A SOCIEDADE POLÍTICA: ESTRUTURA E FUNÇÃO Fábio Konder Comparato
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- Nicholas Filipe Marreiro
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1 A SOCIEDADE POLÍTICA: ESTRUTURA E FUNÇÃO Fábio Konder Comparato Estrutura I - O poder político A Conceito É a capacidade de mandar e ter obediência. Distingue-se da simples dominação, na qual prescinde-se do consentimento do dominado. A submissão consentida, na relação de poder político, varia muito de grau: da simples indiferença, à veneração apaixonada aos detentores do poder. B Organização O poder político organiza-se de forma hierárquica, culminando com o poder supremo ou soberania. É em função da titularidade da soberania que se classificam os regimes políticos: a) monarquia, quando uma única pessoa é soberana (de monos, um e archos, guia ou chefe); b) oligarquia, quando o poder soberano pertence a alguns poucos (oligos = pouco, alguns); c) democracia, quando o povo é soberano (demos = povo). II - A mentalidade coletiva É o conjunto dos valores predominantes em uma sociedade, em função dos quais são apreciados os diferentes acontecimentos da vida social. Compreende inclusive simples opiniões ou preconceitos, e gera costumes sociais, ou seja, reiterados comportamentos coletivos. Diz-se que um poder político é legítimo, quando é consentido; ou seja, quando está em harmonia com a mentalidade coletiva. De se notar que um poder legal, isto é, organizado de acordo com a Constituição e as leis, pode ser ilegítimo, quando repudiado pela opinião pública.
2 Organização da sociedade política na civilização capitalista Na sociedade política capitalista, o poder soberano efetivo é sempre oculto ou dissimulado. Ele se esconde por trás da fachada do poder oficial. A soberania real pertence de fato aos potentados econômicos privados (grandes proprietários e empresários), aliados aos principais agentes do Estado. Como disse o grande economista francês Fernand Braudel, o capitalismo só é bem sucedido, quando se alia ao Estado, quando é o Estado. Em suma, o regime político capitalista é sempre oligárquico; o que significa que o objetivo do exercício do poder é sempre o de realizar o interesse próprio dos grupos dominantes. Quanto à mentalidade coletiva na sociedade política capitalista, ela é inteiramente moldada pela ética do egoísmo; ou seja, objetivo de vida de cada um é sempre a acumulação de riqueza, porque ela engendra poder. A ideologia capitalista, construída a partir do final do século XVII com Hobbes e desenvolvida no século XVIII com Adam Smith, sustenta que, se cada qual cuidar racionalmente de realizar o seu próprio interesse, uma mão invisível acabará por engendrar o bem comum. Nas sociedades capitalistas do presente, mentalidade coletiva é moldada pelos grupos oligárquicos, sobretudo através do controle empresarial dos meios de comunicação de massa. Exemplo perfeito de organização capitalista da sociedade política é o do Brasil. Desde o Descobrimento, a sociedade aqui formada apresentou um poder político de dupla face: as normas ou comandos reais, vindos de Portugal, sempre foram tidos em terra brasileira como um direito estrangeiro, completamente alheio à nossa realidade. Ou seja, o verdadeiro poder soberano nunca foi o da Corte em Lisboa, mas aquele aqui engendrado pela aliança inclusive de compadrio ou de laços matrimoniais entre os potentados econômicos privados e os altos administradores enviados da metrópole.
3 Nesse quadro, a mentalidade capitalista aqui vicejou com todas as forças. Como disse Frei Vicente do Salvador, o primeiro historiador do Brasil em livro publicado em 1627, nem um homem nesta terra é republico, nem zela e tratado bem comum, senão cada qual do bem particular. Esse quadro político permaneceu basicamente o mesmo até hoje, não obstante as mudanças superficiais ocorridas em cinco séculos. Função da Sociedade Política A verdadeira razão de ser de uma sociedade política não é outra, senão a realização da felicidade geral; ou seja, a felicidade de todos e cada um dos cidadãos. A felicidade não nos é dada, mas deve ser por nós construída A A concepção de Buda (viveu entre os séculos 6º e 4º a.c.) A felicidade corresponde à ausência de sofrimento de qualquer espécie (físico, mental ou moral). É fruto de uma disposição de vida marcada pela solidariedade e a compaixão para com as outras pessoas. Os egoístas jamais são realmente felizes. B Platão ( A.C.) A felicidade existe vinculada de certa forma ao amor, pois o próprio deste é desejar as coisas belas e boas, cuja posse gera a felicidade (Banquete 204 d, 205). C Aristóteles ( A.C.) É o fim perfeito da vida humana, aquele que se basta a si mesmo. Não é um mero sentimento, um estado passivo de simples fruição; é, antes, o fruto da conduta pessoal de cada indivíduo; daí por que as crianças não chegam propriamente a ser felizes, pois elas não são capazes de nobres ações.
4 Construir a felicidade para todos, e não apenas para alguns cidadãos, é a finalidade principal de toda organização política (politeia) (Política e Ética a Nicômaco). Para as três grandes religiões monoteístas judaísmo, cristianismo e islamismo, a felicidade completa não se realiza na Terra, mas somente no Céu. Ela é, portanto, sobrenatural em sua origem. Mas o Cristianismo afirma que Deus é Amor, e que os homens devem, por tanto, amar a todos, até mesmo os inimigos. A partir do início da era moderna, após a Idade Média europeia, a concepção sobrenatural da felicidade começou a mudar. Passou-se a confiar cada vez mais na razão humana, como fonte de explicação de todos os fenômenos e forma de solução de problemas; por conseguinte, na sua capacidade de gerar a felicidade. Essa convicção firmou-se, na Europa Ocidental e na América do Norte, ao se iniciar o século XVIII, o chamado Século do Iluminismo. O surgimento histórico de um direito à felicidade O primeiro documento histórico no qual se afirma a existência de um direito à felicidade foi a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, redigida por Thomas Jefferson: Consideramos as seguintes verdades como auto-evidentes, a saber, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade (the pursuit of Happiness). Após a Revolução Francesa, a Constituição jacobina de 1793 (Ano I revolucionário) afirma em sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: O objetivo da sociedade é a felicidade comum. Assim concebida, a felicidade passou a ser considerada um direito humano de cada indivíduo. Ou seja, cada um de nós deve respeitar o
5 direito à felicidade de todos os outros. O que corresponde à chamada Regra de Ouro: não fazer aos outros o que não se quer que seja feito a nós mesmos. A concepção de um direito à felicidade social A humanidade custou a compreender que não se pode alcançar uma autêntica felicidade individual, em um ambiente de generalizada infelicidade social. Aos direitos humanos de caráter individual, devem acrescer-se direitos econômicos, sociais e culturais. Esse grande avanço, rumo à construção de um Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) começou no século XIX, e consolidou-se após a Primeira Guerra Mundial. No Brasil, as leis trabalhistas foram instituídas, mas somente para os trabalhadores urbanos, nos anos 30 do século XX, estendendo-se para os trabalhadores agrícolas tão somente na década de 60. Com o advento da Constituição de 1988, após vinte anos de regime autoritário empresarial-militar, procurou-se criar um sistema de seguridade social abrangente (saúde, previdência e assistência social). No entanto, a partir da chamada globalização capitalista, iniciada na década de 80 do século XX, esse sistema foi muito abalado no mundo todo. Com a intensificação das relações internacionais, desde a segunda metade do século XX, passou-se a conceber do direito à felicidade dos povos em relação uns aos outros, bem como o direito à felicidade de todo o gênero humano. Mas tais direitos pressupõem, para a sua realização efetiva, a constituição de uma sociedade política mundial.
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