

2 a que ainda conhecemos como árvore sagrada da Casa de Nagô, que lamentável e criminosamente foi derrubada há poucos anos, por interferências de praticantes de crenças neo-pentecostais que compraram o terreno ao lado que, no passado, pertencera à Casa de Nagô. O corte da velha árvore foi objeto de protestos de estudiosos e de pessoas ligadas ao Movimento Negro, apresentado, inclusive, ao Conselho Estadual de Cultural na época do Governo de Edson Lobão, quando fomos membro daquele Conselho. É importante lembrar que a árvore sagrada da Casa das Minas é uma velha e centenária cajazeira, que anualmente dá uma grande safra de cajazinhos, frutos também conhecidos como taperebá. Dizem as antigas mineiras da Casa que, ao tempo da fundação, tentaram plantar ali uma gameleira, que não se adaptou bem ao clima local e que poucos anos depois foi substituída pela atual cajazeira. A cajazeira da Casa das Minas é dedicada ao vodun maior Nochê Naé, ou Sinhá Velha, a dona daquela grande árvore, fundamental ao culto Mina Jeje do Maranhão, pois suas folhas entram em inúmeras práticas rituais, servindo para o preparo do amansi ou banho de ervas. As casas da rua de São Pantaleão são de estilo diversificado, muitas foram alteradas com o tempo. Quase ao lado da Casa das Minas, há uma pequena vila onde existe uma espécie de cortiço muito antigo. Mais adiante, há uma casa de porta e janela, com fachada revestida com um dos raros exemplares de padrões de azulejos em relevo fino, nas cores amarelo, azul e branco, em estilo que nos parece da segunda metade do século XIX 7. Ao lado da Casa das Minas ainda funciona uma velha oficina de remonte de calçados e pequenas outras oficinas de consertos de aparelhos elétricos. O bairro está sendo ameaçado pela especulação imobiliária, sobretudo pela presença e recente abertura, em todo o grande quadrilátero em torno da Santa Casa de Misericórdia, de novas Clinicas Médicas. Há pouco tempo, proprietários de uma clínica estavam interessados em comprar o terreno e a casa em frente da Casa das Minas, para ali construir uma grande clínica ou hospital particular, e parecem ter desistido do empreendimento em virtude da vizinhança com o terreiro, onde algumas noites há toques de tambores que podem incomodar futuros pacientes. Com o crescimento da cidade esta e outras ameaças estão sempre presente. O antigo Bairro de São Pantaleão, hoje é contíguo ao Bairro da Madre de Deus, reduto boêmio, carnavalesco e de manifestações folclóricas, como Bumba-Meu-Boi e 2 7 Veja-se PR do livro de ALCÂNTARA, Dora. Azulejos Portugueses em São Luís do Maranhão. Rio de Janeiro, Ed. Fontana, 1980, Pr VIII. 2

3 Tambor de Crioula. Era um antigo bairro de pescadores, estivadores, empregadas domésticas e operárias de fábricas, hoje transformado com a construção da Barragem do Bacanga nas proximidades, concluída em fins da década de A Madre de Deus atualmente é mais um bairro boêmio e de reservas de tradições folclóricas e carnavalescas. Em pequenos bairros próximos, como o Lira, a Belira, o Goiabal e outros, localizam-se também diversos terreiros de tambor de mina, como o de dona Margarida Motta, o de dona Maria Augusta, o de Dra. Dilma, o de dona Celina. Há grupos que organizam a festa do Divino, como a casa de dona Nilza e a de dona Celina, além da própria Casa das Minas, a Casa de Nagô e outras. Há também grupos que organizam procissões, como a de São Sebastião na Madre de Deus e a de Santo Antônio. No bairro encontra-se a sede do centenário boi da Madre de Deus e a capela de São Pedro, onde a 29 de junho se realiza o grande encontro de grupos de bumbameu-boi, que acompanham a procissão marítima de São Pedro, um dos maiores acontecimentos anuais do festival de Bumba-Meu-Boi do Maranhão. Na mesma rua de São Pantaleão localizam-se as ruínas de duas antigas fábricas de tecidos, que funcionaram até a década de 1960, onde trabalhavam a maioria das vodunsis da Casa das Minas, da Casa de Nagô e de outros terreiros. Uma delas, no número 1232 da Rua São Pantaleão, era a sede da antiga Fábrica da Cânhamo, construída em 1892, que foi restaurada há poucos anos e onde funciona o CEPRAMA, órgão do Governo do Estado, que realiza exposições, feiras e festas populares. Vizinho ao prédio da Cânhamo, existem as ruínas muito deterioradas de uma outra fábrica que atualmente possui uma placa de vende-se. Trata-se da antiga Fábrica de Fios São Luís, que pertenceu à importante família Cândido Ribeiro. No fim da Rua de São Pantaleão localiza-se o belo prédio do Hospital Geral ou Tarquínio Lopes. Neste local funcionou no passado a antiga ermida chamada de Nossa Senhora da Madre de Deus, que dá nome maior ao Bairro. Antes da expulsão dos Jesuítas ocorrida em 1761, aí funcionou o Retiro dos Jesuítas. Segundo informações do pesquisador Coelho de Souza 8, os jesuítas fundaram este Retiro como Casa dos Exercícios e Religiosa Recreação de Nossa Senhora da Madre de Deus. Ainda segundo a mesma fonte, a Carta Regia de 1761, destinou a Casa da Madre de Deus a Colégio dos Nobres do Maranhão e Piauí. O autor informa que, de acordo com César Marques, essa casa foi por certo tempo Palácio dos Governadores, no período 3 8 Pe. José Coelho de Souza, SJ. Os Jesuítas no Maranhão. São Luís, Fundação Cultural do Maranhão, 1977, p. 16 e seguintes. 3

4 de veraneio, depois foi enfermaria de soldados ou Hospital Militar e hoje é o Hospital Geral Tarquínio Lopes. O Padre Coelho de Sousa diz ainda que do antigo edifício só restam alguns arcos do pátio interno. Este prédio recentemente sofreu grande reforma concluída em fins do ano de Muito próximo à Casa das Minas localizam-se as ruínas da antiga Fonte do Bispo, no fim da Rua das Crioulas, hoje um poço sem proteção, como diz Jomar Moraes 9 (1989, p. 80). Lembra o mesmo autor que, em 1697, o Bispo Dom Frei Timóteo do Sacramento manteve acirrada polêmica e excomungou diversas autoridades e todo o povo da Província, tendo sido preso em seu palácio, então localizado no Largo de São Tiago, ali próximo, ficando a pão e água, tendo que ir buscar água em quartinhas, no manancial, que recebeu o nome de Fonte do Bispo. A Fonte do Apicum 10, construída na Quinta do mesmo nome em 1827, tem nascente principal na confluência do Caminho da Boiada com a Av. Kenedy. Nunes Pereira 11 (1979, p. 30) comenta que a velha chefe da Casa das Minas, mãe Andresa lhe contou que antigamente as irmãs sempre iam buscar água na Fonte do Apicum. Nos sábados de madrugada, iam todas buscar água potável para encher as jarras do quarto dos santos. Dona Celeste nos informou que a água da Fonte do Apicum é de um olho d água que é sempre boa e nunca seca, pois foi preparada pelas antigas mineiras da Casa que fizeram remédios para isso. Próximo à Casa das Minas funciona também o Mercado Central, conhecido como Mercado Grande 12, que segundo Jomar Moraes (1989: p. 89), foi construído no Governo do Interventou Paulo Ramos. Situa-se no fim da Magalhães de Almeida, próximo ao início da Rua das Cajazeiras. Abastece a cidade de aves, peixes, mariscos, frutas, verduras, mato cheiroso e em suas imediações encontram-se diversas pequenas casas de comércio. As filhas da Casa das Minas quase diariamente vão a pé, fazer compras no Mercado Central. Não longe da Casa das Minas, no mesmo Bairro da Madre de Deus, localiza-se o Cemitério do Gavião. César Marques informa que o Cemitério foi construído em 1855, após epidemia de varíola com grande mortalidade na capital, sendo adquirido 4 9 MORAES, Jomar, Guia de São Luís do Maranhão. São Luís, Legenda, PAVÃO, Arlete Heralda Costa. Abastecimento d Água em São Luís no Século XIX. Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Museologia. São Luís, UFMA, PEREIRA, Nunes. A Casa das Minas; culto dos voduns jeje no Maranhão.. Peetrópolis: Vozes, 1979, (Original, 1947). 12 FERRETTI, Mundicarmo. De Segunda à Domingo, Etnografia de um Mercado Coberto. São Luís, SIOGE,

5 para este fim pela Câmara Municipal, o terreno da Quinta do Gavião. Nunes Pereira (1989: 199) lembra de conversa com a velha mãe Andresa, contando-lhe que Por ocasião do falecimento de um maçon, quando o cortejo fúnebre se dirigia ao Cemitério Municipal, sito numa praça à esquerda das últimas casa da Rua São Pantaleão, era obrigatório estaca-lo diante da porta central da Casa das Minas... Estas informações mostram um pouco do ambiente em torno do qual localiza-se a velha Casa Grande das Minas Jeje, o Querebentã de Zomadonu, cujo tombamento está sendo solicitado pelo Processo 1464T00. A beleza e o encantamento da casa parece que contagiam as velhas estórias do bairro que a cerca. 5 São Luís, 22 de Janeiro de