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1 1. INTRODUÇÃO Do filho pródigo, que códigos? Do filho pródigo, que códigos são meus? O código de micro, o livre arbítrio, o livre eu. O código de micro, o livre arbítrio o clone e deus. E eu e Deus, e Deus e eu, e eu e Deus, e eu? Elétrica, elétrica, elétrica. (MERCURY, Daniela. Elétrica, In: Daniela Mercury disco Elétrica, 1998) Qual o papel do homem nessa nova ordem tecnológica mundial? É a indagação central que dá origem e justifica este trabalho. Essa questão foi concebida ainda durante o período da graduação, em uma aula de Comunicação Comparada, quando se discutia a obra de Mcluhan, Os Meios de Comunicação como extensão do homem. A discordância com parte da turma ao interpretar que, segundo o autor, a tecnologia amputa a capacidade humana, culminou em uma busca por uma contra-argumentação a esta acepção. O primeiro pressuposto teórico que permitiu um aprofundamento do problema foi encontrado em Lemos (1999) ao apontar que a técnica é a arte de construção da vida. A partir desta frase, que talvez seja a essência desta pesquisa, buscou-se a tentativa de estudar as transformações tecnológicas, principalmente as técnicas de comunicação aplicadas a um setor da atuação humana. Durante a folia carnavalesca do ano de 2000, ao observar a multidão que acompanhava a cantora Daniela Mercury, surge a idéia de se estudar a tecnologia aplicada ao turismo. Naquela ocasião, a denominada, rainha do axé, ao cantar a canção Elétrica, utilizada como epígrafe neste trabalho, propunha ao seu público, extremamente diversificado, entre brasileiros e estrangeiros, uma releitura dos conceitos sobre o que é ser homem, lançando o desafio da compreensão desse novo mundo influenciado pela cibernética. A mistura de ritmos da melodia (o

2 12 toque percussivo da tradição do candomblé e o som distorcido da guitarra elétrica) e as indagações contidas na letra da canção propuseram questionamentos sobre a função do homem e da máquina nesse momento atual dominado pela cibercultura. Em uma relação metafórica, o texto parece considerar os códigos de micro como novas possibilidades de comportamento social e humano, podendo-se incluir, neste caso, os processos de dominação que caracterizam a tecnocracia. O que sugere a cibercultura, então? Optar entre o livre arbítrio e os códigos de micro? Usá-los para propagar a dominação social? Ou usá-los para garantir o direito de ir e vir, como fez o filho pródigo? Observa-se, atualmente, que o computador já faz parte de quase todas as ações e lugares do mundo, redefinindo os comportamentos e espaços sociais. Intranet, extranet, pontos de conexão, lugares digitais, a telepresença, o conhecimento do outro que continua estranho e mais uma série de componentes são responsáveis por novas concepções de mundo e por novas formas de interação humanas. Em casa, no trabalho, nas ruas, nas escolas, nas bibliotecas, tudo está rendido às facilidades e encantamentos dessa máquina inteligente. Estudiosos de diversas áreas convergem na acepção de que o mundo está vivenciando um tempo digital vasto em informações e infraestruturas. Os potenciais e benefícios são grandes e o momento da construção é tão rápido que nada foge a esse processo. Crescem uniões econômicas e sociais, as normas e leis começam a ser reavaliadas, surgem medidas políticas para funcionar em âmbito local e global, os espaços são transformados para adequar as novas tecnologias às sociedades, os aspectos culturais definem as potencialidades econômicas, tudo girando em volta desse complexo sistema em andamento de inovações tecnológicas e construções de novas infraestruturas. Nesse sentido, encontrar os códigos culturais requer uma tomada de ações conscientes, que são ações livres, ações de livre arbítrio. Conhecer os limites entre os códigos de micro e os

3 13 códigos humanos é justamente tentar compreender a função do computador junto aos sistemas sociais, buscando como a máquina da cibercultura pode potencializar as funções dos locais. A percepção dessas indagações, em um momento de multiculturalismo e descontração, ou aproveitamento do tempo livre, culminou em um processo de elaboração do estudo dessas transformações junto à atividade turística. Considera-se, para tanto, que, com o desenvolvimento de tecnologias, a atividade turística caracteriza-se enquanto fenômeno mundial, delimitando sua importância econômica e cultural. Partindo deste princípio, pode-se conceber que, com a proliferação das tecnologias digitais, os serviços turísticos passam a ser mais rápidos e mais eficientes, estabelecendo um público altamente exigente e com interesses diversos, obrigando os locais receptivos, a adaptarem-se às novas realidades. A partir dessa percepção, entende-se que a relação entre turismo e tecnologias começa a exigir um estudo detalhado, contemplando as questões identitárias, os novos códigos culturais e a nova dinâmica social que emergem nos centros receptivos, a partir da utilização dos novos aparatos. Portanto, o objetivo principal desta pesquisa é entender como as tecnologias digitais estão potencializando as ações que dinamizam o setor, tendo como referência o município de Porto Seguro-Ba. A escolha do município deve-se à sua atual organização cultural, na qual o turismo desponta como principal atividade socioeconômica, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (censo de 2000). Busca-se, para tanto, traçar um estudo sobre a produção cultural contemporânea do destino, considerando o uso das tecnologias digitais, enfatizando como a história, as manifestações artísticas e os fatores ambientais estão representados nas mediações ciberculturais do município (representações na internet). Nesse sentido, busca-se apontar um modelo de cidade virtual, adequado a potencialização da atividade

4 14 turística no local, que contemple o multiculturalismo como fator de estímulo à cidadania, enfatizando fatores como educação, relações interpessoais e identidade cultural. O fundamento para análise da cidade sobre a perspectiva da Revolução Digital é encontrado na obra Telecommunications and the City de Graham e Marvin (1996) e na obra Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea de Lemos (2002). Os autores são contundentes na idéia de que a relação entre cidades e telecomunicações deve superar o determinismo tecnológico e o futurismo utópico. Lemos apresenta em sua obra um panorama sobre a cibercultura, mostrando o seu surgimento e como esta está manifesta nos locais e nas ações do cotidiano popular. Também o autor apresenta um estudo sobre o imaginário da cibercultura, enfatizando as expressões do underground, uma série de fatores e aspectos que compõem a ambiência em uma atmosfera cibernética. Graham e Marvin (1996) cogitam com quais finalidades devem ser aplicadas as tecnologias digitais aos setores sociais para a promoção da melhor organização da sociedade. Na obra, entende-se que somente a partir de um estudo detalhado e crítico dos aspectos que caracterizam a dinâmica de um local (políticos, econômicos, sociais e o desenvolvimento humano) pode-se chegar a um entendimento dos impactos das tecnologias em toda a sociedade e, então, criar perspectivas reais de como a tecnologia pode melhorar, ampliar e potencializar as ações do local. Os autores entendem as transformações tecnológicas como fatores de reconfiguração da sociedade, envolvendo e entrelaçando todos os seus aspectos. A metodologia estipulada para o desenvolvimento deste estudo possibilitou um levantamento de dados, com análise e avaliação, de aspectos socioeconômicos e humanos no município de Porto Seguro, promovidos pela atividade turística no período de Para tanto, foram definidas quatro etapas de trabalho que envolveram pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Na pesquisa de campo, utilizou-se do método intencional não

5 15 probabilístico por julgamento para coletar opiniões de nativos e de turistas e da etnografia para apresentar uma descrição da dinâmica do município. No processo de construção do texto, optou-se, quando necessário, pela utilização de box 1 para completar as discussões, a partir da disponibilização de fotografias e textos complementares. Informações sobre a história, a economia, o meio ambiente a as ações sociais bem como dados estatísticos estão presentes nesta dissertação de modo a permitir a maior compreensão e detalhamento dos aspectos contemporâneos do município. As informações coletadas foram analisadas à luz de teóricos do turismo, da comunicação e de culturalistas, dando ênfase aos estudos da cibercultura. Os estudos sobre turismo fundamentam-se em considerações de Bignami (2002), Beni (2000), Dias (2003), Lage (2000), Minani (1996), Moesch (2000) e Oliveira (2000). Para embasar os estudos sobre tecnologia e meio social, foram usados os teóricos Habermas (1968), Benjamim (1994), Lemos (1999; 2001; 2002), Beyers (1996), Dechert (1970), Graham e Marvim (1996), Leroi-Gourhan (1971;1984) Lévy (1996a; 1996b; 1999), Maffesoli (1998), evidenciando a trilogia de Castells (1999). Esses teóricos apresentam conteúdos que se completam, fornecendo conceitos, exemplos, análises e críticas à sociedade contemporânea bem como descrevem o processo histórico do desenvolvimento tecnológico, suas implicações e perspectivas para o convívio humano, considerando as questões culturais e identitárias, avaliando como estas se relacionam com as tecnologias digitais. Os estudos sobre processos comunicacionais estão delimitados a partir de Barbero (2001), Bordenave (2002), Castells (2003), Debord (1997), Hall (2003b) e por Macluhan. (1964). Por fim, para fomentar a discussão sobre a produção cultural contemporânea utiliza-se, como fundamentais, as concepções de Benjamim (1998), Bhabha (1998), Canclini (1998), 1 De acordo com o Manual de Redação da Folha de São Paulo (2000), box significa texto curto que aparece cercado por fios, em associação com outros textos, que podem ser biografia, reprodução integral de um documento, pequena entrevista, comentário entre outros elementos textuais.

6 16 Feathererstone (1997), Hall (2003a), Hannerz (1997), e Ianni (1999; 2000). Esses autores apresentam conteúdos complementares, importantes para a análise e compreensão das atuais transformações mundiais em seus aspectos políticos, econômicos e sociais, oferecendo uma contribuição para o entendimento das formações identitárias e das expressões regionais. O trabalho está divido em duas partes. Na primeira parte, estão o primeiro e o segundo capítulos e o terceiro e quarto compreendem a segunda parte. Cada capítulo está dividido em três tópicos, de modo que cada parte apresenta, ao todo, seis tópicos, com conteúdos específicos. Optou-se por esse modelo de estruturação para melhor delimitar as discussões, dando-lhes o aprofundamento necessário, de modo que a leitura não seja cansativa, considerando a dimensão da dissertação, devido à complexidade dos temas abordados desenvolvimento tecnológico, complexidade social, turismo e comunicação on-line. Na primeira parte, O porto, a cidade, a cibercidade: os sentidos da evolução tecnológica, tem-se uma discussão sobre a relação entre a formação cultural e o desenvolvimento tecnológico, com atenção voltada para a cibercultura. Esta temática está centrada no primeiro capítulo O desenvolvimento tecnológico e seus usos pelas manifestações culturais contemporâneas que termina com uma abordagem envolvendo a relação entre turismo e tecnologia. No segundo capítulo, Aspectos do imaginário e da história importantes para a construção da cidade virtual há uma acepção referente à formação do imaginário turístico sobre Porto Seguro bem como sobre a atual dinâmica social do município, evidenciando as práticas turísticas que emergem com a cibercultura. A segunda parte, O mundo digitalizado e seus impactos nas culturas locais, o enfoque é dado à relação entre internet e turismo. No terceiro capítulo A cidade do ciberespaço apresentase uma contextualização sobre a comunicação social e sua interferência nas dinâmicas sociais, trazendo uma abordagem sobre a internet, evidenciando as características e categorias de atitude

7 17 que delimitam sua particularidade, enquanto veículo de comunicação. Apresenta-se, entretanto, uma análise de sites referentes ao município de Porto Seguro, cujos aspectos observados correspondem à exploração das características do meio, à utilização das categorias de atitudes e ao conteúdo veiculado, tendo como referência os estudos sobre o imaginário e a dinâmica social, apresentados na parte anterior. No último capítulo, Navegar é preciso, viver é preciso também, apresenta-se uma sugestão sobre o modelo de cidade virtual adequada à potencialização da atividade turística no município do Porto Seguro. Para tanto, mostram-se expectativas de segmentos da população local com relação aos usos da internet. Por fim, é importante ressaltar que, neste trabalho, tem-se um estudo cultural sobre realizações contemporâneas que estão movimentando o turismo em Porto Seguro, não tendo portanto, a pretensão de se apresentar um mapeamento e/ou uma enumeração dos recursos tecnológicos disponíveis no município e utilizados pela população local. Assim, está-se oferecendo uma modéstia compreensão de como o turismo e a cibercultura, enfatizando a comunicação on-line, podem intensificar as potencialidades locais e ampliar as possibilidades de melhoria de vida do homem, considerando tanto aspectos socioeconômicos, quanto questões intelectuais e identitárias, contribuindo, desse modo, para que se possa edificar uma sociedade mais justa e mais democrática.

8 18 2. PARTE I: O PORTO, A CIDADE, A CIBERCIDADE: OS SENTIDOS DA EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA Nasce o sol e não dura mais que um dia./ Depois da luz, segue a noite escura./ Em tristes sombras, morre a formosura./e em contínuas tristezas, a alegria./ Porém se acaba o sol, porque nascia?/ Se é tão formosa a luz, porque não dura?/como a beleza assim se transfigura?/ Como o gosto na pena assim se fia?/ Mas no sol e na luz falte a firmeza./ Na formosura não se dê constância./ E na alegria sinta-se a tristeza./ Começa o mundo, em fim, pela ignorância./ Pois tem qualquer dos bens, por natureza, / a firmeza somente na inconstância. (MATOS, Gregório de. Da brevidade do gosto e das coisas. In: Os versos do poeta barroco, denominado Boca do Inferno, apresentam um questionamento sobre a existência das coisas e a ocorrência dos fatos. A essência do poema está centrada na mudança, que Gregório, metaforicamente, entende como a única característica fixa do homem e das sociedades. A inquietação do poeta com a brevidade do gosto e das coisas sugere ao homem uma indagação sobre a sua própria existência, sobre a veemência dos aspectos de sua cultura e sobre a tenacidade dos seus indicadores identitários. Começar o mundo pela ignorância é buscar a compreensão dos aspectos contemporâneos para dinamizá-los em um tempo posterior, ou mesmo no próprio tempo. É buscar as contínuas mudanças que impulsionam a dinâmica das sociedades e permitem a emergência de fatores que potencializam as ações humanas, como a tecnologia. A associação do poema com esta primeira parte do trabalho prende-se à indagação constante de como o desenvolvimento tecnológico pode fomentar as alterações nos modos de vida, contribuindo para a fragmentação das estruturas sociais existentes e excitando novas práticas culturais.

9 19 O propósito desta parte, é identificar o aporte do desenvolvimento tecnológico junto à dinâmica das sociedades, evidenciando a relação desse fator com o desdobramento da atividade turística. No primeiro capítulo, O desenvolvimento tecnológico e seus usos pela manifestação cultural contemporânea será discutido como a técnica contribui para a formação das culturas, evidenciado a atual forma de cultura, a cibercultura, bem como se dá a relação entre desenvolvimento tecnológico e a emergência da atividade turística, excitando uma discussão de como a cidade virtual pode contribuir para a potencialização do setor turístico. No segundo capítulo, Aspectos do imaginário de da história importantes para a construção da cidade virtual, serão traçadas indagações sobre o município de Porto Seguro a partir do momento histórico institucionalizado pela chegada dos portugueses. Serão apresentados aspectos identificadores do município, considerando o imaginário turístico e a evolução dos processos técnicos que podem caracterizar o local como Porto, como Cidade e como Cibercidade, notificando a movimentação turística que surge com a cibercultura. Este conhecimento é fundamental para a compreensão e crítica do conteúdo turístico difundido nos sites referentes ao município, cuja análise, está enfatizada na segunda parte.

10 O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E SEUS USOS PELAS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS CONTEMPORÂNEAS.

11 A cultura que emerge nas entrelinhas da tecnologia Abrivos, túmulos; mortos das pinacotecas, mortos adormecidos atrás de portas secretas, nos palácios, nos castelos e nos mosteiros, eis o porta-chaves feérico, que tendo às mãos um molho com as chaves de todas as épocas, e sabendo manejar as fechaduras mais astuciosas, convida-vos a entrar no mundo de hoje, misturando-vos aos carregadores, aos mecânicos empobrecidos pelo dinheiro, em seus automóveis, belos como armaduras feudais, a instalar-vos com todas essas pessoas, ciosas dos seus privilégios. Mas a civilização fará delas uma pronta justiça. (Discurso que Apollinaire atribuiu a seu amigo Henri Hertz In: - Acesso em 04 de janeiro de 2004) O discurso de Apollinaire convida o seu amigo a questionar o tempo, o mundo e as suas transformações, tendo como ponto de partida os insumos técnicos. Esse discurso suscita a idéia central a ser debatida neste tópico a relação entre tecnologia e formação cultural. Assim, partindo dessa perspectiva surrealista, será traçada uma tentativa de se compreender como as culturas humanas podem ser descritas pelo aporte tecnológico. Afinal, como ressalta Benjamin (1994), o surrealismo foi o primeiro estilo literário a se preocupar com as energias revolucionárias que transparecem a partir das inovações tecnológicas como as construções de ferro, as fotografias, os objetos industrializados e toda a parafernália que proclama a moda e os gostos e torna antiquadas as manifestações passadas. Para Benjamin (1994), há uma relação direta entre as revoluções sociais e os objetos frutos da criatividade humana que dá sentido e vez a toda uma produção cultural e que vai caracterizar um tempo no espaço de dependências técnicas, cuja nomenclatura (império, feudo, modernidade, revolução industrial, cibercultura...) deriva dos modos operacionais e

12 22 comportamentais bem como dos pensamentos desenvolvidos a partir das invenções e inovações técnicas. Estas, por sua vez, sinalizam a tentativa do homem em aprimorar as suas condições de vida e encontrar subsídios para melhor conduzir a realização de suas perspectivas. Portanto, as ações, invenções e inovações que potencializam, dinamizam e particularizam um local não só são elementos constitutivos da cultura como também são indicadores do pensamento vigente em uma esfera social. Assim, a tecnologia o desenvolvimento de técnicas lógicas de ação ou, ampliando o conceito de Castells (1999a), o uso de conhecimentos científicos ou não científicos para especificar as vias de se realizarem as coisas e as atividades de uma maneira reproduzível coopera para a edificação e solidificação de estruturas sociais (grupos, organizações, comunidades, cidades) e contribuem para a delimitação de práticas culturais que circunscrevem modos de vida. Afinal, como observa Leroi-Gourhan (1971), a tecnologia é a única disciplina etnológica que evidencia uma continuidade total no tempo, sendo, portanto, a única que permite a compreensão dos atos humanos em uma ordem cronológica. [...] o Homem aperfeiçoa os seus utensílios com tal eficácia que, de um ponto de vista moral, artístico e social, está agora ultrapassado pelos seus próprios meios de ação contra o meio natural, e este movimento de progresso técnico é tão flagrante que, desde há séculos, todos os grupos que se exaltam nos seus utensílios julgam-se ter-se também elevados em todos os outros domínios. ((LEROI-GOURHAN, 1984, p. 232) Não é um desatino expressar que a cultura tem suas raízes fincadas no âmago do fenômeno técnico. Contudo, compreende-se com Lévy (1999, p.22) que a técnica é um ângulo de análise dos sistemas sócio-técnicos globais, um ponto de vista que enfatiza a parte material e artificial dos fenômenos humanos, e não uma entidade real, que existiria independente do resto,

13 23 que teria efeitos distintos e agiria por vontade própria. Logo, os modos e os objetos técnicos comportam-se como elementos sinalizadores das práticas culturais de um local (envolvendo a totalidade das atividades humanas desde idéias até as construções materiais) e corroboram para a edificação de sua narrativa identitária. A relação entre cultura e tecnologia é fruto do modo como os atores sociais produzem, utilizam e interpretam as técnicas no seu dia-a-dia. Leroi-Gourhan (1984) aponta que, muito mais que um mecanismo de aperfeiçoamento operacional, os fatos técnicos cooperam para a compreensão das causas e do desenvolvimento dos processos históricos. As invenções, as inovações, as difusões entre técnicas oriundas de locais distintos, a inércia técnica ou mesmo a tomada de técnicas antigas provocam alterações na dinâmica cotidiana da sociedade, interferindo, conseqüentemente, em sua formação cultural, afinal, as descobertas tecnológicas ocorrem em afluências, interagindo entre si em um procedimento dialético cada vez mais intenso, indicando, em qualquer que seja o processo, que a inovação tecnológica não ocorre de forma isolada. Ela reflete um determinado estágio de conhecimento; um ambiente institucional e industrial específico; uma certa disponibilidade de talentos para definir um problema técnico e resolvê-lo; uma mentalidade econômica para dar a essa aplicação uma boa relação custo/benefício; e uma rede de fabricantes e usuários capazes de comunicar suas experiências de modo cumulativo e aprender usando e fazendo. (CASTELLS, 1999 a, p.55) A base do desenvolvimento tecnológico é também política e econômica uma vez que a transformação da natureza representa alterações no comportamento humano e, por

14 24 conseguinte, em toda vida social. Nesse sentido, pode-se dizer que as inovações e invenções do homem são ao mesmo tempo frutos das necessidades sociais e fomentadores de novas práticas culturais. Portanto, se a técnica se transforma na forma englobante da produção material, define então uma cultura inteira um mundo (HABERMAS, 1968, p.55). Assim o desenvolvimento tecnológico pode comportar-se como acelerador ou como freio das transformações em uma localidade, afinal, como lembra Lévy (1999), associados às técnicas estão projetos sociais, interesses políticos e econômicos, idéias, utopias e mais uma série de fatores que completam a gama das atividades dos homens na sociedade. As modificações nos sistemas sociais estão vinculadas às constantes reformulações técnicas que se constituem como uma linha evolutiva contínua. Esse encadeamento descreve o que Micthell (2000) denomina em seu E-topia de metamorfoses tecnológicas, permitindo que o espaço esteja sempre movimentado por um processo de construção/desconstrução, no qual o homem reformula o seu espaço, partindo sempre dos modelos existentes. Ou seja, o ponto de partida de um novo sistema social é o atual. Ele completa o que está feito, estruturando um novo modelo. Vale ressaltar que as reformulações tecnológicas não criam novas condições de vida nem novas necessidades, elas apenas as reinventam, transformando o funcionamento dos sistemas e redistribuindo as atividades, estendendo-as por vários outros caminhos. Porém, como alerta Mitchell (2000), à medida em que os sistemas tecnológicos modificam as operações sociais, o homem tem que buscar entendê-lo, escolher suas opiniões, seus destinos e, cuidadosamente, construí-los. Afinal, como aponta Dechert (1970), toda vez que se faz uma inovação tecnológica e científica, o homem muda, reconstruindo seu pensamento sobre as coisas, sobre o mundo e sobre si mesmo. Assim, pode-se dizer que as reformulações técnicas propõem novas

15 25 constituições sociais, transformando a vida e a concepção de vida em sua totalidade, provocando a ruptura de conceitos, de crenças, de valores, apresentando respostas, por um lado, e, por outro, gerando novas indagações. Para Habermas (1968, 45), na medida em que a técnica e a ciência pervadem as esferas institucionais da sociedade e transformam assim as próprias instituições, desmoronam-se as antigas legitimações. Nesse sentido, as metamorfoses tecnológicas rompem com as estruturas que se apresentam sólidas e apontam novos ícones, símbolos e significados para a coletividade. As constantes revoluções da produção estremecem sucessivamente as condições sociais, transformando as relações concretas em sistemas envelhecidos. Tem-se a desconstrução de elementos identitários do local e a edificação de novos indicadores, estabelecendo, então, um processo ininterrupto de reconfiguração da identidade. A identidade torna-se uma celebração móvel : formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um eu coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. (HALL, 2003, p.13). De acordo com Castells (1999b, p.22), entende-se identidade como a fonte de significado e experiência de um povo vigente em um determinado período. A identidade é responsável pela organização dos significados de um grupo social para os indivíduos, sejam eles componentes ou não do grupo. Porém, além da revolução nos modos de produção, deve-se compreender que há uma série de fatores interferentes na construção da identidade como a formação étnica, os aspectos ambientais, as mitologias e lendas que compõem as fantasias e crenças que giram em torno de uma ambiência.

16 26 Permeado por essa compreensão, Leroi-Gourhan (1984) notifica que a evolução dos modos de produção ocorre em um terreno instável, uma vez que os elementos constituintes dos processos que compõem a unidade técnica derivam de diferentes grupos étnicos e de tempos e espaços variados. A essa observância, acrescenta-se o fato de que em cada sistema técnico está em voga uma concepção ideológica que prescreve ações filosóficas, sociológicas, econômicas, políticas, comunicativas e administrativas (ainda que aparentemente imperceptível e inconsciente nas primeiras civilizações) bem como os sentimentos de medo e encantamento do homem para com os novos objetos. As alterações nos processos técnicos, portanto, estão atreladas à complexidade das sociedades e comportam-se como responsáveis pelo delineamento dos seus obstáculos e possibilidades, dos seus paradoxos, das suas certezas, das suas coerências e ambigüidades. Por isso, junto às metamorfoses tecnológicas pode-se identificar funções específicas do desenvolvimento tecnológico que podem contribuir para a compreensão de como as técnicas interferem na identidade cultural. Nessas sentido, Hall (2003) observa que, a partir da modernidade, as alterações sociais são mais profundas do que a maioria das mudanças características de períodos anteriores, uma vez que as conexões entre culturas passam a ser mais extensas e a interferir com mais intensidade no cotidiano popular. Faz-se importante salientar, entretanto, que, em qualquer período, o desenvolvimento tecnológico encontra-se veemente presente no imaginário social. De um modo, o refletir sobre a utilização das energias hidráulicas e eólicas e sobre o maquinismo e o automatismo que caracterizaram a produção técnica medieval, foi o fator preparatório do homem para a acepção da modernidade, afinal, proporcionou a emergência de novos códigos de procedimento nos quais a técnica era concebida como elemento impulsionador

17 27 das transformações do mundo. Todavia, é o Renascimento do século XV que vai permitir a manifestação de uma revolução epistemológica capaz de somar ao pensamento de então ideais da modernidade. O teocentrismo é superado pela razão humana difundida pelo empirismo de Francis Bacon e pelo racionalismo de René Descartes. O penso, logo existo tornou-se a metáfora perfeita para a legitimação das descobertas científicas e do domínio humano sobre a natureza inteligível. A vigência desse pensamento racionalista começa a preparar a sociedade para a conivência com o ritmo acelerado das inovações que vai, a partir do final do século XVIII, caracterizar as revoluções industriais, quando a fusão entre o desenvolvimento técnico e a organização social deixa de ser apenas um projeto da modernidade e torna-se um fato real. Ações e inovações características da I Revolução Industrial, ocorrida entre os séculos XVIII e XIX, a exemplo da máquina a vapor, a fiadeira e o tear mecânicos, a aplicação da força motriz às máquinas fabris, a difusão da mecanização na indústria têxtil e na mineração, a fabricação em série e o surgimento da indústria pesada além de potencializarem a produção, possibilitaram a consolidação do capitalismo, o surgimento do sistema burocrático, o povoamento dos centros urbanos e a formação de uma nova classe social a classe operária. A partir desse momento, as cidades começam a ser organizadas sob a lógica da industrialização, (re)definindo suas funções (industrial, agropecuária, turística...). Por esse contexto, começa-se a difundir, no pensamento popular, a crença de que o desenvolvimento tecnológico significaria uma melhoria da vida e das relações sociais. Assim, tem-se a idéia de progresso técnico associado diretamente à reformulação das estruturas sociais, articulando-se técnica, trabalho e economia política, consolidando uma sociedade industrial, na qual onde a tecnologia alastrava-se por todos os domínios da vida.

18 28 No entanto, pode servir como uma forma abreviada para designar o poder do propriamente humano e portanto antinatural presente no trabalho humano descartado acumulado em nossas máquinas um poder alienado, o que Sartre chama de a contra-finalidade do prático inerte, que se volta contra nós em formas irreconhecíveis e parece constituir-se no horizonte distópico massivo de nossa práxis coletiva e individual. (JAMESON,1997, p.61) Essa condição pragmática e alienante da técnica vai se evidenciar a partir da segunda Revolução Industrial, final do século XIX, ao promover a gênese de uma sociedade voltada para o consumo. Essa revolução caracteriza-se pelo desenvolvimento da eletricidade, do motor de combustão interna, de produtos químicos com base científica, da fundição eficiente do aço e pelo aprimoramento das tecnologias de comunicação e de transportes. O surgimento do sistema fordista e a apropriação de espaços comunicacionais, como a fotografia o cinema e o rádio, como divulgadores de produtos industrializados, iniciaram o processo de comunicação de massa que culminou na formação de uma nova prática cultural - a cultura de massa na qual o sujeito passa a ser compreendido como membro de uma coletividade, estando mais centrado no cerne das grandes estruturas sociais. A concepção de sujeito cartesiano é substituída por uma definição mais social do sujeito. [...] a medida em que as sociedades modernas se tornavam mais complexas, elas adquiriam uma forma mais coletiva e social. As teorias clássicas liberais de governo, baseadas nos direitos e consentimentos individuais, foram obrigadas a dar conta das estruturas do Estado-nação e das grandes massas que fazem uma democracia moderna. As leis clássicas da economia política, da propriedade, do contrato e da troca tinham que atuar, depois da industrialização, entre as grandes formações de classe do capitalismo moderno. (HALL, 2003, p.29)

19 29 Essa concepção orgânica e funcional das relações sociais está imersa na racionalidade ideológica da industrialização, que vigora durante o ápice da segunda revolução. Habermas (1968), ao dialogar com Max Weber e com Herbert Marcuse, vai considerar essa racionalidade como o conteúdo legitimador da dominação política, promotora das relações institucionalizadas. Para o autor, ela está intrinsecamente direcionada à laboração de estratégias de dominação tanto sobre a natureza quanto sobre o próprio homem social, comportando-se, dessa forma, como exercício de controles. Esse exercício condiciona-se à capacidade e ao interesse da delimitação dos aspectos sociais, não estando associado (diretamente) à opressão e à exploração, embora admita caráter repressor na medida que submete os indivíduos ao aparelho técnico e, conseqüentemente, ao estatal, compondo uma sociedade totalitária de base racional, voltada para a ampliação da comodidade da vida e intensificação da produtividade do trabalho. Assim, ao impor ao homem a vivência de ações padronizadas (caracterizando a cultura de massa), o desenvolvimento industrial contribui para a atuação do Estado. Esse promove a organização do tempo e dos espaços sociais, uma vez que o incremento das forças produtivas, associado ao desenvolvimento tecnológico e ao modo de produção capitalista, condicionava os cidadãos a pensar que o contínuo aumento da produtividade e o domínio da natureza cooperavam para a edificação de uma vida mais confortável. O aumento das forças produtivas institucionalizado pelo progresso técnocientífico faz explodir todas as proporções históricas. Daí tira o enquadramento institucional as suas oportunidades de legitimação. O pensamento de que as relações de produção pudessem medir-se pelo potencial das forças produtivas desenvolvidas fica cerceado pelo facto de que as relações de produção existentes se apresentam como a forma de organização tecnicamente necessária de uma sociedade racionalizada. (HABERMAS, 1968, p.48)

20 30 Nesse sentido, observa-se com Castells (1999a) que os ideais das revoluções industriais, ao difundirem-se por todo o sistema econômico e permearem em toda a esfera social, servem de base material para a continuação histórica das lutas humanas. Portanto, o desenvolvimento tecnológico, ao mesmo tempo em que se comporta como a base da legitimação do poder político, permite o surgimento de insólitos sistemas culturais, pois a racionalização inerente a tal processo amplia as esferas ideológicas do trabalho industrial, abrangendo outros âmbitos da vida como a urbanização, o tráfico econômico, as redes de transportes e de comunicação, as instituições de direito privado, as escolas, a religião bem como o aproveitamento do tempo livre. Então, se por um lado, a sociedade industrial retira do homem a sua autonomia, o impossibilitando determinar pessoalmente a sua vida, por outro, cria subsídios para que se formem grupos sociais. A utilização dos insumos tecnológicos e a reflexão sobre essa utilização ultrapassam, no século XX, os limites institucionais, fazendo emergir uma complexa estrutura social, caracterizada por conflitos de toda ordem. São problemas inseridos mais ou menos nas guerras e revoluções, nas lutas pela descolonização, nos ciclos de expressão e recessão das economias, nos movimentos do mercado de força de trabalho, nas migrações, nas peregrinações religiosas e nas incursões e tropelias turísticas, entre outras características mais ou menos notáveis da forma pela qual o século XX pode ser visto, em perspectiva geistórica ampla. São problemas raciais que emergem e se desenvolvem no jogo das forças sociais, conforme se movimentam em escala local, nacional, regional e mundial. Ainda que muitas vezes esses problemas pareçam únicos e exclusivos, como se fossem apenas ou principalmente étnicos ou raciais, a realidade é que emergem e se desenvolvem no jogo das forças sociais, compreendendo implicações econômicas, políticas e culturais. (IANNI, 1997, p.175) Desse modo, pode-se considerar, de acordo com Castells (1999b), uma distinção entre três formas e origens de construção da identidade, afinal, a constituição social da identidade ocorre

21 31 em uma conjunção marcada por relações de poder. Assim, tem-se a identidade legitimadora, introduzida pelos grupos dominantes, que, no caso, corresponde à identidade formada a partir da racionalização industrial; a identidade de resistência, característica dos grupos de oposição e a identidade de projeto quando o grupo redefine sua posição na sociedade, transformando toda a estrutura social. Estas duas últimas formas de identidade caracterizam os partidos políticos, sindicatos de operários, ambientalistas, feministas, homossexuais, negros e demais grupos que, de algum modo, lutam contra a cultura dominante com bases totalitária. Pode-se entender que, ao proteger a legalidade da dominação, a racionalidade tecnológica legitima uma sociedade totalitária de base racional, na qual as normas sociais são reforçadas por sanções, caracterizando a tentativa do Estado-nação em delimitar os indicadores culturais nacionais, fomentando a construção de uma identidade legitimadora. Em contrapartida, ao abranger vários âmbitos da vida, a tecnologia industrial acaba por permitir a formação de subsistemas culturais promotores da complexidade das relações sociais do sistema macro a que pertencem, gerando, então, a formação de grupos com identidades de resistência e de projeto. A constituição dos bairros e das camadas sociais, das associações (empresariais, filantrópicas, étnicas...), dos partidos políticos, dos grupos de oposição, das tribos urbanas bem como a formação dos guetos e das camadas do undergrounded dá-se a partir da consolidação de códigos sociais peculiares que permitem a emergência dos indicadores culturais de cada um desses subsistemas. Assim, em meados do século XX, as sociedades industriais já não mais poderiam ser concebidas como uma totalidade de indivíduos. Quando se combinam industrialização, urbanização, secularização da cultura e do comportamento, racionalização das ações e das instituições, mercado, produtividade, competitividade, individualização e individualismo possessivo,

22 32 como ocorre habitualmente no capitalismo, o resultado pode ser um ambiente social explosivo. Aí tendem a multiplicar-se as desigualdades sociais, juntamente com a divisão do trabalho social, com a hierarquização do status e papéis, com distribuição desigual do produto e do trabalho social. Esse o ambiente em que indivíduos, famílias, grupos e classes, ou maiorias e minorias, inseridos nas tramas das relações sociais, ou no jogo das forças sociais, podem tanto integrar-se como tensionar-se e fragmentar-se. (IANNI, 1997, p.1888) Nesse sentido, a evidência e o reconhecimento das diferentes identidades dos grupos culturais suscita uma nova forma de organização social, pois o racionalismo industrial, mesmo nas primeiras décadas do século XX, não se faz mais suficiente para manter a lealdade dos grupos culturais ao poder tecno-estatal. Então, o progresso tecno-científico e o controle sobre ele vão exigir uma nova forma de legitimação do poder político a consciência tecnocrática. A consciência tecnocrática é, por um lado, menos ideológica do que todas as ideologias precedentes; pois, não tem o poder opaco de uma ofuscação que apenas sugere falsamente a realização dos interesses. Por outro lado, a ideologia de fundo, um tanto vítrea, hoje dominante, que faz da ciência um feitiço, é mais irresistível e de maior alcance do que as ideologias de tipo antigo, já que com a dissimulação das questões não só justifica o interesse parcial de dominação de uma determinada classe e reprime a necessidade parcial de emancipação por parte da outra classe, mas também afeta o interesse emancipador como tal do gênero humano. (HABERMAS, 1968, p.80) O sentido utópico da vida boa vinculada ao desenvolvimento tecnológico perde a força de sua projeção na totalidade social e torna-se uma e-topia junto às diferentes perspectivas dos grupos culturais, manifestando-se em suas lutas por acesso às melhorias de vida, o que assinala a busca pela satisfação das necessidades privatizadas e uma tomada de consciência das massas sobre o seu contexto sócio-econômico. Contudo, o reconhecimento dessa postura analítica (vigente nos subsitemas), por parte dos grupos dominadores, vai tornar-se o fator responsável

23 33 pelo estabelecimento de regulações normativas direcionadas que despolitizam os sujeitos, vinculando-os a funções determinadas. Assim o sistema passa a ser composto por subsistemas de ações racionais dirigidas afins. É essa forma sutil de controle direcionada que caracteriza a consciência tecnocrática. Contudo, a difusão dessa consciência exige um entendimento das idéias e práticas que particularizam cada um dos subsistemas que compõem o (macro) sistema social. Este entendimento pode ser adquirido, entre outros aspectos, a partir da compreensão das relações econômicas e dos processos comunicacionais. Afinal, as sociedades capitalistas são, em essência, sociedades de mudanças contínuas e rápidas, edificadas a partir das informações recebidas sobre as suas próprias práticas e sobre as práticas de outros espaços. De acordo com Marx (1982), a partir do potencial econômico, dá-se a constituição das classes sociais, que vão, então, comportar-se como grupos culturais uma vez que se distinguem, umas das outras, pela forma organizativa que definem os seus significados peculiares. Esses significados estão impressos nos valores, nos modos comportamentais, nos ícones e nos símbolos sociais, nas manifestações estéticas, artísticas e religiosas, nas posições partidárias, nas lutas em prol dos direitos coletivos, dos usos e das reflexões sobre as transformações tecnológicas, e principalmente nas experiências compartilhadas. Tais elementos, entre outros, constituem os códigos que delimitam a identidade através da qual, a classe social torna-se reconhecida enquanto produtora de uma cultura específica, constituindo-se como um grupo cultural. Jameson (1997) aponta que a cultura deve ser pensada em termos de uma explosão, cuja expansão abrange todas as esferas do domínio social. Dos valores econômicos e das peripécias estatais às práticas e à própria estrutura da psiquê, tudo, na vida social, pode ser considerado como cultural. Nesse sentido, Barbero (2001), chama atenção para a necessidade de se aceitar

24 34 uma pluralidade de culturas, que corresponde a diferentes modos de vida social, cujo entrelaçamento vai fomentar o processo de hibridismo cultural (CANCLINI, 2000), o qual vai ratificar o caráter dinâmico da cultura. Logo, pode-se pensar a cultura como um constante processo de criação, de transformação de conhecimentos e vivências e de reformulação do ambiente em que o homem vive e justamente por isso as identidades culturais estão sempre em mutação. O entendimento sobre esse processo pode permitir a identificação dos espaços enquanto lugar, território, lar... nação, cujos significados são apropriados pelas experiências coletivas que se formam a partir da intersecção entre concepções individuais que vão definir modos de vida. Ao agrupar-se em organizações comunitárias, as pessoas desenvolvem um sentimento de pertença a uma identidade cultural, através da qual, sentem-se representadas e motivadas a lutarem pelos propósitos tanto pessoais, quanto coletivos. Essa identificação é componente de formação da ambiência de um grupo cultural ou sistema/classe social. As pessoas se socializam e interagem em seu ambiente local, seja ela a vila, a cidade, o subúrbio formando redes sociais entre seus vizinhos. Por outro lado, identidades locais entram em intersecção com outras fontes de significado e reconhecimento social, seguindo um padrão altamente diversificado que dá margem a interpretações alternativas. (CASTELLS, 1999b, p.79) Essas interações e interpretações compõem as ações comunicativas. Essas se configuram a partir dos sentidos que o grupo emprega às informações que recebe, sejam elas, oriundas do poder estatal, do desenvolvimento tecnológico ou de outros grupos quaisquer bem como a partir da forma com que o grupo produz e faz circular, tanto interna como externamente ao sistema, as suas próprias informações.

25 35 A comunicação simbólica entre esses seres humanos e o relacionamento entre esses e a natureza, como base na produção (e seu complemento, o consumo), experiencia o poder, cristalizam-se ao longo da história em territórios específicos, e assim geram culturas e identidades coletivas (CASTELLS, 1999 a, p. 33) A compreensão desse processo interativo e da construção de sentidos decorrente pode proporcionar o entendimento dos códigos culturais, uma vez que a comunicação perpassa por todas as esferas da sociedade, promovendo o elo entre os seus membros e a propagação das alterações em sua dinâmica. E como as metamorfoses tecnológicas são fomentadoras da dinâmica social, pode-se conceber, com Lerói-Gourhan (1984), que o meio social é um meio técnico delimitado pelo poder econômico e pelos códigos culturais que o caracterizam. Nesse sentido, afirma-se que a cultura emerge nas entrelinhas da tecnologia. Portanto, as tentativas do homem em desenvolver, entender e firmar uma identidade pessoal e coletiva a partir da revolução industrial compõe o cenário socioeconômico do século XX, no qual o desenvolvimento tecnológico assume abertamente a sua condição de delimitador das ações culturais. A complexidade dessa conjuntura perpassa por todos os aspectos da sociedade. As relações políticas, os conflitos entre os grupos culturais, as expressões religiosas, as manifestações artísticas, os sistemas administrativos e comunicacionais, a atividade turística, a vida cotidiana e a totalidade de aspectos que compunham as ações humanas têm sua funcionalidade a partir de uma consciência high tech positivamente imperante, que a partir da década de 1970 toma caráter ubíquo, sendo incisiva para a edificação e consolidação, no final deste século XX e início do atual, de uma sociedade viciada em tecnologias cibernéticas. O desenvolvimento tecno-científico associado a instituições, empresas e a mão-de-obra qualificada proporcionou o surgimento da Revolução Digital ou, como denomina Castells

26 36 (1999a), Revolução da Tecnologia da Informação ou Revolução da Informação, formando (ou forjando?) a Sociedade da Informação e a Era do Conhecimento, que está transformando a cultura material em mecanismos de um novo paradigma tecnológico, fomentando uma nova forma cultural a cibercultura que está manifesta, de algum modo, em todas as áreas de atuação humana contemporâneas, acelerando as trocas entre os grupos culturais e os situando em uma dimensão global, formando uma nova realidade extremamente abrangente, complexa e, em muitos casos, contraditória. Mais uma vez, no final do século XX, o mundo se dá conta de que a história não se repete no fluxo da continuidade, das seqüências e recorrências, mas que envolve também tensões, rupturas e terremotos. Tanto é assim que permanece no ar a impressão de que terminou uma época, terminou estrondosamente toda uma época; e começou outra não só diferente, mas muito diferente, surpreendente. Agora são muitos os que são obrigados a reconhecer que está em curso um intenso processo de globalização das coisas, gentes e idéias. (IANNI, 1997, p.10) É, portanto, uma nova perspectiva de novidade, de mudanças e de ruptura com o passado repressor que vai caracterizar as últimas décadas do século XX e os primeiros anos do atual. A humanidade mais uma vez se depara com uma nova realidade, com novas possibilidades e ressurgem as indagações sobre a atuação humana, desta vez, pensada em uma ambiência planetária. Assim, entram em negociação os valores locais e globais, redimensionando todas as esferas da vida, desde as realizações mais banais do cotidiano até as mais complexas relações políticas e econômicas entre as nações. Esse é o ambiente em que se prolifera a cibercultura, a cultura contemporânea, que, de acordo com Lemos (2002), corresponde a uma atitude influenciada pela contracultura americana que acena contra o poder tecnocrático, promovendo a democratização da informação.

27 Qual é a onda 2 da cibercultura? [...] Acessando a internet você chaga ao coração da humanidade inteira sem tirar o pé do chão. Reza Pai Nosso em hebraico, filosofa em alemão, entende porque o Michael deu chilique na televisão. Kdi Vinil, quando é que tu vai gravar CD? São milhões de megabits afanando a solidão, com a graças de Bill Gates salve a globalização. Se o homem já foi a lua, vai pegar o sol com a mão. Basta comprar um PC e aprender o abc da informatização. (BALEIRO, Z. Kid Vinil. In: zeca-baleiro.letras.terra.com.br/letras/80229/ Acesso em 04 de janeiro de 2005). A epígrafe, um fragmento da canção Kid Vinil, está propondo reflexões sobre as mudanças operacionais e comportamentais emergentes nesse momento de cibercultura. O texto apresenta vantagens oferecidas pelo atual avanço tecnológico, mostrando as possibilidades que esse novo sistema higt tech oferece ao homem, ao mesmo tempo em que traz questionamentos sobre os usos da tecnologia por meio da metáfora que envolve Kid Vinil, um músico colecionador de discos de vinil, que se recusa a gravar CDs. Assim, o compositor, convida seu público a meditar sobre as novas possibilidades de relacionamento humano, de aquisição de conhecimentos e informações e de operacionalização das ações. Será realmente necessária a substituição das antigas técnicas por novas? A quem interessa esse procedimento? O homem deve ser sempre dependente das inovações ou ele deve adaptá-las às suas necessidades e desejos? Que interferências as novas tecnologias digitais provocam nas culturas e como elas podem estabelecer suas identidades frente ao ininterrupto processo de 2 Expressão popular baiana, utilizada para propor uma questão. Geralmente substitui termos como o que estar acontecendo? ; o que houve?; qual é o problema?

28 38 globalização? E até que ponto esse processo contribui para a melhoria das sociedades e da vida humana? Qual identidade cultural forma-se com a cibercultura? Qual é a onda da cibercultura? Na efervescência conflituosa em que o homem busca delimitar e conceituar o tempo atual como modernidade tardia (HALL, 2003) ou como pós-modernismo (JAMESON, 1997) ou como pós-modernidade (FEATHERSTONE, 1997) vigora uma nova forma de pensar e agir, de impulsionar os processos econômicos, políticos e sociais; uma nova forma de se buscar a interação humana e a resolução de problemas que permeiam as sociedades; uma nova forma de entender o homem e de se questionarem as suas ações e inter-relações e, logicamente, de controlá-las. Formas estas de tal modo sinérgicas que proclamam sincretismos operacionais entre o homem e a máquina, desencadeando uma série de novos processamentos, idéias e conceituações acerca das próprias ações e dos espaços que as possibilitam. A integração crescente entre mentes e máquinas, inclusive a máquina de DNA, está anulando o que Bruce Mazlish chama de a quarta descontinuidade (aquela entre seres humanos e máquinas), alterando fundamentalmente o modo pelo qual nascemos, vivemos, aprendemos, trabalhamos, produzimos, consumimos, sonhamos, lutamos ou morremos. Com certeza, os contextos culturais/institucionais e a ação social intencional interagem de forma decisiva com o novo sistema tecnológico, mas esse sistema tem sua própria lógica embutida, caracterizada pela capacidade de transformar todas as informações em um sistema comum de informação, processando-as em velocidade e capacidade cada vez maiores e com custo cada vez mais reduzido em uma rede de recuperação e distribuição potencialmente ubíqua. (CASTELLS, 1999a, p.51) Na busca da definição e da superação do próprio tempo, o homem acaba por produzir um novo movimento de criação e de transformação do social, uma nova forma de cultura que resulta da aplicabilidade científica sobre o desenvolvimento da técnica, fomentando uma revolução operacional e comportamental, baseada na codificação da informação a Revolução Digital.

29 39 Nessa nova conjuntura, o homem entra no processo de reconfiguração, ressignificação, reconstrução das esferas sociais para adaptá-las ao presente, repensando as melhores maneiras de reconstruir e reescrever (como este texto) a vida em sua totalidade de aspectos. Por outro lado, Lévy (1999) chama a atenção para o fato de que essa revolução pode despontar como o outro ameaçador para aqueles que não se encontram diretamente envolvidos nos processos de criação e de apropriação dos novos instrumentos digitais. Para dizer a verdade, cada um de nós se encontra em maior ou menor grau nesse estado de desapossamento. A aceleração é tão forte e tão generalizada que até mesmo os mais ligados encontram-se em graus diversos, ultrapassados pela mudança, já que ninguém pode participar ativamente da criação, das transformações, do conjunto de especialidades técnicas, nem mesmo, seguir essas transformações de perto (LÉVY, 1999, p.28). A Revolução Digital é o sistema de produção motivado pela cibernética, a ciência de controle e processamento de informações (DECHERT, 1970). As ações desenvolvem-se a partir das redes de comunicação telemáticas, interligadas por nós, que permitem a troca e o encaminhamento de informações. Essas informações são codificadas em dígitos binários, os bits, que se processam pela quantização de dados, delimitados pelo tempo em que se formam as amostragens, que aparecem como os sinais 0 e 1. Uma vez agrupados, os sinais formam os Bytes de informação, desencadeando uma nova ordem global, fundamentada pelas telecomunicações digitais cuja evolução é ordenada em kilobis, megabits e gigabis. Graham e Marvin (1996) observam que essas telecomunicações digitais estão sendo difundidas rapidamente nas casas, nos locais de trabalho, nas ruas e em várias instituições públicas. Para eles, o resultado dessa conjunção é um processo de convergência tecnológica e a rápida penetração das chamadas redes telemáticas em todas as esferas de atuação do ser humano. Essas redes compõem a infra-estrutura necessária para a ligação de computadores, acelerando os

30 40 processos de inovação nos usos e tratamentos da informação. De acordo com Lévy (1999), não importa a natureza, um texto, uma imagem, um som... qualquer mensagem ou informação se puder ser explicitada ou medida, certamente será traduzida pelas tecnologias digitais, sendo processada, automaticamente, com bastante precisão, alta velocidade e em grande escala quantitativa. Contudo, muito mais que a conversão da informação do modo analógico ao digital, o nascimento da micro-informática (e da cibercultura) é fruto de movimentos sociais (LEMOS, 2002, p. 111), caracterizando uma nova lógica em relação a essas tecnologias contemporâneas, atribuindo-lhes qualidades lúdicas, criativas e enriquecedoras. Esse movimento, resultante de convergências culturais, pode apresentar novos significados para a produção tecnológica, divergentes daqueles definidos pela sociedade do consumo que a submetia aos interesses econômicos dos grupos dominadores, uma vez que os cidadãos conectados podem utilizar as novas tecnologias para o compartilhamento de emoções, a ampliação do convívio e para as construções comunitárias. A cibercultura, então, pode ser entendida como uma nova forma de se pensar e de se construir o mundo, forma esta que admite associação de vários segmentos culturais e humanitários. A partir dos novos potenciais interativos, o homem se depara com a possibilidade de renegar e, portanto, abalar (e, quem sabe romper?) com os princípios deterministas e reguladores que fundamentam a consciência tecnocrática imposta nos primórdios do mesmo sistema tecnocientífico. É, portanto, o vasto contingente de oportunidades que configura a cibercultura como uma realidade sócio-técnica e como um movimento social, no qual o homem, inserido nesta nova ordem, torna-se capaz de, ele mesmo, criar sua própria ambiência e interagir com os mais longínquos espaços do planeta, dinamizando, ainda mais os processos de globalização.

31 41 A cibercultura pode estar manifesta ao mesmo tempo e em tempo real nos mais distintos e distantes locais do globo, sugerindo e permitindo ao homem a ampliação dos seus horizontes, através da reconfiguração e reedição dos espaços e dos modelos políticos, econômicos, educacionais bem como da produção e circulação de informações, a partir do uso das novas tecnologias. Essas, por sua vez, não podem ser concebidas apenas como ferramentas manipuláveis, mas como processos a serem desenvolvidos, podendo confundir (ou fundir) as categorias de usuários e de criadores. Segue-se uma relação muito próxima entre os processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas). Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo. (CASTELLS, 1999a, p. 51) Mitchell (2000) observa que o homem está deixando o estágio de lidar com ícones e comandos virtuais presentes no desktop, baseados em metáforas icônicas do uso de objetos reais, para promover a incorporação da lógica digital aos próprios objetos, expressando noções de interface e ambiente de respostas que podem gerar uma relação simbiótica entre o homem e o computador. Como exemplo dessas apropriações, tem-se o modelo de pesquisa desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) sob o nome genérico Things That Think coisas que pensam. A partir desse modelo, Mitchell (2000) interpreta o software como o elemento fundamental desse processo de reconfiguração dos espaços e da atuação humana, tornando-se o pressuposto central da incorporação da lógica da programação aos lugares, objetos e ações do cotidiano, edificando ações computacionais. Essa conjunção, portanto, de software e hardware

32 42 nas atividades diárias, estão transformando, adaptando e modificando a dinâmica dos sistemas culturais. Ao andar pelas ruas e locais das metrópoles ou mesmo das regiões interioranas, o homem pode perceber e vivenciar essa conjunção. A tecnologia incorporada através de sensores ópticos, códigos de barra, leitores de impressões digitais, sistemas de reconhecimento de faces, GPS, dispositivos acústicos, eletromagnéticos, cartões de acesso, os bancos 24 horas, a telefonia celular, entre vários outros insumos, sinalizam a convergência do local em uma conjuntura cibernética, caracterizando a aplicabilidade da teoria da informação, que busca a redução dos erros e aceleração dos processos, fomentados pela Revolução Digital. Essa atual estrutura com base em tecnologias programáveis interfere nas relações de tempo e espaço com a dinâmica das localidades que passam a ter as redes informacionais como mais um fator condicionante de sua funcionalidade. Assim como as redes de água, esgoto e eletricidade trouxeram novidades para o cerne social, proporcionando melhorias na infraestrutura urbana e na qualidade de vida nos centros urbanizados, as redes de informação computacionais estão formatando um novo modo de vida, desenvolvendo a idéia de uma sociedade eletrônica e digital focada no desenvolvimento do que Mitchell (2000) denomina computers for living in computadores para a vida. Para o autor, de eletrodomésticos às vestimentas e assessórios pessoais tudo se insere na lógica de que podem se tornar utensílios capazes de, alguma forma, transportar, transmitir, gerenciar e apresentar dados, transformando e ampliando, conseqüentemente, as fronteiras das sociedades. Fomentando o cenário da cibercultura, observam-se eventos e ações sociais como as raves (festas alucinantes e liberadas), a ciber-moda tribal e presenteísta, repleta de materiais sintéticos, piercings e tatoos, que proclamam novos padrões estéticos, os cyborgs protéticos e

33 43 interpretativos, os netcyborgs 3, o hipercorpo 4, as atitudes cyberpunk 5 e a ciberarte (utópica, futurista e funcional). Estes aspectos apontam para presença e permanência da essência ciber como o motor das movimentações do homem contemporâneo. Ainda destacam-se os cybercafes,(cafeterias eletrônicas que promovem agregação a partir das redes telemáticas) as Lan Hauses (locais de jogos eletrônicos) e as novas projeções da arquitetura voltadas para adaptar as tecnologias contemporâneas aos locais além de infinitos modos comportamentais criativos que repercutem na estrutura dos sistemas sociais, potencializando as suas funções, garantindo as metamorfoses tecnológicas e, evidentemente, trazendo toda a sua problemática. A manifestação da cibercultura pode se percebida, inclusive, em expressões lingüísticas cotidianas. Por exemplo, o verbo unir está sendo comumente substituído por lincar (derivado de link). As relações entre grupos, empresas e organizações formam redes organizacionais (lembrando as redes telemáticas); estar atento a um fato é atualmente conectar-se (como a internet); aderir a uma causa ou a um grupo passou a ser plugar-se (de plug). E, entre várias outras expressões lingüísticas, a mais popular, indubitavelmente, é o virtual, geralmente substituindo o termo imaginário ou algo impossível de acontecer ou algo que só acontece em pensamento (ainda que contrariando a teoria). A cibercultura vai, pouco a pouco, redefinindo nossa prática de espaço e do tempo, particularmente no que se refere ao novo nomadismo tecnológico e às fronteiras entre o espaço público e o espaço privado. Com os telefones celulares, os fax, os computadores portáteis, modem e satélites, estamos em casa o tempo todo. Como disse Barlow num evento multimídia em Amsterdã, minha casa é meu . O espaço privado se imbrica no espaço público e vice-versa, numa 3 Em Lemos (2002) cyborg protéico é uma pessoa, cujo funcionamento fisiológico, é ajudado por aparelhos eletrônicos. O interpretativo constitui-se pela influência dos meios de comunicação de massa e os netcyborgs, são os cyborgs interpretativos das redes, libertando-se da sociedade do espetáculo. 4 Para Lévy (1996) o hipercorpo constitui-se a partir do transplante de órgãos, criando uma grande circulação de órgãos entre os corpos humanos, o que corresponde à virtualização do corpo. 5 De acordo com Lemos (2001) o cyberpunk é um reflexo da cultura contemporânea que se caracteriza por ser um mistura de estilos, utilizando-se da sátira e de outras formas literárias, como o horror e o fantástico, para, ao mesmo tempo, negar os fatores agressivos e repressivos e afirmar a luta contra a tecnocracia.

34 44 verdadeira publicização do privado e de privatização do público. (LEMOS, 2002, p.128) Conforme Lévy (1996), pode-se dizer que esse conflito espacial corresponde tanto à desterritorialização quanto ao efeito Moebius (passagem do interior ao exterior e do exterior ao interior), caracterizando a virtualização do espaço e das ações. O processo de virtualização se inicia quando as entidades (idéias, pessoas, ações, lugares, grupos culturais...) penetram em uma atmosfera de mutação da identidade, passando do campo ontológico para um campo problemático, onde se desprendem de suas bases estruturais, ficando disponíveis para a coletividade, o que vai implicar, conseqüentemente, nas trocas de identidade e de funções entre os fatores envolvidos. Nesse momento de trocas, as entidades tornam-se virtuais. Por uma acepção filosófica, Lévy (1999, p. 49) entende o virtual como aquilo que existe apenas em potência e não em ato, o campo de forças e de problemas que tende a resolver-se em uma atualização. O virtual encontra-se antes da concretização efetiva ou formal. Portanto, o processo de virtualização antecipa e põe em discussão os fatos, as ações e as idéias humanas, possibilitando o surgimento de várias interpretações. E é justamente essa abrangência subversiva que vai situar a virtualização em um campo problemático. Assim sendo, através do processo de virtualização, tem-se a redefinição das práticas cotidianas e, conseqüentemente, alterações nas funções e nas estruturas dos locais. Como exemplo de estruturas contemporâneas virtualizadas, pode-se apontar a reconfiguração da residência (privado/interior) em um ambiente de trabalho (público/exterior), fundindo os limites que separam (ou separavam) o ócio do negócio. Como um outro protótipo, tem-se o surgimento

35 45 das máquinas inteligentes, que potencializam as relações assíncronas 6 (intermediada pela máquina), permitindo a ampliação das relações face-a-face (síncronas), além de uma série de outros mecanismos fomentados pela emergência das tecnologias de informação e por sua permeabilidade em todas as áreas de atuação humana. Nessa nova conjuntura, as comunidades, instituições, organizações, cidades... têm a perspectiva de estenderem-se para o ciberespaço, um plano metafísico e insistentemente problemático que, de acordo com Lévy (1999, p. 92), corresponde a um espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores. Ou ainda pode-se pensá-lo como um objeto comum, dinâmico, construído, ou pelo menos alimentado, por todos que o utilizam (LÉVY, 1996, p. 128), em que estão inclusos os sistemas de comunicação eletrônicos enquanto transmissores de informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização. Conectado às redes, o homem perde a referência espacial e temporal. No ciberespaço, ele se depara com vários universos, rompendo as barreiras do conhecimento e até mesmo desafiando a física newtoniana, ocupando, ao mesmo tempo, vários espaços em um só lugar. O homem mergulha no ambiente digital e se enquadra à virtualidade. O longe tornou-se um lugar que não existe mais mesmo. As distâncias são superadas e os deslocamentos e as ações ocorrem em um tempo rápido e sem medidas, projetados em uma Realidade Virtual. O espaço se fragmenta de acordo com as necessidades humanas. Tudo isso repercute nas estruturas socioeconômicas nacionais, redefinindo os comportamentos culturais. A característica principal dessa atual 6 Não chega a ser uma novidade absoluta, afinal outras formas comunicativas como telefonemas e cartas nos habituou em uma comunicação interativa, recíproca, assíncrona e à distância. Contudo, apenas as particularidades técnicas do ciberespaço permitem que os membros de um grupo humano (que podem ser tantos quantos se quiser) se coordenem, se cooperem, alimentam e consultam uma memória comum, e isto quase em tempo real, apesar da distribuição geográfica e da diferença de horários. (LÉVY, 1999, p.49).

36 46 revolução não é a centralidade de conhecimentos e informações, mas sim, a sua aplicabilidade em um processo continuum de realimentação cumulativa entre as inovações tecnológicas e seus usos. Todo esse movimento social permite a incidência da sociedade da velocidade e das ações sinérgicas em que o hibridismo cultural e operacional vai desencadear, muito mais rapidamente, a convergência de diversas culturas e contraculturas, de diversas manifestações étnicas, indentitárias, éticas e estéticas, fomentando o tribalismo e diferentes formas de interação do humano com as tecnologias digitais e, a partir delas, várias experiências coletivas espontâneas. Constata-se um alastramento cultural tanto para além das fronteiras dos sistemas sociais, pois as redes são mundializadas, como para os domínios regionais, municipais e domésticos, possibilitando a conexão entre os mais distantes locais do globo terrestre. Desse modo, entendese que esse sistema digital constitui-se como uma nova forma de ligação entre os espaços, podendo ser distinguidos os componentes das relações intracidades e intercidades (Mitchell, 2000). Há técnicas e custos diferentes para o desenvolvimento do sistema entre área local, área metropolitana e redes de longas distâncias. As atuais redes de longas distâncias ligações de intercidades são formadas por interconexão em centros de mudanças com alta capacidade, cabos de fibra óptica, ligações por microondas ou via satélites. Esses centros de mudança são Pontos de Presença POPs que constituem a base material das relações intracidades e intercidades. Os POPs, são, nada mais que, pontos de conexão entre localidades. Qualquer que seja sua forma portos, aeroportos ou computadores são potenciais geradores de atividades socioeconômicas em suas regiões. Esses pontos, portanto, constituem-se como a infraestrutura necessária para a efetivação das trocas sociais e econômicas entre os sistemas culturais, provocando súbitas mudanças em suas dinâmicas. Assim, o sistema de telecomunicações digitais

37 47 a longa distância tem criado novos tipos de interdependências entre regiões dispersas, exigindo uma reformulação rápida dos conceitos e valores locais para adaptá-los aos modos globais. Esse processo contribui para a flexibilização das identificações regionais em complexas identidades glocais como resultado de uma negociação ou de uma familiarização (FEATHERSTONE, 1997) ou mesmo de um hibridismo entre as expressões culturais do local com as de outras regiões do globo, evidenciando novas práticas em seus limites geográficos. À medida em que as culturas tornam-se glocais, os seus elementos identitários vão tomando cada vez proporções mais complexas, principalmente pensando-se em termos de cultura de consumo 7. Nesse caso, não se pode ignorar ou simplesmente considerar distantes, estranhos ou exóticos, os novos signos, significados e ícones que provêem de outras culturas, uma vez que estes passam a compor a nova atmosfera do lugar. Como sugere Featherstone (1997), para poder entender e se situar nesse novo contexto, pessoas, governantes, organizações, cidades... devem acostumar-se com a flexibilidade e a capacidade de mudanças de códigos das práticas e experiências com que se deparam, afinal, elas constituem as novas identidades culturais, reunindo aspectos globais e locais. Essas identidades glocais desenvolvem-se através de processos transculturais que indicam formas de afirmação, recuperação, invenção ou reinvenções da identidade. O transculturalismo é uma condição e um produto das migrações transnacionais, dos movimentos dos indivíduos, famílias, grupos, coletividades, sempre envolvendo diferentes etnias e distintos elementos culturais. Ao mesmo tempo em que se formam bolsões, enclaves ou guetos, também multiplicam-se os conctatos, intercâmbios, mesclas, hibridações mestiçagens ou transculturações. Criam-se novos contextos sócio-culturais, outras possibilidades de produção material e espiritual, contextos esses nos quais multiplicam-se as diversidades, 7 O termo cultura de consumo não apenas assinala a produção e o relevo cada vez maiores dos bens enquanto mercadoria, mas também o modo pelo qual a maioria das atividades culturais e das práticas significativas passa a ser mediadas através do consumo (FEATHERSTONE, 1997, p. 109).

38 48 as desigualdades, as intolerâncias, tensões, xenofobias, etnicismos e racismos. (IANNI, 1997, p. 202) Nesse sentido, em todos os níveis e em todas as esferas sociais, os POPs conduzem o homem ao processo de aceleração das suas perspectivas. Todas as formas de produção social e econômica, tanto a produção material quanto a espiritual bem como as empatias e antipatias entre os grupos culturais podem ser inseridas nesse processo da glocalização e então ampliarem seus limites, ou, por uma expectativa mais positivista com relação às antipatias sociais, findarem-se. É interessante notificar que, ao mesmo tempo em que sistemas culturais alargam suas fronteiras, tornando-se cosmopolitas, reestruturam-se no âmbito interno criando também novos horizontes e novas possibilidades em termos de localismo, (re)configurando, desse modo, as relações intracidades, através da edificação dos Pontos de Presença Digital. Faz-se importante a especificação POP Digital, para os locais de interação entre homem e tecnologias digitais uma vez que aeroportos, rodoviárias e portos, por exemplo, são, de fato, Pontos de Presença e não dependem necessariamente dessas tecnologias para sua funcionabilidade. Pode-se considerar os POPs Digitais como Digital Places, termo concebido por Thomas Horan (2000) para designar os locais onde as pessoas podem interagir com o computador ou através dele, entrando simultaneamente em sinergia com o espaço físico e o virtual. Contudo a principal característica desses locais é que podem funcionar como uma ágora cultural, na qual as pessoas de uma mesma comunidade adquirem mais uma oportunidade de interação, como vem ocorrendo nos Espaços Internet Aveiro Digital 8 da cidade de Aveiro em Portugal e em centros nacionais como Porto Alegre/RS nos Telecentros 9 e no projeto intitulado, Porto Digital 10, na

39 49 capital pernambucana, e em vários outros empreendimentos privados como os cybercafes e as Lan Hauses. Esses espaços representam a tentativa do homem em potencializar as suas ações, fortalecendo os laços comunitários e fomentando as relações intracidades. Contudo, essa conjunção entre o físico e o virtual deve ser realizada após reflexões sobre a melhor forma de integrar os objetos eletrônicos aos lugares, preocupando-se com a estética e as funções do local e principalmente com as necessidades e desejos dos moradores. Essa adaptação, portanto, deve ocorrer obedecendo às características locais e aos anseios da população, então, reconfigurando o senso do local ou o fluid locations, que Horan (2000) entende como uma superestrutura de auto-identificação do espaço físico através de sua memória, idéias, atitudes, valores, preferências, significados e concepções. O senso do local é o que permite uma maior interação entre comunidades vizinhas. Essa reconfiguração exige uma ambientalização dos aspectos contemporâneos, impostos pelas tecnologias digitais às características econômicas, sociais, estéticas e éticas locais, de modo que o novo modelo possa contribuir para o processo de continuidade evolutiva 11 das funções do local, promovendo ao cidadão a melhoria da vida e maior sagacidade referente à sua identidade. Horan (2000) alerta que para recombinar o design urbano devem ser considerados conhecimentos os mais diversos como científicos, tecnológicos, políticos, sobre a arquitetura e, principalmente, sobre as ações locais, agrupando-os na perspectiva de desenvolvimento junto aos digital places. Esse, portanto, pode ser considerado como um deliberativo e interativo processo interdisciplinar de reinvenção das bases e das circunstâncias sociais. 11 A continuidade evolutiva que se está cogitando refere-se aos processos materiais da cultura como agilização das ações e das trocas econômicas, participação política... e não a uma continuidade cultural, que não pode ser considerada, e ainda que fosse possível estaria condicionada além das metamorfoses tecnológicas, a vários outros fatores como etnia, ambiente, religião, trocas culturais.

40 50 Fundamentado por Castells (1999a), pode-se conceber os digital places (e qualquer outro POP) como espaços de fluxos 12, afinal, proporcionam o processamento da informação, podendo suprir uma lacuna junto à democratização da informação além de poder potencializar as diversas atividades econômicas, políticas e sociais de uma localidade. Contudo, esses processamentos, como informa o mesmo autor, materializam-se e concretizam-se em espaços de lugares 13, o que delimita a edificação dos pontos de presença às peculiaridades culturais e características físicas e arquitetônicas do ambiente. Portanto, os POPs digitais são, ao mesmo tempo, espaços de fluxo e espaços de lugar, sendo que no primeiro caso está-se considerando o processamento das ações e enquanto espaço de lugar cogita-se o local de concretização das ações. Embora já tenha sido cogitado, é importante evidenciar que a edificação dos POPs deve estar associada ao compartilhamento das decisões referentes a um local, implicando no cuidado com os aspectos que compõe a sua ambiência e o torna peculiar. E nessa perspectiva de democratização, considera-se que a operacionalização através dos digital places, deve possibilitar maior interatividade entre as pessoas, de modo que possam escolher os destinos do seu local de moradia e dos locais de seus interesses, à medida em que a influência mútua entre a organização material, as práticas sociais e as infra-estruturas tecnológicas atenta para a importância da identidade cultural na reorganização espacial. 12 Para Castells (1999a), o espaço de fluxos refere-se à organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de seqüências intencionais, repetitivas, programáveis de intercâmbio e interação entre posição fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômicas, política e simbólica da sociedade. A dominação estrutural dessa lógica provoca alterações no significado e na dinâmica dos lugares. 13 Espaço de lugares fica entendido em Castells (1999a) pela independência das formas, das funções e dos significados dos locais dentro das fronteiras da contigüidade física, podendo claramente ser identificável tanto na aparência quanto no conteúdo. Ou seja, os espaços de lugares são locais que apresentam uma atmosfera peculiar identificada pelo seu fluid locations.

41 51 Nesse sentido, pode-se estabelecer com Horan (2000) uma diferença entre comunidades de lugares e comunidades de interesses para grupos que entram em conexão através do ciberespaço. As primeiras são formadas por pessoas que habitam uma mesma localidade e as comunidades de interesses ultrapassam as fronteiras locais, sendo constituídas por pessoas de locais diversos que compartilham idéias e objetivos semelhantes. Ambas as comunidades podem contribuir para a dinâmica do local no espaço físico. Seja comunidade de interesse, seja comunidade de lugar, o fato é que a digitalização das comunidades amplia suas ações e torna-se ponto de partida para que novas perspectivas sejam projetadas em seu âmbito. Essa extensão vai então contribuir para a reconstrução do espaço físico, criando um ambiente social, onde os cidadãos teriam mais oportunidades para se aprofundar em questões do seu interesse, podendo gerar uma maior inter-relação social e reformulação dos aspectos culturais. Essas novas perspectivas estão provocando significativas mudanças na estruturação dos grupos culturais conectados. As normas começam a ser criadas, pelo Estado e por organizações internacionais, para regular serviços públicos e universais, as oportunidades de desenvolvimento tornam-se as mesmas no interior e nos grandes centros, o que não implica em uma dispersão espacial, mas em uma onda de urbanização generalizada. Com essa infraestrutura digital, torna-se crescente a distribuição da sofisticação educacional, medicinal e de outros serviços vitais, podendo, do ponto de vista operacional, gerar o desaparecimento das diferenças entre cidades e fazendas, regiões centrais e periféricas. Grupos da chamada contra-cultura e a maioria discriminada podem, através do ciberespaço da internet, romper com as esferas sociais dos preconceitos e construir formas organizativas de ação mais dinâmicas, mais velozes e mais abrangentes, divulgando idéias,

42 52 expressando os descontentamentos cotidianos, agrupando e mobilizando pessoas e transformando, conseqüentemente, as questões localizadas em fenômenos globais. Desse modo, os grupos podem fomentar um ativismo eletrônico, constituindo redes de movimentos sociais. A essa organização cívica através do ciberespaço denomina-se ciberativismo, que pode dinamizar as lutas e os interesses comuns das entidades civis a favor da justiça social. O ciberativismo amplia as esferas dos movimentos sociais, proporcionando a manifestação dos interesses e necessidades dos grupos culturais, sem submetê-los às determinações e hierarquias tradicionais. Nesse sentido, formam-se redes de organismos independentes que favorecem a intensificação de parcerias e a internacionalização dos propósitos locais, podendo-se cogitar a formação de grupos mundiais de oposição aos efeitos nefastos da globalização, reunindo forças para convertê-los em ações em prol dos direitos humanos. Beyers (2000) notifica que, nesse novo contexto cibercultural, a produção industrial começa a ser suprida pelo desenvolvimento da Economia de Serviços, que corresponde a trabalhos de alta qualidade, com ênfase à inovação contínua e a uma busca constante por flexibilidade, eficiência e responsividade. Negociantes vêm percebendo que começar a competir em um mercado global (no tempo adequado e falando a língua certa) pode tornar-se mais interessante que começar no espaço físico em que se encontra. As ofertas podem ser ordenadas ou redistribuídas eletronicamente, crescendo facilmente e alcançando mercados consumidores, os mais distantes possíveis. Por outro lado, enquanto as empresas empurram seus produtos, os usuários atentam para as melhores aquisições. Portanto, ao mesmo tempo em que as companhias desenvolvem sistemas alternativos de distribuição, estão ameaçando a estabilidade e a existência de seus concorrentes. Não é surpresa, o conseqüente

43 53 crescimento de uma competição ainda mais violenta e a perpetuação das acirradas desigualdades sociais. Como em qualquer outro sistema de produção, o atual modelo virtual permite a existência de tecnologias de controle para o fluxo de informações e serviços que formam o ciberespaço. Aliás, como alerta Mitchell (2000), acreditar que a informação circula livremente no ambiente digital é um mito, uma utopia, mas preocupar-se com o controle das informações é uma dystopia, afinal, esses sistemas de controle do ciberespaço têm a mesma força e potência dos portões físicos, o que alerta para a elaboração de conceitos cada vez mais contundentes sobre esse novo contexto, uma vez que na sociedade glocal as estruturas de poder desenvolvem-se com perspectivas globais, atuando como forças decisivas na criação e regulamentação dos processos que disseminam o novo mapa do mundo. Evidentemente, essas estruturas não prescindem das configurações nacionais e regionais, muito menos, dos sistemas de integração dos blocos geopolíticos. Umas vezes apóiam-se neles, assim como em outras combatem-nos. Isso fica evidente nas controvérsias sobre como administrar a dívida interna e externa, como desestatizar ou desregular a economia, reduzir tarifas, acelerar a integração regional, etc. [...] São estruturas globais de poder, às vezes contraditórias em suas diretrizes ou práticas, mas sempre pairando além de soberanias e cidadanias nacionais e regionais. Parecem desterritorializadas, já que deslocam-se ao acaso das suas dinâmicas próprias, deslocadas de bases nacionais, do jogo das relações entre estados nacionais. E reterritorializam-se em outros lugares, principalmente em cidades globais, trasncedendo nações e nacionalidades, fronteiras e geografias. (IANNI, 1997, p.17) Nesse sentido, ao considerar que as redes telemáticas são as atuais ferramentas para a potencialização das relações comerciais, Graham e Marvin (1996) atentam para o fato de que elas podem contribuir para a centralização do controle global e das funções de gerenciamento nas mãos de pequenos grupos, manipulando locais em desenvolvimento (cidades ou países) apenas como operadores e receptores de produtos, e assim, forjam a sociedade do conhecimento, criando

44 54 a ilusão de que tudo tende a harmonizar-se. Essas redes estão favorecendo a penetração de regiões periféricas por organizações centralmente localizadas, designando um sistema de troca inter-regional de bens, de informações e de serviços com desenvolvimentos cada vez mais específicos para as diferentes localidades. Assim possibilitam o gerenciamento em tempo real das ações nos grupos sociais, criando regras-chave na constituição do novo espaço social e fragmentando por pedaços sua utilidade com maior nível personalizado, de acordo com as diferenças socioeconômicas. Desse modo, constituem-se, ainda mais sutilmente que a consciência tecnocrática da sociedade industrial, como uma forma de dominação completamente cínica e descompromissada com os direitos individuais e com a prosperidade coletiva. Portanto, essa nova conjuntura cibercultural pode ampliar a capacidade, eficiência e segurança das relações existentes, mas também pode tornar as relações humanas e a administração pública, em sociedades em desenvolvimento, mais complexas, exigindo estratégias de gerenciamento muitas vezes não satisfatórias para a maioria da população, como ocorrem, por exemplo, com as privatizações, em que o governo passa a se eximir das responsabilidades pela prestação de serviços de infra-estrutura básica. Assim sendo, essas novas infra-estruturas de telecomunicações devem ser adaptadas aos locais, dando suporte à estabilização dos sistemas de água, de energia, de transporte e demais necessidades da população, apresentando, aos operadores, mais uma possibilidade de manutenção da qualidade dos seus serviços e, aos consumidores, novas oportunidades de realizações cotidianas. Segundo Graham e Marvin (1996), somente com um estudo detalhado e crítico dos diversos aspectos que caracterizam a dinâmica de um local pode-se chegar a um entendimento das interferências das tecnologias em toda a sociedade e, então, criar perspectivas reais de como a tecnologia pode melhorar, ampliar e potencializar as ações do local. O entendimento da relação

45 55 entre cidades e telecomunicações deve, contudo, superar o determinismo tecnológico e o futurismo utópico, com o objetivo de promover a construção social a partir da tecnologia. É importante que as inovações tecnológicas sejam contextualizadas em ações sociais, identificando aspectos positivos e negativos, demonstrando que as conseqüências da utilização de tecnologias digitais na cidade tanto podem ser benéficas quanto maléficas. As telecomunicações podem ser usadas na exploração e organização de novas áreas, promovendo o esvaziamento de outras, recriando novos sistemas de uso e controle do espaço. Essa novidade tecnológica pode perfeitamente tornar-se um pesadelo tão medonho fazendo com que os habitantes das regiões interligadas, principalmente nos locais periféricos, experimentem apenas os sintomas paradoxais dessa nova ordem higt tech mundial. Nesse sentido, envolto em uma visão pessimista, Virilio (1993) chama a atenção para o fato de que o ciberespaço pode transformar os locais de convivialidade em espaços do vazio, onde as ações humanas podem confundir-se com um sistema de audiência eletrônico, que poderia causar uma série de interrupções (como ele denomina os fechamentos de empresas, o desemprego, o trabalho autônomo, as privatizações, etc) e de turbulências capazes de desorganizar o meio urbano, provocando o declínio e a degradação dos locais. Para o autor, com a interface da tela, as coisas e os fatos passam a existir enquanto distância, compondo uma nova representação sem visibilidade face-a-face, podendo fazer desaparecer a ambiência das ruas e avenidas, daí a razão pela qual ele considera o ciberespaço como um espaço crítico. A representação da cidade contemporânea, portanto, não é mais determinada pelo cerimonial de abertura das portas, o ritual das procissões, dos desfiles, a sucessão de ruas e das avenidas; a arquitetura urbana deve, a partir de agora, relacionar-se com a abertura de um espaço-tempo tecnológico. O protocolo de acesso da telemática sucede ao do portão. Aos tambores de portas sucedem-se os dos bancos de dados, tambores que marcam os ritos de passagem de uma cultura técnica que avança mascarada, mascarada pela imaterialidade de seus componentes, de sua redes, vias e redes diversas cujas tramas não mais se inscrevem no espaço de um tecido construído, mas na seqüência de uma planificação imperceptível do tempo, na qual a interface homem máquina toma o lugar das fachadas dos imóveis, das superfícies, dos loteamentos... (VIRILIO, 1993, p.10)

46 56 Evidentemente, essa perspectiva é um tanto dramática, assemelhando-se muito mais à literatura de ficção científica ou a um roteiro da teledramaturgia do cinema norte-americano. Não se pode prever, muito menos determinar, todas as implicações que um invento tecnológico pode causar em uma sociedade. Não existem tecnologias do bem nem do mal, apenas a organização social em consonância com a administração pública pode direcionar os destinos e os usos das tecnologias em uma localidade, podendo impedir determinadas interrupções e turbulências. Contudo, o posicionamento do autor, aponta para a necessidade de tomadas de decisões perspicazes junto ao aproveitamento dessas novas tecnologias para que a cidade e os locais de habitação humana não sejam pensados apenas como espaços de reprodução de ações digitais, perdendo sua dinamicidade e peculiaridades. É necessário estar atento aos novos significados que esse mundo digital está impondo e como eles podem reorganizar o espaço habitado e, então, apropriá-los às diversas propostas do ser humano. Compreender, portanto, as diferentes perspectivas das organizações culturais e educacionais do local, as políticas governamentais e as atividades propostas pela comunidade em uma versão adaptada aos debates do passado é procurar atribuir um novo sentido às interações resistentes encontradas nas mesmas, forçando, assim, uma redefinição da democracia. Políticas governamentais fortes com bases locais têm que ser instituídas para garantir que o sistema digital não reduza a existência humana aos constantes conflitos do ser ou não ser e do ter ou não ter. A continuidade do histórico processo evolutivo tecnológico mostra que, em todas as mudanças ocorridas nas dinâmicas sociais, os ricos e poderosos sempre foram os primeiros (e muitas vezes os únicos) a beneficiarem-se com as inovações. Por isso, cada vez mais, surgem contundentes visões utópicas e/ou pessimistas sobre essa nova conjuntura. Mas é preciso fazer bem melhor para escapar das ciladas do ingênuo determinismo tecnológico. É

47 57 preciso desenvolver uma ampla ação orientada para as perspectivas tecnológicas, econômicas, sociais e políticas reais do que esteja acontecendo na sociedade. É justamente para se evitar um colapso social que se deve pesar as melhores formas de se adaptarem as tecnologias aos locais, preocupando-se, logicamente, com as sua funções. Cada área de atuação exige direcionamentos específicos, assim as técnicas utilizadas devem partir da necessidade de aprimoramento das ações, possibilitando a compreensão das complexas relações que as envolvem. Assim, em tais aplicabilidades, devem ser identificadas funções características do desenrolar técnico (dicotômica, dialética, sinalizadora e dinamizadora), de modo que seu entendimento promova o aperfeiçoamento da ação, preocupando-se, evidentemente, com as expressões que compõem a identidade cultural do sistema social em que se está imersa a atividade. Por essa perspectiva, no próximo tópico, será apresentada uma abordagem de como o desenvolvimento tecnológico pode contribuir para o aperfeiçoamento da atividade turística, preocupando-se com nativos, turistas e profissionais envolvidos no setor. A ênfase do estudo será dada aos fatores tecnológicos (ou derivados dos usos da tecnologia) que impulsionam a prática da atividade e aqueles fatores que podem culminar no seu aperfeiçoamento.

48 Desenvolvimento tecnológico, complexidade social e turismo O gueto, a rua, a fé./eu vou andando a pé,/ pela cidade bonita./ O toque do afoxé e a força de onde vem?/ Ninguém explica, ela é bonita.(mercury, Daniela. Canto da cidade. In: Daniela Mercury, disco Elétrica, 1998) Contemplar as belezas arquitetônicas e naturais da cidade, vivendo a diferença e se reconhecendo nela ao andar pelos guetos, ruas, festas, museus, igrejas, bares e restaurantes, desvendando seus mistérios e realizando as mais inusitadas fantasias de consumo e de convivialidade são fatos que enaltecem pessoas, promovendo evasão, distração e o encontro com a diversidade, com a alteridade, e com a(s) sua(s) outra(s) face(s). Assim, ao andar pela cidade, nesse movimento de contemplação dos espaços, muitas vezes, idealizados no imaginário através dos programas de TV, das páginas de livros e revistas ou das projeções na internet, o homem pode encontrar-se no outro, sem se preocupar com o tempo, com as ações, com as regras e mesmo sem se preocupar com os excessos. Todas essas idiossincrasias, sugeridas pela epígrafe, ocorrem pelo contato do homem com um mundo, quando ele se permite entrar em um estado de apreciação e admiração do espaço, ultrapassando, muitas vezes, os próprios limites culturais. Essas ações compõem a atividade turística, interferindo nas estruturas dos locais onde ela se evidencia, criando perspectivas as mais diversas possíveis entre nativos e visitantes 14, através da potencialização do contato humano. O turista, por analogia a Benjamin (1989), é o próprio flâneur que, no descanso, 14 Neste trabalho, os termos visitantes e turistas são usados como sinônimos, embora turismólogos e a própria Organização Mundial de Turismo OMT, considerem que o visitante só pode ser concebido como turista se permanecer mais de um dia no local visitado.

49 59 vaga por espaços que o desvinculem do seu meio social, buscando viver os seus exageros sem medo, realizando desejos que, por algum motivo, não podem ser experienciados no local de residência. Uma embriaguez acomete aquele que longamente vagou sem rumo pelas ruas. A cada passo, o andar ganha uma potência crescente; sempre menor se torna a sedução das lojas, dos bistrôs, das mulheres sorridentes e sempre mais irresistível o magnetismo da próxima esquina, de uma massa de folhas distantes, de um nome de rua. Então vem a fome. Mas ele não quer saber das mil e uma maneiras de aplacá-la. Como um animal ascético, ele vagueia através dos bairros desconhecidos até que, no mais profundo esgotamento, afunda em seu quarto, que o recebe estranho e frio. (BENJAMIN, 1989, p. 186) Assim como o flâneur descrito por Benjamin (1989), o turista busca enquadrar-se em uma determinada ambiência, que lhe proporciona evasão em todos os sentidos e a experimentação do outro em seu espaço natural, deixando fluir o(s) outro(s) de si em uma condição de completo contentamento e encantamento. Contudo, enquanto o fâneur benjaminiano vaga constantemente, sozinho, pelas ruas, como se fosse uma profissão, o turista busca nos locais que ele elege como seu destino turístico a fuga da sua rotina cotidiana, em um tempo determinado, no qual ele não somente consome o espaço (de acordo com seu poder econômico), permitindo-se vivenciar uma variedade de cenas e de situações, como também edifica novas interações humanas a partir de interesses comuns, por isso diz-se que essa é uma flanerie burguesa temporária e comunitária. Essa observância sobre a diversidade de facetas e a flanerie burguesa temporária e comunitária como delineantes da atividade turística fundamenta-se a partir dos estudos de Maffesoli (1998) sobre a multiplicidade do eu e a ambiência comunitária; a partir da concepção de capitalismo desenvolvida por Marx (1982); dos estudos sobre a interferência da técnica no

50 60 meio social de Leroi-Gourhan (1971) e, principalmente, a partir do surgimento dos estudos culturais, que, como já sinalizado, vão compreender as classes sociais como grupos culturais. Enquanto o capitalismo vai segmentar a sociedade por capacidade de consumação, delimitando-a enquanto classe de pobres e de ricos, os estudos culturais vão compreender as diferentes perspectivas entre essas classes e, mesmo dentro delas, evidenciando valores, gostos, modas, costumes, estéticas, éticas políticas e sociais, etnias, crendices peculiares que particularizam cada grupo enquanto produtor de uma cultura específica. Cada um destes tem reações próprias aos acontecimentos regionais e mundiais e que por isso não podem ser compreendidos por uma totalidade de indivíduos, agrupados por montantes financeiros. Contudo, a condição econômica é também um elemento delimitador de um grupo cultural. O turismo é uma combinação complexa de inter-relcionamentos entre produção e serviços, em cuja composição integram-se uma prática social com base cultural, com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidades, troca de informações interculturais. O somatório desta dinâmica sociocultural gera um fenômeno recheado de objetividade/subjetividade, consumido por milhões de pessoas. (MOESCH, 2000, p..9) Ao considerar todas essas perspectivas junto ao turismo, está-se situando a atividade em um campo problemático, uma vez que esses fatores estão sempre em negociação, o que contribui para o processo de mutação das identidades envolvidas na prática turística (turistas, nativos e destinos turísticos). Para Moesch (2000), a compreensão dessa problemática implica no entendimento de uma nova cultura, que extrapola o determinismo capitalista sobre o turismo. Segundo a autora, esta nova cultura consiste em uma pressão crescente sobre a produção da subjetividade social, promovendo um contínuo fluxo de ressignificações da realidade derivadas da relação entre visitados e visitantes. Afinal, o turismo, deve-se ressaltar, caracteriza-se

51 61 basicamente como uma atividade de trocas, sejam elas econômicas, sejam elas sociais, cujos efeitos e resultados só se observam após as temporadas turísticas após as altas estações. Assim, ao caracterizar-se como um processo de trocas contínuas, Lévy (1996) aponta que o turismo é a mais virtual de todas as atividades econômicas, exigindo o entrelaçamento de vários setores da atuação humana como a comunicação, a administração, a sociologia, a economia, as medidas políticas, os meios de transportes e demais áreas das quais estão dependentes a organização e o bom desempenho do setor. O principal setor mundial em volume de negócios, lembremos, é o turismo. Viagens, hotéis, restaurantes. A humanidade jamais dedicou tantos recursos a não estar presente, a comer, a dormir, viver fora de sua casa, a se afastar de seu domicílio. Se acrescentarmos ao volume dos negócios do turismo propriamente dito o das indústrias que fabricam veículos (carros, caminhões, trens, metrôs, barcos, aviões etc.), carburantes para os veículos e infraestruturas (estradas, earoportos...), chegaremos acerca de metade da atividade econômica mundial a serviço do transporte. O comércio e a distribuição por sua vez fazem viajar signos e coisas. Os meios de comunicação eletrônicos e digitais não substituem o transporte físico, muito pelo contrário: comunicação e transporte, como já sublinhamos, fazem parte da mesma onda de virtualização geral. (LÉVY, 1996, p.51) Portanto, ao situa-lo em um campo problemático e por evolver o deslocamento em busca de peculiaridades e preferências culturais bem como alterações nas identidades dos destinos e das pessoas envolvidas, o turismo pode ser entendido como uma atividade cultural da desterritorialização e da virtualização, que se prolifera, entre outros fatores, a partir do desenvolvimento tecnológico. Portanto, considerando com o autor da citação acima, que o meio humano é também um meio técnico.,deve-se ressaltar toda a problemática social decorrente dos usos da tecnologia não somente nos centros receptivos destinos turísticos mas também nos centros emissivos local de origem do turista.

52 62 Desse modo, os motivos que fomentam os locais como destinos turísticos e caracterizam a sua identidade não estão centrados apenas nas suas peculiaridades culturais, mas também nas características e exigências do grupo cultural a que pertence o turista grupos culturais emissivos. Considerando-se, inclusive, que as tentativas de satisfazer os desejos do visitante interferem na organização dos destinos turísticos, contribuindo para as suas hibridizações culturais e, conseqüentemente, para as alterações em sua identidade e em suas manifestações socioeconômicas. Assim, notificando que a invenção e utilização de tecnologias contribuem para o reconhecimento, delimitação, dinamização e trocas das identidades culturais, é evidente a estreita relação entre atividade turística, uma atividade social e econômica, e o desenvolvimento tecnológico, relação esta que se constitui como uma ferramenta importante para se entender a emergência e o incremento da atividade e suas adjetivações. Contudo, para se chegar a esse entendimento da relação entre tecnologia e turismo, deve-se considerar a interferência da tecnologia na dinâmica dos centros emissivos, já que se observa que a identidade dos destinos turísticos está também atrelada ao local de residência do turista. Para Benjamin (1989), as inovações tecnológicas obrigam as pessoas a se acostumarem rapidamente com as mudanças sociais e com o novo ritmo das cidades em que convivem. Citando Simmel, ele observa que o desenvolvimento dos meios de transportes coletivos, por exemplo, trouxe para os habitantes dos centros urbanizados a situação nada acolhedora de terem que se olhar reciprocamente por uma período de tempo sem se comunicarem. À luz do capitalismo, o autor assinala que essa condição justifica-se pelo fato de as interações humanas nesses centros tecnologicamente desenvolvidos estarem, em geral, determinadas por relações que instituem os cidadãos, geralmente, como devedores e credores, vendedores e fregueses, patrões e empregados e demais tipos individualizados que delimitam a vida em períodos abstrativos e racionais.

53 63 Ainda, analisando os escritos do poeta Balzac, em Modeste Migno, quando relata suas impressões sobre determinadas ações e aspectos que compunham a cidade de Paris, na França, Benjamin (1989), atenta para o fato de que o desenvolvimento tecnológico permite o controle e a padronização da vida social, correspondendo ao que Habermas (1968), entendeu como o exercício de controles. Para o ficcionista, os locais de estacionamento, que registram os momentos de chegada e de partida dos cidadãos, e a numeração dos imóveis, estabelecida por cadastramento público, favorecem ao domínio da sociedade, constituindo-se como referências adequadas para avaliar o progresso da normalização. Pode-se conceber, a partir das notificações de Benjamin (1989) e dos estudos de Maffesoli (1998), que a padronização das ações e o surgimento das relações racionalizadas são conseqüências do desenvolvimento tecnológico que podem provocar nas pessoas o desejo de deslocar-se para locais, onde possam fugir da linearidade operacional e das normalizações características dos centros urbanos, à medida em que são implementadas e absorvidas novas técnicas de ação. Assim, nos períodos de descanso, surge como uma possibilidade de fuga da rotina, o deslocamento para onde o homem tecnicizado pode, espontaneamente, compartilhar as emoções com aqueles que têm as mesmas necessidades de interação, já que, geralmente, estas não podem ser experienciadas cotidianamente, por conseqüência da dinâmica do local em que vivem. Por essa perspectiva, pode-se dizer que estar em outro local que não o seu de residência, já é em si, uma forma de vivenciar a alteridade. As padronizações e individualizações da sociedade tecnocrática restringem as relações sociais ao processo de sociabilidade, que corresponde à institucionalização das interações humanas segundo a visão de Maffesoli (1998). Em contrapartida, o autor define as relações fundamentalmente empáticas que ocorrem por meio dos interesses comuns como relações de socialidade. Nesse contexto, considerando que o turismo possibilita a fuga das normalizações

54 64 impostas pelo cotidiano racional e individualizado, aponta-se que esta corresponde a uma atividade de agregação social para indivíduos de um mesmo grupo cultural, o que vai caracterizar a atividade como sendo eminentemente empática, colocando-a no âmbito da socialidade. E é a partir das especificidades dos grupos culturais que surgem as segmentações turísticas, constituindo o que se poderia chamar comunidades turísticas, cujo reconhecimento e entendimento favorece à melhor organização e planejamento do setor. Leroi-Gourhan (1971) evidencia dois tipos de fenômenos que contribuem para a compreensão desta perspectiva em que se está correlacionando turismo e desenvolvimento tecnológico. Os fenômenos de tendência, intrínsecos à natureza do desenvolvimento dos processos tecnológicos, e os fenômenos de fato que estão associados ao meio em que ocorrem. Para o autor, esses fenômenos são complementares, correspondendo a duas faces de uma determinada ação, sendo o primeiro previsível e universal e o segundo condicionado a intenções e a aspectos locais. A essa concepção, acrescenta-se o posicionamento de Carvalho (1996, p.102), ao apontar que a realização das dimensões da essência humana é possibilitada, entre outras coisas, pelos artefatos criados pelo trabalho humano, do homem para o homem, numa escala de tempo cada vez mais historicizada. A observância dessas realizações humanas permite, então, o reconhecimento e a identificação daquilo que se evidencia como fenômeno de tendência e das ações que surgem como fenômenos de fato. Para Leroi-Gourhan (1971), a tendência implica nos resultados, considerando-se desde a invenção até a utilização dos aparatos. Essa implicação corresponde a um movimento contínuo que pode estar sempre gerando um novo fato, provocando mudanças peculiares na dinâmica dos locais, contribuindo para os hibridismos culturais e para as mutações da identidade das entidades envolvidas no processo.

55 65 Como aponta Lévy (1999, p.23), as técnicas carregam consigo projetos, esquemas imaginários, implicações sociais e culturais bastante variados. Sua presença e uso em lugar e época determinados cristalizam relações de força sempre diferentes entre seres humanos. Desse modo, compreende-se que o desenvolvimento tecnológico provoca diferentes ações e efeitos em diferentes localidades e em diferentes grupos culturais, estando essas ações e efeitos dependentes de aspectos históricos e das estruturas e relações socioeconômicas. Essas diferentes relações entre técnica e lugar caracterizam a ambivalência ou a multiplicidade cultural que surge a partir dos usos da tecnologia, podendo ser estes tratados como fenômeno de tendência ou como fenômeno de fato. Por este princípio, justifica-se que a relação entre turismo e desenvolvimento tecnológico inicia-se a partir dos usos da tecnologia nos centros emissivos e completa-se na sua utilização pelos centros receptivos. Ou seja, do ponto de vista sócio-técnico desenvolvido neste trabalho, aponta-se que o turismo, emerge como uma atividade impulsionada pelo desenvolvimento tecnológico, enquanto este a potencializa continuamente. Assim consideras-se com Moesch (2000) que no turismo há um elemento dinâmico que é a viagem, e um elemento estático que é a estada. De acordo com a autora, viagem e estada ocorrem fora do lugar de residência da turista e, a partir delas, este pratica ações diferenciadas do seu cotidiano, o que delimita o turismo como um movimento particular temporário. A viagem, portanto, explica Moesch (2002), envolve uma multiplicidade de ações institucionais e empresariais, de partida e de retorno e de diversos encontros e trocas culturais, e que por isso mesmo esta situação se estende ao próprio turismo, o setor da atividade. Nesse sentido, ao envolver deslocamento, estada, trocas culturais e econômicas, evidencia-se o uso de tecnologias, as técnicas lógicas de ação, junto à atividade, apontando que estas interferem nas relações sociais dos moradores da cidade turística.

56 66 Portanto, quando considerada a relação centro emissivo/tecnologia, o turismo comporta-se como fenômeno de fato, que vai gerar outro(s) fato(s), afinal a cidade turística tem sua dinâmica própria e suas problemáticas cotidianas. Por outro lado, quando considerada a relação destino turístico/tecnologia, observa-se não apenas estruturas potencializadas pela técnica, mas também uma nova complexidade social 15. Nesse caso, a tecnologia aplicada ao turismo comporta-se como fenômeno de tendência (Ver diagrama que se segue). Desen. Tecnológico Centro Emissivo F. de Tendência Complexidade Social Turismo F. de Fato Centro Receptivo Poten. do Turismo F. de Fato Complexidade Social O diagrama explica o contínuo movimento social causado pela inserção de tecnologias nos locais, considerando suas peculiaridades culturais. Esse diagrama, contudo, representa uma única perspectiva (e não uma realidade), entre tecnologia, complexidade social e turismo. Desse modo, o indicador complexidade social, por exemplo, como fenômeno de fato nos centros receptivos pode ser alterada por uma outra variável, como a agilização dos processos comunicacionais, que, por hora não faz parte do estudo desenvolvido. Por outro lado, o diagrama 15 Entende-se complexidade social não somente como estruturas desorganizadas ou mal planejadas, mas como o total de relações que compõem a dinâmica do local.

57 67 pode ratificar a idéia já apresentada de que não tecnologias benéficas nem maléficas, mas sim o modo (e as intenções) de sua utilização pode determinar o seu fim. É necessário insistir, de acordo com Maffesoli (2004, p.37) que a vida não pode ser reduzida à utilidade, afinal existem aspectos contidos nos fenômenos sociais (intrínsecos ou não) que os relativizam e põem em questionamento as práticas humanas, o que equivale a dizer da própria problematização ou virtualização das atividades em que sentidos e valores estejam em jogo. Por isso, acredita-se que o turismo, que se comporta, ora como fenômeno de tendência, e ora como fenômeno de fato, está estreitamente atrelado a processos tecnológicos. Nesse sentido, é oportuno salientar que as tentativas de entender o turismo devem buscar a inteireza de sua complexidade sem rejeitar determinados aspectos (muitas vezes malditos) que também o compõem enquanto atividade cultural. Essa relação entre tendência e fato pode bem ser percebida através da história do desenvolvimento tecnológico. A invenção da roda e a abertura de estradas que permitiram o desenvolvimento dos meios de transportes terrestres assim como os meios que permitiram as grandes navegações marítimas possibilitaram maior agilidade nos deslocamentos, ampliando os horizontes do homem, permitindo-lhe conhecer novas culturas. Entretanto, esses veículos, a princípio, foram construídos por motivos de guerras e conquistas, comércio, peregrinações religiosas, saúde ou por razões políticas e de estudos, não sendo cogitada a idéia de serem utilizados para fins outros, embora tenham possibilitado práticas com objetivos que hoje se entendem por turísticas. As estradas construídas por soldados com o objetivo de conquista durante o Império Romano vieram, em conseguinte, permitir a intensificação das viagens de lazer e comércio a praias e a spas, identificadas através das pinturas em azulejos, placas, vasos e mapas. Com as peregrinações religiosas, surgem os primeiros serviços de atendimento aos viajantes, quando é

58 68 criada a Irmandade dos Trocadores de Moedas para atender à diversidade de moedas circulantes, representando, assim, os primeiros cambistas. As navegações deram impulso às viagens de longo curso, estimulando uma prática que mais tarde determinou-se como turismo moderno, como denomina Oliveira (2000). Com as navegações, as escolas organizavam viagens para os estudantes com o objetivo de aumentar os conhecimentos de seus alunos. Os professores eram obrigados a escrever livros que traduziam os costumes e hábitos dos locais visitados, constituindo-se, deste modo, como os primeiros guias turísticos. A concepção de turismo enquanto atividade cultural surge a partir das mudanças tecnológicas, econômicas e sociais decorrentes das Revoluções Industriais. O aparecimento da indústria incrementou as relações sócio-econômicas internacionais, favorecendo a abertura do mundo ao cosmopolitismo. Embora a industrialização tenha ampliado e tornado mais acirrados os conflitos sociais, deve-se considerar que o surgimento da classe média, com salários definidos, o aumento dos ganhos pelos grupos dominantes e o surgimento das indústrias de entretenimento deram um impulso às viagens, possibilitando que cidades se preparassem para receber e acolher pessoas, tornado-se centros receptivos, onde a qualidade de vida melhorava consideravelmente, pelo surgimento da eletricidade e das redes de água e de esgoto. Contudo é no final do século XIX, que os sentidos das viagens não mais se limitavam àqueles genuinamente econômicos e de domínio, entrando em uma esfera do conhecimento e da busca por diversão e evasão. A viagem tornou-se um meio de as pessoas penetrarem nas particularidades culturais das sociedades distantes e de se envolverem com as tradições, com o exotismo e com os novos modos de vida que passavam a conhecer, na tentativa de fuga do seu cotidiano. O turismo despontava como uma nova possibilidade de vida, seja para quem procurava por destinos turísticos, em fuga da sua rotina ou ostentando seu poder econômico, seja para quem recebia nesses centros, que vislumbrava novas possibilidades de aumentar seus ganhos e

59 69 reestruturar a vida. Nesse cenário, são proliferadas as empresas hoteleiras, os restaurantes, as indústrias de entretenimento, as agências de viagens e demais prestadores de serviços. A multiplicação das trocas e o desenvolvimento das tecnologias de produção, de transportes e de comunicação, as melhorias na infra-estrutura urbana bem como o progresso técnico-científico tornaram-se fatores preponderantes para o incremento da atividade e o seu enquadramento junto à dinâmica dos locais. Contudo, faz-se oportuno salientar, que além de ser estimulado pelo desenvolvimento técnico, que cada vez mais amplia as trocas econômicas e informacionais, também devem ser considerados como estimulantes da prática turística os limites culturais atribuídos aos locais pelas produções literárias, pela imprensa e, principalmente, pelos meios de comunicação de massa que surgem no século XX. Retomando e correlacionando as teorias de Leroi-Gouhran (1971) e de Maffesoli (1998), pode-se dizer que a abertura de estradas, as peregrinações, as navegações e as revoluções industriais correspondem a fenômenos de tendências uma vez que as ações sociais, econômicas e políticas delas decorrentes são possivelmente previsíveis, por estarem submetidas ao controle dos grupos dominantes. Esses fenômenos contribuem para que se estabeleça uma maior delimitação e padronização das perspectivas sociais ou mesmo uma consciência tecnocrática junto aos grupos culturais por onde se alastram. É, nesse sentido, que se observam que os fenômenos de tendência são delimitados por regras e normas que os institucionalizam e põem as relações humanas no âmbito da sociabilidade, condicionando as práticas cotidianas às transformações tecnológicas, o que contribui para que o homem busque espaços outros para a fuga da sua rotina, o que, muitas vezes, culmina na atividade turística. Por essa perspectiva, ratifica-se que a atividade turística é resultante de uma série de fatores impulsionados pelo desenvolvimento tecnológico, que levam o homem a buscar novidades e saciar seus desejos. Assim, qualquer que seja o motivo que estimule o deslocamento

60 70 (a busca por conhecimento, convivialidade, lazer ou erotismo), este está vinculado ao modo como os grupos culturais em que vive o turista usam e compreendem as invenções e inovações técnicas. Desse modo, as viagens a lazer, decorrentes da abertura de estradas, o surgimento de serviços de atendimento aos viajantes, a própria denominação turismo moderno correspondem a fenômenos de fato, afinal são todas ações potencializadas a partir do desenvolvimento tecnológico que, de modo geral, não estão vinculadas à lógica da institucionalização. Ainda, pode-se incluir nesse contexto, o reconhecimento e a delimitação de cidades como centros receptivos, o surgimento das empresas prestadoras de serviços turísticos bem como as várias segmentações da atividade. Justamente por constituírem-se como fenômenos de fato, justificamse as dificuldades em se estabelecer controles e delimitações nos ambientes turísticos, que têm suas problemáticas peculiares. Considerando as interações dos turistas com aqueles que participam do seu grupo cultural, com os nativos e com o ambiente como relações espontâneas, e considerando os segmentos turísticos como constituintes de comunidades turísticas, situa-se a atividade no âmbito da socialidade, embora, não estando totalmente livre das regulamentações políticas, das imposições sociais, muito menos, das restrições econômicas, afinal, a tecnologia aplicada aos centros receptivos constitui-se também como um fator capaz de delimitar a racionalização e a individualização das relações humanas que se evidenciam nesses locais, principalmente, considerando possíveis divergências de interesses entre moradores, empresários, e políticos. Essa relação de tendência e fato entre desenvolvimento tecnológico e turismo torna-se mais evidente com a emergência da cibercultura. Com as novas práticas sociais, possibilitadas pelo desenvolvimento das Tecnologias de Informação e de Comunicação TICs, redefinem-se as perspectivas junto ao desenvolvimento do setor turístico, nas quais se observam novas circunstâncias sociais, em que se proliferam os fenômenos de tendência e de fato.

61 71 A cibercultura está potencializando as atividades desenvolvidas nos locais, criando novas perspectivas para os seres conectados (e privilegiados) e mais obstáculos para os desatualizados (geralmente os menos favorecidos). As rápidas conexões, a proliferação da economia de serviços, ressaltando os serviços on-line, as maiores possibilidades de informação e as flexibilidades do trabalho redimensionam a dinâmica dos locais e põem o homem em um estado constante de negociação com a vida e com a sua sociedade. Ainda deve-se considerar a desterritorialização dos locais, das empresas e dos grupos culturais que, projetados no ciberespaço, cada vez mais têm seus limites ampliados (ou perdidos). Contudo, ao mesmo tempo em que os grupos economicamente privilegiados vislumbram novas possibilidades de interação e de conhecimento, os grupos menos favorecidos economicamente continuam submissos às formas de controle, que só ampliam as divergências sociais, entremeando de desigualdade e exclusão social todo o mundo. A vida na maioria dos centros tomados pela cibernética torna-se mais veloz e cada vez mais segmentada. A tendência da digitalização, da robótica e demais mecanismos da inteligência artificial é, sem dúvida, a padronização das ações o que favorece o exercício dos controles e com ele as determinações e imposições sociais na sociedade da informação. [...] os termos desigualdade, polarização, pobreza, e miséria se enquadram no domínio das relações de distribuição/consumo ou apropriação diferencial da riqueza gerada pelo esforço coletivo. De outro lado, individualização do trabalho, superexploração dos trabalhadores, exclusão social e integração perversa são características de quatro processos específicos vis-a-vis as relações de produção (CASTELLS, 1999c, p.95). Estes termos estão condicionando a Era da Informação a perplexidades que sujeitam os cidadãos contemporâneos às manipulações ideológicas por falta de clareza analítica nas

62 72 informações que circulam livremente. Por desigualdade, entende-se a apropriação desigual de riqueza entre indivíduos de grupos culturais distintos; polarização é o processo em que o topo e a base da escala de distribuição de renda e riqueza crescem mais velozmente que a faixa intermediária, o que acentua as divergências sociais. A pobreza caracteriza os grupos que sobrevivem com a renda mínima, considerada em uma sociedade, e miseráveis são aqueles que estão abaixo da pobreza. Com relação aos processos que caracterizam as relações de produção, Castells (1999c) observa que a instabilidade nos padrões de emprego representa a tendência de se excluir continuamente determinados segmentos da população dos mercados de trabalho formais. Assim, ele entende individualização do trabalho como a forma desregulamentada de contratação, ficando esta a critério da contribuição e condição do trabalhador no processo produtivo. Superexploração indica as relações trabalhistas que submetem determinados tipos de trabalhadores a condições piores do que as normas/regras que regem um dado mercado de trabalho, em tempos e espaços determinados. Por exclusão social, entende-se o processo em que grupos de indivíduos encontram-se impossibilitados de desenvolverem uma posição autônoma dentro dos padrões sociais que compunham um dado contexto. E a integração perversa a que se refere o autor, corresponde às formas de trabalho praticadas na economia do crime, ou seja, por atividades geradoras de renda, que estão sujeitas às sanções legais cabíveis em um certo contexto social, como o tráfico de drogas e a prostituição infantil. Portanto, esse cenário segmentado também compõe a ambiência em que se propaga a cibercultura que, enquanto acelera o ritmo de vida dos seres conectados, vai configurando sucessivamente as relações sociais (considerando a relação entre pessoas de grupos culturais economicamente privilegiados e aqueles desprivilegiados) como racionais e individuais. Assim, a socialização em centros ciberneticamente desenvolvidos torna-se cada vez mais difícil, não

63 73 somente para quem vem sofrendo as conseqüências malditas do desenvolvimento tecnológico, mas para toda a sociedade que se preocupa a todo o momento com a violência urbana, decorrente, em grande parte, das diferenças sociais. As interações humanas ficam, continuamente, mais críticas, mais embaraçosas e mais difíceis de se amenizarem. Cada vez mais tecnicizado, o cidadão entra em um constante processo de solidão e de sociabilização, relacionando-se apenas o necessário, ou quase nada, com as pessoas de sua cidade. Contudo, as TICs têm permitido ao homem conectado criar formas alternativas de vida e de trabalho, montando seus negócios e fixando residência em locais menos conturbados, sem perder o contato com o mundo, caracterizando a Nova Economia. De acordo com Beyers (2000), em seu estudo sobre o desenvolvimento da Nova Economia ou a Economia de Serviços, entre os anos 1985 e 1992, produtores norte-americanos migraram para os pequenos centros em busca de melhores condições de vida. Nesse período, as áreas de maior crescimento da Nova Economia, nos Estados Unidos, foram as cidades de Las Vegas, Seattle, Atlanta, Orlando e St. Petsburg, enquanto grandes centros Los Angeles, Chicago e New York tiveram baixo crescimento ou perda da oferta de empregos. Além da produção de mercadorias, a geração de informações orientadas também movimenta essa nova economia. O pesquisador indica que empresas podem atuar exclusivamente na resolução de questões intelectuais. As empresas de consultorias, os diversos campos de uso dos softwares e o agenciamento de atividades turísticas on-line são algumas indicações ou nichos de especializações que exemplificam a prestação de serviços sem envolver, necessariamente, a circulação e produção de mercadorias. De acordo com a reportagem A explosão da realidade virtual na revista científica Galileu (Globo, Nº 158, p. 63, 2004), desde a prospecção e extração de petróleo até os tratamentos médicos, passando pelo desenvolvimento de carros e visitações a museus e destinos turísticos sem o deslocamento físico, há uma série de novas aplicações e

64 74 utilizações do virtual, proporcionadas pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e de comunicação. Tais usos desterritorializam mais e mais o mercado consumidor das empresas inseridas nessa nova economia. Assim, quanto ao modelo geográfico da localização de mercados, Beyers (2000) identifica dois grupos. Um com forte poder econômico que atua em mercados descentralizados os Lone Eagles, cuja metáfora da tradução literal Águias Solitárias permite contextualizar melhor as dimensões territoriais alcançadas e as potencialidades econômicas das empresas dessa categoria. O outro grupo os High Fliers é constituído por empresas que atuam com maior força no mercado local e geralmente entram no mercado com poucos funcionários, mas apresentam uma Alta Inclinação a atuar em mercados externos. Nos sete anos delimitados para a pesquisa, a maioria dos empregos gerados nos Estados Unidos estava associada a essas novas empresas. Esses empreendedores, porém, são pessoas ou grupos que buscam sua independência com o objetivo de montar seu próprio negócio, correndo os riscos e oportunidades de qualquer um outro, fugindo da problemática social dos grandes centros. Assim, as razões que culminam na escolha do local de estabelecimento são a busca por melhor qualidade de vida e a procura por novas possibilidades de negócios, o prestígio do local, a existência de prestadoras de serviços, o nível educacional da população e por fim são avaliados os custos de vida, os impostos locais, a existência de empresas fornecedoras e o custo com a mão-de-obra. Essa flexibilidade da localização, inerente à Nova Economia, possibilita um descongestionamento das grandes cidades, ao passo que promove a reestruturação de pequenos centros e/ou áreas rurais. Contudo, o pesquisador relata uma mudança na administração das empresas e não em sua lógica estrutural. A lógica continua sendo capitalista. De acordo com os resultados da pesquisa, dependendo da disponibilidade de recursos e do conhecimento do

65 75 cidadão, este obtém mais facilidades em desenvolver seu próprio negócio, o que não garante mais justiça social. Essa nova conjuntura socioeconômica pode ser constatada em centros turísticos brasileiros. Mesmo reconhecendo as novas possibilidades de emprego, não se evidencia uma preocupação com a população desses pequenos centros reestruturados, o que vem ocorrendo em muitas cidades turísticas, caracterizando a principal problemática social desses locais: o conflito constante entre os ricos grupos prestadores de serviço e falta de oportunidades para a população local. Esses ricos grupos prestadores de serviços turísticos montam suas empresas em destinos bastante procurados, nas quais a população local, na maioria das vezes, constitui-se como mão-de-obra barata ou tem seus pequenos negócios prejudicados com a concorrência desleal, afinal, além de oferecerem geralmente melhores serviços, utilizando-se de insumos técnicos mais adequados e que proporcionam maior conforto, através do ciberespaço da internet, essas ricas empresas saem na frente da concorrência, mostrando e oferecendo seus serviços diretamente na casa do consumidor (em qualquer lugar do mundo) muito antes que este chegue aos locais. Assim, em centros receptivos, como será demonstrado no próximo tópico deste capítulo, pode-se observar os processos de individualização do trabalho, superexploração dos trabalhadores, exclusão social e integração perversa, além das espetacularizações sobre as expressões regionais do local como fatos que se contrapõem aos benefícios proporcionados pela cibercultura. Portanto, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento tecnológico estimula a atividade turística e a estrutura, pode tornar-se um fator de determinações e imposições sociais nos centros receptivos, corroborando para que as relações humanas nesses locais não estejam totalmente livres das normalizações advindas dos usos da tecnologia.

66 76 De acordo com Graham e Marvin (2000), acredita-se que essa problemática é conseqüência da falta de políticas públicas e de planejamento, da ausência de debates populares e acadêmicos sobre os assuntos que envolvem a integração das tecnologias e, principalmente das telecomunicações com a cidade, enfatizando que mesmo quando ocorrem, geralmente são conduzidos pelo determinismo tecnológico, não sendo levados em conta as peculiaridades culturais das localidades. Para os autores, esses debates devem analisar o contexto local e a intervenção das tecnologias de comunicação como fator de interdependência entre cidades, transportes e relações humanas ou sociais. Ainda, os autores sugerem que as políticas internacionais (e acrescentam-se as interestaduais e as intermunicipais) devam corroborar para a articulação entre a forma construída e o desenvolvimento sócio-econômico das cidades bem como devem sugerir caminhos para a integração criativa das telecomunicações nas políticas e estratégias urbanas locais. Nesse sentido, sinaliza-se que a projeção das cidades no ciberespaço constituindo Cidades Virtuais, pode tornar-se um fator de maior organização do espaço físico através da disponibilização de informações e da possibilidade da execução de ações que podem promover mudanças que contribuam para a melhor estruturação das localidades, usando ferramentas da internet como chats, fóruns e s. Assim, links que promovam transparência administrativa e a divulgação e o fortalecimento da cultura local, chats e fóruns que estimulem a participação da população nas decisões referentes aos destinos do patrimônio municipal e que estimulem a criação de laços comunitários (que podem ampliar a luta contra a exclusão social) são fatores que podem contribuir para a resolução dos problemas sociais que se proliferam nas localidades turísticas, a partir das diferentes perspectivas de empresários e de moradores locais e das diferentes formas como estes percebem e vivenciam os usos das tecnologias. Nesse sentido, deve

67 77 acrescentar a necessidade de se promover a democratização do acesso à informação e a programas alternativos de educação. Através da internet pode-se também propor que membros das comunidades turísticas possam melhor interagir entre si, antecipando as relações de socialidade através das salas de patepapo com temáticas específicas, o que pode evitar, no espaço offline, determinadas intolerâncias sociais, como discriminações e preconceitos. Por outro lado, turistas podem conhecer melhor e mais detalhadamente os aspectos socioeconômicos e naturais dos destinos que promovam atividades de sua preferência, através da simulação de um passeio virtual pelo local. A reportagem da revista Galileu (Nº 158, p.63, 2004) evidencia que uma experiência de simulação da cidade vem sendo realizada pelo Laboratório de Realidade Virtual, o primeiro da América Latina, localizado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). A Caverna Digital, como é denominado o laboratório, é um ambiente de realidade virtual que exibe simulações tridimensionais feitas em computador, em tamanho próximo ao natural. A pedido de uma agência de turismo, foi produzido pela Caverna um software que simula um passeio virtual pela cidade do Rio de Janeiro. A idéia do projeto, é que em vez de olharem apenas fotografias, o turista, munido de óculos especiais, faça uma viagem pelas praias e pontos turísticos da cidade, o que aumenta a vontade de experimentação do local, evitando possíveis decepções. Contudo, as perspectivas de se utilizar as TICs como fator de potencialização da atividade turística e de se amenizarem os problemas sociais que contextualizam o cotidiano da população dos centros receptivos, sugere a necessidade de estudos direcionados e amplos sobre a interferência das inovações tecnológicas nesses destinos e nas ações turísticas, de modo que possa ser gerada uma compreensão melhor e mais detalhada dos aspectos culturais das sociedades que permitam o entendimento do homem local e do seu meio, identificando as potencialidades turísticas, como forma de se promover a melhoria na sua condição de vida. É preciso que se

68 78 busque a edificação de estruturas operacionais que permitam aos cidadãos participarem com consciência e em pé de igualdade dos processos contemporâneos das mudanças sociais que constituem a cibercultura. Assim, no próximo capítulo, será edificado um estudo de como o desenvolvimento tecnológico, enfatizando os processos comunicacionais e a edificação de vias de acesso ao local, contribui para a organização da atividade turística, tendo como referencial o município de Porto Seguro, localizado no Extremo Sul da Bahia. Também serão observadas as práticas culturais que delimitam os aspectos ciber do local, apontando como estes interem na atividade turística. A tentativa que se segue, é de compreender que fatores cooperaram para que o município se tornasse um dos mais importantes destinos nacionais, destacando os tipos de turismo praticados (ou as potencialidades turísticas do município). Busca-se identificar elementos que compõem o imaginário e a dinâmica do local, com o propósito de entender como estes devem estar organizados na internet de modo a potencializar a atividade turística, criando perspectivas para que se possa promover a democratização da informação e das tecnologias de informação no local, como forma de contribuir para a resolução de problemas sociais que emergem com a exclusão digital.

69 2.2. ASPECTOS DO IMAGINÁRIO E DA HISTÓRIA IMPORTANTES PARA A PROJEÇÃO DA CIDADE NA INTERNET 79

70 Primeiro chão, primeira missa... o umbigo do mundo Isso aqui é o umbigo do mundo! Onde a beleza tem muitas caras, cores e raças, misturas raras. Peles de abano com sangue indígena, olhos que brilham como esmeraldas. Caras mestiças de uma nova era, como o futuro que está chegando, sob o sol, no umbigo do mundo e todo mundo está sambando... isso aqui é o umbigo do mundo! É aqui o umbigo do mundo, poço sem fundo da imaginação, Deus e diabo entre o céu e o chão, salva e cidade, litoral, sertão, ondas sonoras, ritmo, paixão. Onde os amores se transformam em canção, onde as regras são exceção. Vida batida na palma da mão. Isso aqui é o umbigo do mundo! Fonte incessante de nova energia. Ponto de encontro entre o silêncio e o som. É o tempo que samba na voz de João, na nova batida que inventa a nação. Na beira da praia no eterno verão, na moça que passa na voz violão, no balanço da bossa de Vina e de Tom. Num rio de poesias, no mar de canções. Isso aqui é o umbigo do mundo! Ao som do mar e à luz do céu profundo. Fonte de esperança de uma nova vida. Pulmão de uma raça morosa e sofrida. Que canta e que dança e que veste de luz a força e a magia dos seus corpos nus, sob o sol, no umbigo do mundo. Essa é a batida que vem lá do fundo. Isso aqui é o umbigo do mundo! (MOTTA, Nelson. Umbigo do mundo. In: Daniela Mercury, disco Eletrodoméstico, 2003). A letra da canção Umbigo do Mundo, usada como epígrafe, pode representar o atual imaginário turístico sobre Porto Seguro, delimitado pela idéia de possibilidade das várias ações, dos hibridismos culturais bem como pela idéia de permissividade. O município, neste sentido, torna-se um cenário mágico e paradisíaco ideal para a prática da flanerie burguesa temporária e comunitária, onde o então flâneur poderia realizar muitos dos seus desejos e fantasias, incluindo aqueles de consumismo, de convivialidade ou mesmo os de erotismo. Além de tudo isso, também está impresso nesse imaginário, a idéia de um povo bom, festeiro e receptivo. Assim, pode-se dizer que esse imaginário suscita a idéia de que, no município, parece ser possível a conciliação de todas as misturas, de todas as etnias, de todas as crendices, de todos os ritmos e de todas as tendências da contemporaneidade.

71 81 Nesse sentido, tem-se o umbigo do mundo, onde a moda cotidiana associa-se ao underground e as técnicas de preservação da natureza e do patrimônio local harmonizam-se com o consumismo do turismo. Em Porto Seguro, de acordo com o seu imaginário turístico, parece que os conflitos que, geralmente, conturbam centros capitalistas não interferem na organização social, embora grande parte da população nativa perceba as novidades e as possibilidades de melhoria de vida promovidas pelo desenvolvimento tecnológico, mas sem experimentá-las. Tudo isso compõe uma representação (podem existir varias representações) imaginária sobre o destino. O imaginário desenvolve-se a partir das interações entre os fenômenos e ações sociais com as contextualizações feitas sobre esses fenômenos e ações, quando estas constituem processos comunicacionais, envolvendo a produção e a recepção de mensagens. Pela visão de Bignami (2002, p. 16) pode-se dizer que um imaginário sobre um local é fruto do acúmulo de conhecimentos a respeito dele, decorrente de várias fontes e por meio de diferentes processos. Assim, está-se apontando que os relatos e observações de escritores, ficcionistas, jornalistas ou quaisquer outros visitantes, ao se co-relacionarem, corroboram para a produção de um discurso contextualizador de um local. Esse discurso vai se legitimar a partir das ideais que os receptores das comunicações formulam sobre o espaço e das práticas desenvolvidas neste espaço a partir dessas comunicações. Portanto, as experiências coletivas praticadas em um local e as trocas culturais que dinamizam a sua história, evidenciadas em processos comunicacionais implicam na construção do imaginário que, com base nos estudos de Simões (1998), corresponde a uma ótica resultante do horizonte de expectativa decorrente do universo cultural e vivencial que configura uma visão de mundo do emissor (o produtor da mensagem) e posteriormente do receptor. Portanto, a comunicação interfere na dinâmica do local atribuindo-lhe um sentido. A produção do imaginário, desse modo, compreende um ciclo entre a história (os fatos observados), a

72 82 interpretação da história (a atribuição de sentidos ao local a partir da observância sobre os fatos) e a reformulação da história (a nova concepção que os receptores das interpretações atribuem ao local, incluindo os próprios moradores). Pode-se perceber a formação do imaginário em três momentos consecutivos Inauguração, Propagação e Legitimação envolvendo a interação entre processos comunicacionais e práticas sociais. No caso de Porto Seguro, está-se identificando como o primeiro momento, o da Inauguração, a Carta de Caminha, reconhecida como a primeira comunicação oficial sobre o local. No segundo momento, identifica-se esse imaginário a partir dos processos comunicacionais voltados para a promoção e a propagação da atividade turística no município, sendo, então, o momento da Propagação. O terceiro e último momento aqui definido é o da Legitimação, que corresponde ao pensamento dos turistas sobre o local e as praticas turísticas ali evidenciadas. Entende-se que a conjunção desses momentos forma o Imaginário turístico de Porto Seguro, podendo ser percebido a partir da correlação dos discursos presentes na carta, em comunicações turísticas e em depoimentos de turistas. Este Imaginário constitui-se como um dos fatores imprescindíveis para a projeção do município no ciberespaço. Com base nos estudos de Sacramento (2001, p. 43) sobre memória imaginativa, aponta-se que a Carta de Caminha representa a primeira e mais fundamental experiência do tempo, via subjetividade, diferente da dimensão coletiva ou social. Esse registro de memória completa a realidade local, atribuindo-lhe um sentido (e não o sentido), pondo em negociação, ou seja, problematizando os fenômenos sociais que compunham a ambiência daquele local, naquele tempo, uma vez que esse documento corresponde a um instrumento que institui imagens dialéticas, que correspondem a sinais representativos de idéias pertinentes a um grupo cultural. Estas imagens se fundamentam pelas possibilidades operacionais e também por desejos, por ansiedades e por necessidades individuais e/ou coletivas que ao serem projetadas em uma

73 83 comunicação formam o imaginário sobre o fato observado, no caso, o município de Porto Seguro. Caminha, ao detalhar aspectos naturais do local em que desembarcara bem como as edificações e comportamentos dos seres humanos ali encontrados, a partir de suas perspectivas e de sua reação à alteridade, estabelece (para o local) a idéia de porto seguro livre das intempéries e das barbáries que comumente eram vivenciadas durante o processo de colonização, afinal todo esse período foi marcado também pela busca de uma sociedade idealizada, utópica, a busca do paraíso, que se encontraria talvez em terras estrangeiras (BIGNAMI, 2002, p.79). Assim, a exuberância da natureza e os costumes do povo encontrado no porto contribuíram para a idealização do espaço descoberto como o local do se plantado tudo dá e do se querendo tudo pode. Portanto, o discurso do escritor português é tanto constatativo (objetivo) quanto performativo (subjetivo), e desse modo a Carta de Caminha inaugura a substância ou essência imaginária sobre aquele espaço atualmente, delimitado político e geograficamente, município de Porto Seguro. Essa fase inaugural do imaginário pode ser observada através dos fragmentos do texto do português descritos abaixo, organizados em três tópicos, mostrando a concepção do emissor sobre a natureza, sobre o povo e sobre os costumes e a organização social. A NATUREZA: [...] Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa [...]. [...] Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares

74 84 frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem! [...]. [...] Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé! [...]. O POVO: [...]A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam [...]. [...] Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim![...]. [...] E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram [...]. OS COSTUMES E A ORGANIZAÇÃO SOCIAL:

75 85 [...]E concordaram em que não era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que assim à força levavam para alguma parte dizerem que há de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens desses degredados que aqui deixássemos do que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende. Nem eles cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam quando cá Vossa Alteza mandar [...]. [...] Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção [...]. [...] E depois de acabada a missa, quando nós sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar pé [...]. [...] E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo todos tornar; e não quiseram que lá ficasse nenhum [...] [...] Terça-feira, depois de comer, fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa. Estavam na praia, quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar lenha e metê-las nos batéis. E lutavam com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer [...].

76 86 Com sua carta, Caminha inaugura para o município, aquele, então, porto natural, a idéia de natureza bela e exuberante, local de um povo receptivo, festeiro e inocente, capaz de facilmente absorver costumes de outros povos bem como a idéia de uma sociedade aberta, onde estrangeiros podem livremente transitar, sem se preocupar como o tempo, com os excessos, muito menos, sem se preocupar em seguir regras (desse modo, este espaço é, sem dúvida, o umbigo do mundo). Imaginário este que, em muitos textos, se confunde como do Brasil, vale ressaltar. Os fragmentos da carta apresentados notificam a consonância da idéia inaugural sobre o local com as atuais comunicações específicas para a promoção do turismo e com as acepções dos turistas. Esta coesão caracteriza o processo de incompletude textual, através da qual compreendese que o sentido dos enunciados está também atrelado à codificação. Contudo, não se pode desconsiderar a noção de que um discurso (inclusive este que se está apresentando) nunca é neutro, afinal, as reflexões sobre o contexto notificado apontam a subjetividade do emissor e, portanto, a sua opção ideológica. A incompletude do texto, esclarece Sacramento (2001), estabelece-se pela intersubjetividade, levando-se em consideração que o texto compreende uma rede de relações e de idéias concentradas nele próprio, suscitando a necessidade da intertextualidade cruzamento de idéias. E, a essa acepção da autora, acrescenta-se à rede das relações textuais a idéia de hipertextualidade, que vai se caracterizar, conforme Lévy (1998, p.33), por um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens ou partes de gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertexto. Esses pressupostos (intertextualidade e hipertextualidade) possibilitam o reconhecimento e o entendimento das imagens estabelecidas em um discurso como promotoras do intercruzamento de

77 87 culturas, ao consentir o alongamento das idéias centradas no texto. Essa elasticidade faz com que os elementos estabelecidos no discurso tornem-se imagens dialéticas. Portanto, o que legitima a Carta de Caminha como a fase inaugural do imaginário turístico no município de Porto Seguro é a verossimilhança do discurso do português como os discursos das comunicações contemporâneas voltadas para o estímulo do turismo no local e, evidentemente, as opiniões dos turistas que fazem menção às imagens da carta. Assim, quando estas comunicações delimitam o município como o local das mil e uma possibilidades de diversão, capaz de satisfazer aos mais variados gostos bem como o local da permissividade, onde parece não haver discriminações, rejeições e repressões, observa-se a intertextualidade destes com a carta. Nesse sentido, diz-se que as comunicações turísticas correspondem à fase da Propagação do imaginário sobre o destino Porto Seguro. Essa idéia pode ser constatada junto a panfletos de eventos turísticos (Box 1), a informações jornalísticas (Box 2;3), a materiais de divulgação elaborados pela prefeitura municipal e pela empresa de Turismo do Estado da Bahia Bahiatursa (Box 4;5) bem como a partir de produções comunicativas locais como o livro intitulado Descubra Porto Seguro: Terra Mater do Brasil (Box 6) do jornalista nativo, Fausto Rodrigues de Almeida, e um CD sobre o município, que será evidenciado no tópico Esse imaginário também pode ser identificado em sites referentes ao município ou a empresas turísticas que operam no local, como poderá ser observado no tópico Box 1: Panfletos de eventos locais

78 88 Os panfletos para festas são distribuídos diariamente em toda a cidade. Tanto nos locais turísticos, quanto nos locais de fluxo de pessoas no centro urbano, grupos de jovens malhados e bonitos, às vezes performáticos, convidam os turistas a participarem dos eventos noturnos. Cada casa de show apresenta uma programação específica, porém todas enfatizam a mistura de ritmos e os jovens bonitos e descontraídos como principais atrativos. Box 2: Revista na poltrona Com a natureza exuberante, boa estrutura turística e um povo receptivo e festeiro [...] Principal localidade da chamada Costa do Descobrimento, no litoral Sul da Bahia, ali em 1500, aportaram as naus da esquadra de Pedro Álvares Cabral. Em 2000, a Unesco elevou a região à condição de Patrimônio Natural Mundial. A cidade e seus distritos [...] se sucedem ao longo de 90 quilômetros de praias limpas e livres de poluição, algumas muito calmas e solitárias, outras fervilhantes e badaladas. Nessa faixa litorânea, o turista pode apreciar mangues, rios restingas, coqueirais, trechos de Mata Atlântica e formação de arrecifes. As famosas falésias de areias vermelhas, descrita na carta que Pero Vaz de Caminha escreveu à coroa Portuguesa, permanecem contemplando o mar. [...] (Um Porto Seguro para os sonhos. na poltrona, revista de bordo do grupo Itapemirim. Ano 6, nº 81, julho de 2004.) Fotografia extraída da revista.

79 89 Box 3: Revistas Bahia Terra da Felicidade A paisagem descrita na primeira reportagem turística sobre a Bahia, há quase 500 anos, permanece deslumbrante e praticamente inalterada em toda a Costa do Descobrimento. O ilustre jornalista português, Pero Vaz de Caminha [...] encantado com a paisagem, escreveu ao rei contado em detalhes os encantos do país descoberto. Relaxar é palavra de ordem para quem chega a este lugar paradisíaco, e nada melhor que um mergulho revigorante em uma de suas belas praias, pra começar. A noite em Porto Seguro começa inevitavelmente na Passarela do Álcool. Aí, dezenas de barracas decoradas com arranjos de frutas vendem os mais variados coquetéis de frutas e capetas [...]. O comércio tem um horário atípico, muitos shoppings e lojas de artesanato funcional até meia noite. A noite continua na orla com reagge night, festas e músicas ao vivo na maioria dos restaurantes e barracas de praias, que promovem luaus em diversos dias da semana[...]. (Porto Seguro, Território livre do lazer. Bahia Terra da felicidade. Produzida pela Bahiatursa). Capa da revista. Box 4: House-Organ Produzido Pela Secretaria De Turismo Da Prefeitura Municipal. Fotografias extraídas do House-organ. Quem conhece Porto Seguro hoje percebe que não foi por obra do acaso, que em 1500 os portugueses desembarcaram numa das regiões mais privilegiadas do Brasil [...]. Com o passar do tempo esse verdadeiro presente dos céus foi sendo lapidado até se transformar em um dos mais importantes pólos turísticos, que aos poucos vai sendo redescoberto também por visitantes de diversos cantos do mundo [...]. Diversos equipamentos completam a infraestrutura colocada à disposição do turista, como as bem montadas cabanas de praia para oferecer, conforto, diversão e muita alegra a nossos visitantes. [...] são inúmeras as opções de lazer, com roteiros ecológicos, passeios de escuna e alternativas super especiais como o Litoral Sul, que inclui o arraial D Ajuda, Trancoso e Caraíva, com suas praias paradisíacas e excelente culinária [...]. É por essas e outras que as pesquisas de opinião indicam que mais de 90% dos turistas que já conhecem Porto Seguro desejam voltar. Quem não conhece, alimenta o desejo de um dia conhecer a terra abençoada onde tudo começou. (Porto Seguro: só falta você. Seja bem vindo! E descubra porque desde 1500 Porto Seguro encanta tantos turistas. Porto Seguro total. Secretaria Municipal de turismo e desenvolvimento Econômico de Porto Seguro/BA. Ano I, nº 01,

80 90 Box 5: Folder produzido pela Bahiatursa A atmosfera mágica que envolve e encanta os visitantes hoje é a mesma que encantou os portugueses em 1500, nos primeiros contatos com a terra e seus primitivos habitantes. [...] o Sítio Histórico da cidade Alta de Porto Seguro Cidade Monumento Nacional e um dos primeiros núcleos habitacionais do Brasil. Durante o dia, o visitante entrega-se aos prazeres das praias, cavalgadas, caminhadas, passeios no mar ou na mata. A vida noturna, é animadíssima. A programação começa na Passarela do Álcool e continua nas barracas da praia e casas noturnas até a madrugada. As vilas de Arraial Trancoso e Caraíva e a Aldeia Pataxó de Barra Velha são visitas obrigatórias ao paraíso [...]. (Costa do descobrimento. Descubra porque desde 1500 não pára de chegar gente aqui. Bahiatursa, 2000) Fotografia extraída do folder.

81 91 Box 6: Livro Descubra Porto Seguro Resenha descritiva do livro Descubra Porto Seguro faz menção à cronologia histórica oficial do município, enfatizando-o como ponto inicial da civilização brasileira. O livro está dividido em seis partes com dados referentes à viagem de Cabral, às características gerais do município, enfatizando festas e aspectos naturais. Na quarta e quinta parte ele apresenta lendas e poemas relacionados a Porto Seguro e por fim, Almeida faz um relato da festas dos 500 anos do Brasil no município, apresentado fragmentos do discurso do, então, presidente da república, Fernando Henrique Cardoso bem como críticas dos pataxós à igreja católica. O autor apresenta uma relação dos monumentos históricos, que, segundo ele, constituise como forma de preservação da história. Mas, são em seus poemas (abaixo), que pode ser percebido, a presença do imaginário da Carta de Caminha. Capa do livro. Os porto-segurenses O povo de Porto Seguro/ Cheio de vida e amor/tem no sangue o orgulho/na existência o labor! [...]/ Por isso os portose-gurenses /hospitaleiros por tradição pregam numa doutrina a harmonia em seu rincão/ que é uma dádiva divina/ E o alicerce de uma nação! (Pág. 142) Meu Porto Seguro Meu Porto Segurodo mar sempre lindo/ da mata e coqueiral,/ meu Porto Seguro, d Ajuda e Trancoso, do velho casario colonial, que atrai juventude / e na Passarela tem luz e emoção,/ meu Porto Seguroque é Porto Seguro -/ meu porto Segurodo eterno verão. (Pág. 149) Ao fazerem menção à Carta de Caminha, mesmo implicitamente, os textos apresentados podem conduzir o público a idealizar o município e a Costa do Descobrimento (que já não mais podem ser desvinculados nos espaços comunicacionais) com imagens semelhantes àquelas que compõem o imaginário do primeiro escritor oficial. Essa constatação reflete que a propagação de um imaginário está vinculada a imagens já conhecidas historicamente, que, ao se repetirem nos discursos dos interlocutores, permitem a contextualização de um local, que se dá a partir do processo de aceitação, interiorização e reformulação dessas imagens sempre pré-estabelecidas, por isso dialéticas.

82 92 Essa verossimilhança entre as comunicações apresentadas e a carta de Caminha, caracteriza o processo de intertextualidade entre esses discursos. Processo este que permite a compreensão de que as comunicações turísticas não estão instaurando novos sentidos para o município de Porto Seguro nem para a Costa do Descobrimento, uma vez que as imagens que compõem os textos apresentados, encontram-se já estabelecidas anteriormente no primeiro discurso oficial sobre aquele local. Nesse sentido, a carta de Caminha comporta-se como suporte a esse imaginário turístico contemporâneo. Assim termos como descubra porque desde 1500 não pára de chagar gente aqui, utilizada como chamada do folder produzido pela Bahiatursa; Terra Mater do Brasil, subtítulo do livro escrito por um nativo e terra abençoada onde tudo começou, que fecha a chamada do jornal produzido pela prefeitura municipal, sugerem ao leitor uma ligação com o momento histórico da descoberta, narrado na carta. Os termos atmosfera mágica, exuberância da natureza, praias de águas límpidas e transparentes, praias limpas e livres de poluição, Parque Ecológico do Santuário cuidadosamente desenhado pela natureza, entre outras descrições que apontam a natureza local como espaço exótico e preservado, desencadeiam a idéia de natureza vasta e formosa descrita por Caminha. Em alguns casos, como no periódico na poltrona, esta associação é feita clara e diretamente, a exemplo do momento no texto referente às falésias de areia vermelha, quando o emissor utiliza como referencial a descrição feita por Caminha. Com sua descrição sobre a nudez e a perfeição dos corpos dos nativos bem como a descrição das danças e da passividade dos mesmos, Caminha inaugura, para os atuais moradores do local, o status de sensuais e liberais e de povo receptivo e festeiro. Esse status pode ser constatado junto a panfletos de divulgação das festas locais, como o referente ao Eco-parque do Arraial d Ajuda. Portanto, as ilustrações que evidenciam os corpos em bom estado físico e com

83 93 poucas roupas propagam a verificação do escritor português. Pode-se inferir também que no panfleto de divulgação da cabana Alcatraz há a idéia de uma festa caracterizada pela permissividade, quando o anúncio convida ao público a descobrir o que acontecerá no local. Além disso, nas duas comunicações, estão evidenciadas as misturas de ritmos que apontam para a aceitação de várias tendências musicais, sugerindo a interação de várias tribos, usando o termo de Maffesoli (1998), suscitando a emergência de um hibridismo cultural (CANCLINI, 1998). Pode-se dizer que a intertextualidade entre a carta de Caminha e as comunicações turísticas apresentadas compõem uma espiral de idéias representativas do destino Porto Seguro e Costa do Descobrimento utilizadas por agentes que atuam no processo de construção da imagem do local, que, na maioria das vezes, utilizam apenas esse imaginário de paraíso ecológico e local da permissividade como fator de divulgação do turismo. Imaginário este que não permite ao interlocutor visualizar aspectos outros, principalmente, os aspectos malditos da dinâmica cotidiana do município, propondo, portanto, a construção de uma ilusão referencial sobre o destino. Contudo, deve-se ressaltar, com Bordenave (2002), que essa ilusão referencial, não necessariamente, é resultante da intencionalidade dos meios em perpetuar as intenções contidas no documento português. Por um lado, deve-se considerar que não existe condição de se evitar uma construção seletiva da sociedade, pelos meios de comunicação, levando-se em consideração a impossibilidade de abranger toda a complexidade social em um único espaço comunicacional. Por outro lado, a própria seleção dos fatos, pelos produtores, autores e jornalistas, evidencia alguns aspectos mais relevantes, que traduzem e transmitem uma realidade, tornando-se um fator de mediação entre a totalidade dos aspectos locais e a imaginação das pessoas.

84 94 [...] os médias fazem um papel de mediação entre a realidade e as pessoas. O que ele nos entregam não é a realidade, mas a sua construção da realidade. Isto é, dá enorme quantidade de fatos e situações que a realidade contém, os meios selecionam só alguns, os decodificam à sua maneira, os combinam entre si, os estruturam e recodificam formando mensagens e programas, e os difundem, carregados agora de ideologia, dos estilos e das intenções que os meios lhes atribuem (BORDENAVE, 2002, p.80). Assim sendo, pode-se dizer que os discursos dos meios de comunicação sugerem uma construção social do local, podendo ser considerada como uma estratégia de identificação cultural e interpelação discursiva de que fala Bhabha (1998), apontando e delimitando as suas formações culturais a partir da consignação, negação, transformação, invenção e transmissão das estruturas funcionais e das experiências humanas como fluxos culturais que permitem, então, a idealização do local. Assim, as imagens dialéticas contidas nas comunicações demonstradas traçam fronteiras culturais do município de Porto Seguro, estabelecendo, o que Hannerz (1997) compreende como limite cultural. Entende-se que as comunicações apresentadas estão promovendo a propagação do imaginário do português sobre o local, sugerindo ações que podem comportar-se como experiências fantasiadas. Portanto, aponta-se que essas comunicações fomentam a segunda etapa da formação do imaginário turístico de Porto Seguro, a fase da Propagação, que de algum modo, delimitam os desejos e fantasias dos cidadãos envolvidos na atividade turística local, a partir de uma intertextualidade entre a carta e as comunicações apresentadas. Por essa intertextualidade entre a carta e as comunicações turísticas, constata-se, com fundamento em Albuquerque Junior (1999) que o imaginário turístico de Porto Seguro corresponde a uma produção imaginético-discursiva, formada a partir de idealizações e expectativas sobre o local, construída historicamente por processos comunicacionais. Essa produção confere aos receptores uma consciência tal sobre o espaço, que dificulta a

85 95 divulgação de discursos outros sobre a história do local e sobre a atual dinâmica do município. Desse modo, essas comunicações podem causar várias ilusões referenciais aos turistas, aos nativos e a empresários a partir das perspectivas do grupo cultural a que pertencem. O discurso das comunicações apresentadas sobre Porto Seguro pode tornar-se um subsidio para que o turista e a população local construa em seu imaginário a visão de que o município corresponda apenas a um local receptivo e acolhedor. Nesse sentido, pode-se vislumbrar, conforme Debord (1997), que essas produções imagéticas podem estabelecer uma relação social entre turistas e o local, constituindo um processo de espetacularização da cultura, que imputa aos sujeitos envolvidos uma consciência tal, que o(s) espetáculo(s) torna(m)-se parte da sociedade delimitada por uma visão de mundo que se objetivou. Para o autor, o espetáculo simultaneamente representa o resultado e o projeto de um modo de produção existente. Assim, as comunicações apresentadas neste estudo representam um modelo atual de vida existente no local, de modo que sua sociedade torna-se uma unidade compartimentada em realidade e imagem. Por outro lado, acredita-se que quando turistas confrontam os discursos das comunicações turísticas com as suas experimentações do local, podem emergir várias e divergentes concepções referentes àquele espaço idealizado, concepções das quais podem apresentar diferentes significados sobre o local. Hall (2003) entende que essas diferenças de significados existem em decorrência das diferenças culturais e dos significados que cada signo icônico veiculado pelas médias representam nas sociedades, definindo níveis diferentes de conotação do signo visual. Portanto, quando observadas as opiniões de turistas sobre o município de Porto Seguro, percebe-se que ao mesmo tempo em que há um encantamento como o local, o que legitima o imaginário propagado pelas comunicações, há também uma certa indignação com a estrutura urbana, com as práticas turísticas e com as políticas públicas de organização da atividade. Então,

86 96 pode-se apreender, junto à opinião dos turistas, a legitimação da mensagem evidenciada a partir da intertextualidade entre as comunicações e a carta, estabelecendo um nó de conexão entre o discurso dessas comunicações e as práticas turísticas. Não é difícil, portanto, conceber esta conexão como fator constituinte de um hipertexto turístico, através do qual muitas outras acepções podem surgir. Assim sendo, tem-se a contínua reformulação histórica a partir da propagação do imaginário sobre o local. Essa terceira fase da formação do imaginário sugerida neste trabalho, a da Legitimação, tem como representação depoimentos de turistas sobre Porto Seguro, registrados no Caderno de Opiniões do Centro Municipal de Informações aos Turistas, onde estes têm espaços para escreverem suas realizações no local, suas experiências e apresentarem também reclamações e sugestões com relação aos aspectos turísticos. Essas opiniões foram coletadas durante o período de 07 a 14 de janeiro, pelo método intencional não probabilístico por julgamento, cujo critério de seleção dependia da disponibilidade de acesso ao caderno bem como da originalidade das opiniões, visto que, muitas vezes, estas eram repetitivas, acentuando apenas descrições do local como um espaço paradisíaco, confirmando, apenas, o discurso de Caminha e das comunicações turísticas. Foram coletados ao todo dezesseis depoimentos, dos quais oito (que estão demonstrados abaixo 16 ) começam descrevendo o espaço com expressões de encantamento, mas acentuam que o local precisa de melhor organização e estruturação. Porto Seguro é uma cidade turística bonita. Com clima agradável e uma cultura rica. Tenho muitas coisas para desfrutar aqui e espero levar para minha cidade, que também é belíssima, muitas recordações agradáveis. (turista, Pernambuco). 16 A transcrição foi feita na íntegra, não sendo realizada correções ortográficas nem gramaticais.

87 97 A cidade é tudo de bom. Mas falta mais organização (limpeza) e as agências monopolizam demais os passeios. Quem está na ala norte não fica sabendo dos movimentos da ala sul. Muita prostituição infantil explorado por turistas (turista, Minas Gerais). A cidade e as praias são lindas e tem tudo para atingir o mercado internacional. Infelizmente a cidade ainda é precária na limpeza, por exemplo, os banheiros dos restaurantes são sujos e muitas vezes a descarga dos vasos está quebrada. Trabalho com turismo na Itália e espero mandar muitos turistas para esta cidade, mas espero também uma melhoria (turista, Itália). Adoro Porto Seguro. Venho ano sim outro não e não entendo porque até hoje não se construiu uma ponte. É uma vergonha. O país todo visita esta cidade e esta balsa é uma vergonha. Um espelho de quem governa (turista, São Paulo). Apaixonei por Porto Seguro. Pessoas humildes, mas coração muito bom. As pessoas não merecem ser esquecidas. Tem que haver um meio de vida melhor. O governo precisa deixar o dinheiro girar aqui, cuidar do povo d aqui como gente (turista, Minas Gerais). Região muito bonita, cidade muito agradável, mas falta o básico. Andando pelas ruas, encontrei entulhos, lixos e muito buraco. Nas ruas e nas calçadas. Eu vim aqui só como turista e quem mora aqui vai ficar no abandono até quando? (turista, são Paulo). A cidade é fantástica. Só precisa abaixar os preços das conveniências, pois é a maior exploração, principalmente acerca dos guias turísticos (turista, Minas Gerais). A cidade é linda e com uma boa estrutura. Porém os responsáveis pelo turismo deveriam dar atenção especial e cuidar melhor deste patrimônio e também preservar/cuidar melhor da limpeza da cidade, colocando lixeiras ao longo de toda a orla marítima. O que me chamou a atenção foram os altos preços cobrados dos turistas. Até mesmo para estacionar os veículos na praia estamos sendo cobrados. Isso espanta o turista!!! (turista, Rio Grande do Norte). Nesse sentido, constata-se a presença do imaginário inaugural e propagado sobre o município e também outras extensões textuais, que não estão evidenciadas nas comunicações turísticas, mas que apresentam uma verossimilhança com o discurso de Caminha quando sugere

88 98 ao rei que envie, àquele local, clérigos para catequizarem os nativos. Portanto, as sugestões de melhoria na infra-estrutura urbana da cidade de Porto Seguro pode representar as expectativas do turista de melhoria para o local, assim como, pode-se conceber que a preocupação em converter aquelas pessoas encontradas no porto ao cristianismo correspondia a uma preocupação de Caminha para com os moradores daquela região. Por outro lado, mesmo concebendo que o português apenas queria atribuir os seus valores aos nativos, na tentativa de facilitar a dominação sobre o local, pode-se verificar também uma semelhança com o discurso dos turistas, afinal, a melhor organização do destino significa mais conforto, mais comodidade e mais segurança para o estrangeiro. Entende-se, então, que os discursos comunicacionais, quando conectados à imaginação do interlocutor, orientam os sentidos e significados dos locais contextualizados. Assim sendo, a comunicação vai fomentar o espaço como uma entidade identificável capaz de proporcionar a concretização ou expansão da fantasia. Contudo, a experimentação do espaço cria possibilidades para o receptor escrever uma história própria sobre o local, caracterizando a constituição de um sistema hipertextual, afinal, a idealização do município é permitida a partir de interconexões das imagens apresentadas sempre por experiências anteriores transmitidas (retomando que nenhum discurso é neutro). Portanto, o hipertexto é também um conjunto de ações humanas, pensamentos, perspectivas e sensações individuais ou coletivas que também podem eles mesmos ser hipertexto. As informações textuais completam-se e reproduzem-se associadas à vivência e às informações contidas no imaginário das pessoas. Esse processo refere-se à construção do espaço, ou melhor, a uma meta-construção da estrutura do urbano e do próprio cidadão que o dinamiza. Assim sendo, aponta-se que as imagens delimitam as informações da narrativa, mas também proporcionam ao observador um ambiente ideal para se evadir e dar continuidade ao texto sob sua perspectiva, quando este passa a experimentar o espaço (por isso são imagens dialéticas).

89 99 Assim pensa-se que a comunicação turística deve buscar cada vez mais a interatividade dos sujeitos envolvidos na atividade. De algum modo, essa superdimensão hipertextual vai contribuir para a promoção da dinâmica dos locais, que vão eles mesmos continuamente modificarem-se em suas relações sociais e econômicas a partir das mensagens produzidas pelo discurso hipertextual formado pela sinergia entre o momento da propagação do imaginário e a sua legitimação, dando origem a outros discursos e, conseqüentemente, a outras práticas sociais. Para Hall (2003) essa forma discursiva tem uma posição privilegiada na troca comunicativa, considerando-se a circulação da informação e que os períodos de codificação e de decodificação, apesar de apenas relativamente autônomos em relação à totalidade do processo comunicativo, são momentos determinados. Acredita-se, então, que essa movimentação se realiza sob a forma de um hipertexto discursivo, pois é após a elaboração do discurso para os respectivos públicos que ocorrem as práticas sociais, que vão então ser recodificadas, transformadas novamente sob a forma de discurso e retransmitidas para a audiência. Contudo essa prática pode gerar perspectivas diferentes entre nativos, empresários e turistas, considerando que estes correspondem a grupos culturais diferentes que têm perspectivas peculiares, e que, talvez por falta de estratégias políticas voltadas para a organização da atividade, podem gerar conflitos de interesses. Afinal, baseado no imaginário que aponta Porto Seguro como um local mágico e paradisíaco, nativos e empresários podem tentar explorar economicamente os turistas, enquanto esses podem estar esperando encontrar realmente o povo ingênuo, feliz e receptivo das comunicações.

90 100 Essas divergências de perspectivas, acima apontadas, podem ser identificadas nos oito restantes depoimentos coletados no Caderno de Opiniões do Centro de Informações Turísticas da Prefeitura Municipal, descritos abaixo 17. Acreditamos que a cidade merece mais atenção no que conta à infraestrutura. A cidade histórica deveria ser cobrada uma pequena taxa, mas com melhorias no jardim, banheiro, lugar para lanche assim como na Passarela do Álcool. A história do Brasil deveria ser melhor explicada através de placas. (turista de São Paulo) Achei uma roubada visitar a cidade histórica. Um guia que nos acompanhou por 45 minutos no local nos cobrou R$ 50,00 (cinqüenta reais) por pessoa, dizendo que era credenciado. Discutimos e terminou em R$ 25,00 (vinte e cinco reais) por cinco pessoas que estavam no carro. Por favor, colocar tabelas porque se não não voltarei e não recomendarei tal passeio (turista, Minas Gerais). Na minha opinião, várias medidas devem ser tomadas urgentemente: 1ª) os guias do trevo (trevo do Cabral) são verdadeiros marginais que perseguem os turistas e atrapalham os empresários; 2ª) limpeza e urbanização da cidade e das praias; 3ª) conscientização dos moradores e dos comerciantes para não praticarem a exploração de preços com os turistas (turista, São Paulo). Porto Seguro é um espelho de como os nossos políticos pensam o turismo. A atividade turística que poderia ser um pólo de trabalho, torna-se uma ação propícia à exploração e à alienação. Mas parece que não é interessante que o povo tenha trabalho e não conheça as belezas e a história do nosso país, pois ia mexer com seus interesses (turistas, Rio Grande do Sul). Os hotéis e principalmente as muitas pousadas existentes em Porto Seguro e em Arraial d Ajuda não possuem informações sobre a programação turística da cidade. Francamente sugiro urgentes providências nesse sentido. A Secretaria de turismo não está investindo no futuro. A meu ver, a fonte de turismo não passará poucos anos de vida. Precisam urgente repassar informações a todos (turista, Minas Gerais). A cidade cresceu em hotelaria, gastronomia e desenvolvimento local. Gostei da fiscalização nas praias, no centro e da organização dos guias de turismo 17 A transcrição foi feita na íntegra, não sendo realizada correções ortográficas nem gramaticais.

91 101 (só não gostei dos preços dos guias, estão muito altos) (turista, Rio de Janeiro). Viemos para cá em nosso próprio veículo e quando planejamos nossa viagem, não conseguimos um mapa da cidade através da internet. Nos sites da região, encontramos vasta publicidade de hospedagem, mas o mapa que era o mais importante não estava lá (turista, Espírito Santo). A infra-estrutura não é das melhores. Porto Seguro se vale de lindas praias e esquece das bases e, principalmente, que existem brasileiros vindo par cá. O que acaba acontecendo é que tudo tem o triplo do preço por causa dos estrangeiros e se torna uma cidade para estrangeiros, muito caro. Preços exorbitantes nos afastam, não se esqueçam, moramos também aqui (turista, Brasília). Pode-se dizer que os depoimentos acima completam a superdimensão hipertextual produzida pela correlação ente o imaginário propagado pelas comunicações turísticas e a experimentação do local, ratificando a idéia de que esta correlação promove a acepção de um novo discurso, de uma nova observação ou, usando o termo de Lévy (1996) um novo nó de conexão. Os estímulos produzidos pelas comunicações são tão evidentes que, segundo dados da Embratur, Porto Seguro é o segundo destino mais procurado na Bahia e o quinto mais procurado no país. Apesar de todos os conflitos sociais, principalmente, aqueles vivenciados por turistas, de acordo com dados da Bahiatursa, o município teve, na década de 1990, a cada, ano a taxa de visitação aumentada. Esse ciclo propagação do imaginário de Caminha/aumento do fluxo de visitações/conflitos sociais locais e reclamação de turistas constitui-se como parte do processo dialético autotransformador da cidade e é também responsável pelas transformações em sua dinâmica. Assim, as observâncias dos turistas sobre aspectos degenerativos do espaço urbano não marca o fim do turismo em Porto Seguro, mas caracteriza-se, de acordo com Bhabha (1998),

92 102 como um entre-lugar da atividade no município, exigindo uma nova leitura da atividade no local e dos processos comunicativos sobre o local. Nesse sentido, compreende-se que esse tempo de entre-lugar representa perfeitamente um nó de conexão dentro da superdimensão hipertextual discursiva que compõe a narrativa turística, dando continuidade ao hipertexto característico do setor. Portanto, com base em Benjamin (1987), é preciso examinar e divulgar as comunidades à contrapelo, isto é, estuda-las a partir das perspectivas dos diversos grupos culturais que fomentam a sua dinâmica. Assim, na elaboração de processos comunicativos, deve-se considerar a capacidade política dos cidadãos em produzir uma abordagem contra-hegemônica das mensagens emitidas por esses processos e apresentar, junto ao imaginário, também aspectos que fomentam o cotidiano da cidade, incluindo conflitos sociais, mesmo porque, como aponta Roedel (1999) não existe organização social, no sistema capitalista, que não tenha choques de interesses entre classes ou grupos culturais, por menor e menos significativos que sejam. Nesse caso, é preciso tentar entender a cidade, buscando delimitar suas características principais e suas potencialidades turísticas de modo a evidenciar as possíveis práticas e, então, estabelecer processos comunicativos direcionados para as respectivas comunidades turísticas e para as comunidades locais. Partindo dessa perspectiva, será apresentado, no tópico que se segue, uma discussão, evidenciando uma acepção sobre cidade e cidade turística, contemplando questões históricas. Afinal, acredita-se que a cidade turística deve ser evidenciada nos espaços comunicacionais e principalmente na internet (considerando as características do meio) não só enfatizando o seu imaginário, mas também as práticas que compõem a sua dinâmica e fomentam a sua complexidade social.

93 A vida social e a construção da cidade Todo dia, o sol da manhã vem e lhes desafia. Traz do sonho pro mundo que já não o queria. Palafitas, trapiches, farrapos, filhos da mesma agonia. E a cidade que tem braços abertos no cartão postal, com os punhos fechados pra vida real, lhes nega oportunidades mostra a face dura do mal. Alagados trenchtown, favela da maré, a esperança não vem do mar nem das antenas de TV e a arte é de viver da fé. Só não se sabe fé em quê! (VIANA, Herbert. Alagados. In: Acesso em 20 de outubro de 2004 ) Sete horas da manhã. A cidade começa ser movimentada. Da sacada de um pequeno hotel no centro, pode-se observar o abrir das lojas, das lanchonetes, dos restaurantes, dos escritórios, a formação das filas bancárias além de vários outros artefatos que compõem a rotina vivida por moradores de Porto Seguro, indicando que a cidade também pára e que sua população tenta descansar, ao contrário do que disseminam algumas comunicações turísticas. A movimentação do trânsito, a correria da garotada indo para a escola e dos trabalhadores do centro urbano indicam que naquela cidade turística existe uma dinâmica social peculiar e capitalista que fomenta a sua complexidade social, em que se observam, entre os aspectos festivos e contemplativos, enfatizados pelo imaginário turístico, vários problemas de infraestrutura urbana como a falta de sinalização no trânsito, precários sistemas de saúde, iluminação, educação e segurança pública, além de divergências socioeconômicas explicitadas nas estruturas dos seus bairros, que separam, claramente, ricos e pobres. Assim, como sinalizado pela epígrafe, a cidade que tem seu imaginário turístico difundido por veículos de comunicação apresenta um lado maldito, que delimita constantes conflitos sociais e, talvez, poucas perspectivas em melhorias de vida.

94 104 Essa constatação deu-se após pesquisa de campo, utilizando-se do método da etnografia, baseado em Malinowski (1973), além de pesquisas bibliográficas e de entrevistas a representantes de órgãos públicos bem como através de análises de dados estabelecidos em documentos e relatórios elaborados pela Bahiatursa em parceira com o Programa Bahia de Desenvolvimento do Turismo Prodetur. Também foram consultados dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE e a Proposta de Delimitação das Áreas Tombadas dos Municípios de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália elaborada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN. A pesquisa foi realizada em três períodos distintos. O primeiro de 25 a 30 de julho de 2003, momento de baixa temporada, foi observada a dinâmica do centro da cidade e realizada pesquisa documental junto ao IPHAN e à Secretaria Municipal de Turismo. O segundo período deu-se na alta temporada entre 7 a 14 de fevereiro de 2004, cuja pesquisa centrou-se na observância da atividade turística além de terem sido realizadas entrevistas com o presidente do Conselho Regional de Turismo da Costa do Descobrimento e com um representante da Funai, além de entrevistas a turistas pelo método intencional não probabilístico por julgamento nos distritos de Arraial d Ajuda e de Trancoso. Parte dos resultados obtidos nesta etapa da pesquisa serão evidenciados nos tópicos que se seguem. A última etapa da pesquisa ocorreu de 11 a 16 de outubro de 2004, na semana que compreende o período, denominado sacola cheia, cuja atividade turística é voltada para o público estudantil do eixo Sul-Sudeste. Nesse período, foram visitados o bairro popular do Baianão, e de classe média alta Paraíso Pataxós (Itaperapuã), estipulados, pela pesquisa, como representativos dos conflitos sociais do local, uma vez que os dois bairros são habitados por moradores locais, não tendo seus fluxos populacionais dependentes da atividade turística.

95 105 Nesse período, também foram realizadas entrevistas com índios da aldeia localizada no município de Coroa Vermelha e com estudantes do local, cujos resultados serão evidenciados no capítulo quatro. Buscou-se traçar uma visão panorâmica do desenvolvimento da cidade de Porto Seguro, para em consonância com teorias referentes à organização humana, apresentar uma acepção sobre cidade turística. Para tanto, parte-se da compreensão de De Certeau (1999) de que a cidade corresponde à produção de um espaço próprio, realçando aspectos ambientais e comportamentais que comprometem a estrutura urbana, incluindo, inclusive, táticas dos cidadãos que aproveitam ocasiões para reproduzirem opacidades da história, agindo com uma determinada malícia e falta de ética do convívio que caracterizam um descomprometimento com o desenvolvimento social. Com Ortiz (1999, p.21), entende-se que a categoria espaço é dessa forma preenchida das mais diferentes maneiras; tudo depende do conjunto das forças sociais às quais ela se refere. Nesse sentido, deve-se esclarecer com fundamento em Bourdieu (2001) que os critérios observados constituem-se como representações mentais, podendo estas associar desde os aspetos históricos às práticas contemporâneas, uma série de ações e artefatos que contribuem para a compreensão de uma identidade local. Partindo dessa perspectiva, o estudo inicia-se a partir de relatos históricos que oferecem uma abordagem de como Porto Seguro elevou-se à categoria de cidade e de destino turístico. Nesse espaço, busca-se observar as suas transformações sociais, na tentativa de apresentar indicações de como potencializar a atividade turística a partir da cibercultura, preocupando-se com a dinâmica da cidade, com questões identitárias e com a democratização da informação.

96 106 Paraíso (1998) entende que a organização atual do município de Porto Seguro, assim como de várias outras localidades brasileiras, começa, no século XVI, com a necessidade de os portugueses tomarem posse da terra recém descoberta, para impedir sua invasão por outros povos europeus, como franceses e espanhóis. Antes porém, várias medidas foram tomadas para evitar tal invasão. Entre elas, destacam-se o envio de armas para o policiamento das costas litorâneas e a tentativa de evitar a presença de navios que estabeleciam comércio clandestino com a população. Como essas ações não tiveram sucesso, os governantes metropolitanos instituíram, na década de 1530, a criação de núcleos populacionais ao longo do litoral, sob a responsabilidade e com financiamento de particulares, criando o sistema de Capitanias Hereditárias que, embora tivesse uma estrutura organizacional previamente planejada, não foi suficiente para garantir o povoamento em torno da, então, capitania de Porto Seguro. Porém, enquanto Capitania Hereditária, foram construídas casas, fortes, capelas, armazéns, ribeira das naus e forja, dando início à organização social local (conjunto histórico que atualmente constitui-se como atrativo turístico). Acrescenta-se a essas construções, a edificação de engenhos de açúcar que, eram como em outras tantas aldeias, pontos de apoio para posteriores penetrações. Esses engenhos não prosperaram devido aos constantes ataques de índios e corsários. Também foram organizadas, na vila, expedições de entradas e bandeiras em busca de metais preciosos. Com a distribuição das sesmarias, houve a ocupação espalhada para o Norte e o Sul, com a população dedicada à lavoura e à pesca, constituindo-se esta última no mais importante meio de subsistência desses colonos. Contudo, o pau-brasil foi a principal mercadoria de exportação e, por ser uma exploração itinerante, não foi responsável pela criação de qualquer núcleo urbano regular e estável. Por outro lado, localizada longe dos centros desenvolvidos, desviadas das rotas da Índia ou do rio da Prata, embora no trânsito, a capitania de Porto Seguro contava apenas com seus próprios recursos. Além

97 107 desses fatores, os constantes ataques indígenas e a falta de escravos dificultavam o desenvolvimento socioeconômico da vila. Esses fatores culminaram para que do início do século XVII a meados do séc. XVIII a capitania entrasse em crise, quadro que só melhorá com sua incorporação à Coroa. A partir do século XIX, as ações que compunham a dinâmica do local passam a consolidar-se na Cidade Baixa. Ali se concentraram as atividades pesqueiras, armazéns e casas comerciais em oposição à Cidade Alta, onde estavam os monumentos religiosos, as instituições administrativas e a moradia das classes mais abastadas. Durante este século, a pesca e a construção de embarcação ao lado do corte de madeira e da agricultura, constituíram a base econômica da vila. Continuava, porém, o contrabando de pau-brasil e de pedras preciosas. Nesse período, muitos viajantes, em sua maioria contrabandistas, passaram por Porto Seguro e deixaram relatos de suas impressões sobre a cidade, através das quais pode-se perceber a dinâmica do local naquele tampo. Esses relatos estão registrados na Proposta de Delimitação das Áreas Tombadas dos Municípios de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália elaboradas pelo IPHAN. Em 1802, o inglês Thomas Lindley, preso como contrabandista de pau-brasil, ouro e diamante, descreve Porto Seguro, relatando a situação de pobreza da cidade, mas observa que existiam barcos que pescavam garoupas em abrolhos, salgando-as e enviando-as para Salvador: As ruas são simplesmente largas, retas, mas dispostas de maneira irregular. As casas têm geralmente um só pavimento, são baixas e mal construídas de tijolo moles (abobes), pintadas com barro e recobertas de armagassa. Todas têm aspecto sujo e miserável. Próxima da orla marinha, ergue-se uma série de casas de pescadores, sombreadas de ondulentas palmeiras à frente, tendo cada uma seu laranjal ao lado. Atrás dessas chapanas surge a vegetação baixa.

98 108 No documento, há registros de outros viajantes que não apenas confirmam esta informação, como também apresentam uma descrição sobre a Cidade Alta. Em 1888, o forasteiro Durval Vieira de Aguiar descreve a vila de Porto Seguro da seguinte forma: Dois compridos amuados quase em seguida, pela margem do rio, e de um terceiro, onde se acha a velha Matriz e o estragado, porém bem construído e assobradado edifício da Câmara, no alto da montanha, que é circulada em baixo pela povoação; de forma que substituindo-se pela parte do mar, pode-se descer pelo lado oposto, e subir-se na rua de Pacatá, onde está o melhor comércio. A morada do alto é excelente pela beleza da vista e bons ares; porém na parte baixa, onde aliaz reside a maioria da população, é humilde e às vezes doentia. Pode-se dizer, portanto, que Porto Seguro tem sua história marcada por constantes períodos de decadência que delimitaram um estado de isolamento político e econômico. Contudo, de acordo com o documento disponibilizado pelo IPHAN, essa condição foi positiva no que concerne à preservação do patrimônio arquitetônico, que, para o instituto, representa o embrião da atual civilização brasileira. Ainda, segundo o mesmo documento, aponta-se que o isolamento também contribuiu para a preservação do patrimônio natural, mesmo considerando que esse estado condicionou o local à decadência social e à calamidade urbana. No final do século XIX, a vila é elevada à condição de cidade de Porto Seguro, mas é somente a partir do século XX, que se inicia o processo de estratificação espacial da cidade, base da atual organização urbana. A Cidade Baixa torna-se o local de habitação dos comerciantes, que começam a concentrar a renda gerada no local, ficando a Cidade Alta para a classe dos funcionários públicos e pessoas pertencentes a classes econômicas menos favorecidas. Contudo, nas primeiras décadas do século passado, a população do município de Porto Seguro encontravase em condições precárias de sobrevivência, com sobrados arriscando desabar, falta de querosene utilizado na iluminação, entre outros fatos que implicavam no esvaziamento do tecido urbano.

99 109 Esses aspectos comportavam-se tanto como conseqüências quanto resultantes da pouca movimentação econômica do local. Somente a partir da segunda metade do século XX, inicia-se o processo de movimentação social responsável pelo delineamento de sua mais importante e lucrativa atividade econômica até então, a atividade turística. Tal movimentação inicia-se a partir de 1954 com as obras de construção da BR 101, que possibilitando a ampliação do fluxo de pessoas, de bens e de informações faz emergir uma nova fase na história daquele primeiro porto. Até a edificação da estrada, esse fluxo era constituído basicamente por comerciantes ambulantes, trabalhadores rurais e pescadores, que, em sua maioria, ainda praticavam a cultura de subsistência. Em 1973, o Ministério das Comunicações, gerido por Mário Andreazza, reconhece o potencial turístico de Porto Seguro e institui uma campanha de divulgação do município como um dos principais pólos turísticos do país, cujos atrativos eram a beleza natural e a riqueza da sua história, instituída como berço da civilização brasileira. Campanha que, pode-se dizer, oficializa a delimitação do imaginário turístico local a partir da carta de Caminha. Desde então, o município começa a se desenvolver economicamente, tornado-se um importante centro receptivo cada vez mais dinâmico tendo atual complexidade social fomentada a partir da década de No período de 1990 a 2000, Porto Seguro passa por profundas transformações em sua dinâmica cultural, em que se observam, por um lado, melhorias na sua infra-estrutura urbana e nas condições de vida da população e, por outro, a emergência de uma série de conflitos socioeconômicos decorrentes das diferenças de interesses entre grupos que compõem a dinâmica e a identidade do local.

100 110 De acordo com dados do Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável na Costa do Descobrimento PDITSCD (2001), elaborado pela Prodetur e pela Bahiatursa, na década de 1990, aponta-se um crescimento relativo de 78,1% na geração de empregos diretos e indiretos na Costa do Descobrimento, concentrados, a sua maioria, no município de Porto Seguro. Segundo o plano, 73,6% dos estabelecimentos comerciais e de serviços da Costa do Descobrimento estão concentrados no município, o que demonstra a sua importância para a economia da região, proporcionando benefícios em termos de geração de renda, empregos, arrecadação de impostos e atração de novos investimentos. Na década de 1990, o município obteve bons resultados com relação à circulação de capital e à sua estruturação urbana. Conforme o PDITSCD (2001), Porto Seguro apresentou, na década de 1999, o 17º (décimo sétimo) maior Índice de Desenvolvimento Econômico do Estado, sendo o 22º município com o maior Produto Interno Bruto PIB. Esses resultados, praticamente, devem-se aos investimentos realizados para dar suporte à atividade turística, incluídos investimentos em meios de hospedagem, em restaurantes e em parques temáticos e demais empresas de entretenimento. De 1994 a 2000, o número dos meios de hospedagem (pousadas e hotéis dos tipos A, B e C e aqueles não enquadrados na categorização) 18, passou do total de 354 para 502, ampliando de para o total de unidades habitacionais, e de para o número de leitos no município. A cidade também tem o maior número de bares e restaurantes da região (209), apresenta o maior número de prestadores de serviços de 18 Os meios de hospedagem distribuídos nos tipos A e B, segundo a Bahiatursa, são aqueles que oferecem maiores opções de instalação e equipamentos para o conforto do hóspede (restaurantes, bar piscina estacionamento...). Os considerados tipo C e não enquadrados, oferecem o mínimo de instalações.

101 111 entretenimento, cerca de 20 (vinte), considerando parques temáticos, boates, cabanas, museus, além da preservação das edificações históricas, que, de fato, se constitui como um dos principais fatores de atração turística. Na cidade de Porto Seguro, estão localizadas três das cinco agências de viagem da região, além do centro de convenções, o aeroporto internacional, seis agências bancarias (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, HSBC e Real), que dão suporte a toda Costa do Descobrimento. Junto a essas empresas, constata-se a utilização de tecnologias digitais na operacionalização das ações cotidianas e turísticas, delineando o caráter ciber da cidade. Os bancos de auto-atendimento, os sistemas digitais de segurança, os cybercafes, os hotéis inteligentes, que operam a partir de sistemas de controle digitais, os adesivos de operadores de cartões de créditos e de cheques eletrônicos estampados nas vitrines das lojas sinalizam que a cidade apresenta um potencial de operacionalização contemporâneo. Ainda, locais de diversão como a Tenda Cyber dance Café, na Cidade Baixa, o centro de informação denominado Guia Virtual na Cidade Alta, além das constantes raves, do visual cyberpunk da juventude local e da projeção da cidade no ciberespaço comunicam o caráter cibernético do local, de modo que se pode pensar Porto Seguro como uma potencial ciber-cidade. Todos esses resultados justificam o rápido crescimento populacional do município na década de A população aumentou cerca de 47%, atingindo no ano 2000 um total de habitantes, dos quais 83,1% concentraram-se na área urbana, constatando-se a predominância de jovens com idade abaixo de 35 anos 19. Este fato deve-se não somente ao desenvolvimento da atividade turística, mas também devido à migração da população rural em função da decadência da agricultura, principalmente, da lavoura cacaueira da região. Com esse movimento migratório, 19 Dados constatados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE

102 112 houve um constante aumento do número de bairros no município, dos quais, muitos deles, caracterizam o processo de favelização. De acordo com o coordenador do setor de cadastramento da prefeitura municipal, José Emanuel Simões, há atualmente na sede do município 31 (trinta e um) bairros dos quais oito correspondem à classe média, nove, à classe média baixa, sete constituem a classe baixa e seis bairros podem ser classificados como sendo de classe média alta. Como aponta o presidente do Conselho Regional de Turismo da Costa do Descobrimento, Laércio Gomes da Silva, esse movimento migratório em direção à cidade de Porto Seguro, geralmente, em busca de emprego e de melhores condições de vida, desencadeou uma série de fatores que tornam a organização social cada vez mais complexa e carente de medidas públicas voltadas para a amenização das suas problemáticas. Com a fama de que Porto Seguro era um Eldorado, as pessoas começaram a vir para cá, principalmente pessoas de baixa renda. Com a administração criminosa de ex-prefeitos de quatro em quatro anos, nasce uma sub-cidade em Porto Seguro. Nós temos um crescimento médio maior de 10% ao ano, um dos maiores do Brasil. Veja que nós não temos emprego para isso, devido a sazonalidade da nossa economia. Nós não apostamos na indústria. Como falam os verdes a indústria vai poluir, eles não acreditam em indústrias não poluentes. Como Ilhéus fez. Nessa parte, Ilhéus deu uns passos, com o campo de informática. Mas errou porque começou a comprar produtos prontos e virou só carcaça, como é na Zona Franca de Manaus. Se ela apostasse nas indústrias de informática e incentivasse indústrias de software e hardware, ela ganhava dinheiro, ali se planejava, ali se produzia... mas mesmo assim conseguiu bastante emprego. Não é como aqui que só é turismo, turismo, turismo. A padaria, o mercado, a lavanderia, tudo esperando pelo setor. Então inchou a cidade, mas houve benefícios para a população? Todo esse inchaço causa um grave problema para o setor turístico e para a população nativa. Essa especulação em torno do turismo não melhora em nada a vida do pequeno empresário (SILVA, Laércio Gomes. Presidente do Conselho Regional de Turismo da Costa do Descobrimento Em entrevista na segunda etapa da pesquisa de campo). Por conta desse inchaço populacional, observam-se processos de favelização, pressão nos serviços de saneamento; aumento do volume de água consumida que se acentua nos

103 113 períodos de alta temporada entre os problemas que caracterizam a atual estrutura social da cidade de Porto Seguro. Além desses fatores, percebe-se, através dos números apresentados pelo PDITSCD (2001), que os centros médicos e hospitalares não são suficientes para atender à demanda populacional muito menos à turística (2 Centros de Saúde, 10 Postos de Saúde, apenas 1 hospital conveniado ao SUS e um total de 15 leitos contratados). Também se observa que o número de unidades escolares é pouco para propor educação com qualidade aos moradores. Além do número reduzido de escolas, Laércio Silva, aponta que a falta de orientações sobre turismo nas escolas tem contribuído para a formação de profissionais sem a devida preparação para atuar junto à atividade turística. Somos uma cidade turística e não temos turismo nas escolas públicas. Noções de turismo, de cidadania... não temos, relata o presidente. De acordo com o disposto no site 20 da Secretaria de Educação do Estado da Bahia existem no município, um total 106 escolas que oferecem o ensino fundamental (quatro particulares, três estaduais e 99 escolas da rede municipal) e apenas oito escolas oferecem o ensino médio (seis estaduais e duas particulares). Assim, observa-se a dificuldade de concluir o ensino médio e ter acesso ao curso universitário, embora existam universidades particulares próximas ao local (nos municípios de Santa Cruz Cabrália e de Eunápolis), e um campus da Universidade Estadual da Bahia, no município de Eunápolis. Assim sendo, pode-se inferir que as poucas possibilidades de educação e qualificação profissional, a quantidade rarefeita de unidades hospitalares, o processo de favelização e a problemática na administração pública, como informou Laércio G. da Silva, tudo isso associado a um desenvolvimento econômico desordenado que cada vez mais amplia os 20

104 114 conflitos sociais, contribuiu, no final da década de 1990, para a classificação do município como o 165º (centésimo sexagésimo quinto) em Índice de Desenvolvimento Social IDS da Bahia. Dado que aponta para necessidade de medidas voltadas para melhor organização do setor. Partindo do princípio de que morar na cidade visa elucidar as práticas culturais de usuários da cidade no espaço do seu bairro (DE CERTEAU, 2003, p. 37), admite-se que essa categorização do IDS pode melhor ser compreendida através do confronto entre as estruturas organizacionais dos bairros do Baianão, o mais popular do município, e o bairro Paraíso Pataxós, localizado em uma área nobre. O bairro é um espaço dinâmico no qual a sua complexidade está atrelada às ações cotidianas dos cidadãos que, por sua vez, delineiam as suas urgências enquanto usuários da cidade. Assim sendo, pode-se perceber (Box 1.1 e 1.2), através do estudo sobre os bairros estipulados, códigos e situações de diferentes grupos culturais, que fomentam a dinâmica da cidade, podendo estes comunicar as divergências organizacionais, nas quais se observam fatores representativos desse baixo índice de desenvolvimento social. Box 1.1. Bairro Paraíso Pataxós:

105 115 Fotografias Moabe Breno Situado no litoral Norte, em frente à praia de Itaperapuã, o Paraíso Pataxós é um dos bairros que gozam dos melhores serviços públicos do município. Sinalização adequada para o tráfego de transportes, boa iluminação, coletores de lixo nas residências, são, entre outros, fatores que contribuem para a sua melhor organização. O bairro é puramente residencial, ficando suas ruas quase sempre vazias. Os moradores são, em sua maioria, empresários do turismo oriundos de outras regiões do Brasil ou de outros países. Box 1.2. Bairro Baianão:

106 116 Fotografias Moabe Breno O Baianão é o mais populoso bairro do município, e talvez, por isso o mais complexo. Em suas ruas, comércio e moradia misturam-se, compondo a dinâmica local. Afastado do centro da cidade, o bairro é povoado, em sua maioria por nativos, que, em geral, constituem a mão-de-obra barata do setor turístico ou tem como fonte de renda pequenos negócios no próprio bairro. A própria organização do Baianão já indica a complexidade social em que está circunscrito. De um lado, ruas pavimentadas com casas que apresentam bom estado de conservação. De outro, ruas sem a mínima infra-estrutura comportam casas que denunciam a situação de pobreza e de isolamento em que vive a maioria da população. A comparação entre a organização dos bairros, portanto, possibilita a percepção de que vigora no município um processo de má distribuição de renda, característica do capitalismo, que pode culminar em várias outras problemáticas sociais já mencionadas. Esses conflitos também situam Porto Seguro no âmbito global das cidades capitalistas. Afinal, as divergências entre classes caracterizam a racionalização típica do processo de reprodução do capital, na qual a circulação dos lucros vai privilegiar uma classe ao passo que põe em uma situação menos privilegiada outras. Nesse contexto, pode-se incitar a emergência dos processos de integração perversa, superexploração, exclusão social e individualização do trabalho, estudados anteriormente. Com Roedel (1999) é possível compreender que esses conflitos promovem a redefinição de comportamentos culturais, culminando na formação de blocos econômicos e sociais que definem representatividades locais. Nesse sentido, aponta-se que, em escala municipal, as associações de moradores e de profissionais ligados ao turismo, os sindicatos dos trabalhadores e as lutas por direitos iguais fomentam uma nova dinâmica social, na

107 117 qual se nota que a população está, de certo modo, atenta às exigências da atualidade. A esses fatores, acrescenta-se que há, por parte da população, uma busca por especialização e melhores capacitações profissionais, podendo estas ser notificadas a partir da emergência de cursos de idiomas e de informática no município, a partir de meados dá década de Pode-se dizer, contudo, que Porto Seguro comporta-se como um centro regional, atento às transformações mundiais. A essa observância, acrescenta-se o fato de que o imaginário turístico sobre o município é o principal responsável pela atração de empresários no setor para a Costa do Descobrimento, evidenciando dados registrados no PDITSCD (2001). Assim sendo, compreende-se que Porto Seguro comporta-se como referência socioeconômica da Costa do Descobrimento e que através da afirmação de um cosmopolitismo, a partir da atividade turística, tem delimitado o seu patrimônio cultural como um patrimônio comum para a sociedade brasileira (e talvez mundial), afinal, existe uma identificação do turista com o município enquanto produto turístico, que pode ser comprovado a partir do crescimento contínuo do índice de visitação no local durante a década de Pode-se considerar, entretanto, que essa interdependência também está presente no imaginário das pessoas que migraram para o município nesta década, vislumbrando novas possibilidades de vida, e que constituem o atual tecido urbano do local. Pode-se inferir, portanto, que a cidade é um sistema integrado, onde seus elementos interagem para a formação de um todo, com significado próprio, que pode ser compreendida fora de suas fronteiras, a partir da identificação e reconhecimento dos seus elementos. Trata-se de uma unidade formada pela interação de aspectos políticos, econômicos, sociais, históricos e naturais para a delimitação de características que se

108 118 evidenciam pelas atividades desenvolvidas no âmbito local e que podem se proliferar por vários outros campos, a partir de sua própria organização. Nesse sentido, observa-se que a cidade é um sistema concebido pela busca da qualidade de vida que toma forma própria à medida que se vão definido suas funções e especificando suas atribuições e valores a partir das concepções de sua população e de sua significância frente à região e ao Estado do qual faz parte. Por essa perspectiva, Lemos (2001) as concebe como uma produção do homem para a promoção da vida em comum, de modo que sua organização pode fomentar três aspectos importantes à sua identificação, a saber, o aspecto cósmico, o prático e o orgânico. O aspecto cósmico permite o entendimento da idéia que o local venha a desempenhar, considerando a estruturação dos seus traçados que funcionam como representações culturais, através das quais pode-se identificar o senso do local, usando o termo de Horan (2000), delimitando fatos históricos e práticas contemporâneas fomentadas na cidade, apresentando e comunicando a função que o lugar desempenhe. Desse modo, pode-se dizer, que as formas arquitetônicas assim como as paisagens naturais podem sinalizar comportamentos possíveis de realizarem nos locais, de modo que empresários e o próprio turista possam identificar as atividades desenvolvidas em um dado espaço. Um ambiente construído comporta diferentes maneiras de análises do significado da organização espacial, mediante a correlação com os símbolos, signos, materiais, cores e formas de paisagem, ou seja, a análise por meio dos aspectos icônicos do ambiente. Dessa forma, o significado do espaço deve representar um sistema, indicador da situação espacial, concebido por base nas relações entre elementos e pessoas que se interagem. Os princípios que regem essa relação usuário/ambiente ocorrem dentro dos diversos aspectos de organização social, cultural, econômica e política (MINANI 1996, p. 118). Assim, em Porto Seguro, evidencia-se a possibilidade de se realizar o turismo ecológico, a partir da sua riqueza ambiental, prática turística que caracteriza o ócio criativo (DE MASI, 2000) a partir da preservação do patrimônio material na Cidade Alta, no Quadrado, em Trancoso, nas

109 119 tribos indígenas e na Passarela do Álcool e mesmo em outros locais que ainda não estão inseridos nos roteiros de turismo do local. Constata-se, na rua do Mucugê, no Arraial d Ajuda, e em praias mais distantes da movimentação massiva, geralmente entre Trancoso e Caraíva, o fomento a práticas sociais a partir da disseminação da ciberarte e da ciber-moda (objeto de estudo do próximo tópico). Fomenta-se também o turismo de eventos pelos investimentos em espaços adequados à realização de shows e eventos de qualificação profissional ou de negócios. Ainda, cogita-se no município o turismo de lazer, considerando a diversidade de praias e o clima tropical bem como a potencialidade receptiva e festiva da cidade que se observa na constituição das cabanas, restaurantes e espaços públicos projetados para acolher o maior número possível de pessoas no ritmo das músicas e danças contemporâneas. O outro aspecto da cidade o prático vai compreender os espaços habitados, onde são desenvolvidas as relações comerciais e a dinâmica local. Nesse caso, evidencia-se o desenvolvimento material voltado para a consumação e a circulação do capital. Assim sendo, aponta-se que a dinâmica do centro da cidade e toda a movimentação e especulação em torno da atividade turística, permitem a percepção do aspecto prático de Porto Seguro. O turismo provoca uma transferência de recursos de uma região para outra por meio da movimentação de pessoas que viajam em busca da satisfação de suas necessidades. O efeito econômico é o mesmo das exportações, que resulta no ingresso da moeda internacional no país, porém é peculiar da economia turística o deslocamento do consumidor até o local produtor, caracterizando o que Oliveira (2000, p.49) define como exportação invisível de bens e serviços. Esses produtos disponibilizam-se na forma de passeios, traslados, hospedagens, alimentação, ingressos, compras, entre outros serviços característicos do local. Nesse sentido, por oferecer tantos atrativos e produtos turísticos, a cidade de Porto Seguro deve se preparar para receber e acolher pessoas com gostos e condições econômicas os mais

110 120 diversos possíveis. Afinal, a lógica econômica do setor é oferecer ao consumidor a maior gama de produtos e serviços disponibilizados nas mais possíveis formas de pagamento, de modo a ampliar constantemente o fluxo de capitais no local. Pode-se apontar que o município já opera segundo critérios da Nova Economia, considerando o gerenciamento de informações direcionadas aos seus segmentos, a partir da projeção de empresas turísticas no ciberespaço e a partir da utilização de TICs como cartões de crédito e cheques eletrônicos. Essas especializações são importantes para garantir o fluxo de informações entre os atuantes diretamente ligados ao setor (empresários e turistas), potencializando a sua funcionabilidade, já que essas informações mercantis, como denomina Beyers (2000), vão antecipar a relação entre o turista e a cidade. Considerando os aspectos cósmicos e práticos, entende-se que a cidade turística, tanto comporta-se como um espaço de fluxo, afinal há um constante fluxo de pessoas de capitais e de informações, quanto como um espaço de lugar, uma vez que a cidade tem dinâmica e complexidade própria, que ultrapassam as características delimitadas pela atividade turística. Estas (dinâmica e complexidade) podem ser percebidas pela constituição dos seus bairros que definem uma organização racional, caracterizando uma produção cultural glocal. Nesse sentido, pode-se pensar a cidade turística como um corpo sistêmico ou um sujeito universal (DE CERTEAU, 1999), que a partir de uma movimentação específica tem garantida a sua funcionabilidade. Desse modo, evidencia-se o caráter orgânico da cidade, ou seja a movimentação que a torna peculiar e permite a emergência da totalidade de ações que compõem a sua dinâmica e, em conseqüência, a sua identidade cultural. A cidade turística, portanto, ao reunir os aspectos cósmico e prático, acaba por constituir-se como um composto uma mistura de estilos, de sensações e de realizações através do qual pode-se perceber a sua funcionabilidade, a sua organicidade, ou seja, a sua vida própria. Por essa acepção, compreendese cidade turística como um composto orgânico turístico. Para tanto, considera-se que o

111 121 imaginário sobre o local, a totalidade das empresas e ações voltadas para a prestação de serviços turístico bem como as concepções do nativo sobre a cidade (que será evidenciada no tópico 3.2.2) devem sinalizar uma conjuntura socioeconômica que tem como eixo principal a atividade turística. Essa concepção da cidade enquanto composto orgânico turístico pode contribuir para a potencialização da atividade, uma vez que a partir dessa compreensão pode-se melhor planejar os tipos de turismo praticados no local. Nesse sentido, evidencia-se que quando se trata de planejar ações derivadas de qualquer agrupamento humano, deve-se compreender toda a complexidade dessa abordagem, e aceitar que o planejamento deve corresponder às expectativas da sociedade como um todo (DIAS, 2003, p.88). Portanto, a tomada de decisões referentes à estruturação dos segmentos turísticos deve ser entendida muito mais como uma forma organizativa delimitada a partir de aspectos sociais e econômicos vigentes na sociedade bem como a partir do imaginário sobre o local, considerando, evidentemente, as peculiaridades dos grupos culturais que dinamizam os segmentos, constituindo as comunidades turísticas. Desse modo, a cidade turística deve ser notificada a partir da organização dos seus aspectos potencializados de modo a produzir a identidade do local e das formas como a cidade possibilita emergir os fluxos que a caracterizam. A identidade, contudo, deve fluir das ações que fomentam a dinâmica da cidade e não, apenas, de produções imagéticas de um espaço construído para o consumo, afinal, está-se pensando a cidade como um composto orgânico, por isso quanto mais houver interações sociais, mais se propiciará a diversidade que dialeticamente levará à realização de existências humanas mais ricas (CARVALHO, 1996, p.100). Assim sendo, aponta-se que essa concepção implica no entrelaçamento dos aspectos que caracterizam a produção do senso do local, incluindo nessa perspectiva, a produção de espaços e ações que espetacularizam a cultura, propondo, muitas vezes, aos visitantes apenas uma falsa

112 122 experimentação do espaço. Afinal, deve-se ressaltar que em um espetáculo, a cidade e turista tornam-se, respectivamente, atração e público passivos, entregues às manipulações, produzindo e desfrutando apenas o ilusório em um processo que se pode chamar de alienação coletiva. Porém, é importante compreender como Debord (1997) que esse processo de espetacularização da cultura também compõe a dinâmica do local. Ao andar por ruas e estradas do município de Porto Seguro, não é difícil deparar-se com pessoas vestidas com acessórios indígenas, vendendo objetos artesanais. Essa prática, em sua maioria, representa uma teatralização da figura do índio, não correspondendo ao cotidiano atual desse grupo étnico. Aliás, muitas dessas figuras ilustrativas não compartilham das mesmas perspectivas do grupo. Outro aspecto alienador pode ser constado na Cidade Alta, onde jovens guias turísticos, muitas vezes reconstroem a história do local (sem as devidas especializações e credenciamentos) para os turistas, cobrando altos valores pelo serviço. Essas práticas representam a constituição de um processo de especulação, por parte dos nativos, que, de algum modo, estão ávidos para explorarem os turistas, prática, que para muitos, constitui-se em uma forma de sobrevivência. Segundo a visão de De Certeau (2003), pode-se apontar que essas práticas constituem-se como acontecimentos-armadilhas ou lapsos da visibilidade, reintroduzindo e reproduzindo as opacidades da história. Pode-se, entretanto, reconhecer que essas práticas sociais denunciam aspectos malditos da organização pública, na qual, pode-se inferir, considerando o depoimento do representante do Conselho Regional de Desenvolvimento Turístico da Costa do Descobrimento, que não existe uma atuação política voltada para a inserção dos grupos culturais menos favorecidos economicamente junto ao setor. Contudo, admite-se que a produção artificial do lugar dificulta a estratificação da essência do local, na medida em se oferecem apenas mercadorias para serem consumidas de forma mecânica, limitando o produto turístico à mesma dimensão de qualquer um outro produto

113 123 industrial. A partir dessa limitação (um limite cultural) pode-se estar contribuindo para a unificação das várias possibilidades de ações turísticas, uma vez que tudo passa a ser cogitado apenas para a venda, atribuindo à cidade a condição de um parque de diversão qualquer. Por essa razão, pensa-se que cidade turística deve, então, ser organizada dentro de um modelo que engloba a originalidade, a simplicidade das ações e a autenticidade, garantindo a sua vida própria. Portanto, compreende-se a cidade turística como um sistema orgânico, que, ao mesmo tempo é prático, por dispor-se e facilitar o consumo, e cósmico, por apresentar aspectos que despertam o interesse das pessoas em suas instalações, paisagens e ações, de modo a envolve-las como um composto orgânico vivo, que tem uma dinâmica própria e funcional, através do desenvolvimento de técnicas e espaços viabilizadores da constância dos fluxos de capital, de informações e de pessoas. Compreende-se que a constância desses fluxos vai contribuir, segundo a visão de Hall (2003), para o processo de mutação da identidade dos destinos, promovendo o contínuo surgimento de novas ações turísticas. Assim, evidencia-se que novas práticas econômicas e sociais estão sendo cogitadas em espaços turísticos a partir das transformações mundiais propostas pela cibercultura. Por essa acepção, no próximo tópico, será edificado um estudo da atual cultura turística fomentada pela cibercultura no município de Porto Seguro, considerando elementos que compõem o imaginário sobre o local e práticas que caracterizam expressões culturais das tribos contemporâneas.

114 A movimentação turística fomentada pela cibercultura Grupos de marinheiros saídos direto do porto, turistas solitários nervosos à caça dos prazeres não listados nos guias, figurões do Sprawl exibindo enxertos e implantes, e uma dúzia de diferentes, espécies de achacadores, todos enxameando a rua numa intricada dança do desejo e do comércio. (GIBSON, Willian. Neuromancer. 3 ed. São Paulo: Aleph, 2003) A citação acima pode constituir-se como uma representação de práticas turísticas contemporâneas, contribuindo para o entendimento de como a cibercultura está interferindo na dinâmica das localidades globalizadas, corroborando para a edificação de novas estruturas socioeconômicas. A literatura de Willian Gibson, aponta Jameson (1997), representa uma inusitada realidade da ficção científica em um tempo em que predominavam as produções orais e visuais. Difundindo o universo cyberpunk, a obra do ficcionista constitui-se como uma expressão das atualidades das corporações multinacionais e da própria dinâmica global, mostrando as possíveis transformações do social. Por essa perspectiva, busca-se ratificar a idéia apresentada no primeiro tópico deste capítulo, que aponta para um contínuo surgimento de novas práticas culturais, a partir do desenvolvimento tecnológico, que desencadeiam códigos, formatos, padrões, pensamentos e atitudes que caracterizam um local em um tempo. Portanto, pode-se dizer que esta nova atmosfera cyber... contribui para a redefinição dos sentidos da cidade, interferindo, conseqüentemente, nas atividades em que trocas socioeconômicas estejam em jogo, como a turística. Assim, notifica-se ressignificações e reconfigurações das ações e dos lugares a partir dos usos de tecnologias digitais, que põem a atividade em uma esfera cibernética, fomentando

115 125 uma conjuntura turística em que se observa a associação das novas tecnologias às entidades envolvidas na atividade, possibilitando a emergência de um turismo cibernético o turismo da cibercultura. Essa definição, contudo, não busca ressaltar uma nova modalidade de turismo (um novo segmento) muito menos inferir a idéia de um determinismo tecnológico junto à atividade turística, apenas, indica que existe a apropriação de aspectos característicos da cibercultura pelo setor, capazes de potencializar ações já vivenciadas nas localidades. Assim, observam-se, em Porto Seguro, agilizações em operações comerciais, maior controle e padronização das ações em hotéis e aperfeiçoamento nos sistemas de seguranças dos empreendimentos. Além desses fatores, pode-se dizer que a produção e consumação da ciber-moda e da ciberarte no destino intensificam os seus aspectos festivos, ratificando a idéia de local da permissividade e de libertação. Esses aspectos colocam o turismo em uma esfera cibernética constatada a partir de edificações que se comportam como digital places, da estética dos locais que comunicam o uso de tecnologias digitais e da predominância das chamadas áreas liberadas nos distritos de Trancoso e, principalmente, Arraial d Ajuda, evidenciando, a estética e posicionamentos de turistas que freqüentam esses espaços. Ainda, corroboram para essa constatação, as promoções das festas raves, o designing dos flyers das festas locais, além de aqueles fatores que caracterizam o destino como uma potencial ciber-cidade, como já se evidenciou. Assim, ao longo da pesquisa de campo, descrita no tópico anterior, foram observadas e fotografadas ações turísticas, que fomentam a emergência da cibercultura junto à atividade. Os cybercafes, os bancos de auto-atendimento, o centro de informação chamado Guia Virtual, na Cidade Alta, um espaço ressignificado, o espaço de entretenimento e comunicação denominado Tenda Cyber dance café indicam a edificação de digital places (Horan, 2000) no

116 126 local e sua utilização pelo setor turístico, como demonstrado nas ilustrações que se seguem (Box. 1.1; 1.2; 1.3 e 1.4). Box 1.1: Cybercafes Fotografia Moabe Breno: Cybercafe em Porto Seguro Fotografia Moabe Breno: Cybercafe em Arraial d Ajuda Tornou-se incontável o número de cybercafes no município. No período de alta estação, na cidade de Porto Seguro e nos distritos do Arraial d Ajuda e em Trancoso, o funcionamento desses empreendimentos inicia por volta das 9h00, quando os turistas começam a circular, ficando abertos, geralmente, até a meia noite, em Porto Seguro, e muitas vezes perduram a madrugada, nos distritos. Principalmente os turistas de outros países utilizam esses serviços, cujo valor varia de R$ 0,08 a R$ 0,15 o minuto. Box. 1.2: Bancos de auto-atendimento 24 horas Fotografias Moabe Breno: Posto de auto-atendimento em Porto Seguro Durante a pesquisa, foram identificados oito postos de auto-atendimento bancário no centro da cidade de Porto Seguro (Bradesco (2), Itaú (2), Real, Banco do Brasil, HSBC e um Banco integrado 24 horas), três no aeroporto internacional (B. Brasil, Bradesco e C. Econômica) e dois postos no distrito de Arraial d Ajuda (Cx. Econômica e Banco do Brasil), e um em Trancoso (Banco do Brasil) os únicos de toda a Costa do Descobrimento. Os horários de maior movimento nestes locais, são no início da manhã e no início da noite.

117 127 Box 1.3: Guia Virtual Fotografia Moabe Breno. Em meio à arquitetura colonial do centro histórico, na Cidade Alta, no final do percurso delimitado pelos guias locais, há a devida adaptação da história à contemporaneidade. O guia virtual, um espaço ressignificado, é um local onde o turista tem acesso a um hipertexto virtual, contendo características e algumas informações turísticas sobre a Costa do Descobrimento. Este conteúdo é vendido em CD, que recebe o mesmo nome do local, pelo valor de R$ 25,00. O conteúdo do CD vale-se de caracterização de aspectos históricos da Costa do Desc., além de enumeração dos atrativos e produtos turísticos, propagando o imaginário da carta de Caminha. Também estão enumerados na mídia hotéis, pousadas e restaurantes. Box 1.4: A Tenda Cyber Dance Café Fotografia Moabe Breno. O empreendimento e, ao lado, o proprietário. No espaço de uma edificação antiga reconfigurada e ressignificada, A Tenda cyber Dance Cafe é um local multiuso, situado na Cidade de Porto Seguro. Funciona tanto como cybercafe quanto como boate, que toca apenas ritmos digitais como trance, house e tecno. Foi inaugurada no verão de A perspectiva do proprietário, um clubber paulista que mora há 15 anos no município, era atender ao grupo de turistas que, segundo ele, cada vez mais busca por rimos eletrônicos no local.

118 128 Outro fator que situa o turismo na esfera cibernética é a fixação de adesivos de operadoras de cartões de crédito e de cheques eletrônicos nas vitrines e paredes das lojas da Passarela do Álcool (fig. 2), o que contribui para a edificação de uma nova paisagem urbana. Box 2: Passarela do Álcool Fotografia Moabe Breno. A Passarela do Álcool é o local de maior concentração de lojas para a venda de artefatos locais e de restaurantes da Costa do Descobrimento. A movimentação maior da avenida tem início no final da tarde, quando os turistas estão voltando das suas atividades diurnas, até à meia noite, quando começam as festas nos centros de entretenimento noturnos. Em quase todos os estabelecimentos da avenida, os adesivos das operadoras de crédito competem com os produtos oferecidos e com os traçados da arquitetura colonial. Ainda configurando os usos das tecnologias digitais, na avenida, inúmeros vendedores ambulantes, em suas barracas, oferecem aos turistas CDs e DVDs (piratas) de músicas e danças difundidas no local. Pode-se dizer que essa paisagem urbana constitui uma nova estética para o local, sinalizando operacionalizações econômicas através das tecnologias digitais, completando, desse modo, a ambiência turística. Para Richard (2001), a estética comporta-se como um fator tradutor e comunicador das ações e pensamentos produzidos em um local. Assim, pode-se compreender que essa paisagem, que pode, muitas vezes, agredir aos padrões de beleza e as concepções

119 129 estilísticas do observador, sinaliza a potencialização de operacionalizações comerciais do destino, a partir da cibercultura, podendo representar o que Maffesoli (1998) define como um espírito de tempo. Nesse sentido, aponta-se que essa apresentação física possibilita a percepção da potencialidade tecnológica do local. Esta, em sinergia com a arte e com a arquitetura urbana, redefinem os significados locais e dinamizam a atividade turística, estimulando, conseqüentemente, uma (re)organização socioeconômica. Pode-se pensar que este seja o caso da estética que garante, desde então, a sinergia social, a convergência das ações, das vontades, que permite um equilíbrio, mesmo que conflitual, dos mais sólidos. Os historiadores mostram que a arte stricto sensu pôde representar esse papel em inúmeras civilizações; pode-se imaginar que a vida cotidiana enquanto obra de arte possa também representá-lo hoje em dia (MAFFESOLI, 1996, p. 32). Assim sendo, sem entrar na esfera do belo, admite-se que essas superposições de adesivos bem como os outros espaços evidenciados neste trabalho comunicam uma reconfiguração das ações a partir das tecnologias cibernéticas, definindo uma nova forma de pensar e encarar a movimentação econômica junto à atividade turística, promovendo a inclusão do local no processo de evolução tecnológica por que passa o mundo, o que contribui para ratificar a idéia de que Porto Seguro comporta-se como cidade global da Costa do Descobrimento, apresentando caráter glocal. Contudo, entendendo que muitos desses espaços analisados, em especial a Passarela do Álcool, correspondem a áreas tombadas pelo IPHAN, comportando-se como espaços de preservação da cultura nacional, admite-se que estas novas configurações e significações apresentam-se dotadas de um certo grau de complexidade.

120 130 Por um lado, não se pode impedir comerciantes de comunicarem a potencialidade tecnológica de seus empreendimentos somente para atender a questões estéticas anteriores ao tempo contemporâneo. Em contrapartida, a paisagem urbana não deve estar submetida aos interesses de uma entidade componente do trade turístico, afinal, fazendo uma analogia a Maffesoli (1998), o marketing turístico não justifica essas loucuras dos empresários estivais. A sociologia dos usos visa assim entender o modo pelo qual usamos os objetos técnicos no quotidiano, descrevendo uma perspectiva que flutua entre a etnometodologia e a psicologia. Talvez seja mais apropriado falar em astúcia dos usos, já que esse termo, mais aberto ao imprevisto, escapa à idéia de lógica, como sustenta Perriault. Sabemos, com De Certeau, como os usuários inventam o quotidiano, como eles investem conteúdos simbólicos, imprimindo seus traços na mais banal ação do dia-a-dia. Não há uma lógica, mas antes uma dialógica complexa (Morin) entre os objetos, os usos e as obrigações funcionais destes mesmos objetos. (LEMOS, 2002, p. 259) Assim sendo, entende-se que essas apropriações sinalizam tanto a utilização dos recursos tecnológicos quanto representam as finalidades e funções contemporâneas do patrimônio histórico. Pode-se dizer, entretanto, que a superposição de adesivos representa as expectativas de os empresários locais aumentarem seus rendimentos a partir da atividade turística, afinal, essas comunicações também podem ser interpretados como convites à compra a partir das novas possibilidades de pagamento. Considerando essas possíveis expectativas dos nativos e empresários locais de potencializarem as trocas econômicas a partir do turismo, pode-se admitir que essas transformações na paisagem urbana são fatores que ocorrem naturalmente no local, contribuindo

121 131 para a peculiaridade da nova formação cultural. Assim, o que se está evidenciando é que, por meio dessas transformações, percebe-se que a cidade de Porto Seguro está passando, mais uma vez, por um momento de metamorfoses tecnológicas, iniciando, agora, um período que combina a alta tecnologia aos espaços sociais, comunicando uma nova atmosfera do espaço, representada por uma estética arquitetônica funcional assemelhando-se àquela apresentada por Gibson em seu Neuromancer. Portanto, essa estética, longe de representar apenas uma ânsia capitalista, indica um paradigma high tech da contemporaneidade, mostrando uma relação estreita entre a dinâmica da atividade turística e as tecnologias digitais, fomentando a apropriação do imaginário da cibercultura junto à atividade. O imaginário da cibercultura aponta para a liberdade de expressão e para a popularização da informação, através de fatores (realidade virtual, música eletrônica, imagens de síntese, manipulações digitais...) que exprimem o espírito transgressor, desviante e apropriador, chegando à sua disseminação pelo corpo social, atingindo, mesmo indiretamente, todas as pessoas que têm acesso às novas tecnologias (LEMOS, 2002, p.258). Nesse sentido, observa-se que as perspectivas delimitadas pelo imaginário da cibercultura encontram no imaginário sobre Porto Seguro espaço ideal para se alastrar, possibilitando a emergência de novas práticas junto à atividade turística, estimulando, desse modo, a produção e o consumo das novas tecnologias. Panfletos de empreendimentos do circuito Porto Nignt, uma seqüência de cabanas na beira da praia que oferecem a cada dia uma programação específica, assim como outras casas noturnas comunicam diretamente manifestações da ciberarte. Por um lado, observa-se que o tipo de letreiro utilizado faz parte do universo cyberpunk, assemelhando-se ao descrito por Gibson (2003) geralmente com maiúsculas retorcidas que imitam japonês impresso no seu clássico literário Neuromancer. Por outro lado, o destaque para os ritmos eletrônicos evidencia a absorção da ciberarte junto às festividades locais (Ver Box. 3.1.).

122 132 Box 3.1: Panfletos de festividades noturnas Esses são dois flyers representativos dos processos comunicacionais utilizados na divulgação das festividades. Nesses dois exemplos pode ser percebida a presença do imaginário cyberpunk seja através do letreiro, seja na comunicação dos ritmos. Pode-se dizer que o imaginário da cibercultura associado ao imaginário sobre Porto Seguro está propondo novas experimentações no local. Através da sinergia entre as imagens que compõem esses imaginários, alguns espaços turísticos estão sendo formatados como centros receptivos das tribos do underground, possibilitando, assim a efervescência de uma nova comunidade turística no local. Nesse caso, deve-se ressaltar os distritos do Arraial d Ajuda, de Trancoso e de Caraíva. Esse novo imaginário um imaginário sinérgico pode ser percebido em reportagens de jornais de circulação estadual e nacional, que divulgam os distritos como espaços propícios à associação do clima legalize e da música alucinante da cibercultura à natureza exótica do município. Desse modo, pode-se descrever esses espaços, conforme a obra ficcional de Gibson,

123 133 como uma arcologia 21 turística, associando a arquitetura e a natureza a manifestações comportamentais e artísticas características da cibercultura, corroborando para a formação de um novo senso do local, e, ampliando a noção do que se está denominado turismo cibernético. A reportagem Arraial e Trancoso: para badalar, da editoria de turismo do Jornal do Brasil, de 20 de julho de 2002, delimita as localidades como destinos freqüentados pelos moderninhos, (termo referente aos adeptos da ciber-moda). Em meio à adjetivação das praias como badaladas, lindas e deslumbrantes, a reportagem destaca as conhecidas raves, festas eletrônicas que chegam a durar uma semana como parte da programação dos locais que, como sinalizado pelo impresso, correspondem a marco de gente bonita e descolada. Com essa mesma perspectiva, a reportagem Quatro séculos de Arraial d Ajuda, de 14 de agosto de 2002, da editoria de turismo do jornal, À Tarde, descreve o destino, apontando que o clima da vila é descontraído. Nas ruas, hippies convivem harmoniosamente com turistas que procuram conforto. Em outra reportagem, Rumo à estação Caraíva, de 24 de janeiro de 2003, o mesmo jornal, após descrever o distrito como local de águas mansas, límpidas e piscinas naturais, constituindo uma da mais belas paisagens do litoral baiano aponta que no final da tarde, jovens como colares de índio, dread looks, e clima legalize se reúnem para olhar o pôrdo-sol, preparando-se para, em conseguinte, aproveitar a agitação noturna. Esse aspecto pode melhor ser percebido através do depoimento de turistas que freqüentam o local. Os depoimentos foram coletados na segunda etapa da pesquisa de campo, descrita no tópico anterior. Foram entrevistados ao todo dez turistas, dos quais apenas quatro deixaram-se fotografar e dois outros não permitiram, na íntegra, a reprodução de suas percepções. Como as 21 Conforme a descrição de Gibson, arcologia refere-se a grandes cidades contidas num único edifício. O nome, surgido da junção das palavras arquitetura e ecologia, foi cunhado pelo arquiteto italiano, radicado nos EUA Paolo Soleri (1919), no final da década de 1960, para descrever seu conceito sobre novas cidades planejadas. Está-se aqui fazendo uma apropriação do termo para propor uma ratificação da idéia de turismo cibernético.

124 134 entrevistas foram realizadas durante as raves, não foi utilizado o recurso gravador, sendo as respostas anotadas. O método utilizado foi o intencional não probabilístico por julgamento, cujo critério de seleção dos entrevistados deu-se a partir do visual que caracteriza a ciber-moda. Para tanto, partiu-se do princípio de que a estética possibilita emergir formas de socialidade, que, ampliando a idéia de Maffesoli (1998), pode-se dizer com Lemos (2003), representa a multiplicidade de experiências coletivas baseadas no ambiente imaginário, passional, erótico e violento do cotidiano dos homens. Nesse sentido, admite-se que a estética apresenta-se como um elo entre membros de comunidades, que, por compartilharem de gostos e valores similares ou convergentes, produzem então a identidade do grupo que se forma. Foram propostas apenas duas questões aos entrevistados. Primeiro, pediu-se para descreverem o local, em seguida perguntou-se sobre a utilização da internet, partindo do pressuposto de que o imaginário da cibercultura envolve ações contínuas na rede mundial. A partir das respostas referentes à primeira questão, pôde-se constatar a legitimação do imaginário sinérgico, que se está evidenciando, sobre os distritos de Arraial e de Trancoso bem como a forma natural com que os adeptos daquela comunidade turística convivem com a alteridade e buscam saciar os seus desejos de interação e de descontração nesses destinos. O empresário gaúcho, de 38 anos, descreve o Arraial e Trancoso como ambientes ideais para fugir da sua rotina, contextualizando a idéia desenvolvida anteriormente, no tópico Eu venho aqui há 15 anos. Vou vir sempre. Adoro viajar, porque trabalho com antiquários, mas aqui eu venho descansar. Aqui é lindo. As pessoas são descontraídas e descoladas, são bonitas. São livres, não é? Isso é muito bom, quando venho aqui é porque estou cheio da minha cidade, aí eu venho ser livre... fico entre Trancoso e o Arraial, é tudo muito bom.

125 135 O cabeleireiro mineiro de 36 anos, que esteve no município pela primeira narrou seu encantamento com o local, mostrando-se tranqüilo como a diferença: Arraial e Trancoso estão entre os melhores lugares que eu conheço. Aqui na Bahia, não tem igual. Tudo é muito bonito. Esses bares todos incrementados dão uma idéia de modernidade, mas ao mesmo tempo nos remetem ao passado do país, principalmente aqui no Quadrado. Eu achei fantástico esse lugar. Meus amigos vieram aqui no ano passado e ficaram maravilhados com o local, com tudo. Eu só acho que é tudo muito caro aqui e as pessoas usam muita droga por aqui. Eu não gosto, mas não me importo, cada um faz o que quer de sua vida. Eu prefiro curtir a natureza... não tem igual. Para o turista da Nova Zelândia (32 anos): Aqui (Arraial d Ajuda) é muito bom. Aqui e em Trancoso. Aqui eu posso ouvir trance, a música do meu país. Tem praias bonitas e pessoas bonitas também e não tem muita gente, como em Salvador. É muito bom. Eu venho ano sim, ano não, com meus amigos. Amanhã eu vou para Trancoso, para a rave na praia. A jornalista paulista, de 26 anos, relata: Eu estou um pouco decepcionada com o local. Eu achava que aqui era mais louco, mas não é muito. As raves não duram mais três dias como me falaram, acabam 10h00, 11h00 da manhã, eu gosto de ficar sem parar, mas mesmo assim eu estou gostando. Aqui é muito bonito, já estou aqui há um mês e vou ficar todo o verão. Aqui tem um clima de cybercultura, eu gosto, parece um pouco com a noite paulista, só que na praia. O empresário mineiro de 29 anos, aponta ao mesmo tempo a tranqüilidade e a agitação que, paradoxalmente, caracterizam o local. Em seu depoimento também se observa uma ênfase ao multiculturalismo.

126 136 Loucura. Isso aqui é muito louco cara, é muito doido mesmo. Eu venho de Miami todo ano. Passo Natal em Minas com minha família e depois venho para cá. Venho ver o mar, além disso, eu gosto das raves e da mistura que rola por aqui. Tudo fica misturado, todas as tribos, todos os gostos, todas as pessoas. Eu acendo unzinho na praia, tranqüilo, à noite. Relaxo e depois curto a night numa boa, até de manhã... Dou um mergulho e vou para o hotel descansar. De acordo com os depoimentos acima, é importante atentar para dois fatos evidenciados no tópico Pelo depoimento do empresário gaúcho bem como do cabeleireiro e do empresário mineiros, observa-se a fuga dos seus respectivos cotidianos para enquadrarem-se temporariamente em uma nova ambiência, onde possam interagir com pessoas que compartilham de suas mesmas perspectivas em um espaço diferente daquele do seu convívio. Destaca-se desse modo, a busca de interações que caracterizam o processo de socialidade, o que corrobora para a compreensão do que neste trabalho, está-se denominando comunidade turística. Outro fator que amplia essa compreensão está contido no depoimento do turista da Nova Zelândia e no da jornalista paulista. Pode-se perceber, nestes dois casos, a busca de vivenciar ações semelhantes àquelas experiênciadas em seus locais de origem, caracterizando, também, a tentativa de encontrar manifestações culturais que correspondam às suas. Assim, ratifica-se a idéia de que, para um determinado grupo de turista, estar em outro local que não o seu de residência, já é em si, uma forma de vivenciar a alteridade. Além dessas necessidades de liberdade e de interação, característica desse grupo turístico que se está identificando, é importante ressaltar a estética da ciber-moda como um aspecto indicador de integrantes desse grupo do underground, responsável pela sua coesão. Assim, por trás do visual extravagante e exótico dessa tribo, que permite associar vários tipos de acessórios, roupas de material sintético com cores destoantes, piercings, tatoos, parece estar implícita a aceitação do outro em sua estética e conteúdo cultural bem como a busca de novos estilos de vida

127 137 e de apresentação física para uma possível adaptação. O que pode ser constado a partir do visual e do depoimento de outros entrevistados durante a pesquisa (Box 4.1, 4.2; 4.3). Box 4.1:. Designer, de 34 anos, paulista Fotografia Moabe Breno Arraial e Trancoso são meus lugares preferidos. Não é como Porto Seguro. Aqui eu posso usar minha moda fashion, que ninguém se importa. Aliás aqui todo mundo é fashion, por isso eu exagero, eu adoro aparecer, eu adoro cores... eu adoro isso aqui. É muito louco mesmo. Eu adoro dançar e conhecer pessoas diferentes, e aqui eu posso interagir com muita gente diferente e de vários lugares diferentes. Box 4.2: O clubber alemão (27 anos) exalta a qualidade da música eletrônica local Fotografia Moabe Breno Eu gosto muito desse lugar. Eu posso ouvir e dançar tecno, house, trence... a verdadeira música eletrônica. Aqui toca a música que toca na Parada Love em Berlim, que é a verdadeira música eletrônica, a música de Goa, na Índia, onde tudo começou. Já tem quatro anos que eu venho aqui com meus amigos e vou voltar todo ano.

128 138 Box 4.3: O estudante mineiro (25 anos) fala da liberdade e da permissividade: O Arraial é tudo de bom. Belas praias, pessoas legais e bonitas e as festas são alucinantes, eu curto raves. Sem falar que aqui a gente pode fazer o que quiser que ninguém importa. Ninguém está preocupado com o que estamos fazendo, como estamos vestidos, nem como nos comportamos. É a primeira vez que venho ao Arraial e vou voltar todo ano. Fotografia Moabe Breno Pelos depoimentos e estética dos entrevistados, pode-se legitimar a predominância do imaginário da cibercultura junto à atividade turística local. Esse imaginário pode também ser identificado nos dispositivos tecno-sociais que podem ser observados junto ao designing arrojado da maioria dos bares e restaurantes do Arraial d Ajuda e de Trancoso que reúne materiais sintéticos, luzes de néon, combinando muitas cores em pinturas surrealistas. Nesses ambientes, punks, clubbers, membros do GLBT, hippies, além de outros adeptos da contracultura constituem a maioria dos turistas, contribuindo para a promoção de uma verdadeira mistura e associação de estilos de vida, cujas expressões ratificam esses locais como uma arcologia turística, onde estão associadas alta tecnologia, drogas (evidenciando as sintéticas) e erotismo. Assim, com fundamento em Castells (1999b), pode-se considerar esses destinos como áreas liberadas, que, por sua vez, constituem-se como ambientes ideais para as manifestações éticas e estéticas em que se observam gêneros próprios da cibercultura. Entretanto, a produção e consumação dos ritmos eletrônicos, talvez seja o aspecto que melhor caracteriza o Arraial e Trancoso como espaços onde se observa o imaginário da

129 139 cibercultura. A música tecno é tocada na maioria dos bares desses locais, atraindo, como o clubber alemão, da amostragem, vários adeptos desse estilo, promovendo, e, ao mesmo tempo exemplificando, novas formas de se tecer o laço cultural na contemporaneidade. Para tanto, considera-se com Lévy (1999, p. 143), que a música tecno constitui a forma dinâmica que define a essência da cibercultura, acrescentando, nesse sentido, que as festas raves constituem-se como um nexo para a consolidação dessa comunidade turística underground. Através das raves, pode-se perceber junto a essa comunidade, uma condição autoorganizadora, delimitando esses destinos turísticos a partir de peculiaridades culturais que apontam para a edificação de um sistema social aberto, caracterizado por uma forma de dupla polaridade, que, de certo modo, evidencia, por negar, as interações e ações que caracterizam processos de sociabilidade, escancarando, muitas vezes, questões sociais que as administrações públicas tentam sucumbir. Entende-se melhor, nessas condições, porque as raves, que no fim das contas certamente não oferecem mais tóxicos que as boates, e, de qualquer maneira, fazem menos mortos que as saídas das festas de sábado à noite, tenham parecido tão perigosos aos políticos. Nelas, o transe, os produtos, a violência são integrados à festa e não deixados na porta (MAFFESOLI, 2004, p. 36). Assim sendo, pode-se dizer que a ambiência das raves, geralmente afastada dos espaços massivos e por se caracterizar, principalmente, pela falta de delimitações de todo tipo, põe em questionamento os códigos racionais da tecnocracia, assinalando problemáticas sociais oriundas das repressões dessa forma de dominação. Ao mesmo tempo, apresentam novas alternativas de interação que podem caracterizar processos de socialidade, desmoronado barreiras políticas, ideológicas, profissionais ou mesmo cultuais. Assim, evidencia-se junto as raves, um movimento ou uma efervescência social, que, por apropriação aos estudos de Maffesoli (2001) sobre o nomadismo, pode-se dizer que permitem aos turistas vivenciarem coletivamente experiências

130 140 culturais da contemporaneidade, acentuando ainda mais a idéia de flanerie comunitária desenvolvida anteriormente. Evidencia-se também uma prática cultural contemporânea voltada para a consumação. A festa, as drogas, o sexo, e quaisquer outros excessos podem ser pagos nesses destinos turísticos, e, a um custo alto, como ressaltou o cabeleireiro mineiro entrevistado. Assim, pode-se consolidar a idéia da flanerie burguesa temporária e comunitária e destacar, nesse sentido, uma nova complexidade social no local, considerando, como já sinalizadas, implicações socioeconômicas que se edificam a partir da inserção de tecnologias nos centros receptivos. Assim sendo, ao considerar que o município de Porto Seguro tem uma dinâmica própria, é preciso situar que junto às manifestações estéticas e artísticas características da cibercultura, observa-se também uma série de conflitos, que, embora anteceda a inserção das tecnologias cibernéticas nas ações locais, estão se proliferando com os usos não planejados dessas mesmas tecnologias. Aspectos que caracterizam problemáticas sociais contemporâneas no local podem ser identificados através da reportagem Porto Seguro pretende criar novas opções para turistas de 21 de maio de 2002 no jornal À Tarde. A matéria relata sobre o 1º Encontro Empresarial de Porto Seguro, reunindo mais de trezentas pessoas que destacaram a necessidade de se reiventar o destino turístico Costa do Descobrimento a partir de novas opções de lazer, maior valorização das manifestações populares bem como melhores estratégias políticas junto às questões de segurança, saúde, limpeza e informação. As várias categorias representadas no encontro evidenciaram problemas e perspectivas. Domingos Carvalho, representante dos pescadores, disse que as tecnologias antigas e a falta de uma escola de pesca prejudicam a classe. Renato Borges denunciou a concorrência desleal feita aos corretores imobiliários regularmente credenciados. Para os produtores rurais, Pedro Vitório solicitou

131 141 passeios para que os turistas possam conhecer as roças onde se produzem os alimentos consumidos na cidade. O vice-presidente da Associação Comercial, Rogério Cardoso, cobrou uma informação mais pontual por parte do poder público e uma redução na quantidade de ambulantes. Nunca temos dados oficiais sobre a saúde e segurança, as calçadas são ocupadas por barracas e nas praias o assédio dos ambulantes aos turistas chegou a níveis insuportáveis. O presidente do Conselho Regional de Turismo, Wilson Spagnol, fez um apelo para uma ação mais direta por parte da comunidade. Precisamos saber quem está dentro do barco. (Jornal À Tarde, Editoria Municípios, caderno 4, 21/05/02) Assim, observam-se processos que, como destaca Castells (1999b), estão condicionando a era da informação a perplexidades. A corrida dos ambulantes em busca de turistas pode caracterizar o processo de individualização do trabalho; a concorrência desleal pode culminar na superexploração dos trabalhadores. Ainda pode-se dizer que a falta de técnicas modernas para a pescaria, caracteriza o processo de exclusão social (e acrescentando a exclusão digital), considerando que ricos grupos, geralmente nacionais ou multinacionais operam, no município, a partir dos benefícios proporcionados pela cibercultura. Nesse sentido, ainda ressaltando o processo de exclusão social, considera-se que a emergência dos chamados hotéis inteligentes tem contribuído para a falência de pequenos empresários da rede hoteleira local, afinal, além de oferecer serviços mais confortáveis aos turistas, podem agilizar seus negócios pelo ciberespaço e saírem na frente da concorrência, mostrando e oferecendo seus serviços diretamente na casa do consumidor, caracterizando práticas referentes à Nova Economia. Ratificando esse processo de exclusão social e apontando o processo de exclusão digital, o presidente do Conselho Regional de Turismo da Costa do Descobrimento, Laércio Gomes da Silva aponta que o município é carente de mão-de-obra especializada para atuar a partir dessas novas tecnologias do ciberespaço.

132 142 Os grandes e médios hotéis são informatizados, fazem negócios via internet, compram não somente os insumos, pagam contas, e oferecem serviços, mas a mão de obra aqui ainda é desqualificada, por isso eu digo que o povo vive entre o abismo e o céu. Falta educação digital. Existem cursos caríssimos, para poucos. Nós estamos preparando os funcionários da Secretaria de Turismo. É uma ação exclusiva. Não temos previsão de promover esses cursos para a comunidade, mesmo porque toda a problemática política dessa gestão, não possibilita uma continuidade de ações. Mas na gestão anterior não tinha o pensamento de modernização. (SILVA, Laércio Gomes. Presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento de Turismo da Costa do Descobrimento, em entrevista para esta pesquisa) Contudo, em hotéis que oferecem serviços pela internet ocorrem algumas situações imprevisíveis, que o mesmo presidente (na entrevista concedida para este trabalho de pesquisa) aponta também como conseqüência da falta de educação digital. Hoje, por exemplo, eu estou com uma reclamação de um indivíduo que fez uma reserva pela internet no hotel e não teve mais contato, quando chegou teve um over book ele está sem quarto. Também tive notícias de uma operadora que fez a reserva e não pagou e só hoje abril sua caixa e percebeu um frio de que ele tinha sido transferido para outro hotel. (SILVA, Laércio Gomes. Presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento de Turismo da Costa do Descobrimento, em entrevista para esta pesquisa) De certo modo, essas ocorrências podem representar uma falta de credibilidade para com as ações on-line. Por um outro lado, pode-se pensar nas projeções dessas empresas no ciberespaço, como estruturas mal organizadas, nas quais o navegador (internauta) não dispõe de formas comunicativas claras nem precisas junto à solicitação on-line de serviços. Assim sendo, partindo do princípio de que comunicação e transportes constituem-se como pilares do desenvolvimento das cidades turísticas surge a necessidade de se evidenciar um estudo sobre as projeções de Porto Seguro no ciberespaço, compreendendo que essas extensões da cidade completam o sentido do que se está chamando turismo cibernético. Além dessa observância, foi constatado junto aos entrevistados que a internet pode tornarse um potencial meio de atração para turistas, afinal todos eles informaram estar conectados freqüentemente, quando questionados sobre seus usos da rede mundial. Nesse sentido, pode-se

133 143 pensar esse ciberespaço como um ambiente ideal para a ampliação de relações entre turistas, fomentando a constituição de comunidades turísticas virtuais. As comunidades virtuais, na visão de Lévy (1999), formam-se a partir de afinidades de interesses e de conhecimentos e de um processo de trocas e de cooperações que se dão em um ambiente no ciberespaço. Assim, nos capítulos seguintes, será apresentando um estudo mais detalhado sobre processos comunicacionais on-line, enfatizando as possíveis contribuições desse ciberespaço para a potencialização da atividade turística. Após um estudo sobre a interferência da comunicação na dinâmica dos locais, serão realizadas análises de sites referentes ao município de Porto Seguro, observando como estão projetados o imaginário turístico e aspectos que compõem o cotidiano do local bem como a disponibilização dos serviços on-line. Por fim, será apresentada uma indicação de como a cidade virtual pode potencializar as ações turísticas e contribuir para a melhor organização da cidade no espaço físico, preocupando-se com perspectivas de moradores locais.

134 PARTE II: O MUNDO DIGITALIZADO E SEUS IMPACTOS NAS CULTURAS LOCAIS Criar meu web site, fazer minha home-page. Com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje que veleje nesse informa, que aproveite a vazante da informaré, que leve um oriki do meu velho orixá ao porto de um disquete de um micro em Taipe. Um barco que veleje nesse informar, que aproveite a vazante da informaré, que leve meu e- mail até Calcutá depois de Hot-link, num site de Helsinque para abastecer. Eu quero entrar na rede, promover um debate, juntar via internet um grupo de tietes de Connecticut. De Connecticut acessar o chefe de Macmilícia de Milão, um hacker mafioso acaba de solta, um vírus para atacar programas no Japão. Eu quero entrar na rede pra conhecer os lares do Nepal, os bares do Gapão, que o chefe da polícia carioca avisa pelo célula, que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar. (GIL, Giberto. Pela internt. Acesso em 17 de outubro de 2004) Interação, comércio, serviços e várias outras ações estão sendo cogitadas pela internet, o mais veloz e dinâmico meio de comunicação da contemporaneidade. As ações on-line, cada vez têm tomado lugar no cotidiano das localidades, provocando verdadeiras mudanças na vida e nas concepções das pessoas. Portanto, nesta parte da dissertação, será traçado um estudo de como têm

135 145 se comportado as representações comunicacionais de Porto Seguro no ciberespaço da internet bem como as perspectivas sociais sobre a utilização deste meio. No capítulo 3, intitulado A cidade do ciberespaço, serão apresentado conceitos e características de Cidades Virtuais, envolvendo estudos sobre Comunicação Social. Em seguida, será proporcionado um debate associando estudos teóricos sobre a interação entre governos, empresas e cidadãos na rede, envolvendo aspectos considerados importantes tanto para a dinamização e potencialização da atividade quanto para a melhor organização da comunidade local. Por fim, será demonstrada uma análise de mediações on-line do município de Porto Seguro, observando a presença dos aspectos estudados. Já no capítulo 4, Navegar é preciso. Viver é preciso também, cujo título, evidentemente, corresponde a uma remissão ao poeta Luis de Camões do século XVI, será apresentado um estudo sobre a percepção de segmentos populacionais locais sobre cibercultura. Considerando que a cultura do local caracteriza-se também pela mistura de etnias, serão apresentadas as perspectivas de índios Pataxós sobre a internet, evidenciando quais as expectativas desse grupo cultural sobre o meio, a partir da enumeração das principais problemáticas que estes enfrentam atualmente. Será apresentada também a percepção de nativos sobre a internet, delimitando por amostragem estudantes universitários e do terceiro ano do ensino médio. Também se está evidenciando uma acepção de como a internet pode ser usada para propor benéficos à sociedade local, a partir da sugestão de um modelo de cidade virtual, onde se possa contemplar expectativas, intenções e interesses das entidades envolvidas na prática turística, através da edificação de um processo comunicacional ético. Contudo, deve-se ressaltar que os estudos sobre a população e etnicidade são apenas ilustrativos não tendo a pretensão de estabelecer uma abordagem teórica. Mas esta noção é importante para que a proposta de

136 146 edificação da cidade virtual não corresponda a uma ação característica da tecnocracia, na qual um olhar externo define as soluções para um dado grupo cultural.

137 3.3 A CIDADE DO CIBERESPAÇO 147

138 A bipolaridade da comunicação, a internet e a potencialização da atividade turística Sigo o anúncio e vejo em forma de desejo o sabonete/ Em forma de sorvete acordo e durmo na televisão/ Creme dental, saúde, vivo num sorriso o paraíso/ Quase que jogado, impulsionado no comercial/ Só tomava chá/ Quase que forçado vou tomar café/ Ligo o aparelho vejo o Rei Pelé/ Vamos então repetir o gol/ E na rua sou mais um cosmonauta patrocinador/ Chego atrasado, perco o meu amor/ Mais um anúncio sensacional. (ALENCAR, Edison & MATHEUS, Hélio Comunicação In: Acesso em 04 de janeiro de 2005 ). Eletro-doméstico, eletro-brasil, eletro selvagem, futuro que ninguém. Efeito colateral de quem precisa sair numa boa. Vem aí um baile movido a novas fontes de energia. Chacina, política e mídia. Bem perto da casa que eu vivia. (FALCÃO & YUCA, Marcelo. Eletro-doméstico. In: Daniela Mercury. Disco Eletro-domético, 2003) As epígrafes sugerem uma discussão fundamentada pela perspectiva de McLuhan (1964) sobre as alterações na dinâmica social a partir de processos comunicacionais mediatizados por dispositivos técnicos. Embora a ênfase do primeiro texto seja a televisão, pode-se, por analogia, estabelecer uma relação direta deste com a interferência da internet nas ações diárias, afinal a essência da canção procura enumerar transformações na vida cotidiana a partir do meio de comunicação. Nesse sentido, a segunda epígrafe traz um conteúdo mais abrangente, apontando para a idéia dos eletrodomésticos como narcóticos sociais, destacando as transmissões mediáticas como fator promotor da complexidade social assim como a política e as chacinas. Faz-se importante salientar que, embora se admita com McLuhan a interferência dos meios de comunicação na sociedade, há uma discordância quanto à forma como o autor entende essa interferência. McLuhan (1964, p. 23) observa que o meio é a mensagem porque é o meio que

139 149 configura e controla a proporção e a forma das ações e associações humanas. Para o autor, o conteúdo dos meios de comunicação embora diversos, são ineficazes na estruturação das maneiras como os cidadãos se associam. Assim, a interação humana, a partir da comunicação mediada por dispositivos técnicos, estaria dependente da forma como os cidadãos entendem apenas o meio e não o conteúdo veiculado. Nesse sentido, distanciando-se de uma visão menos interativa do receptor, o estudioso defende a idéia de que o conteúdo do meio nos cega para a natureza desse mesmo meio (MCLUHAN, 1964, p. 23). Contudo, ao limitar a característica do meio à sua natureza, o autor está negando a popularização dos meios de comunicação e as várias oportunidades de interação a partir de conteúdos específicos veiculados. Assim, a percepção de Mcluhan não engloba, por exemplo, as interações pela internet ou de TV por assinatura, na qual o usuário é quem escolhe e delimita o conteúdo, através do qual dá-se o processo de comunicação e interações humanas. E, por essa lógica, a abordagem do autor parece também negar as peculiaridades dos grupos culturais, e, com elas, a capacidade de decodificação dos cidadãos. De acordo com Barbero (2001), as decodificações das mensagens estão vinculadas aos aspectos culturais e à capacidade de os cidadãos receptores construírem seus discursos sejam eles legitimando o conteúdo exposto, sejam eles contra-argumentando a abordagem apresentada. E, nesse sentido, observa-se que o conteúdo transmitido também coopera para a organização humana e, justamente por esse aspecto, existe uma diversidade de conteúdos oferecidos pelos meios de comunicação, voltados para atender às mais diversas expectativas. Considera-se, portanto, que as várias atividades da comunicação mediada, como jornalismo, entretenimento, publicidade e propaganda, admitem linguagens específicas de acordo com as características do veículo (televisão, rádio, impressos, internet). Do mesmo modo, admite-se

140 150 que cada veículo tem peculiaridades operacionais que acostumam seus públicos a suas técnicas de produção e de transmissão de mensagens. Ou seja, o suporte e seu conteúdo cooperaram para a produção da mensagem. Assim, observa-se que um meio de comunicação não anula o outro, ao contrário, pode-se dizer que quanto maior a incidência de médias em um local, mais direcionada tende a ser a comunicação, considerando a potencialidade conotativa de signos e as especificidades das diversas linguagens mediáticas. Segundo Bordenave (2002), esse enorme potencial conotativo dos signos e as possíveis variações nas estruturas da mensagem, associados ao dinamismo social, contribuem para que a comunicação mediada seja caracterizada como um processo de muitas facetas, provocando efeitos os mais diversos possíveis, muitas vezes inesperados, junto às organizações e aos grupos culturais. Nesse sentido, a formação de massa social, a delimitação e a propagação de imaginários bem como a padronização das ações são, entre outros, fatos que estão vinculados às transmissões mediáticas, dependentes da ideologia, do alcance e do poder de penetrabilidade do meio de comunicação. Também estão atribuídas aos médias a veiculação de informações e a prestação de serviços à comunidade bem como entretenimento e possibilidades de ampliar os processos de interações sociais que podem contribuir para o fortalecimento de laços comunitários. Logo, os fragmentos das canções usadas como epígrafe constituem-se como convites a questionamentos de como os meios de comunicação podem potencializar funções e aspectos de uma localidade e propor novas práticas sociais, como bem foi enfatizado no capítulo anterior, sempre associado aos meios de transportes. Diga-se, aliás, que não por acaso os antigos gregos reuniam em uma única entidade o deus Hermes, os atributos de comunicação (poder falar e convencer,

141 151 persuadir) e os do comércio. Hermes é o mensageiro dos deuses e aquele que zela pelas estradas e viajantes, bem como o patrono dos oradores, escritores e mercadores. Transportes de mercadorias e falar bem eram vistas como atividades correlatas, uma vez que não bastava simplesmente transportar as mercadorias, pois era preciso negociá-las com outros povos, os quais é preciso saber encontrar, abordar (contactar), persuadir. Comunicação e transporte vêemse assim originalmente associados na atividade do comércio. (MARTINO, 2002, p ) Por este princípio, deve-se atentar para o fato de que a partir de instituições sociais, como o comércio, surge a necessidade de se organizarem os processos comunicacionais para melhor balizar o encontro com o estranho, com o estrangeiro e com a alteridade em práticas conscientes e racionais, orientadas para determinado fim, de onde se pode extrair que a mente e a personalidade interferem na experiência social através dos processos comunicacionais. Nesse sentido, Bordenave (2002) entende que as entidades sociais (indivíduo, família, grupos culturais...) formam-se também a partir da comunicação, cuja função principal seria promover o elo social, contribuindo para a formação de uma identidade. È importante salientar para o fato de que antes que a mensagem possa ter um efeito, satisfaça necessidades, ou tenha um uso deve primeiro ser compreendida como um discurso significativo para, em seguida, ser passível de uma suposta decodificação. Como Hall pontua (2003, p.390), é esse conjunto de significados decodificados que tem um efeito influencia, entretém, instruí ou persuade, com conseqüências perceptivas, cognitivas, emocionais, ideológicas ou comportamentais muito complexas. Existe uma relação de equivalência estabelecida entre as posições de personificações codificador-produtor e decodificador-produtor que estabelece graus diferentes de compreensão na troca comunicativa. Essa observância equivale ao fato de que a comunicação mediada não se comporta como um aspecto independente junto às transformações sociais, ou à indução de comportamentos.

142 152 Suas mensagens, explícitas ou subliminares, são trabalhadas, processadas por indivíduos localizados em contextos sociais específicos, dessa forma modificando o efeito pretendido pela mensagem. Mas a mídia, em particular a mídia audiovisual de nossa cultura, representa de fato o material básico de processos de comunicação. Vivemos em um ambiente de mídia, e a maior parte de nossos estímulos simbólicos vem dos meios de comunicação. (CASTELLS, 1999a p ) Nesse sentido, pode-se conceber que as mediações podem tanto propor práticas promotoras da socialidade, quanto imputar aos processos comunicacionais, o caráter de instrumentos a serviço do exercício dos controles. Assim sendo, ao se comportar como uma estratégia de poder, compreende-se que essas mediações corroboram, em grande escala, para a constituição das relações de sociabilidade, a partir de uma certa delimitação da opinião pública, contribuindo fortemente para a edificação de grupos culturais com identidade legitimadora. Mas, evidentemente, é a própria média uma das grandes responsáveis pela união e consolidação de grupos com identidades de resistência e de projeto. Portanto, de qualquer modo, a comunicação, pontua Bordenave (2002), constitui-se como técnicas intermediárias das relações sociais. Ao se considerar a totalidade de aspectos que estão envoltos na construção das identidades locais, pode-se dizer que há uma relação de reciprocidade e de complementação entre a comunicação mediatizada e a complexidade social. Relação esta que contribui para o ininterrupto processo de reconfiguração e de ressignificação dos lugares e das ações, uma vez que os processos comunicativos comportam-se, a partir das revoluções industriais, como estratégias de inserção do indivíduo na coletividade. Portanto, conforme, Hall (2003), existe uma interdependência entre os processos de comunicação e a dinâmica social na qual os grupos se alimentam das trocas de informação para continuamente (re)construírem seus modos de vida, redefinindo as identidades culturais, afinal, essas informações possibilitam aos indivíduos

143 153 constantes atualizações,que exprimem, como já foi evidenciado no tópico 2.2.1, apenas recortes da complexidade social. Esses recortes podem ampliar os horizontes da percepção do social, redefinindo as estruturas organizacionais dos grupos culturais tanto a partir da legitimação dos mecanismos de controle, quanto favorecendo o surgimento dos grupos com identidades de resistência e de projeto, considerando, neste caso, a capacidade de os cidadãos construirem um discurso contrahegemônico a partir da atividade de decodificação, ou seja, da forma como os cidadãos entendem as informações (BARBERO, 2001). É, nesse sentido, que se aponta o movimento contínuo entre médias e grupos culturais, consolidando a estreita relação de complementação entre essas entidades. Canclini (1998) observa que a urbanização predominante nas sociedades contemporâneas está entrelaçada à serialização e ao anonimato das produções sociais reestruturadas pelos médias, que contribuem para a modificação dos vínculos entre o público e o privado. Ainda com essa perspectiva, o autor pontua que a comunicação mediada pode por em sintonia, pensamentos de pessoas que habitam centros distantes e com culturas diferentes, como moradores dos centros urbanos e dos centros rurais. As manifestações populares, as intenções políticas, as novidades da moda, o aumento dos preços, os congestionamentos das ruas, as experiências comuns da vida urbana têm sua ressonância a partir das transmissões mediáticas. Ao mesmo tempo em que os médias atribuem sentidos à esfera pública, é esse espaço que fornece a matéria prima, que, por sua vez, garante a funcionabilidade dos meios. É essa a complementação que subordina a história e os acontecimentos públicos a construções imagéticas de longa duração, como se pôde observar junto à propagação e à legitimação de um imaginário.

144 154 A cultura urbana é reestruturada ao ceder o protagonismo do espaço público às tecnologias eletrônicas. Como quase tudo na cidade acontece porque a mídia diz e como parece ocorrer como a mídia quer acentua-se à mediatização social, o peso das encenações, as ações políticas se constituem enquanto imagens da política. Daí que Eliseo Verón afirma, de forma radical, que participar é hoje relacionar-se com uma democracia audiovisual na qual o real é produzido pelas imagens geradas na mídia. (CANCLINI, 1998, p. 290) Essa democracia audiovisual certamente contribui para o processo de transformação das informações, entretenimentos, idéias... em mercadorias para serem comercializadas e difundidas em todo o globo. Programa de rádios, canais de TV, revistas, jornais e sites, cada um em seu modo particular de penetrabilidade e em sua capacidade de alcance, uns mais outros menos, atravessam as fronteiras mundiais e põem em conexão quase todos os lugares do mundo ao mesmo tempo, de modo que as imagens (dialéticas) projetadas tornam-se a forma predominante de comunicação, de informação e de fabulação. Os médias cada vez mais condicionam seus públicos a visualizarem simulacros das localidades, através dos quais pode emergir uma consciência coletiva mundial (de acordo com o alcance do meio) sobre um determinado lugar, como já pôde ser observado junto à formação do imaginário turístico sobre Porto Seguro. A difusão e a ampliação dessa consciência coletiva provoca a desterritorialização e a reterritorialização dos lugares e a reconfiguração das ações. Assim, ao mesmo tempo, acoplados em redes multimídias universais, os médias constituem a realidade e a ilusão da aldeia global. Quando o sistema mundial se põe em movimento e se moderniza, então o mundo começa a parecer uma espécie de aldeia global. Aos poucos, ou de repente, conforme o caso, tudo se articula em um vasto e complexo todo moderno, modernizante, modernizado. E o signo por excelência da modernização parece ser a comunicação, a proliferação e generalização dos meios impressos e eletrônicos de comunicação, articulados em teias multimídia alcançando todo o mundo. (IANNI, 1999, p.119).

145 155 Essa proliferação favorece à formação de uma cultura mundial, que envolve tanto as produções locais e nacionais quanto as criações diretamente em escala global, o que contribui para a justificação da acepção do termo glocal. Pode-se considerar que os médias eletrônicos constituem-se como poderosos instrumentos a serviço da glocalização, expressando e fomentando movimentos de integração e de fragmentação, multiculturalismo e hibridismos culturais bem como conflitos e acomodações do homem em seu grupo cultural e a relação deste com o mundo. Tudo parece está tomando forma global e, nesse sentido, tomando um caráter virtual à medida em que as culturas, ao alcance do indivíduo glocalizado, passam, a ser problematizadas, com seus signos espalhados por essa sociedade mundial em constante formação, na qual o cidadão é, na maioria das vezes, convertido em consumidor. Ianni (1999) observa que a base da aldeia global é a informatização e as técnicas eletrônicas que fomentam as tecnologias da inteligência, às quais atribui-se o poder de potencializar a transformação dos fatos e das relações humanas em hipertextos. Como observa Dizard Jr. (2000, p.25) a internet é o prático caminho para o ciberespaço e, além disso, o software que vai pegar carona em todas as faixas da nova auto-estrada da informação eletrônica. Nesse sentido, pode-se cogitar a potencialização da transmissão de informações e entretenimento ao homem conectado, envolvendo a tradução das particularidades dos locais globalizados com uma inigualável capacidade de abrangência de conteúdos. A inclusão das expressões culturais nesse meio de comunicação apresenta conseqüências contundentes junto à movimentação social. De um lado, pode enfraquecer o poder das médias tradicionais e as funções tecnocráticas, ao permitir que mensagens de todo tipo coexistam em um mesmo espaço, possibilitando ao internauta, um cidadão anônimo, optar por seu conteúdo

146 156 preferido, entrando em sintonia com outros que compartilham das mesmas opções. Por outro, tem-se a transformação do tempo e do espaço e a desterritorialização dos locais, que se reintegram nesse ciberespaço por colagens de imagens que sucumbem, muitas vezes, à diversidade dos sistemas culturais. No entanto, não quer dizer que haja homogeneização das expressões culturais e domínio completo de códigos por alguns emissores centrais. É precisamente devido à sua diversificação, multimodalidade e versatilidade que o novo sistema de comunicação é capaz de abarcar e integrar todas as formas de expressão, bem como a diversidade de interesses, valores e imaginações, inclusive a expressão de conflitos sociais. Mas o preço a ser pago pela inclusão no sistema é a adaptação a sua lógica, a sua linguagem e a seus pontos de entrada, a sua codificação e decodificação. Por isso é tão importante para os diferentes tipos de efeitos sociais que haja o desenvolvimento de uma rede de comunicação horizontal multimodal do tipo da internet, em vez de um sistema multimídia centralmente distribuído como uma configuração do vídeo sob demanda. (CASTELLS, 1999 a, ) Assim sendo, ao abranger quase todo o espectro da comunicação humana, pode-se dizer que a internet constitui-se como um mecanismo capaz de proporcionar às pessoas físicas e às organizações processos comunicacionais interativos e individualizados que, por sua vez, fomentam o surgimento das já referidas comunidades virtuais, comportando-se, nesse sentido, como uma ágora cultural, na qual o cidadão conectado tem ao seu dispor um universo informacional. Nesse ambiente, as informações encontram-se disponíveis na forma de ícones, imagens, sons, textos, que, manipulados, compõem a interface do meio, funcionando como representações ou simulações do mundo físico. Conforme Lemos (2002), pode-se dizer que a internet é o espaço ideal para a interação do indivíduo participante do fluxo de informações da contemporaneidade, sendo um rito de passagem, que pode ser entendido como o processo de (re)construção das identidades, imprescindível para os cidadãos da cibercultura. Nesse sentido, admite-se que, ao apresentar uma essência hipertextual, este ambiente caracteriza-se como um local estratégico para reviver a

147 157 democracia e a disseminação de informações na sociedade por meio das suas ferramentas (fóruns, chats, s e sites) e características (metamorfose, heterogeneidade, multiplicidade, exterioridade, topologia e mobilidade dos centros) 22. As ferramentas de conversão e de interação, fóruns, chats e s, favorecem e potencializam a comunicação pessoal à longa distância (ou mesmo podem reforçar os laços entre as vizinhanças) e põem, em sinergia, pessoas com os mesmos propósitos e concepções, fomentando as comunidades virtuais. Nesse sentido, apreende-se que a internet é um terreno virtual de morada e de fluxos de informações, capaz de interfacear os processos de criação e gravação da informação, de simulação e de comunicação, proporcionando a interação das mais diversas formas possíveis. Assim, pode-se ter, conforme a imprensa, o rádio e a TV a comunicação unidirecional, na qual a mensagem parte de um pólo emissor para vários receptores (através das malas diretas, correntes de s, e os próprios sites); também se pode ter um processo de comunicação bidirecional, em que os envolvidos trocam particularmente suas informações, como proporcionado pelo telefone ( s). Mas a grande façanha da internet é a possibilidade de realizar uma comunicação multidirecional na qual várias pessoas envolvidas podem ser, ao mesmo tempo, emissores e receptores, o que Lévy (1999) denomina dispositivo todos-todos. Nesse, grupos, comunidades, cidades... podem constituir progressivamente e de forma cooperativa um contexto comum. Em uma conferência eletrônica, por exemplo, os participantes enviam mensagens que podem ser lidas por todos os outros membros da comunidade, e às quais cada um deles pode responder. Os mundos virtuais para diversos participantes, os sistemas para ensino ou trabalho cooperativo, ou até mesmo, em uma escala gigante, a WWW, podem todos ser considerados sistemas de comunicação todos-todos. Mais uma vez, o dispositivo comunicacional independe dos sentidos implicados pela recepção, e também do modo de representação da informação. Insisto nesse ponto, porque são os novos dispositivos informacionais (mundos virtuais, informação em fluxo) e comunicacionais 22 De acordo com Lévy (1998), essas são características do hipertexto, mas como se está considerando a internet como uma ambiente hipertextual, optou-se por apontar, diretamente, essas características como sendo do meio.

148 158 (comunicação todos-todos) que são os maiores portadores de mutações culturais, e não o fato de que se misture o texto, a imagem, e o som, como parece estar subtendido na noção vaga de multimídia. (LÉVY, p.63) Nesse sentido, é importante investigar as características da internet, de modo a acentuar teoricamente a especificidade deste meio, observando a forma como as novas técnicas de transmissão e de tratamento da mensagem contribuem para a redefinição e/ou a reconfiguração de ações e aspectos sociais. Essas características ou princípios, como chama Lévy (1998), contribuem para que se perceba a internet muito mais como um sistema emaranhado de informações conectadas, constituindo um rizoma informacional, capaz de decodificar e ao mesmo tempo interfacear estruturas organizacionais, pensando em uma esfera planetária. Assim, pelo princípio da metamorfose (constante construção e renegociação) pode-se digitalizar a dinâmica das entidades virtualizadas, de modo que seja possível propor, ao internauta, uma certa concepção das alterações sociais que ocorrem naturalmente em um espaço. O princípio da heterogeneidade (possibilidades de disponibilidade de várias formas comunicativas sons, textos, ícones...) pode propor conexões lógicas e/ou afetivas, através das várias possibilidades de simulação. O princípio da multiplicidade (qualquer nó ou conexão pode revelar-se conforme uma rede) pode apontar a complexidade social que está envolto de um determinado ícone, através das inúmeras conexões que um ícone pode propor e, nesse sentido, fazendo um movimento inverso, pelo princípio da exterioriadade (conexão com outras redes), o internauta pode chegar à entidade digitalizada. Esses dois princípios portanto, direcionam para os outros restantes. O princípio da topologia (tudo é perto na rede) aponta para a necessidade de conexão, afinal a informação não pode circular livremente na rede, uma vez que a rede é o próprio espaço. O princípio da mobilidade dos centros (não há um único centro na rede) vem a ratificar os aspectos

149 159 anteriormente analisados apontado para o fato de que a internet é uma rede cheia de ramificações que esboçam detalhes, peculiaridades e sentidos, através dos quais, o ciber-cidadão pode percorrer o mundo, abrindo apenas as janelas do seu micro. Portanto, esse ambiente virtual, com seus dispositivos comunicacionais e informacionais, cria a possibilidade de se enfatizar na tela de um computador, aspectos e peculiaridades das localidades, ampliando, evidentemente, o processo de trocas culturais entre o local e o global. Nesse ciberespaço, as cidades comportam-se como uma descrição/narração onde os olhos não vêem coisas, mas simulações de quase objetos, ícones, símbolos gráficos, como ruas, monumentos (LEMOS, 2001, p. 15). Nessas Cidades Virtuais, as únicas fronteiras são o acesso ao microprocessador de dados e a possibilidade de ingresso no mundo em rede, onde as pessoas podem se encontrar e interagir, baseadas apenas em seus interesses, deixando para trás, questões como nome, posição geográfica ou social. Portanto, através do vídeo, o homem penetra no ambiente ciberespacial, onde a informação é transformada em uma metalinguagem que pode integrar no mesmo sistema as modalidades escrita, visual e oral da comunicação humana (CASTELLS, 1999a). Por meio do computador, o homem dinamiza os processos de observações e estudos e acelera as suas tarefas cotidianas. Pagar contas, conhecer pessoas e organizações, fazer pesquisas e compras, efetuar movimentações bancárias são algumas das ações realizadas através da internet que o permitem acompanhar e participar da ordem tecnológica contemporânea. Através das redes informatizadas, profissionais, governantes e cidadãos podem intensificar a comunicação, dinamizando e ampliando os sistemas econômicos, políticos e sociais das comunidades a que pertencem, ou mesmo encontrando um novo sentido para a vida individual ou em grupo. Agora, mais do que nunca, o homem tem a possibilidade de manter

150 160 contato afetivo com os mais diversos lugares do mundo o virtual Gemeinschaft e/ou ampliar suas áreas de abrangência profissional eletronicamente Gesellchaft 23. Assim enfatiza-se que as redes informatizadas potencializam tanto as relações informais quanto as formais. Todas essas características e novas possibilidades de ação e de interação apontam para a efervescência de uma nova cultura, a cultura das redes, culminando no que Castells (2003) denomina galáxia da internet. Para tanto, o autor compreende este média como um potencial revolucionário que permite a coordenação das tarefas e a administração da complexidade das estruturas sociais, proporcionando uma redefinição de tarefas, tanto em escala local como em escala global, capaz de fornecer um novo modo de organização adequada para potencializar as ações humanas. E, nesse sentido, pode-se inferir que a cultura da internet está moldando o meio social. A cultura da internet caracteriza-se por uma estrutura em quatro camadas: a cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker, a cultura comunitária virtual e a cultura empresarial. Juntas, elas contribuem para uma ideologia da liberdade que é amplamente disseminada no mundo da internet. Essa ideologia, no entanto, não é a cultura fundadora, porque não interage diretamente com o desenvolvimento do sistema tecnológico: há muitos usos para a liberdade. Essas camadas culturais estão hierarquicamente dispostas: a cultura tecnomeritocrática especifica-se como uma cultura hacker ao incorporar normas e costumes a redes de cooperação voltadas para a cooperação de projetos tecnológicos. A cultura comunitária virtual acrescenta uma dimensão social ao compartilhamento tecnológico, fazendo da Internet um meio de interação social seletiva e de integração simbólica. A cultura empresarial trabalha, ao lado da cultura hacker e da cultura comunitária, para difundir práticas da Internet em todos os dominós da sociedade como meio de ganhar dinheiro. (CASTELLS, 2003, p ) As estruturas que fomentam a cultura da internet não podem constituir-se enquanto tal se analisadas de forma isolada, afinal, como lembra o próprio autor, sem a tecnomeritocracia, os 23 Gemeinscheft e Gesellschaft são termos concebidos pelo alemão Ferdinad Tönnies. O primeiro é de natureza afetiva e existencial, caracterizando-se por relações sociais informais; o segundo é de natureza racional, construído a partir de um vínculo contratual aceito voluntariamente pelos sujeitos (MATTELART, 1994).

151 161 hackers constituiriam apenas uma comunidade de nerds (pessoas totalmente voltadas para a atividade científica, socialmente inaptas) e geeks (especialistas em computadores). E, nesse sentido, sem as iniciativas hackers e sem os valores comunitários não poderia haver a eminência de uma cultura empresarial específica da internet. Afinal, a cultura, como já foi definido, é um movimento social que envolve e entrelaça uma totalidade de aspectos, e, apenas a interligação entre esses quatro pilares culturais é capaz de fomentar uma conjuntura cibernética junto aos locais. Desse modo, deve-se retomar a discussão sobre o turismo cibernético pautado no final do capítulo anterior, na tentativa de associar os princípios e características da internet às necessidades organizacionais da atividade turística. Partindo dessa perspectiva, pode-se dizer com Lemos (2002, p. 142) que todas as formas de socialidade contemporânea encontram nesse ambiente rizomático, um potencializador, um catalizador, um instrumento de conexão. Nesse sentido, compreendendo a prática turística como uma atividade em que predominam as relações de socialidade, pode-se apontar a internet como o meio de comunicação ideal para a potencialização do setor, capaz de acarretar efervescências sociais, políticas e econômicas, ampliando o sentido das comunidades turísticas, que, devidamente organizadas na rede, podem comportar-se, então, como comunidades turísticas virtuais. Assim sendo, deve-se atentar para o fato de que as comunidades turísticas são compostas por comunidades de interesses (turistas e potenciais empresários) e comunidades de lugar (nativos, políticos e empresários já estabelecidos no local). É importante também ressaltar que o bom desempenho do setor deve-se em grande parte à interatividade entre essas comunidades, cuja definição dá-se muito mais a partir da necessidade de se entender as expectativas dos envolvidos no setor, não estando objetivando uma delimitação das ações desses atores. Assim, um componente identificado como pertencente à comunidade de interesse pode muito bem

152 162 compartilhar das mesmas intenções e objetivos característicos dos componentes da comunidade de lugar e vice-versa. Por interatividade entende-se, conforme Lévy (1999, p.79), a participação ativa do beneficiário de uma transação de informação, na qual subtende-se que o processo comunicativo completa-se com as reações do(s) receptor(es). Portanto, a interatividade aparece como a chave para a fomentação e proliferação de estruturas organizacionais com bases democráticas, nas quais os cidadãos envolvidos podem, em pé de igualdade, definir os destinos dos espaços que compõem uma ambiência turística (caso contrário, a internet pode vir a ser apenas mais um narcótico social). Assim, em uma comunidade virtual de turismo ecológico, por exemplo, podem participar do mesmo fórum de discussão, turistas, moradores do local, empresários e governantes, de modo que as opiniões e interesses de cada um desses componentes estariam, ao menos, manifestados. Considera-se, nesse sentido, que as iniciativas políticas em organizar e planejar os espaços turísticos constituem-se como fator imprescindível junto ao processo de formação das comunidades turísticas com bases democráticas. Assim, ratifica-se a internet como o veículo ideal para a fomentação desse processo, no qual as comunidades turísticas virtuais seriam dispositivos práticos comunicacionais a serviço das ações de planejamento, e ao mesmo tempo, está-se cogitando o processo de interdependência entre a comunicação e as ações sociais, já evidenciado. Castells (2003) atenta que o mundo social da internet é tão complexo quanto a própria sociedade, contudo defende a idéia de que as comunidades virtuais operam a partir de duas características comunicação livre e horizontal que podem sintetizar práticas de livre expressão em âmbito global, o que contribui para a subversão dos conglomerados dos médias de massa e das burocracias governamentais de controle. Portanto, através das comunidades virtuais, pode-se

153 163 cogitar a formação de organizações sociais autônomas que, através de uma ação coletiva, podem atuar junto à construção de novos sentidos e significados das ações e dos espaços turísticos. Estáse pensando, assim, em um novo contexto (um contexto mais democrático) no qual se reconfigurem as identidades culturais na era da cibercultura. Com essa expectativa, será traçado, no tópico seguinte, um estudo sobre a interação, no ambiente virtual, entre as entidades que compõem os espaços urbanos.

154 A interação entre governos, empresas e cidadãos no ciberespaço da internet De meados da década de 1980 ao final da década de 1990, um imenso número de comunidades locais passou a operar on-line. Com freqüência estavam associadas às instituições locais e governos municipais, dando um cunho local à democracia dos cidadãos no ciberespaço. De maneira geral, três componentes diversos convergiram na formação dessas redes de computadores baseadas na comunidade: movimentos locais pré-internet em busca de novas oportunidades de auto-organização e elevação da consciência; o movimento hacker em suas expressões mais politicamente orientadas; e governos municipais empenhados em fortalecer sua legitimidade pela criação de novos canais de participação do cidadão. (CASLTELLS, 2003, p.199) A epigrafe extraída do livro Galáxia da Internet, chama a atenção para ações que estão sendo fomentadas através da rede, na tentativa de que sejam potencializados aspectos das localidades. Empresas, governos e cidadãos, desde a década de 1980, vêm apostando na utilização da internet como um espaço propício à democratização das questões políticas, às manifestações sociais, às associações e compartilhamentos de pensamentos e idéias, à ampliação do comércio ou mesmo como um novo mecanismo de controle. Essas possibilidades tornaram-se possíveis pela decodificação e organização dos aspectos do urbano na forma de cidades virtuais. Não é estranho, portanto, ressaltar que a cidade que ficava apenas de braços abertos no cartão postal, agora pode estar de corpo e alma disponíveis na internet, na forma de uma Cidade Virtual, em projeções capazes de descrever em bits o espaço físico da ação humana enquanto um composto orgânico vivo, onde as entidades sociais podem projetar suas características, interesses e peculiaridades, constituindo um tecido urbano virtual. Nessa representação binária, podem estar contempladas potencialidades econômicas, ações políticas e manifestações sociais,

155 165 constituindo uma nova forma de expressar a identidade e a cultura das localidades digitalizadas, através de um sistema de signos e de significações, que se combinam na forma de ícones, imagens, sons e textos para exprimir o senso do local. A idéia central que envolve a discussão sobre a cidade virtual, observa Graham (2002), propõe ações iterativas entre o computador e o usuário, à medida em que este navega entre os vários links disponibilizados como representações dos espaços. Essa representação virtual constitui um novo espaço para a promoção dos debates públicos e das manifestações sociais, ao contrário do pensamento pessimista de alguns autores que cogitavam um isolamento humano a partir da proliferação dos mecanismos de comunicação da internet. Aliás, quanto mais as pessoas se comunicam maior é a probabilidade de encontros. Nesse sentido, Lévy (1999) aponta quatro categorias de atitudes analogias, substituição, assimilação e articulação que podem fomentar um processo operacional sinérgico entre o físico e o virtual. As analogias aos espaços urbanos podem estimular as iniciativas de visitação e de ações of-line a partir da descrição das funções e dos aspectos do local. Dados como horário de funcionamento, principais ações a serem realizadas nas instituições e organizações locais bem como informações sobre as regras e normas para a visitação constituem-se como analogias representativas dos espaços. Essas projeções, entre outras, podem sugerir a valorização das comunidades conectadas, propondo novas formas de interação em seu âmbito. Nesse sentido, por uma perspectiva mais ampla, pensando na otimização da funcionabilidade do local, a substituição das ações no espaço físico por ações on-line, apresentase como uma possível saída, operacional e econômica, para as organizações e cidadãos. As novas técnicas de ação sugeridas pela internet permitem a amplitude e a simultaneidade das participações dos cidadãos em vários ambientes sociais a partir das suas próprias residências, dos seus locais de trabalho ou de quaisquer outros digital palces. Além da possibilidade de mudanças

156 166 para centros menos conturbados, como já foi evidenciado no capítulo anterior, com essas práticas on-line, podem-se também cogitar melhorias na qualidade de vida nas grandes cidades, considerando a possibilidade de descongestionamento dos centros urbanos e a redução da circulação de automóveis, o que pode culminar na diminuição de custos com a locomoção. A assimilação das redes de comunicação interativa às estruturas que já organizam e dão o caráter urbano aos espaços sociais, constitui-se também como uma forma de pôr em sinergia a internet e a cidade. Empresas vêem nesse universo multimídia um novo mercado de equipamentos, de conteúdos e de serviços que podem ser usados a favor da instituição junto aos processos de aquisição de benefícios. A assimilação dos recursos do ciberespaço possibilita a essas entidades um maior controle sobre suas ações e sobre as ações dos seus respectivos clientes, um fator a serviço da tecnocracia. Contudo, Lévy (1999) entende que a forma mais coerente de se aproveitar a potencialidade da internet a favor do desenvolvimento dos sistemas sociais dá-se a partir de uma articulação entre esse ciberespaço e o território físico da atuação humana, fomentando um processo contínuo de inteligência coletiva. Não se está aqui propondo uma idéia utópica nem demagoga da edificação de massas eletrônicas, mas sim se está pesando na colaboração desse mecanismo comunicacional junto aos processos de solução de problemáticas sociais a partir de uma cooperação mútua, na qual governos, empresas e cidadãos poderiam co-relacionarem-se mais facilmente, edificando um processo de socialidade. Articular os dois espaços não consiste em eliminar as formas territoriais para substituí-las por um estilo de funcionamento ciberespacial. Visa antes compensar, no que for possível, a lentidão, a inércia, a rigidez indelével do território por sua exposição em tempo real no ciberespaço. Visa também permitir a solução e, sobretudo, a elaboração dos problemas da cidade por meio

157 167 da colocação em comum das competências, dos recursos e das idéias. (LÉVY, 1999, p.195) A internet representa um novo espaço de convivência no qual estão sendo processadas configurações de novas e incipientes práticas sociais. Formas de se pensar e de se fazer o mundo e o cotidiano estão se tornando cada vez mais freqüente nessa ambiência ciberespacial, possibilitando aos usuários novas experimentações cognitivas e existenciais. Assim, entre o imaginário e o mundo tátil, a internet constitui-se como o local alternativo de relações, nas quais as analogias, as substituições, as assimilações e as articulações são fatores à disposição da criatividade humana para a constante edificação de práticas democráticas e desterritorializadas. O que antes se encontrava limitado, circunscrito às fronteiras geográficas e/ou institucionais pode agora corresponder à amplidão, admitindo um caráter universal e adimensional que contribui para a formação do processo de mundialização como um fenômeno social total que permeia o conjunto das manifestações culturais (ORTIZ, 1994, p.30). Contudo, as imagens que compõem as representações binárias da cidade correspondem apenas a uma extensão dos territórios de uso do homem. Por elas, o navegante da internet pode perceber e, de algum modo, participar de ações no local, mas sem experimentá-lo. A cidade virtual deve ser antes compreendida como um espaço de socialidade, onde se pode enfatizar a construção de sentidos e de significados junto aos grupos culturais. Desse modo, esse ambiente comporta-se como um dispositivo comunicacional capaz de incitar o surgimento de práticas sociais voltadas para a disseminação de expressões culturais e de valores locais ao mesmo tempo em que propõe o surgimento de construções culturais inéditas, corroborando para a reconfiguração das identidades desses locais digitalizados.

158 168 A estrutura comunicativa da rede não representa um caminho que regula diretamente o pensamento e as ações humanas. Ela orienta apenas a comunicação que tornará a aceitação de determinadas mensagens e informações mais prováveis do que outras. É o sentido dado a conjuntos de mensagens que delimita os campos de comunicação (listas de discussão, consultas, sites, chats etc.) enquanto sub- ou microssistemas sociais. (STOKINGER, 2001, p.110) Assim sendo, pode-se apontar que a própria estrutura comunicativa da rede, em essência, já induz à democracia, afinal, é o próprio internauta quem escolhe e delimita as suas ações online, construindo os seus horizontes e limites informacionais e operacionais, o que vai dar sentido às suas vivências nessa ambiência ciberespacial. Como alerta Castells (2003, p. 120) a internet não pode fornecer um conserto tecnológico para a crise da democracia. Contudo, deve-se insistir que a utilização dessa extensão territorial contribua para a promoção de benefícios junto às localidades digitalizadas, em contrário, representaria um uso abstrato dos recursos tecnológicos. Palacios (2004) aponta fatores que podem traduzir as expectativas sobre a interferência das cidades virtuais nas relações sociais e econômicas. Transparência administrativa e orçamentária, participação, democracia direta, desburocratização, acesso à informação e a programas alternativos de educação e lazer são possibilidades propostas por esse espaço comunicacional que podem incitar uma efervescência social mais justa e mais humana. E, nesse sentido, a cidade virtual seria um dispositivo eficiente junto à divulgação e o fortalecimento da cultura local, à criação de novos laços comunitários e de vizinhança, além de comportar-se como fator de ampliação das lutas contra a exclusão social, constituindo, então, um processo de regeneração do espaço público. Para tanto, é preciso pensar formas adequadas de se propor ações políticas, econômicas, educacionais, informativas, interativas e quaisquer outras componentes da cidade virtual, cogitando um alargamento da democracia na sociedade. Nesse sentido, compreende-se com Bobbio (1997) que o desenvolvimento da democracia está vinculado à sua transição da esfera política (em que o indivíduo é concebido como cidadão) para a esfera social (na qual o indivíduo

159 169 é reconhecido por seu status). Assim sendo, pode-se inferir que o tratamento dado à política na rede deve circunscrever-se a um aspecto cultural através do qual se propõe uma melhor organização da sociedade, privilegiando as perspectivas e os direitos coletivos. Nesse caso, além dos atos elaborados pelas representativas eleitas pela população também as ações e protestos característicos de grupos culturais com identidade de resistência e de projeto devem caracterizarse como expressões políticas contemporâneas que fomentam uma efervescência social democrática. Uma vez conquistado o direito à participação política, o cidadão das democracias mais avançadas percebeu que a esfera política está por sua vez incluída numa esfera muito mais ampla, a esfera da sociedade em seu conjunto, e que não existe decisão política que não esteja condicionada ou inclusive determinada por aquilo que acontece na sociedade civil. (BOBBIO, 1997, p. 156) As ações políticas, portanto, comportam-se como manifestações culturais nas quais os cidadãos não apenas buscam por seus direitos, mas também procuram espaços para reafirmarem seus pensamentos e propostas. Por essa perspectiva, pensar em uma democracia contemporânea, como assinala Marques (2003), consiste na tentativa de se promover o acesso e a participação coletiva junto às tomadas de decisões referentes aos destinos dos espaços, envolvendo os sentimentos e interesses da população que participa e compõe o cenário social. Nessa era da cibercultura, então, as cidades virtuais podem constituir-se como um espaço de extensão das ações democráticas. Não se trata da elaboração de um novo tipo de democracia, mas da utilização das ferramentas e características do meio hipertextual bem como da adequação das categorias de atitudes on-line junto aos processos de desburocratização, clareza orçamentária e administrativa entre outros fatores esclarecedores da atualidade local. Deve-se, também, possibilitar e estimular o indivíduo social a participar das decisões futuras da comunidade em que

160 170 convive e que, de algum modo, se sinta responsável, considerando o processo de mundialização da cultura, em que podem entrar em sinergia e concordância, as comunidades de interesses e as comunidades de lugar. As cidades virtuais possibilitam, através dos grupos de discussões, momentos de argumentação racional sobre temas de interesses coletivos. Nesses chats, o cidadão não é representado, mas pode com suas próprias palavras expor e compartilhar com o mundo suas indignações e reivindicações de forma direta, sem interlocutores. Essa interatividade característica da internet, permite o estabelecimento de uma esfera pública virtual. Marques (2003, p. 189) observa que diferentes pontos de vistas e soluções a determinados problemas podem ser colocados neste âmbito de discussão, o que favorece a integração de idéias (isso acaba se relacionando à noção de inteligência coletiva de Lévy). Nesse sentido, aponta-se que este média pode contribuir para a fomentação de ações políticas com abrangência até mundial, como já se pode citar os flash mobs, movimentos sociais instantâneos organizados a partir da rede ou mesmo as práticas mais comuns de ciberativismo voltadas para colaborar com as lutas principais de grupos com identidade de resistência e de projeto como no caso do grupo de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Trangêneros, de grupos étnicos ainda discriminados, como o indígena e de qualquer minoria social. Os movimentos sociais do século XXI, ações coletivas deliberadas que visam à transformação de valores e instituições da sociedade, manifestam-se na e pela Internet. O mesmo pode ser dito do movimento das mulheres, vários movimentos pelos direitos humanos, movimentos de identidade étnica, movimentos religiosos, movimentos nacionalistas e dos defensores/proponentes de uma lista infindável de projetos culturais e causas políticas. O ciberespaço tornou-se uma ágora eletrônica global em que a diversidade da divergência humana explode numa cacofonia de sotaques. (CASTELLS, 2003, p.115)

161 171 Assim, as movimentações sociais a partir da rede podem propor junto a uma nova cidadania uma atenção voltada para a redefinição da esfera pública. Nesse sentido, estas ações acabam por entrelaçar aspectos diversos da atuação humana. A própria estrutura rizomática da rede compreende uma maior interação de atividades sociais. Assim, associando o entendimento sobre esfera pública virtual e sobre grupo cultural (desenvolvido no capítulo anterior) pode-se inferir que a interação on-line ultrapassa o domínio da cidadania, em seu sentido literal, penetrando em questões econômicas, educacionais, informacionais, entre outros aspectos e peculiaridades, que fomentam a dinâmica dos locais. Projeções e movimentos sociais na internet estão fomentando junto a empresas uma prática de comércio e prestação de serviços eletrônicos específicos para grupos manifestantes. Em sites voltados para a prática do ciberativismo, como o site oficial do grupo gay de Portugal ( evidencia-se a comercialização de uma série de produtos de consumo para os usuários daquele espaço bem como a possibilidade de reservas de diárias em hotéis e de bilhetes para shows e festivais, entre outros serviços. Essa prática cooperativa do portugalgay representa uma nova conjuntura organizacional das empresas e uma nova forma interativa destas como seus fornecedores, consumidores e concorrentes. Nesse sentido, assinala-se com Castells (2003) que a utilização da rede como forma organizacional da empresa afeta todo o seu processo de criação, de troca e de distribuição de valor, fazendo emergir uma nova configuração sociotécnica, cuja compreensão é indispensável para o êxito empresarial. O autor observa que a empresa da (e na) rede corresponde a uma agência de atividade econômica estruturada em torno de projetos empresariais específicos, que devem apresentar flexibilidade e adaptabilidade voltadas para uma economia global, na qual se evidencia uma demanda em constante modificação, por isso a necessidade de incessantes

162 172 inovações e da disponibilização de informações rápidas, precisas e direcionadas, que devem implicar na redução dos custos, eficiência e satisfação do consumidor. Para tanto, a empresa virtual pode incluir uma quantidade infinita ou limitada de componentes, dependo das operações e transações desenvolvidas, que podem estar atuando tanto em esfera global quanto em esfera local. Nesse sentido, quanto mais houver interatividade e personalização dos serviços, melhor a qualidade e o ajustamento entre a empresa e o seu público (consumidores e fornecedores) no processo empresarial. O bom gerenciamento desses fatores, por sua vez, permite uma maior administração da flexibilidade de modo que, enquanto é mantido o controle das operacionalizações e transações empresarias pode-se ampliar o alcance do mercado consumidor bem como se pode diversificar a composição da empresa (oferecendo novos produtos e serviços, o que demanda novas relações). Esses aspectos estão atrelados também ao reconhecimento da empresa no mercado consumidor e na sua boa relação com o público, resultantes do uso adequado da marca da empresa junto à sociedade. Indubitavelmente, a melhor maneira de ser manter uma boa imagem é manter a alta satisfação do cliente, considerando desde o momento de acesso à empresa on-line, passando pela execução da compra ou aquisição do serviço virtual, até o momento em que o cliente utiliza o bem ou o serviço adquirido. Mas como propor a satisfação do cliente, partindo desses três âmbitos (acesso, compra/solicitação de serviços e utilização do produto)? É importante retomar, para tentar responder à questão proposta, a discussão sobre as comunidades virtuais. Considera-se, a princípio, que as ações na rede geralmente estão envoltas no processo de constituição de comunidades virtuais e que os membros desses espaços são os principais divulgadores de artefatos dos interesses comuns, quando não são eles mesmos, os selecionadores de seus caminhos virtuais. Isso não implica em uma organização planetária na forma de um comunitarismo exacerbado. Assim como freqüentadores de um determinado bar do

163 173 centro da cidade não necessariamente se conhecem e interagem entre si, membros de uma mesma comunidade virtual podem não ter relação nenhuma, mas têm as mesmas preferências e tolerâncias, embora se reconheça que a internet parece ter um efeito positivo sobre a interação social. Contudo, é importante atentar, conforme Castells (2003), que os estudos sobre comunidades virtuais ainda não são suficientes para se chegar a um posicionamento contundente sobre interação social. Mas essa não é o centro da presente discussão. Interessa, por hora apontar, com base na compreensão do mesmo autor, que essas comunidades constituem redes de laços interpessoais capazes de proporcionar socialidade, informação, apoio mútuo e um senso de integração e identidade cultural. Nesse sentido, a busca por informações, em uma determinada comunidade, pode possibilitar uma certa compreensão das atividades preferenciais dos usuários. Ainda, o estudo sobre os aspectos que compõem a dinâmica da comunidade virtual, que representa um estudo sobre a identidade cultural, contribui para o delineamento das principais características do referido grupo. Esse estudo pode ser realizado a partir da observância sobre os temas em debates, dos principais links disponibilizados, também a partir da freqüência de visitações aos espaços virtuais, entre outros aspectos. Estudos sobre as características identitárias das comunidades virtuais podem contribuir para um processo de produção customizada, na qual o produto final é adaptado ao consumidor individual, o que contribui para a redução dos custos com a produção e a distribuição. Caminhando nessa perspectiva de melhoria e potencialização das ações bem como admitindo que a comunidade virtual permite uma relação direta entre aspectos políticos, econômicos e sociais, pode-se evidenciar a importância dessas representações binárias junto ao desenvolvimento das cidades em seus espaços físicos, o que pode culminar, então, na melhor

164 174 estruturação de suas funções e aspectos. Considera-se, para tanto, que essas comunidades virtuais devem estar organizadas na forma de uma cidade virtual. Ou seja, devem estar interligadas, explorando ao máximo as características da internet (mencionadas no tópico anterior). De fato, como já notificado por Graham (2002), muitos municípios e companhias privadas estão atualmente estendendo-se para o ciberespaço da internet. Contudo, pode-se apontar que a grande maioria dessas projeções funciona apenas como uma banquinha de revistas na esquina não promovendo debates públicos nem a prestação de serviços à comunidade cível (como será demonstrado no próximo tópico). Palácios (2004) observa que essa maioria funciona como folhetos destinados a vender serviços turísticos, cuja preocupação é fornecer informações sobre as características ambientais, festivas e folclóricas do local, exibindo paisagens e atrações noturnas. Como projetar, então, uma cidade nesse universo sem fronteiras? Como as cidades virtuais podem proporcionar ao navegante o senso do local sem o seu deslocamento físico? Como essas projeções podem contribuir para o desenvolvimento e organização do espaço urbano e como podem promover o maior fluxo de informações, de capitais e de pessoas? Como o imaginário e o cotidiano de um local turístico devem combinar-se na rede? Diversas são as tentativas de digitalização das cidades e são também várias as referências virtuais de uma cidade, cujas fronteiras ultrapassam o aspecto geográfico, como as cidades turísticas. Contudo, muitas dessas representações não exploram e nem sequer sinalizam a totalidade de aspectos que compõem a dinâmica local. Afinal, a cidade, como já foi evidenciado, é uma totalidade de ações e de aspectos, na qual conflitos e harmonias; problemas e soluções compõem a sua ambiência.

165 175 Desta forma, não é tarefa fácil digitalizar uma cidade e devemos ter em mente esta complexidade para que a cidade digital não seja apenas uma metáfora simplificadora. O design deve explorar o potencial de conexão entre as pessoas e evitar ser uma simples transposição espacial do espaço. O modelo não deve ser substitutivo, nem transpositivo, mas complementar. De certa forma, as cibercidades devem insistir em formas de multiplicar você, já que podem ampliar o poder da ação a distância (teleação) e potencializar a emergência de redes de socialidade locais e empáticas. (LEMOS, 2001, p. 17) A cidade digital deve exprimir o senso do local a partir da codificação simbólica das ações reais desenvolvidas no espaço físico, sem que haja omissão dos aspectos não organizados ou das regiões periféricas, mas, ao contrário, deve apresentar perspectivas de soluções para essas questões, bem como a capacidade do local em resolver eventuais problemáticas imprevisíveis. Afinal, não existe organização capitalista sem conflitos sociais, econômicos e políticos, por menores e menos significantes que sejam. Não se deve pensar a digitalização das cidades sem situá-las no âmbito planetário como forma de reconhecimento e legitimação de uma nova fase inaugurada pelo capitalismo. Esse processo revela o caráter civilizatório desse sistema, o que para Roedel (1999, p.109) corresponde à sua capacidade de impor novos valores e/ou assimilar antigos traços culturais e denotar a eles novos sentidos mais adequados à globalização. A digitalização de uma cidade deve, portanto, evidenciar seus planejamentos estratégicos e em longo prazo, configurando sua dinâmica cultural de modo que esta possa ser compreendida por meio de leituras como prática semiótica, isto é, uma leitura que se completa pela interação entre os elementos lingüísticos e contextuais (texto, imagem e som), permitindo ao cibercidadão um entendimento imediato daquilo que está sendo informado. Afinal, como acentua Ferrara (1996), cultura e representações, cultura e signo constituem um todo coeso que precisa ser entendido para que seja atingido o significado de uma dada realidade, ainda que contraditória. Também se deve buscar esse entendimento para se propor a intensificação da circulação de informações, de capitais e de pessoas no local, pois a cidade virtual constitui-se como um

166 176 espaço de fluxo nesse período de cibercultura, devendo, então, intensificar a dinâmica do local e de todos os seus aspectos, inclusive as trocas entre os cidadãos bem como a ocupação dos espaços concretos da cidade. Por essa perspectiva, compreende-se como as cidades virtuais podem cooperar para os processos de mutação das identidades locais, bem como para os processos de hibridismo cultural e para a emergência de um multiculturalismo, onde se pode, de fato, perceber o respeito à alteridade e a aceitação das diferenças, ao menos de modo virtual, mas este pode ser um caminho (e uma contribuição da cibercultura) para a construção de uma sociedade mais justa e mais humana. Portanto, a busca pela melhor forma de transpor a cidade para o espaço virtual da internet deve partir tanto do imaginário, que paira sobre o local, quanto dos aspectos que compõem o seu cotidiano, relevando as perspectivas e necessidades dos cidadãos com relação ao uso do meio. Em Lemos (2001), apreende-se três modelos de cidade virtual grounded cybercity, nongrounded cybercity e metaphorical cybercity que adequadas às características do local a ser virtualizado, podem instaurar processos comunicacionais mais ágeis, fomentar ações mais democráticas e permitir aos navegantes a percepção do senso do local. O primeiro modelo, as cidades virtuais enraizadas em espaços urbanos concretos, tem finalidades mais diversas, desde a ampliação do espaço público, passando pela consulta a bancos de dados, à criação de comunidades através de fóruns e chats, até a possibilidade de fazer compras em shoppings virtuais e se entreter (LEMOS, 2001, p.). Como um exemplo bem sucedido dessas cidades enraizadas, tem-se a Aveiro Cidade Digital ( ). Esse modelo busca mobilizar a sociedade com projetos de intervenção no espaço concreto, sugeridos pela própria comunidade, por meio de quiosques públicos, acesso a escolas e bibliotecas, incluindo também várias iniciativas culturais. Representa uma tentativa de incorporar

167 177 tecnologias de comunicação à sociedade, promovendo igualdade de oportunidades e o acesso público e universal à informação. O segundo modelo, o non-grounded cybercity, geralmente fornece informações turísticas e culturais de uma cidade, servindo como um guia, a exemplo das cidades dos portais TERRA, UOL e AOL. Trata-se da enumeração de dados e paisagens, sem preocupação em exprimir o senso do local. Exibem paisagens exóticas ou o brilho dos néons, tentando-nos com os prazeres da noite e da boa mesa, atraindo-nos para shows folclóricos ou visitas a museus e galerias de arte, anunciando saudáveis caminhadas por aventurosas trilhas tropicais ou relaxamento total em luxuosos spas cercados de montanhas nevadas. (PALÁCIOS, 2004) Esse modelo é pertinente por apresentar informações rápidas e precisas, mas não são suficientes para atender perspectivas de agilização das ações da população local a partir da internet. Ainda, como poderiam descrever cidades onde se evidenciam vários tipos de turismo, como Porto Seguro e onde existe uma dinâmica social um tanto complexa? Então, o que enfatizar? As paisagens naturais, os centros históricos, os espaços para eventos? Ou deve-se organizar a cidade na forma de links pontuados em seqüência, onde poucos internautas têm paciência de abrir um por um? Esses questionamentos valem também para o terceiro modelo, o metaphorical cybercity, que não representam nenhuma cidade real, apenas assemelha-se a uma cidade na construção das informações, constituindo metáforas da cidade, como o são os sites do Geocities. Contudo, considera-se que a cidade virtual pode propor aos atores sociais novas atitudes voltadas para a complementação entre o território geográfica e politicamente definido e o espaço da inteligência coletiva o ciberespaço. Portanto, com base na teoria e na tentativa de averiguar

168 178 como esse ambiente está sendo utilizado pelas entidades que compõem o setor turístico, será apresentada, no próximo tópico, uma análise de sites referentes ao município de Porto Seguro.

169 Um Porto virtual Seguro? Quem quer levada? Tem; quem quer cocada? Tem; a massa que rebola, abará, coca-cola. Quem quer miolo? Tem; quem quer crioulo? Tem. O plug a lata d água; prêt-a-porter, anágua [...]. Ta no tabuleiro ponto com mundo inteiro, o balancê, balancê dos balangandâs, um ie, ie, ie, ie, ie, ie no sol das manhãs, na rua te ver [...]. (DEL REY, Tenilson; VASCON, Paulo; ZARATH, Jorge. Groove da baiana. In: Daniela Mercury, disco Sol da Liberdade 2000). A epígrafe, um fragmento de texto extraído da canção Groove da Baiana, relaciona o tabuleiro da baiana ao ciberespaço, enfocando a diversidade de conteúdos que podem compor a atmosfera de ambos espaços. A enumeração de elementos do tabuleiro da baiana pode simbolizar a organização da cidade na internet, apontando a versatilidade de opções que este espaço pode oferecer. Os fatores destacados na canção, embora tenham uma relação sutil com questões sociais e econômicas, deve-se considerar, são elementos culturais propulsores da atividade turística, por comportarem-se como elementos simbólicos da cultura e da economia do Estado da Bahia. Portanto, pode-se dizer que este fragmento de texto traduz, como uma analogia perfeita, a função do ciberespaço junto ao desenvolvimento socioeconômico dos destinos turísticos, em que se pode ressaltar a possibilidade de potencialização da atividade, a partir da comunicação dos aspectos locais. Ainda nessa mesma analogia, não bastasse os incontáveis produtos oferecidos, o tabuleiro também é um espaço extremamente dinâmico e democrático, onde todos podem opinar, comprar, comer e interagir com as mesmas possibilidades, iconizando a democratização da informação e vários outros aspectos que fomentam a atividade turística. De fato, há, disponível na internet, uma série de representações do município de Porto Seguro, das quais a maioria (ou todas elas),

170 180 está longe de representar a complexidade social do local bem como toda a potencialidade turística. Estas representações apenas apontam aspectos voltados para o estímulo a práticas festivas e à exaltação da natureza exótica. Esses locais virtuais, geralmente, constituem extensões de empresas, sendo pouco voltados para o estímulo à democracia e à interação social, funcionado apenas como um dispositivo de marketing. Essa constatação deu-se após visitação e análise de sites, buscado o entendimento da correspondência entre os aspectos sócio-econômicos locais e as potencialidades (as novas possibilidades de ação e interação) da internet, observando-se também o imaginário turístico propagado pelo meio. A pesquisa ocorreu no período de 26 de novembro a 06 de dezembro de 2004, depois de concluídos os estudos sobre o imaginário e a dinâmica do município, bem como sobre os aspectos comunicacionais da internet. A discussão com que se inicia esta pesquisa exploratória foi a definição da metodologia. O desconhecimento sobre um método específico para análise de sites de cidades turísticas, implicou em uma problematização acerca da melhor maneira de se entender as representações do município nesse ciberespaço, considerando a exploração das várias práticas turísticas no local. A princípio, pensou-se que o método adequado seria simplesmente o etnográfico, afinal tratava-se de uma pesquisa em um espaço, o ciberespaço. Contudo, constatou-se que esse método não corresponderia exatamente ao processo uma vez que o campo de pesquisa não permite a experimentação do local. O segundo método cogitado foi o intencional não probabilístico por julgamento, afinal, como já tinha ocorrido uma visitação para reconhecimento do (ciber)campo a ser pesquisado, verificou-se que era preciso selecionar alguns sites para análise, afinal pelo sistema de busca utilizado, o Google, muitos deles se repetiam, outros estavam indisponível para visitação e outros não apresentavam estrutura e conteúdo que merecessem maior atenção. Contudo, a necessidade

171 181 de deslocar-se pelos sites que seriam analisados e, considerando, possíveis sensações que estes deslocamentos virtuais viriam a proporcionar, era preciso um método de pesquisa que também privilegiasse uma vivência virtual. Portanto, a metodologia estipulada para a pesquisa foi definida como intencional não probabilística por julgamento etnográfica. Através do sistema de busca Google ( com o título Porto Seguro Bahia, a pesquisa realizou-se em análises de sites selecionados a partir de sua atratividade e facilidade de navegação, que ao estimularem uma flanerie virtual culminou em um processo etnográfico de estudo. O sistema de busca escolhido deve-se à consideração de que este seja um caminho para turistas encontrarem informações sobre o local que desejam experimentar. Por atratividade foram definidas a velocidade de conexão e a organização e designer do site. Assim, entendeu-se que quanto mais rápido a conexão mais facilmente o usuário pode se deslocar pelo espaço virtual; quanto mais simples a arquitetura do site, com cores, tipos e imagens harmoniosos e com efeitos que não desviam a atenção, mais conforto visual se propõe ao navegante; e quanto mais direta as informações contidas nos links mais facilmente pode-se conduzir o internauta aos outros links do site. Por fim considerou-se que esses três aspectos, a partir das características do meio, podem proporcionar ao navegante uma rápida leitura semiótica. Partindo desses pressupostos, dos 780 sites visitados, foram analisados 108 que correspondem ao modelo non-grounded cybercity. Para melhor apurar as sensações, a pesquisa foi realizada em períodos de tempos estipulados em quatro horas consecutivas no turno matutino e quatro no turno vespertino, com três horas de intervalo entre os períodos. Essa delimitação foi importante para que sensações como cansaço e saturação, não interferissem no processo analítico. O ambiente também foi preparado para deixar o pesquisador centrado apenas no que via pela rede, sem se envolver com estímulos externos. Assim, durante o período da pesquisa, as portas e janelas do ambiente

172 182 mantiveram-se fechadas, bem como se bloqueou o máximo possível de intervenções como telefonemas ou outros sons que pudessem desviar a atenção. A pesquisa deu-se obedecendo aos critérios de um formulário (anexo 1) devidamente organizado, baseado em um modelo disponível no site do grupo de Pesquisa em Cibercidades 24 da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. O formulário está divido em três tópicos que envolvem conteúdo, exploração das características do meio, categorias de atitudes evidenciadas, além de uma lacuna destinada a observações feitas sobre o designer, a velocidade de conexão e os tipos de links disponíveis. Os sites analisados estão enumerados no anexo 2 (dois). A estruturação do formulário deve-se às constatações feitas no capitulo anterior sobre o imaginário turístico do município e sobre a sua dinâmica sócio-econômica bem como a partir dos depoimentos dos turistas. Considerando que o desenvolvimento sustentável da atividade turística resulta do entrelaçamento de aspectos econômico, político e social e, então, entendendo a cidade virtual como uma extensão da cidade, buscou-se identificar nos sites uma concepção o mais aproximada possível do senso do local, cogitando o inter-relacionamento, de modo sinérgico, entre os membros de um mesmo grupo cultural e/ou de uma mesma comunidade turística. Por essa perspectiva, estipulou-se como conteúdo de análise o mínimo possível de fatores que podem ampliar a compreensão dos nativos sobre sua própria ambiência e que o estimulem a opinar sobre ações políticas e socioeconômicas locais. Considerou-se, entretanto, que esse conteúdo não apenas deva estimular o internauta turista ao deslocamento físico, mas também o permita executar ações que agilizem o seu período de estadia na cidade. Assim concluiu-se que era necessário encontrar em uma única representação virtual, informações gerais sobre a localidade, informações jornalísticas, educação, prestação de serviço, comércio eletrônico e 24

173 183 interatividade, que foram os aspectos estabelecidos como conteúdo para a análise dos lugares digitais referentes a Porto Seguro. A partir desses conteúdos, estimula-se que o internauta possa desenvolver uma compreensão mínima sobre a dinâmica do local no espaço físico, o que pode proporcionar-lhe uma concepção da cidade enquanto um composto orgânico vivo. Com essa perspectiva, admitese a possibilidade de se edificar (em longo prazo) uma coerência intelectual e operacional entre turistas, empresários, políticos e nativos sobre as acepções acerca do local e as atitudes desenvolvidas como práticas turísticas. Como interação, foi evidenciada qualquer ação que proporcione o contato humano, considerando a relação com o local representado ou com outras pessoas através de s, chats de conversação ou fóruns. Por prestação de serviços, incluiu-se a reserva de diárias e de passagens, locação de automóveis e/ou outros serviços que dinamizem a atividade turística. As informações estipuladas deveriam referir-se a dados estatísticos e geográficos, informações históricas e da atualidade do município, ressaltado o número de bairros, de hospitais, de escolas, de bancos (com seus respectivos postos de auto-atendimento) bem como qualquer informação que amplie a descrição da cidade. Compreendeu-se que a educação, nesses espaços virtuais turísticos, deve proporcionar orientações para turistas e nativos sobre os cuidados com o meio ambiente e com o patrimônio histórico bem como a disponibilização de estudos científicos, enfocando aspectos referentes à atividade turística, à cultura e à organização social. Também se considera como educação, orientações sobre os cuidados com perplexidades sociais e sobre a forma adequada de comportarse e vestir-se no local. Por fim, foram consideradas como e-comerce a venda e compra de utensílios e objetos pela rede e, por jornalismo informações sobre o cotidiano do município, o que poderia proporcionar uma concepção mais geral sobre a dinâmica do local.

174 184 Poder-se-ía comparar as atuais extensões do município no ciberespaço às cidades européias do final da Idade Média, com seus problemas de infra-estrutura urbana, caminhando para descobrirem suas verdadeiras vocações e funções. Assim, a batalha dos burgueses para a edificação dos centros comerciais, pode corresponder às tentativas dos atuais webdesigners em construírem edificações fiéis, através de signos, ícones e significações, no espaço virtual para poderem sinalizar a potencialidade turística do município. Hotéis, restaurantes, a Prefeitura Municipal, a Cidade Alta, a Passarela do Álcool e muitos outros espaços de Porto Seguro estão presentes no ciberespaço, em locais que pouco ou quase nada contribuem para a promoção de debates públicos e para a prestação de serviços à comunidade cívil. Pode-se dizer que apenas um dos locais analisados pode traduzir a sua complexidade sócio-econômica, apresentando a preocupação em desenvolver a democratização da informação, ao disponibilizar para a população local espaços em que possa expressar opiniões referentes ao cotidiano. Este site, explora as características do meio e oferece ações que agilizam a estadia do turista no local. Contudo, de modo geral, muito pouco ou quase nunca se fala na melhoria da localidade, apenas exalta-se o multiculturalismo como uma forma de se propagar aquele imaginário turístico identificado no capítulo anterior. Natureza exótica, sensualidade e liberdade são os principais temas apresentados pelos sites. Em português ou em qualquer outro idioma, principalmente o inglês, Porto Seguro está presente na rede como o local da diversão, da descontração e do se querendo tudo pode, como está evidenciado nos textos abaixo retirados de sites analisados. Porto Seguro [...] conhecido por ser o local do descobrimento do Brasil. Carnaval é especialmente animado e o local é conhecido por sua agitada vida noturna e pelas comemorações do ano novo. Índios Pataxós, ainda vivem em Porto Seguro, pescando e fazendo artefatos para venderem aos turistas no centro da cidade histórica, onde tem interessantes igrejas, adoráveis jardins e uma bela visão panorâmica. A área em volta de Porto Seguro é uma densa reserva da Mata Atlântica. Cruzando a baía, chega-se ao Arraial d Ajuda, um cenário admirável em um

175 185 penhasco irregular com tranqüilas praias. O centro é cheio de bares e restaurantes e tem uma boa vida noturna. Ao longo da costa, está Trancoso, uma pequena e simples vila conhecida por ter as mais bonitas praias do Brasil. 25 In: Turista tem muito o que fazer nas noites 'arraialenses'[...] Não há espaço para o tédio em um território repleto de bares, boates com infra-estrutura completa, bar e ambientes com efeito hi-tech. O roteiro da nigth obrigatoriamente passa pela Brodway, Estrada do Mucugê e Beco das Cores [...] Homens bonitos, geralmente estrangeiros tostadinhos e gatinhas que capricham no visual (nada de encarnar Gabriela Cravo e Canela e perambular por lá no modelito de chita, hein meninas!) sobem e descem a ladeira de paralelepípedos, atentos a olhares, e disparando olhares. Não sei que tipo de magia paira no ar, que faz com que Arraial D'Ajuda desencalhe seus visitantes. Que lá todo mundo se arranja, ah! isso é verdade. In: Assim como nesses dois exemplos, em quase todos os sites analisados há a propagação do imaginário turístico do local (evidenciado anteriormente) bem como construções que traduzem e fomentam o processo de espetacularização da cultura local, como pode ser observado no primeiro texto sobre os índios Pataxós. Logo, pode-se dizer que na maioria desses espaços virtuais, ou melhor em todos o sites analisados, que oferecem informações sobre o município, estas estão limitadas a propagar o imaginário já identificado em outros mecanismos de comunicação. Nenhum dos espaços virtuais analisados contemplou todos os aspectos estipulados. Muitos nem mesmo exploram as características do meio para a contextualização do município, o que poderia permitir ao turista uma maior percepção do cotidiano. As informações, em sua maioria, referemse à descrição de hotéis e de alguns atrativos turísticos, em geral, evidenciando as praias e as casas noturnas. 25 Porto Seguro, in the extreme south of Bahia including Arraial d Ajuda and Trancoso is another Bahia destination that has been selected by DiscoverBrazil.. Carnival here is especially lively and the town is known for its vibrant nightlife and New Year s Eve celebrations. Pataxo Indians still live near Porto Seguro, fishing and making handicrafts to sell to tourists and the town itself has a historical city on top of the hill with some interesting churches, lovely gardens and wonderful panoramic views. The area around Porto Seguro is a densely forested nature reserve of original Atlantic forest. Across the bay lies Arraial d Ajuda, which is set high on a cliff overlooking a rugged coastline with idyllic beaches. The town is full of bars and restaurants and has a good nightlife. Further along the coast is Trancoso, a simple little village known for having some of most beautiful beaches in Brazil.

176 186 Considerando o conteúdo estipulado para o critério informação, pode-se destacar, como o melhor estruturado, o site Este oferece um arsenal de informações referentes ao município, constituindo-se como um bom local para a identificação de algumas prestadoras de serviços úteis ao turista, e de um modo mais genérico também à população local. Contudo, o site não proporciona prestação de serviços, nem educação, nem e-comerce. Nesse site, pode-se encontrar informações gerais sobre o município, como aspectos geográficos, localização, também enumeração de estabelecimentos comerciais, telefones e endereços de prestadores de serviço como hospitais, postos de saúde, empresas de transportes e bancos. Ainda constam informações sobre o calendário de eventos, sobre os centros culturais e enumeração das principais atividades econômicas. O jornalismo, nesse site, apresenta caráter sensacionalista, noticiando apenas aspectos positivos do município ou fatos que podem interassar a um grupo específico de turistas que procura por festas e diversões. Além do mais, o site é extremamente desatualizado. No período da pesquisa, a última notícia, por exemplo, datava do dia 09/04/2003, o que não condiz com as idéias centrais sobre a internet: dinamicidade, agilidade e instantaneidade da informação. De modo geral, o jornalismo referente ao município é voltado para notícias turísticas, pouco se decodificam as ações cotidianas. As realizações populares, os conflitos sociais, as situações reais dos bairros (os bairros nem constam nos sites) e as perplexidades sociais não são pautas da maioria dos sites que oferecem jornalismo. Da totalidade de espaços que apresentam este conteúdo, apenas três são totalmente referentes ao município de Porto Seguro, as outras notícias estão veiculadas em extensões de jornais impressos de circulação nacional ou em portais que aproximam cidades turísticas. Dos espaços referentes ao município que oferecem jornalismo o e o limitam-se a notícias voltadas para a contemplação do local,

177 187 divulgando apenas aspectos festivos e comemorativos. O uma revista quinzenal local, apresenta uma dinâmica diferente, buscando utilizar o espaço como um local de informação jornalística, tanto enfatizando as vivências e necessidades de informação da população, decodificando as ações locais, quanto apresentando notícias referentes à pratica turística. Assim, o site apresenta dois links jornalísticos denominados, informações à comunidade e informações aos turistas. No link informações à comunidade, tem-se notícias sobre a rotina da cidade. As sessões temáticas estão divididas em sete temas, envolvendo políticas e administração pública, educação, cidade, esportes, arte e cultura, cartas, gente. Assim, pelo site, pode-se ter uma noção das realizações sociais e políticas do município. O outro link, informações aos turistas, no período da pesquisa estava indisponível. Contudo, o site também propõe debates públicos, através de uma enquete. Na ocasião da pesquisa, o tema referia-se à identidade nacional, questionando se a história do Brasil deveria continuar a ser contada pela lógica dos dominadores ou se era preciso rever a narrativa, esclarecendo as entrelinhas dos fatos (mais de 90% dos usuários tinham votado na segundo opção). Educação e e-comerce são os aspectos menos freqüentes na rede, referente ao município. Oito sites apenas contemplam a educação, apresentando estudos científicos, versões sobre a história local, inclusive um que apresenta linguagem infantil, de modo a orientar a criança sobre as peculiaridades do local e explicações sobre a fauna e a flora, bem como sobre construções arquitetônicas e sobre a cultura do município. Também constam orientações sobre a forma de conduta no local (evidenciando o respeito à natureza). No um site voltado para o turismo sexual, há regras contra prostituição infantil, ressaltando as punições legais nacionais (o site é voltado par o turista estrangeiro), além de conter também normas para a utilização do site. Contudo, não há, em

178 188 nenhum momento alerta quanto à não destruição do local e o incentivo à de cenários naturais e urbanos, fator tão relevante no depoimento dos turistas, registrado no capítulo anterior. O e-comerce é pouco explorado. Este aspecto é freqüentemente encontrado em sites de imobiliárias, que disponibilizam vendas on-line de imóveis. Como no caso do site extensão de uma empresa paulista que vende loteamentos em Trancoso. O negócio pode ocorrer em tempo real uma vez que o usuário pode entrar em contato direto com o vendedor, através de uma caixa de diálogo. Esta prática sinaliza a emergência das empresas Lone Eagles e High Fliers, apresentadas no capítulo anterior. Na busca também foram encontradas vendas de obras de arte, produzidas por artistas locais bem como de outros objetos (roupas, eletrodomésticos). As empresas hoteleiras utilizam a rede para oferecerem seus serviços on-line. Estas, que constituem a maioria das representações do município na internet, estão fomentando uma cultura comunicacional virtual que envolve a organização de links que conduzem o usuário a trafegar por todo o hotel e em alguns espaços exóticos do município, antes de realizarem as reservas de suas diárias. Geralmente, essas extensões de hotéis apresentam em sua estrutura links denominados Reservas (permitindo a execução de reservas diárias); Contate-nos/Fale conosco (promove interação do navegante com a empresa); Serviços (descreve os serviços do hotel); Conheça nosso hotel (apresenta as instalações do hotel). Nessas extensões de hotéis, geralmente aparece o link Passeio Virtual, onde estão enumerados alguns atrativos turísticos, demonstrados através de fotografias e um pequeno texto com a função de estimular o ciber-cidadão ao deslocamento físico, exibindo paisagens exóticas, praias tropicais, shows contagiados por multidões enlouquecidas, lindas mulheres e garotos fortes e um pouco de história, propagando o mito do descobrimento. Contudo, outros serviços são oferecidos na rede, por outras empresas (imobiliárias, agências turísticas, e demais prestadores de

179 189 serviço) como locação de automóveis, aluguel de casas para temporada, reservas de passagens aéreas e/ou terrestres, matricula em aulas de dança, e entre outros, também a prestação de serviços sexuais. A interação, na grande maioria, proporciona uma relação direta apenas com empresa prestadoras de serviços. Poucos sites oferecem chats e fóruns, ou caixas de diálogo ou enquetes. Os fóruns dos sites locais são pouco freqüentados, o que se observa em alguns locais são espaços para turistas disponibilizarem suas experiências ou deixarem seus recados. Não há de fato estímulo à cidadania e à democracia, nas salas de bate papo. Apenas algumas poucas enquetes, incitam a discussão. De modo geral, constata-se que, de alguma forma, todos os sites oferecem algum tipo de informação. A prestação de serviços ainda é limitada à rede hoteleira; não há exatamente o que se poderia chamar de educação para o turismo, embora se registre a presença de sites que têm por função fornecer pressupostos científicos sobre o turismo e sobre aspectos locais. A prática do e- comerce não contribui positivamente para a dinâmica do comércio local, ao contrário, apenas ratifica a discussão do tópico de que a cibercultura está fazendo proliferar as divergências entre ricos e pobres, afinal, enquanto as empresas com maior capacidade técnica e financeira alcançam cada vez mais públicos distantes, pode-se dizer que mais e mais as pequenas empresas (geralmente as empresas locais) perdem espaço no cenário competitivo do mercado. Ainda, o que se pratica como jornalismo reproduz, na maioria dos casos, a prática da impressa marrom, noticiando apenas o ilusório, o espetáculo, em vez de usar o meio para promover realmente a democratização da informação que é a função principal do jornalismo. E falando em democratização é possível ratificar que o que se encontra por interação nas representações virtuais de Porto Seguro são espectros de uma economia capitalista e de um sistema tecnocrático. Por um lado, tem-se um montante de empresas voltadas para interagir com

180 190 possíveis clientes, no sentido de fazer-lhes reservas de seus serviços; por outro, sites que apresentam chats e fóruns não oferecem temáticas capazes de fazer o usuário refletir sobre sua condição humana nem mesmo sobre os aspectos contemporâneos de sua cidade. Não existe uma interação entre a comunidade civil e os setores públicos e empresariais que poderiam caracterizar uma democracia social e sinalizar uma melhor organização do local. Não há também uma interconexão na rede nas representações de Porto Seguro. Assim, todos os conteúdos estipulados para a pesquisa estão presentes na rede, na maioria das vezes, dissociados, aparecendo com a freqüência identificada pela tabela que se segue (tabela 1.1) Presença total dos conteúdos nos sites analisados Conteúdo: Interação Prest. de Serviços Informação Educação E-Comerce Jornalismo Número total de sites em que se identificam os conteúdos: Em 76 sites ( 70; fórum 5; chat 5 caixa de diálogo 11) Em 65 sites Em 111 sites Em 8 sites Em 8 sites Em 21 sites Tabela 1.1 Com relação às características da internet, constata-se que estas não são devidamente aproveitadas, o que dificulta ao usuário um melhor entendimento da dinâmica do município ou mesmo melhor interagir com os locais, realizando ações que possam agilizar sua permanência enquanto turista. Apenas nos endereços e foram

181 191 contempladas todas as características do meio. De modo geral, observa-se a exploração da hipertextualidade e da heterogeneidade. Em poucos sites, observa-se o princípio da metamorfose, este geralmente aparecem em espaços jornalísticos e em imobiliárias e agências. Também o princípio da exterioridade não é tão evidente. A maioria das representações do município apresenta estrutura fixa, principalmente quando se trata de hotéis. Estas empresas utilizam muito da heterogeneidade, da hipertextualidade e da mobilidade dos centros para apresentarem suas acomodações, compartimentos e mostrarem os serviços oferecidos. Por se tratar de edificações isoladas, geralmente, não há exterioridade, por isso, na maioria das vezes, ao entrar em um hotel virtual, o usuário não consegue deslocar-se para outro espaço, o que culmina também na não utilização do princípio topologia, afinal, nesses hotéis virtuais estão aproximadas apenas as instalações da própria empresa e alguns aspectos do cenário urbano e natural. Em sites de imobiliárias ou agências de turismo, observa-se a exploração da topologia, aproximando localidades em links, que, geralmente, não se convertem em ampliação do conteúdo originário, mas sim, que levam o usuário a outro espaço, acrescentando-lhe outras informações também superficiais. Nesses sites, fica fácil deslocar-se de hotel em hotel, ou, em poucos casos, dar um passeio virtual pelo município. Mas esse é um caminho sem volta, afinal, muitas vezes não há como retornar sem sair do site linkado. Portanto, pode-se dizer que sites referentes ao municio de Porto Seguro ainda não constituem verdadeiras representações do local, mas sim, simulacros isolados, que proporcionam ao internauta apenas ilusões referenciais e limitadas. Como o demonstrado na tabela abaixo (tabela 1.2), alguns recursos são mais explorados que outros, o que contribui para a necessidade de planejar melhor o município de Porto Seguro no ciberespaço, na tentativa de representá-lo como um composto orgânico vivo.

182 192 Características do meio encontrada nos sites analisados Características Total de sites que apresentam a característica Hipertextualidade Encontrada em 102 sites Metamorfose Encontrada em 43 sites Heterogeneidade Encontrada em 77 sites Multiplicidade Encontrada em 26 sites Exterioridade Encontrada em 15 sites Topologia Encontrada em 60 sites Mobilidade dos centros Encontrada em 57 sites Tabela1.2 Partindo da necessidade de se pensar um modelo de cidade virtual adequado à potencialização do turismo, enquanto uma atividade sustentável, deve-se ressaltar a importância também da exploração das categorias de atitudes, verificando a priori como estas vêm sendo utilizadas nas atuais extensões do município. Assim, nos sites analisados, identificou-se a utilização dessas categorias em representações de hotéis, agências de turismo e imobiliárias. Apenas a categoria analogia aparece em quase todos os sites. A substituição foi identificada em imobiliárias; a assimilação em hotéis virtuais e a articulação é uma categoria de atitude bastante utilizada por agências de turismo e imobiliárias, pondo o usuário em contato direto com hotéis ou, no segundo caso, com o locatário ou o proprietário de imóveis. O total de exploração das categorias de atitudes pelos sites analisados está identificado na tabela abaixo (tabela 1.3). Categorias de atitudes disponibilizadas nos sites Total de sites que disponibilizam a

183 193 Tabela 1.3 A análise dos sites indica que ainda muito tem que ser feito e estudado para se edificar uma estrutura virtual capaz de realmente não só representar a dinâmica do município, como também propor novas ações locais. É preciso, portanto, pensar em um modelo de cidade que possa ampliar as bases de um desenvolvimento turístico sustentável, na qual o ciberespaço seria um elo entre as várias comunidades que compõem o cenário e a dinâmica do município. Conteúdos, características do meio e categorias de atitude devem ser melhor redefinidos junto às projeções virtuais do local, de modo que os internautas possam realmente utilizar a internet como um espaço de agilização das ações e de democratização sejam essas através da possibilidade de participação nas decisões políticas e administrativas, sejam através da fomentação de uma competição mais justa entre as empresas. Contudo, essa redefinição deve partir do posicionamento da população sobre o próprio local, sem o que seria constituiriam uma ação tecnocrática. Nesse sentido, a internet pode ser usada como um espelho da sociedade, apresentando os ícones e símbolos eleitos pelos moradores e visitantes do município. Também se deve pensar na edificação dessa estrutura virtual, como forma de pôr em sinergia e em pé de igualdade, com relação aos destinos da cidade, ricos e pobres, patrões e empregados e demais tipos antagônicos, que diariamente compõem a ambiência do local, fomentando os processos de hibridismo cultural, multiculturalismo e de mutação da identidade. O processo é difícil e lento, afinal conciliar intenções capitalistas, se não utópica, é uma atitude bastante prodigiosa. Contudo o estudo sobre a vontade da população, associado a um estudo sobre o planejamento urbano pode ser um caminho para se chegar a um consenso acerca

184 194 de uma representação virtual da cidade. Para tanto, no próximo tópico, será iniciada uma discussão sobre a melhor forma de se projetar o município no ciberespaço, a partir das perspectivas de representantes da população local e de índios Pataxós (os donos do espaço!?), entendo as expectativas destes com relação ao uso da internet junto à resolução de suas problemáticas.

185 3.4. NAVEGAR É PRECISO. VIVER É PRECISO TAMBÉM 195

186 Por que não uma aldeia global no ciberespaço? Box 1. Escola Indígena Pataxó Fotografias Moabe Breno. Escola indígena Patoxó. Localizada na aldeia urbana, em Cora Vermelha, município de Santa Cruz Cabrália. A escola apresenta uma boa infra-estrutura comunicacional. TV com antena parabólica e internet via satélite estão disponíveis para alunos, professores e demais integrantes da comunidade. Estudar o município de Porto Seguro para propor a sua representação virtual não é tarefa fácil diante da imensidão de aspectos e etnias que compõem a sua dinâmica. Assim, com base na história, elegeram-se fatores preponderantes na sua identificação, de modo que na sua transposição para o ciberespaço, deva-se privilegiar os elementos mais simbólicos do local, buscando, evidentemente, tratá-los sem espetacularização, mas sim, criando perspectivas de melhorias sociais e do próprio homem, que funcionem como estímulo à perpetuação da cidade na rede. Onde nasceu o Brasil? Indubitavelmente, o mito do descobrimento e a idealização do índio enquanto ser puro e ingênuo são fatores de grande força na comunicabilidade turística referente ao município, inclusive no ciberespaço, o que não poderia ser diferente, afinal em

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