Irineu Evangelista de Sousa Barão e Visconde de Mauá. Defensor do nacionalismo econômico do Oiapoque ao Chuí
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- Mônica Alícia Gama Domingues
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1 Irineu Evangelista de Sousa Barão e Visconde de Mauá Defensor do nacionalismo econômico do Oiapoque ao Chuí Ceci Vieira Juruá Rio de Janeiro, 2013 Bicentenário do nascimento de Mauá
2 Sumário Apresentação - 11 Capítulo 1 Desbravador das condições gerais da produção de mercadorias -15 Capítulo 2 Pioneiro da economia industrial - 21 Estabelecimento de Ponta da Areia - 22 Companhia de Navegação do Amazonas - 27 Estrada de ferro de Petrópolis, vulgo Mauá - 30 Capítulo 3 Precursor do capitalismo financeiro - 41 Banqueiro em campo minado - 44 Sobre a moeda e o capitalismo liberal - 51 Capítulo 4 Capitalismo liberal x nacionalismo - 57 Anexo - 65 Bibliografia - 71
3 Apresentação A ssiste-se hoje, no Brasil, à emergência de um mal-estar difuso que aparenta ter raízes em estruturas e instituições sociais que não comportam mais as aspirações históricas de nosso povo. Aumentam, assim, as expectativas de que estejamos vivenciando uma época de grandes mudanças. Novos tempos são propícios a mergulhos na História e à celebração de nossas conquistas. Podemos confiar que o Brasil será capaz de superar vitoriosamente a crise atual, como já ocorreu muitas vezes a partir de 1822, ano em que se tornou realidade o sonho da emancipação e iniciou-se a construção de uma pátria soberana. A partir daquele marco político, não foram poucos os personagens eminentes de nossa história, homens e mulheres que dedicaram suas vidas a configurar soluções para os grandes problemas da época: a preservação da integridade territorial, a ocupação econômica da terra, a abolição da escravidão, a construção do Estado nacional e de instituições adequadas ao progresso e à modernidade.
4 Apresentação No conjunto de personagens eminentes da época pós-independência, destaca-se a figura de Irineu Evangelista de Sousa, barão e visconde de Mauá, o maior empresário brasileiro do Império, capitalista revolucionário do seu tempo pois, como bem sinalizou Marx no Manifesto comunista, a burguesia desempenhou na História um papel eminentemente revolucionário. Tão importante quanto as realizações empresariais, em Mauá assumem relevo traços de caráter que o singularizam, como a prevalência da dignidade e da honra sobre objetivos egoístas. Este livro é uma justa homenagem a ele, neste ano em que se comemora o bicentenário de seu nascimento, mas deve também servir a reforçar nossa convicção de que a sociedade brasileira é capaz de gerar elites e líderes populares à altura dos desafios e da grandeza da Pátria. 12
5 Capítulo 1 Desbravador das condições gerais da produção de mercadorias I rineu Evangelista de Sousa, barão e visconde de Mauá, nascido no Rio Grande do Sul em 13 de dezembro de 1813, em terras contíguas ao Uruguai, foi um brasileiro notável. Em vida, conquistou vitórias e articulou realizações singulares, reerguendo-se altivamente após cada um dos muitos golpes que lhe foram dados por bandidos das estradas de ferro. 1 Homem mais rico do Brasil no alvorecer das reformas de transição ao capitalismo, teve a falência decretada em 1878 pelo Tribunal de Comércio, do qual fora presidente em Verdade à qual Mauá não concedeu a devida importância, o tribunal que o julgava nesses anos derradeiros do Império era administrado, desde a década de 1830, por comerciantes da praça do Rio de Janeiro, majoritariamente estrangeiros. Na primeira eleição para a diretoria da Sociedade dos Assinantes da Praça do Comércio do Rio de Janeiro, realizada em 1836, dos nove membros eleitos, apenas dois eram brasileiros (MATHIAS: 1993, p.85). 1 Expressão utilizada pelo visconde de Mauá, em carta enviada ao barão de Penedo em 1885 (CALDEIRA: 1995, p. 541).
6 Capítulo 1 A atividade agrícola e a propriedade territorial, que não atraíram Mauá na época em que ele abria indústrias e se tornava um poderoso banqueiro com operações no Brasil, Argentina, Uruguai, Londres e Paris, foram as âncoras que o ampararam social e financeiramente no final da vida. Na ocasião, valeu-se também de atividades de corretagem para a empresa que ele próprio organizara em Londres. Não deixa de surpreender e de ser quase uma ironia da História que, quatro décadas após ter criado a primeira empresa brasileira produtora de bens de capital, nos setores de metalurgia e construção naval, Mauá tenha recuado para atividades típicas de uma economia primário exportadora dependente. Mas para isso, houve razões, de ordem interna e internacional, como veremos. Ainda não há conhecimento amplo e generalizado sobre as forças econômicas e políticas que derrotaram Mauá, levando-o a liquidar ou passar adiante empresas pioneiras no seu campo de atividade ou espaço econômico, e com as quais formou o primeiro conglomerado financeiro e industrial do Brasil em fase histórica de transição para o capitalismo. Há explicações que ora identificam o imperador D. Pedro II como seu principal opositor o que se traduziria hoje em Estado brasileiro, ora apontam a responsabilidade dos financistas ingleses, porta-bandeiras do imperialismo que se manifestaria mundialmente, em fase posterior. Embora seja correto afirmar que o imperador e os argentários da City foram adversários ferrenhos de Irineu Evangelista, é por demais ingênuo supor que indivíduos, embora poderosos, tenham sido capazes, isoladamente, de derrubar o império bilionário que Mauá comandou a partir do Rio de Janeiro e de Londres. E por que o fariam? E se 16
7 Desbravador das condições gerais da produção de mercadorias o fizeram e venceram, de que armas usaram? Este ensaio propõe-se ampliar o entendimento dessas questões. De início, cabem duas observações. Primeira, o simbolismo de Mauá, verdadeiro arauto das aspirações históricas das elites nativas rebeldes: liberdade, autonomia, amplo direito a qualquer forma de trabalho livre e produtivo. Exigências que coincidiam com o discurso político dominante nos anos 1840, favorável à ruptura com o sistema de relações exteriores implantado à época da independência e à reconfiguração das diretrizes de ordenamento da política externa (CERVO: p. 64). Segunda, a coincidência, desta vez adversa, de tempo histórico de dois processos um indivíduo em situação falimentar, Mauá, e uma nação fragilizada economicamente, no rumo da bancarrota, o Brasil. Sem Mauá e porque Mauá fora derrotado, o Império legou ao século XX um país subdesenvolvido. Os brasileiros são conscientes do fato de que a monarquia foi derrubada por um movimento de oficiais do Exército, liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca. Mas há desinformação quanto ao apoio maciço, embora silencioso, da população à mudança de regime. Em 1889, nem uma voz levantou-se em defesa do trono imperial. Não porque se tratasse de um povo bestializado, como já foi escrito, mas porque as bases sociais do regime estavam carcomidas. A monarquia foi vítima, em 1889, de doses letais de veneno engendradas em suas próprias entranhas institucionais: o despotismo do Poder Moderador; a cumplicidade e a inépcia de senadores e conselheiros; a corrupção que se alastrou por todas as veias públicas e privadas da nação; a desnacionalização das jazidas 17
8 Capítulo 1 de minérios e metais preciosos, de grande número de empresas de transporte ferroviário e marítimo e, sobretudo, do sistema financeiro. Desde a independência, o sistema financeiro brasileiro parecia haver entrado em um círculo vicioso que somente os Mauás, os Vergueiros, os Marianos Procópios, os Alves Brancos, tinham coragem de interromper com arrojadas iniciativas no intuito de criar um clima capaz de receber um surto que a Revolução Industrial europeia propugnava (BESOUCHET: 1978, p. 156). Este texto irá discorrer menos sobre a vida do barão e visconde de Mauá, já traçada com brilhantismo por outros pesquisadores, e mais sobre os obstáculos que lhe foram colocados em dois campos de atividade: moeda e bancos; transportes marítimos e ferroviários. Tais setores dizem respeito, na economia política, às condições gerais da produção capitalista. Ininterruptamente, aí são gerados serviços insubstituíveis, valores de uso singular, produtos essenciais a todas as atividades econômicas, quer elas se localizem na produção, circulação, distribuição ou consumo de mercadorias. Emitir moeda e fornecer crédito é não só um privilégio, mas uma fonte de poder inesgotável. Foi Mauá quem teve a capacidade de organizar, em moldes conformes ao Código Comercial de 1850, o primeiro banco emissor privado moderno, isto é, atualizador e dinamizador de práticas efetivas de intermediação financeira, principalmente com relação ao crédito à produção. Transportes, por outro lado, são um momento fluido da circulação de mercadorias, o passo inicial da transformação de valores (produtos) em valores de troca, a ponte não 18
9 Desbravador das condições gerais da produção de mercadorias descartável entre unidades de produção e de consumo. Mauá abriu a primeira estrada de ferro do Brasil, sem a qual, provavelmente, o programa ferroviário idealizado pelo governo seria postergado, como já o vinha sendo há duas décadas. E foi o primeiro a organizar uma companhia de navegação interior a vapor, no rio Amazonas, ligando as capitais Belém e Manaus a localidades menores. A substituição da carroça e da diligência pela estrada de ferro, do barco a vela pelo navio a vapor, evidencia o maior avanço do capitalismo moderno (...) depois do transporte (...) o setor empresarial onde as forças concentradoras operam intensamente e em âmbito mais geral é o das finanças (HOBSON: 1996, p. 140). Considerando-se que, para Marx a suprema realização da economia industrial, nos seus primórdios, foi a estrada de ferro (HOBSBAWN: 1977, p. 53), Mauá foi pioneiro da economia industrial no Brasil. Se, ainda, a medida que mais caracterizou a expansão econômica no século XIX foi a força do vapor, a típica forma de força, e seus produtos associados, o carvão e o ferro (Ibid., p. 59), Mauá foi precursor na materialização de aspirações nacionais vinculadas à expansão das forças produtivas e ao progresso econômico. E, se mais não fez, foi porque lhe cercearam os passos. Enfim, acatando a tese segundo a qual as estradas de ferro representaram as primeiras empresas modernas, porque sujeitas a forças que atuam no sentido de levar o capital a agrupar-se em massas cada vez maiores e porque se inserem em mercados com natureza e dinâmica distintas dos mercados pré-capitalistas, dotados de tendência monopolizante graças à aptidão para obter economias de capacidade produtiva e economias de poder competitivo (HOBSON: 1996, p. 138; JURUÁ: 2012, p ), 19
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