ARTIGO COM APRESENTAÇÃO ORAL - ENGENHARIA AMBIENTAL O CEMITÉRIO E SUA QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL
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- Vasco Palmeira Vilalobos
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1 ARTIGO COM APRESENTAÇÃO ORAL - ENGENHARIA AMBIENTAL O CEMITÉRIO E SUA QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL NINA MARAVALHAS LEAL Esse trabalho visa abordar os cemitérios como potencial impacto ambiental, calcando essa abordagem em processos físico-químicos de decomposição de cadáveres e na legislação acerca desse tema. O diferencial desse trabalho é que além da convencional abordagem científica do tema, o artigo visa surgir com questionamentos acerca da condição social em que a relação ser humano-morte está inserida, buscando melhorar a compreensão do tema cemitério e meio ambiente. O objetivo final do trabalho é fornecer uma visão abrangente do tema, de forma a estabelecer um diálogo entre o científico e o humano. É importante inserir o conceito de corpo-resíduo na relação dos seres humanos e a morte, de forma a propor soluções ambientais compatíveis com a questão do tabu que é a morte em nossa sociedade. Palavras-chave: Cemitério, Necrochorume, Contaminação, Tabu, Morte. INTRODUÇÃO Os cemitérios geram impactos ambientais devido à decomposição de corpos, o que produz necrochorume, um líquido que possui diversas substâncias e microorganismos, podendo trazer risco às pessoas que utilizam as águas subterrâneas contaminadas pelos cemitérios. Desde a pré-história os seres humanos têm o hábito de enterrar os mortos, seja cobrindo com pedras ou com terra. As comunidades neandertais são um exemplo de grupo social que já cultivava esse hábito. Os cemitérios do modo como conhecemos, terreno onde os corpos são enterrados, foram implantados pelos cristãos na idade média. Com isso, a proximidade entre vivos e mortos se tornou maior, ocasionando um aumento na disseminação de agentes patogênicos. Nessa
2 época era feita a inumação, recobrimento dos corpos com terra, com profundidade de 1 a 2 metros. Em Roma já era determinado que os mortos fossem enterrados fora dos limites da cidade, mas foi no século XVIII que o cuidado com os impactos dos cemitérios começou a aparecer. Em alguns países da Europa foi então decretado que os cemitérios deveriam ser implantados em terrenos que não fossem de famílias ou de igrejas, lugares para onde os corpos eram destinados anteriormente. Os cemitérios só começaram a ser identificados como potenciais causadores de impactos ambientais recentemente. Em 1998 a OMS (Organização Mundial de Saúde) publicou um relatório em que os cemitérios eram abordados como impactos ambientais, já que substâncias orgânicas, inorgânicas e microorganismos patogênicos, presentes nos cemitérios devido à decomposição de cadáveres, podem contaminar o solo e os lençóis freáticos. Em 28 de março de 2003 foi criado o CONAMA nº 335 que dispõe sobre licenciamento ambiental de cemitérios horizontais e verticais. Em 28 de março de 2006 foi criado o CONAMA nº 368, que delimita que a diferença de profundidade da base das sepulturas ao lençol freático deve ser de 1,5 metros. Em 17 de novembro de 2008 foi criado o CONAMA nº 402, que prevê o prazo de 2010 para o estabelecimento de critérios para a adequação dos cemitérios existentes antes de Dessa forma, os órgãos ambientais estaduais e municipais se tornaram responsáveis por licenciar e fiscalizar a implantação dos cemitérios. OBJETIVOS O artigo introduz conceitos e processos de contaminação ambiental, assim como identifica as legislações em vigor acerca do assunto, põe em pauta o descaso com as adequações necessárias aos cemitérios e a conflituosa relação dos indivíduos e o corpo morto. Dessa forma, uma abordagem social também se faz necessária, já que o tema cemitérios e meio ambiente não pode ser desenvolvido e analisado sem que a relação ser humano-morte e suas variáveis sejam citadas.
3 Esse trabalho tem também como objetivo propor uma visão ampla, de forma a analisar e propor alternativas ao cemitério levando em consideração variáveis tanto ambientais como sociais. METODOLOGIA O trabalho é de revisão bibliográfica, foram analisados trabalhos como artigos, teses, livros, revistas científicas e resenhas de referência ao tema para construir um pensamento crítico que englobasse tanto uma visão ambiental quanto antropológica. A pesquisa foi realizada a partir do estudo direto de livros e também pesquisas em bancos de dados de fontes eletrônicas. Levantadas as informações, foi feita uma relação entre as questões ambientais e antropológicas, atentando a conduzir a produção do artigo de forma a formar uma visão ampla e completa acerca do tema. DISCUSSÃO Contaminação por necrochorume Processos físico-químicos O necrochorume é um líquido viscoso, de cor castanho-acizentada gerado a partir da decomposição dos cadáveres. Esse líquido é constituído de 60% de água, 30% de sais minerais e 10% de substâncias orgânicas degradáveis. Além disso, dependendo do corpo gerador de necrochorume, esse líquido pode conter substâncias radioativas, vírus, bactérias e outros agentes patógenos. Para cada quilograma de massa corpórea do cadáver são gerados aproximadamente 0,6 litros de necrochorume e esse líquido é a principal causa dos impactos ambientais em cemitérios. Em clima tropical, o cadáver dura em torno de três anos para ser decomposto, já em clima temperado, demora em torno de dez anos. Assim que a vida é cessada, os processos de autólise e putrefação são iniciados. Esses fenômenos são tidos como destrutivos, já que a decomposição dos corpos consiste desses processos.
4 Por vezes ocorre um processo caracterizado como conservativo, chamado de saponificação. Esse fenômeno ocorre quando há ocorrência de alta humidade no solo, o que ocasiona a quebra de gorduras corporais, liberando ácidos graxos. A acidez, por sua vez inibe a ação de bactérias putrefativas, atrasando a decomposição. Esse processo de saponificação é comum nos cemitérios do Brasil, devido à sua organização hidrogeológica. Durante a putrefação há liberação de gás sulfídrico (H2S), dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), amônia (NH3) e mercaptanas (cadaverina, putrescina e fosfina). Outros importantes contaminantes são os adereços de metal utilizados em caixões, podendo contaminar a área com metais pesados. É aconselhável que o solo onde o cemitério for implantado contenha de 20-40% de argila em sua composição, dado que a decomposição precisa da presença de ar para que ocorra. A situação ideal para o sepultamento seria um solo com média permeabilidade e lençol freático profundo, já que favorece a putrefação e a filtragem do necrochorume, podendo-se então atribuir a característica de baixa vulnerabilidade para a área. Já uma situação em que o solo seja pouco permeável e o nível freático seja aflorante pode levar à saponificação e então a área se torna altamente vulnerável. O risco de contaminação das águas superficiais pode ocorrer quando a implantação do cemitério não é elaborada levando em consideração as rotas de escoamento das águas pluviais, ou seja, é necessário atentar também à drenagem do local. O risco de contaminação de águas subterrâneas varia de acordo com parâmetros como as características geológicas, que favorecem ou não a saponificação dos corpos, ou a condição em que se encontram os túmulos, caso esses estejam em ruínas, com rachaduras, a contaminação das águas subterrâneas é favorecida. A má condição em que os túmulos podem se encontrar se devem à compactação do solo e crescimento de raízes de árvores por exemplo. Legislação Ambiental Em 28 de março de 2003 foi criado o CONAMA nº 335 que dispõe sobre licenciamento ambiental de cemitérios horizontais e verticais. Essa lei foi um marco, dado que a partir desse momento a fiscalização e discussão dos cemitérios como fonte de poluição ambiental passou a ser apoiada pela legislação, prevendo penas aos descumprimentos da lei.
5 Diversos parâmetros foram atribuídos a uma área ideal para a implantação de cemitérios, dessa forma, novos empreendimentos do ramo tiveram de atentar à escolha de áreas, tendo de optar por aquelas permitidas por lei. Em 28 de março de 2006 foi criado o CONAMA nº 368, que delimita que a diferença de profundidade da base das sepulturas ao lençol freático deve ser de 1,5 metros. Essa profundidade admitida pode ser considerada inadequada, visto que na pesquisa de MATOS(2001) é comprovado que os vírus são transportados por no mínimo 3,2 metros na zona não saturada até alcançar o aquífero. Em 17 de novembro de 2008 foi criado o CONAMA nº 402, que prevê o prazo de 2010 para o estabelecimento de critérios para a adequação dos cemitérios existentes antes de Os órgãos ambientais estaduais e municipais se tornaram responsáveis por licenciar e fiscalizar a implantação e a adequação dos cemitérios. Porém, o prazo não foi respeitado. Os cemitérios existentes não se adequaram, assim solos e aquíferos de diversos cemitérios e áreas adjacentes encontram-se contaminados, colocando em risco a saúde dos vivos devido ao falho manejo de mortos. Alguns estudos foram realizados, o geólogo Lezírio Marques Silva, da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, por exemplo, investigou a situação de seiscentos cemitérios, sendo 75% municipais e 25% particulares. O resultado encontrado foi que 15 a 25% dos cemitérios possuíam contaminação do solo por necrochorume. O questionamento então que vem à mente é o porquê de esta situação estar estagnada, sem o cumprimento da lei por parte dos gestores de cemitérios e também o motivo de tão pouca gente decidir falar sobre o assunto. Para responder a essas perguntas proponho uma mudança de foco abordado até agora neste artigo, direcionando-me então à abordagem social. Tabu da morte e suas influências A abordagem do tabu da morte é intrínseca ao tema cemitério e meio ambiente, dado que a situação como um todo só pode ser compreendida e alternativas só podem ser propostas se nos inserirmos na realidade. Deverá ser levada em conta a relação ser humano-morte, a partir de uma visão psíquica calcada na atribuição de tabu a um processo natural. É importante lembrar também da abordagem dos paradigmas religiosos, que influenciam os processos psicológicos de um coletivo (população viva) em relação à individualidade da morte.
6 O incômodo em relação à morte acompanha os seres humanos de acordo com as culturas, hábitos e religiões nas quais os indivíduos se inserem. O medo da morte, característica de um animal racional que sofre com a consciência da sua finitude, faz com que nos afastemos desse assunto e faz com que o silêncio impere quando a pauta for essa. A morte é um tabu em nossa sociedade. O século XX traz uma transformação revolucionária da morte, que deixa de ser "tudo", parte constituinte da vida normal e do ciclo pessoal, para se tornar "nada", ocultada do dia-a-dia, tratada com aparente indiferença. O luto é abandonado às práticas individuais, com a finalidade de poupar a coletividade. É um luto privatizado. A neutralização dos ritos funerários e ocultação da morte fazem parte dessa incapacidade social de se lidar com ela. Isso explica ainda a transferência do ato de morrer para o hospital, aonde o doente se despersonaliza, ao mesmo tempo em que se protege a família da morte, o doente das pressões emocionais dessa família e a sociedade da publicidade da morte. Esta passa a ser uma espécie de responsabilidade técnica passível de ser controlada. (Gabriela Oigman, 2007) Essa passagem fortalece a ideia de que o assunto é um tabu e fica escondido no dia a dia, sendo um tema quase que intocável, mesmo que saibamos que é um futuro inevitável. A sensação que temos é que a morte não se aproximará se não falarmos sobre ela, e o silêncio se mantém. A influência das religiões também é muito importante nesse tema. Como já foi referenciado, o hábito de enterrar os mortos vem de influência cristã na Idade Média. Esse hábito é calcado em doutrinas religiosas. Ainda hoje, pessoas praticantes dessa religião, em geral, têm o desejo de serem enterradas, já que isso influenciará de alguma forma na vida após a morte. Pode-se observar que muitos cemitérios estão localizados em altos de morros. Esse fato se dá em função de uma crença religiosa, segundo a qual os mortos enterrados ali já estariam mais perto do céu e fariam sua passagem vida-morte de forma mais fácil. Assim, observamos que até a escolha da área de um cemitério tem forte influência cultural e religiosa.
7 A angústia, o silêncio e o incômodo existem e acompanham os seres humanos, mas o fato de a legislação não ser seguida e os cemitérios não passarem por adequação dentro do prazo previsto (2010) faz com que a reflexão vá mais a fundo e identifique outro ponto também importante nessa análise: o interesse político. Esse é um ponto delicado, e os órgãos ambientais preferem não fiscalizar e não adequar os cemitérios, o que implicaria em cobrar ações dos grandes proprietários de cemitério, que é um negócio muito lucrativo. Outras formas de disposição dos corpos são possíveis, porém possuem embate direto com as doutrinas da religião católica, que é maioria no Brasil. É então necessária a inserção de uma visão diferenciada entre os indivíduos e seus corpos. Mesmo que haja estranhamento, é importante a inserção e aceitação do conceito de corporesíduo, no qual o corpo morto seja visto tal qual um resíduo sólido, para que o problema da contaminação dos solos e águas subterrâneas possa ser abordado e para que as propostas e legislações possam se desenvolver e ser postas em prática. Algumas alternativas são atualmente propostas para que a destinação dos cadáveres gere menos impactos. A primeira alternativa que devemos abordar é um processo também convencional, a cremação, que é vista como uma boa alternativa ao sepultamento em cemitérios. Os impactos causados pela cremação são menores se comparados com os riscos de contaminação do solo e água pelo necrochorume quando os corpos são enterrados. Um outro exemplo de alternativa é a urna sustentável, na qual as cinzas dos corpos cremados são dispostas no interior da urna, juntamente a sementes de escolha do próprio morto, quando em vida. Dessa forma, há o simbolismo de que o morto se torna então em árvore e é novamente inserido no ciclo biológico. A urna é feita com materiais naturais, como casca de coco, celulose, turfa compacta. O projeto foi criado pelo designer Martín Azúa, sendo a ideia reintroduzir o ser humano ao ciclo natural da vida por meio de um ritual de regeneração e retorno à natureza. Outra alternativa ao método de sepultamento por meio de cemitérios é a compostagem dos corpos. O projeto chamado Urban Death, tem a ideia de compostar os corpos, fazendo assim uso do potencial nutritivo que os corpos em decomposição podem oferecer à terra. Esse projeto prevê a construção de um prédio de três andares onde ocorre a compostagem de
8 corpos em conjunto, os novos sendo colocados no topo do prédio. Em algumas semanas é possível recolher o material resultante da compostagem. Esse material é rico em nutrientes e se faz possível o recolhimento dele por parte de familiares, podendo ser utilizado em jardins, não quebrando o ciclo emocional familiar. Novos modelos devem ser pensados e sugeridos de acordo com o contexto socioambiental no qual estão inseridos. É urgente uma discussão sobre os limites da vida e a quem os pertence. Viver extrapola as funções fisiológicas, é uma trajetória que inclui experiências, sensações, memórias e relações. A "boa morte" é o fechamento de uma boa vida. Por isso surge com força a noção de cuidados paliativos, e com ela uma nova representação social do morrer. Atualizam-se assim os estudos sobre a morte, construindo-se para ela, um novo modelo. (Gabriela Oigman, 2007) CONCLUSÕES É necessário que haja um diálogo entre os focos social, psicológico, legislativo e técnico, visto que a questão de contaminação ambiental dos cemitérios só poderá ser sanada quando a questão social for colocada em pauta e também for resolvida. Termino esse artigo com uma reflexão sobre nossa consciência e a influência que nossas angústias e interesses podem causar no meio ambiente que habitamos: Enquanto o silêncio se mantiver, o tabu imperará, a população se renovará com a morte dos antigos e o silêncio novamente terá seu lugar, mas agora com a boca calada e contaminada com os corpos que exalavam a angústia da consciência de viver para morrer, sem saber o porquê. REFERÊNCIAS Cad. Saúde Pública vol.23 no.9 Rio de Janeiro Sept Disponível em:< Acesso em: 07 de Março, 2016.
9 FERNANDES, David Augusto; RIBEIRO SÁ FREIRE, Débora; BATISTA DOS SANTOS, Pedro Henrique. Necrochorume e a contaminação do meio ambiente: uma pesquisa sobre a poluição causada pelos cemitérios aos lençóis freáticos nos municípios de Barra Mansa e Volta Redonda M. DE ALMEIDA, Adriano; BARROS DE MACEDO, Jorge Antônio. Parâmetros físicoquímicos de caracterização da contaminação do lençol freático por necrochorume. PACHECO, Alberto; ANTUNES MATOS, Bolivar. Avaliação da ocorrência e do transporte de microorganismos no aquífero freático do cemitério de Vila Nova Cachoeirinha, município de São Paulo. Projeto quer compostar corpos humanos para evitar danos ambientais. Disponível em: em: 07 de Março, 2016 RODRIGUES, José Carlos. Título: TABU DA MORTE. 2a Ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; SILVA, Robson Willians da Costa; MALAGUTTI FILHO, Walter. Fontes Potenciais de Contaminação. Revista Ciência Hoje, v. 44, n. 263, p Disponível em: < ile>. The urban death Project. Disponível em: Acesso em: 07 de Março, 2016 Urna sustentável transforma cinzas humanas em árvore. Disponível em: Acesso em: 07 de Março, 2016
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