Pobreza das Estatísticas de Bem Estar: Questionários Sobre Felicidade Podem Ajudar?*
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- Lucas Rijo Meneses
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1 Pobreza das Estatísticas de Bem Estar: Questionários Sobre Felicidade Podem Ajudar?* Rubens Penha Cysne** O PIB mede tudo... Exceto o que faz a vida valer à pena (Robert Kennedy) Em última instância, o objetivo das ciências sociais como um todo, economia em particular, é elevar o bem estar da população. Como mensurar adequadamente tal variável, entretanto, é uma questão em aberto. A chamada economia da felicidade reconhece as limitações das estatísticas de renda e riqueza como variável representativa de bem estar e procura subsidiar tal tipo de mensuração utilizando questionários onde cada indivíduo responde diretamente sobre tal assunto. De modo geral, a carência de estimativas universalmente aceitas de bem estar tende a fazer com que discussões da mídia sobre o crescimento do PIB ou, no caso particular do Brasil, sobre o índice de concentração de renda de Gini, tomem em demasia espaço que deveria estar aberto a questões mais amplas. Como um leitor mediano de jornal vivendo em cidades com alto grau de criminalidade, por exemplo, encara a exaustiva repetição das discussões públicas sobre os reflexos da nova taxa do Copom no crescimento do PIB; ou sobre uma queda na segunda casa decimal do coeficiente de Gini; ao mesmo tempo em que seus direitos básicos à vida, à saúde, e mesmo à liberdade de ir e vir são ameaçados a cada momento? Difícil dizer. Inicialmente, é preciso deixar claro que mesmo as estatísticas econômicas mais sedimentadas na literatura especializada estão sujeitas a oscilações abruptas (como o crescimento do PIB trimestral); a variações pouco representativas do curso de longo prazo, alteradas que são em função do ciclo político (como o crescimento do PIB ocorrido no espaço de um a cinco anos); bem como a importantes erros de interpretação das mensurações efetuadas. A discussão sobre eqüidade baseada apenas no coeficiente de Gini é um exemplo do último ponto acima. Primeiro, é preciso lembrar se trata de variável que responde ao ciclo econômico, tendo em vista que seu valor depende do índice de desemprego no momento da mensuração [Cysne (2008, a sair, Review of Economics and Statistics)]. Segundo, coeficientes de Gini são fotografias estáticas que medem a distribuição de renda em certo ponto do tempo, mas não alguns aspectos em geral mais importantes relacionados à eqüidade: a possibilidade de ascensão vertical e a igualdade de oportunidades. Ainda mais preocupante, muitas das políticas que visam a reduzir a concentração de renda estaticamente medida pelo coeficiente de Gini podem estar, na verdade, reduzindo as possibilidades de ascensão social. Tome-se, por exemplo, os reflexos negativos sobre o emprego e o investimento da taxação exagerada com fins puramente redistributivos. Com o intuito de complementar a utilização corrente do PIB per capita como variável de bem estar, as Nações Unidas têm divulgado, desde 1990, o Índice de Desenvolvimento 1
2 Humano (HDI Human Development Index). Trata-se, tal índice, de uma tentativa de agregação (com pesos iguais) em um único número de medidas representativas não apenas de renda (corrigida pela paridade de poder de compra), mas também de educação e de saúde (medida pela expectativa de vida ao nascer). Claro é que se podem contestar os pesos iguais nestas três variáveis 1, bem como o fato de várias outras questões relacionadas ao bem estar não serem incluídas no cálculo do HDI (como, por exemplo, igualdade de oportunidades, confiança mútua, segurança física, segurança jurídica, segurança regulacional, segurança tributária etc.). O próprio Amartya Sen, um dos criadores do índice, referiu-se ao mesmo como uma medida vulgar de bem estar. A questão que abordamos no restante deste artigo diz respeito ao seguinte: será que índices como este, ou outros que possam vir a ser sugeridos, poderiam se beneficiar da incorporação de informações derivadas de questionários sobre o bem estar subjetivo de cada um? A profissão de economia costuma dar muito mais atenção ao comportamento observado dos agentes econômicos do que às suas respostas diretas a questões sobre suas preferências ou sobre o seu grau de felicidade (aqui entendida como bem estar subjetivo ). Admite-se em geral que o comportamento observado já inclui todas as informações relevantes sobre o indivíduo. Claro que informação adicional oriunda de questionários não seria nociva, mas o benefício em geral não se equipararia ao custo de obtê-la 2. São vários os motivos pelos quais questionários costumam ser pouco utilizados no estudo de questões econômicas. Em primeiro lugar, admite-se que a ação no mundo real embuta custos que respostas não compromissadas a questionários não incorporam: put your money where your mouth is, costumam exigir os mais céticos. Na visão dos economistas, o fato de a informação oriunda de questionários poder ser dada sem custos significativos da parte dos respondentes comprometê-la-ia. Segundo, respostas a indagações sobre bem estar ou felicidade podem variar em função do humor do momento. O respondente pode ter dormido bem ou mal naquele dia; ou o seu time de futebol preferido pode ter feito boa ou má campanha no dia anterior, e assim por diante. Graham (2005, p. 212), por exemplo, reporta que a correlação simples da felicidade de um ano com a felicidade no ano anterior em pesquisa efetuada na Rússia foi de apenas Néri (2008b) provê uma discussão sobre este ponto específico. Veja também Neri (2008a) para uma leitura complementar a este artigo. 2 Talvez por isto a palavra survey tenha vez ou outra conotações diferentes para estatísticos e economistas. Para os primeiros, é comum associá-la à elaboração de questionários; para os segundos, fazer um survey é expressão que denota em geral a elaboração de uma redação resumo sobre certo tema, a partir da leitura de vários trabalhos já dispostos na literatura. 2
3 Terceiro, e principalmente no que diz respeito às comparações internacionais, que exigem traduções, a forma como se faz a pergunta pode influenciar decisivamente na resposta dada por cada agente. Bertrand e Mullainathan (2001) fazem a pergunta do people mean what they say? para abordar estes três tipos de problema. Quarto, e não menos importante, a felicidade reportada em questionários costuma se delimitar não apenas em função da situação vivida e dos gostos de cada agente econômico, fatos que interessam mais diretamente na formação de decisões objeto de estudo dos economistas, mas também em função das aspirações de cada indivíduo vivenciando aquele momento. Uma vitória do time de futebol quando se esperava uma derrota tende a gerar mais felicidade do que uma vitória pelo mesmo placar quando se esperava um jogo fácil 3. No segundo caso, a aspiração inicial, variável deflacionadora da experiência observada, teria sido moldada de forma mais ambiciosa, reduzindo a sensação final de felicidade reportada. Alguns admitem que este quarto ponto poderia servir como uma das possíveis explicações para o chamado paradoxo de Easterlin 4 : o fato de a felicidade reportada não se elevar de mesmo montante na medida em que os países enriquecem ao longo do tempo; ou de pessoas em países mais ricos não serem necessariamente mais felizes 5. Admite-se, em geral, em função de tais observações, que a renda absoluta seja importante até certo ponto, a partir daí tendendo a haver uma preponderância da renda relativa na formação da felicidade. Economistas treinados na formação clássica talvez preferissem refrasear o parágrafo anterior utilizando jargões da profissão tais como consumo conspícuo [Veblen (1889)]; utilidades interdependentes (catching up with the Joneses); picos prévios de consumo [Duesenberry (1949)] ou formação de hábito, [Abel (1990)]. Psicólogos, por outro lado, talvez preferissem referir-se à teoria psicológica dos conjuntos 6. 3 Um trabalho clássico sobre este tipo de fato é Stouffer (1949), que estudou os diferentes reflexos, na felicidade reportada, entre promoções no exército e na Força Aérea americana. Stouffer verificou que os promovidos no Exército, onde estas são mais raras, tendiam a reportar maior grau de felicidade do que os promovidos na Força Aérea. 4 O nome deriva de Richard Easterlin, um dos pioneiros do estudo da economia da felicidade. Grosso modo, Easterlin concluiu em seus estudos que pessoas ricas tendem a ser mais felizes que pessoas pobres em um mesmo país, mas que tal correlação não necessariamente se aplica em a mesma clareza quando se observam diferentes países ou o mesmo país ao longo do tempo. 5 Para uma contestação empírica recente deste fato estilizado da literatura tradicional sobre o tema, veja Deaton (2007). No dizer de Néri (2008a): o trabalho de Deaton reembaralhou as cartas de felicidade com as notas de dinheiro. 6 Tal teoria admite que os indivíduos teriam como alvo um certo conjunto de situações (determinado não apenas em função de bens e serviços, mas também por variáveis fora do campo de observação usual da economia). Tal conjunto seria bastante volátil, adaptando-se prontamente em função, por exemplo, de um prêmio de loteria ou de uma má notícia relativa a um relacionamento. Neste contexto, a felicidade reportada seria função da distância (de métrica também psicológica e idiossincrática) entre o ponto vivenciado e o ponto previamente desejado. Observa-se, em geral, que a adaptação ao desemprego e a choques de saúde encontra-se entre as mais difíceis. 3
4 Qual enfoque escolher para modelar o deflacionamento das sensações vividas em função das aspirações previamente moldadas, trata-se de ponto à escolha do freguês. A abordagem econômica, baseada em geral apenas no consumo observado de bens e serviços, pode ser mais formalizável e empiricamente testável, mas é também certamente mais limitada (haja visto o epígrafe deste artigo). Há também, e isto deve ser deixado claro, pontos de defesa bem elaborados utilizados por aqueles que valorizam perguntas diretas a consumidores. Para citar apenas três destes, em primeiro lugar as perguntas poderiam ser inadequadas para medir graus absolutos de felicidade, mas úteis nas comparações relativas entre diferentes grupos de indivíduos. Segundo, a observação de outras variáveis correlacionadas pode ser usada objetivando-se o filtro de alguns vieses. Terceiro, a psicologia têm dado suporte a respostas sobre felicidade mensurando outros aspectos comportamentais que estariam ligados à mesma (sorriso, por exemplo). De qualquer forma, o importante seria saber até que ponto a formação de aspirações é controlável pelos indivíduos, tendo em vista que isto daria aos mesmos, revertendo as suas expectativas para um mínimo, condições de controlar parcialmente seu grau de felicidade. Para o criador do conceito de Felicidade Nacional Bruta, por exemplo, o rei Jigme Wangchuck, do Buthão, a cultura budista deste país das montanhas no Himalaia não se coadunaria de forma alguma com modelos de bem estar baseados no conceito de renda derivada do PIB. Mas sim com base em valores espirituais que de certa forma possibilitariam o controle da geração de aspirações (ou expectativas consumistas) da parte de seus conterrâneos. Tal controle lhes possibilitaria ser muito mais felizes consumindo muito menos. Induções heurísticas à parte, não se pode negar que as quatro críticas colocadas anteriormente realmente requerem do economista cautela na interpretação dos dados oriundos de questionários. Em particular, cautela na possível geração de recomendações de política econômica baseadas unicamente em tais estudos. Isto, entretanto, não significa que tais dados não possam servir como informação complementar (ainda que não substituta) para se tentar aprimorar as medidas de bem estar. Em particular, para explicar a distância que costuma separar a mensuração do bem estar das medidas de renda per-capita e/ou de crescimento econômico. Referências Abel, A. (1990). Asset Prices Under Habit Formation and Catching up with the Joneses. American Economic Review Papers and Proceedings, Bertrand, M. and Mullainathan, S. (2001). Do People Mean What They Say? Implications for Subjective Survey Data. MIT Economics Paper
5 Cysne, Rubens P. (A sair, 2008) On the Positive Correlation Between Income Inequality and Unemployment. Review of Economics and Statistics. Harvard Deaton, A. (2007). Income, Aging, Health and Wellbeing Around the World: Evidence From the Gallup World Poll. NBER Working Paper Duesenberry L. (1949). Income, Saving and the Theory of Consumer Behavior. Harvard University Press. Graham, C. (2005). Insights on Developments from the Economics of Happiness. Oxford University Press, on behalf of the World Bank. Neri, Marcelo C. (2008a) Dinheiro Traz a Felicidade? Revista Conjuntura Econômica, Fevereiro de Neri, Marcelo C. (2008b). "A Perceived Human Development Index", mimeo, FGV e IADB. Stouffer, S. (1949). The American Soldier. Princeton University Press Veblen, Thorstein (1889) The Theory of the Leisure Class. Republicado em 1967 na coleção Penguin Twentieth Century Classics, NY. *Agradeço a Marcelo C. Néri pelos comentários a uma versão prévia deste texto. A isenção usual se aplica. **Rubens Penha Cysne é Professor da EPGE/FGV 5
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